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História Inafetivo - Formas de amar


Escrita por: larishim

Capítulo 22 - Formas de amar


O dia amanhecera cinzento e chuvoso, apesar do mormaço que fazia pelo ar rarefeito e tóxico, em uma densidade que prende o calor na região. 

As gotas finas caiam fracas contra os vidros quebrados da janela, enquanto os olhos amarelados e astutos da raposa seguiam pelas informações, textos e imagens que estavam expostos na tela holograma que falhava levemente. 

Seus dedos acompanhavam levemente os designs dos equipamentos na tela, tentando projetá-los em sua mente e tentar reduzir o tamanho e os custos para produzi-lo. 

Gael havia chegado há um bom tempo na sala e ficara ali apenas o observando trabalhar, não querendo atrapalhar a concentração alheia. Já o moreno tentava não se deixar abater pelas sensações ansiosas que estar a sós com o maior em uma sala fechada após a noite anterior lhe dava. 

Pela forma como Íris havia tomado a frente em responder suas perguntas sobre o que conversavam, lhe parecia evidente que dissera algo além, o qual evitou tocar no assunto. 

Deveria questionar algo? Estava pronto para ouvir o que a outra havia dito? Haviam falado algo sobre o que ocorrera entre ele e Gael? Era possível, ainda mais por saber que o maior não tinha um parâmetro bem claro em sua mente sobre o que poderia ou não falar para terceiros, ou melhor, para a rosada. 

E algo dentro de si dizia que a mulher havia se aproveitado um pouco desse fato, ainda mais que estavam de certa forma juntos naquilo, como se tivessem algum vínculo de confiança, o que de certa maneira lhe dava credibilidade para que o maior a considerasse como alguém confiável. 

Matteo engoliu em seco ao perceber Gael se aproximar e encarar a tela, a proximidade aumentando o nervosismo no interior do menor. 

O moreno respirou fundo e tentou não deixar tão aparente em seus movimentos o quanto sentia-se mexido com a abrupta aproximação. Ainda estava confuso dentro de si com o ocorrido da noite anterior, era algo que lhe parecia muito delicado e complicado para digerir. 

Quando saíra para tomar um ar, não conseguia parar de relembrar tudo o que fizera e dissera, todas as memórias que pouco a pouco invadiam sua mente. 

Aquela altura não tinha como negar que sentia algo pelo maior, mesmo que fosse algo pequeno, ou não teria dito tudo o que dissera, não teria o cuidado e a preocupação que tivera. 

Definitivamente não acatara a ideia do outro por necessidade física ou por qualquer outro motivo se não pelo sentimento que parecia se acoplar ao seu peito. Mas também não podia dizer que aquele sentimento era realmente amor pela persona de Gael, não enquanto sua mente lhe desse a impressão, mesmo que fraca e sem fundamento, de que o colocava ou o via como um substituto para Bakeneko. 

Tinha a absoluta certeza de que não o observava dessa forma, mas os pequenos fantasmas do inconsciente sempre acabavam por rondar sua mente com questões que antes nem pareciam fazer sentido. 

Seus olhos seguiram para as máscaras de oxigênio empilhadas em uma das mesas, as três lado a lado. A em forma de gato estava no meio enquanto a de raposa a direita e o de corvo a esquerda. Era aquela formação que usavam quando estavam juntos em uma missão, só os três. 

O moreno deixou o que estava fazendo de lado e seguiu até elas, encarando-as e passando o dedo sobre a parte lisa, retirando um pouco da poeira que começava a se formar. 

— Você o amava? — perguntou Gael depois de um tempo olhando o menor perdido em pensamentos enquanto encarava as máscaras. 

O moreno virou o rosto ao ouvir a voz alheia, a pergunta demorando a se processar completamente em sua mente. 

— Hm... Sim, eu... O amava. Talvez mais que eu já tenha amado alguém na vida — pontuou o menor deixando as máscaras de lado e voltando para onde estava. — Não sei se um dia vou deixar de amá-lo. 

— Ele era uma pessoa bem próxima de você? A Karasu falou dele outro dia. Ela também o amava? 

— Era... Ele era a pessoa mais próxima a mim e um pouco mais... Ela disse? Acho que o amor dela era um pouco diferente do meu... 

— Um pouco mais? Como um namorado? — questionou Gael acompanhando o menor sentar sobre a mesa e o encarar em seguida. — Diferente como? 

