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História Infidelidade - Para Sakura


Escrita por: amanur

Notas do Autor


Boa leitura!

Capítulo 2 - Para Sakura


Infidelidade

by Amanur

...

Para Sakura

...

 

 

Cara Sakura,

 

Você acha mesmo que o amor é uma vadia cega, com problemas mentais e sem o menor senso de humor? Bom, eu diria que o amor é uma puta cega, com problemas de autoconfiança, e cheia de sarcasmo!

 

E, sim, se você se reconheceu nessa pequena descrição, não se preocupe; você acertou. Estou falando de você!

 

Mas não se assuste, não digo isso para ofendê-la... Ok, não agora, depois do que aconteceu. Você tinha toda a razão quando disse que eu não teria como aceitar algum pedido de desculpas seu. Afinal, foi você quem me seduziu o tempo todo, não é mesmo? Eu fui uma vítima nisso tudo, porque eu também desviava o olhar. E se desviava! Se você não tivesse retribuído os olhares eu não teria me aproximado de você. Por que eu vi, sim, aquela coleira do seu dedo. Como não veria? Houve uma vez em que peguei o ônibus numa parada antes da sua, de modo que consegui um lugar para sentar. Assim que você subiu, e passou pela catraca do cobrador, e me viu, notei que você resolveu enfrentar toda a multidão que se aglomerava perto da porta de saída, só para ficar ao meu lado, ali. E assim que pôs a mão no apoio do acento da cadeira a minha frente, lá estava aquela aliança, me encarando como se fosse meu inimigo mortal. Como não ver aquela coisa prateada, quase esfregada na minha cara? Você pode não ter notado, mas eu odiei aquilo com todas as minhas forças... Cheguei a me imaginar cortando aquele dedo, para jogar aquela aliança bem longe. Longe de mim, longe de você.

 

Então, sim, eu saí de perto de você, naquele dia, porque só o fato de ter que respirar o mesmo ar que você me intoxicava. Eu precisava me afastar de você, por que senti tanta raiva por estar sendo excluído como se não passasse de um brinquedo quebrado, que precisava ser jogado no lixo, porque eu não tinha mais serventia. A raiva foi tanta, que tive vontade de pegar seu pequeno e delicado pescoçinho para destroçá-lo entre meus dedos. A raiva foi tanta que achei que poderia causar uma rachadura no chão, a cada pisada minha, para longe de ti. A raiva foi tanta que eu quis explodir. A raiva foi tanta... Mas tanta... Que caí na esquina, e chorei como um bebê. E chorei por que estava com raiva, não apenas triste — o que foi uma sensação muito estranha, porque isso nunca tinha me acontecido antes. Eu já ouvi relatos de pessoas contando historias parecidas, mas nunca consegui realmente imaginar o que era chorar de raiva. Aliás, como a maioria dos caras da minha idade por aí, eu não era muito de chorar. Então, imagine você, a surpresa que me pegou em cheio ao cair no chão (sim, literalmente cai de joelhos, e depois encostei-me à parede daquele mini mercado da esquina), e ter que cobrir o rosto para ninguém ver a minha humilhante demonstração de fraqueza — o que ao mesmo tempo era controverso porque eu me sentia muito forte com aquela raiva toda que queria explodir pelos poros — pública. E olha que eu tinha alguns colegas que caminhavam até ali, para pegar o ônibus na outra parada, ou seja, eu ainda me arriscava a ser flagrado.

 

Felizmente, ninguém passou por ali.

 

Mas porque eu estava com toda aquela raiva, é outra questão...

E por falar nisso, como é engraçado a maneiras como as coisas acontecem, não concordas? Lá estava você, pensando em mim, e eu em você. Os dois sem fazer a menor ideia do que se passava na cabeça do outro. E se aquele curso de férias não tivesse acontecido, será que teríamos tido alguma outra oportunidade para tal?