— É, algo como um namorado... Tem muitas formas de amar, podemos amar alguém como um amigo, algum companheiro, um exemplo, alguém para admirar, como um irmão, como um namorado, são tipos de amores diferentes, intensidade distintas... Como se o amor fosse uma... Figura geométrica. Péssimo exemplo... 

— Acho que entendi, algo que tem a mesma essência, mas com formatos diferentes, ou aparências que nem sempre são as mesmas. 

— Isso. Você parece entender melhor com exemplos menos humanos. 

— Creio que sim... E qual a diferença entre o amor da Karasu e o seu? 

— Bem... Ela o via como um exemplo a seguir, um herói e eu... Também o via assim, mas para mim era muito mais, era alguém que eu seguiria para qualquer lugar, até para o inferno se precisasse... Alguém que eu queria manter protegido, mas que ao mesmo tempo queria que me protegesse... Não sei se você entende a diferença... Ou se faz sentido para você já que nunca sentiu isso... Deve ser difícil compreender algo que não experimentou.

— Não, eu entendi. Eu te vejo assim, como alguém que eu seguiria para qualquer lugar. 

— Não é bem a mesma coisa, Gael... Você só pensa isso porque deve ser alguma ordem colocada em sua cabeça para obedecer... 

— Não. Eu sei que só seguiria você para qualquer lugar. E eu quero te proteger, independente do que seja. 

O moreno respirou fundo e deixou seus olhos se perderem contra os alheios, seu coração falhando uma batida ao interligar a conversa com aquela confissão. Tinha a impressão de que o outro parecia indicar que se sentia daquela forma sem ser por uma obrigação ou programação inconsciente. 

Deveria realmente utilizar o verbo "sentir" naquela situação? 

— Ei, raposinha, gatinho, estão acordados? — Ouviram a voz de Maya ecoar por trás da porta, acompanhada de leves batidas. 

— Estamos, está aberta, pode entrar — respondeu Matteo descendo de cima da mesa e esperando a rosada abrir a porta e entrar puxando Eva pela mão. 

— O que estão fazendo aqui sozinhos de porta fechada, hm? 

— Não o que você está pensando — rebateu a raposa, seu olhar se voltando para Eva que bocejou sonolenta. — Como você está? Parece péssima. 

— Sinto que o caminhão do cansaço e da desesperança passou sobre mim umas dez vezes essa noite. Meus braços estão doendo... 

— Não é para menos, você passou algumas boas horas socando sem parar, corvinha. 

— Pode me chamar de Eva quando estivermos só nós. — A de madeixas azuis ergueu o olhar sonolento para Gael, o encarando por longos segundos. — Acho que não tinha te dito meu nome verdadeiro, mas pode me chamar assim também. 

— Não tinha, obrigada. 

— Não precisa agradecer algo assim. 

— Não? Pensei que deveria agradecer quando alguém faz algo pela gente. 

A de madeixas azuis olhou um tanto confusa e perdida, tentando entender o que aquilo significava. 

— Dizer o nome é como entregar quem você é, não é? Como uma prova de que confia em mim o suficiente. 

— Ah, por isso está agradecendo? — perguntou a azulada esfregando levemente os olhos e se espreguiçando. — Só estou retribuindo o que tem feito. Não precisa agradecer por nada para mim. 

— Ela fica com vergonha, é tão tímida — zombou Matteo com sarcasmo, vendo a mulher lhe direcionar o dedo do meio. 

— Ei, raposinha, tenho algo para te perguntar — anunciou a mulher mais baixa se encaminhando para sentar sobre o canto da mesa. 

O moreno respirou fundo com aquele anúncio, só conseguindo pensar que podia ser algo referente a noite anterior, algo que ela e Gael haviam conversado. O nervosismo voltando a crescer dentro de si. 

— Sobre o quê? 

— A festa de ontem — respondeu e logo emendou: — O que descobriu de Tengu sobre aquela droga? 

— Nada que fosse útil... Na verdade só soube que tinha algo nas bebidas quando o ouvi comentar com um dos garçons para aumentar um pouco a dosagem, mas eu não consegui arrancar mais nenhuma informação relevante. — O moreno respirou um pouco mais aliviado ao notar que o assunto não era exatamente o que estava pensando. 

— Tem alguma suposição para a existência dessa droga? Ontem fiquei com a Eva enquanto ela estava sob o efeito e o mais que ocorreu foi que ela estava muito agitada e não conseguia não fazer nada, tinha que se mexer sem parar.

— É verdade, foi estranho... Dava para sentir meu corpo cansado, mas era impossível ficar quieta, queria socar algo até minhas mãos não serem mais nada. 

— Hm... Guerra talvez? Faria sentido se ele quisesse construir algum exército imparável, que precisasse a todo tempo lutar... Seria esse o meu palpite... Agora que Tengu está em contato com outras facções talvez veja essa droga como uma maneira de ampliar o controle e o domínio que ele tem, ultrapassar as barreiras do Leste. Faz sentido?

— Parece fazer sentido para mim — concordou Gael. — Se não conseguem parar mesmo cansados... Se for algo controlável, seriam como máquinas até o efeito passar. 

— Se pudesse controlar 100% o que eles teriam vontade de fazer... Na festa todos pareciam voltados para dançar... Como se o ambiente influenciasse o efeito e indicasse o que tinham que fazer... — falou a mulher baixinha, suas mãos seguindo para suas bochechas. 

O grasnar de ave ecoou do lado de fora e Eva ficou encarando a janela quebrada por alguns segundos, seus ouvidos acompanhando a conversa com a mente um pouco mais distante. 

— E talvez os desejos e cotidiano da pessoa possam ser algum gatilho ou influência... 

— Explicaria como a Eva reagiu... Faz sentido, raposinha. É uma suposição bem coerente e lógica. 

— Vocês sentiram algum efeito? — perguntou Matteo alterando seu olhar entre Maya e Gael. 

— Não, nada que parecesse fora do normal — respondeu o maior relembrando se havia passado algo de diferente com o seu corpo. 

— Então suas células devem ter visto a droga como algo a ser eliminado... Acho que coisas do tipo não devem fazer efeito em você... — mencionou Matteo. — Ou ao menos passam rápido demais para que perceba os efeitos.

— Se conseguíssemos uma nova amostra da droga... Seria possível replicá-la e até pensar em algo para evitar sua produção ou combatê-la... Quando invadirmos a base do Tengu, deveríamos nos preocupar em encontrar ao menos um pouco. 

— Acha que consegue fazer isso se tivermos uma amostra mínima? 

— Claro, por que acha que me interesso por venenos e toxinas, raposinha? Eu posso replicar qualquer substância tóxica, o que incluí drogas, ou os efeitos dela. 

— Achei que era só um hobby seu.

— Acabou virando, mas quando comecei a analisar as toxinas era para arranjar uma maneira de combatê-las para que os meus não precisassem morrer envenenados. 

— Não sabia que tinha motivos tão altruístas por trás... 

A rosada deu uma risada graciosa e alargou seu sorriso, suas pernas balançando agitadas enquanto suas mãos se apoiavam na mesa. 

A mulher de madeixas azuladas se aproximou dos dois rapidamente e os agarrou pelos braços, puxando-os para longe da mesa. A menor fez um baixo som surpreso e confuso, enquanto Matteo resmungou contrariado. 

— Por que fez isso? — reclamou o moreno, puxando o braço de volta, estava para dizer mais alguma coisa quando ouviu algo passar pelo vidro, lascando a parte já quebrada e o som de algo metálico fincando na mesa, próximo de onde estavam antes. 

— Responde sua pergunta? — replicou a de madeixas azuis apontando para a pequena flecha de ferro cravada contra a madeira, a ponta de trás parecia ter um pequeno cilindro na ponta com uma luz avermelhada que piscava e apagava. 

— Estamos sendo atacados? — Gael se direcionou para a janela, olhando ao redor em busca de alguém que pudesse ter atirado aquela flecha, seguindo pelo ângulo em que ela caíra, mas não encontrou ninguém além de alguns poucos pássaros negros voando pela proximidade. 

A luz da flecha aos poucos começou a piscar em uma sequência cada vez mais rápida, como se fosse algum tipo de alerta para quem estivesse em volta. Em seguida a luz veio acompanhada de bips baixos e quase inaudíveis, mas que puderam ouvir por terem estranhamente ficado em silêncio após a pergunta do maior. 

— Temos que sair daqui, isso vai explodir — falou Eva fazendo menção a sair da sala, mas o bip se tornou mais alto e a luz vermelha ficou mais forte e totalmente acessa, indicando o fim do tempo para o que quer que fosse que a flecha faria.



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