 

Eu culpei você, seu cabelo, seu sorriso, seus olhos, qualquer coisa que você trazia. Mas agora acho que talvez a culpa estivesse apenas à espreita em nossas sombras, querendo pertencer a alguém quando ela não era de ninguém. Eu não acredito em destino, mas também não creio em coincidências, entende? Quero dizer, acho que isso tudo tinha que ter acontecido. Mas para que motivo, para que propósito, eu não sei. Eu não sei de nada. Afinal, de tudo isso, eu apenas ganhei noites de insônia e dias de estresse pensando o tempo todo em você, no seu perfume, nos seus olhos, na sua boca, no seu cabelo, nas suas mãos...

 

Não pode ter sido tudo em vão!

 

Mas como você insistia em ficar me encarando toda vez que nossos caminhos se cruzavam, pela estupidez da ignorância, acabei me deixando levar por seus belos olhos verdes e com aquele seu perfume que me fazia delirar com você nua na minha cama — vamos cortar todo o romantismo e ir direto ao ponto, ok? Por que era mais do que óbvio nossas intenções. Eu queria comer você, e você queria trepar em mim. Ponto final. Eram desejos mútuos, coisa de gente adulta; não tem mais cabimento, com nossa idade, ficar fazendo rodeios como adolescentes envergonhados, não é mesmo?

 

Enfim, eu disse a mim mesmo que aquele pequeno pedaço de metal não representava absolutamente nada. Era apenas um maldito anel, num dedo qualquer. Quem disse que aquilo representava algo? Deus, a lei? Não! Aquele anel não tem valor algum, a não ser para quem os usa. Era uma mera porcaria sentimental... E sentimentos são coisas que vem e vão o tempo todo, assim como algumas pessoas em nossas vidas. E por causa dos seus olhares, comecei a me preparar para ser uma das pessoas que vem, e quem sabe não vão.

 

Mas bem feito para mim, que se meteu onde não é chamado! — eu digo a mim mesmo. No fim, fui o outro tipo de pessoa.

 

Mas aí é que está!

Eu fui chamado.

Por você!

Então porque não fiquei?

Pode me responder?

 

E por favor, não me fale do seu namorado outra vez, ou eu vou vomitar da próxima vez em que a vir passar. Também não mencione aquele blábláblá de que você estava entediada, porque isso é simplesmente inaceitável e cruel demais para uma garota sensível e intelectual (como acredito que você seja) fazer.

 

Eu me lembro de uma vez em que eu cheguei na parada de ônibus, em frente à faculdade. O ônibus já estava lá, e tive que correr para alcançá-lo. Só vi que você estava lá, quando sentei num banco ao lado da janela, e a vi bem na minha frente, sentada no mesmo canto de sempre. Eu fiquei te encarando, e você me deu uma olhada rápida, meio hesitante, e em seguida desviou o olhar. Acho que você ficou acanhada por eu estar olhando-a daquela forma, descaradamente. Acho que todas as mulheres ficam assim, quando olhamos para elas dessa forma. Elas se fazem de difícil, mas logo demonstram que gostam. Como você fez! Por que eu vi aquele sorrisinho nervoso que você formou no rosto. Uma pessoa entediada não teria demonstrado aquela afeição que eu vi, apenas porque não tem outra coisa para fazer, Sakura. E, acredite, eu vi, e sorri de volta, mas você não viu o meu sorriso, por que o ônibus deu a partida.

 

Eu me lembro também do ultimo dia de aula, antes daquele curso de férias. Era horário de saída e você estava sentada na mureta, abraçada em seus livros, olhando os carros passarem. Quando me viu, trocamos olhares, e então você desviou quando percebeu que estava caminhando em sua direção. Imagino agora o que você pensou quando eu sentei ao seu lado. Eu mesmo pensei em lhe cumprimentar; dizer um oi, ou qualquer coisa do tipo, mas como você olhou para o lado oposto, não pude dizer nada. Então, peguei meu celular, mexi em algumas teclas para acionar o mp3 player, e enquanto eu tentava desfazer o nó que meus fones de ouvido tinham dado, percebi que me olhava outra vez. Mas com você ali, tão perto, perdi a voz. E qualquer coisa que eu pensasse em dizer, parecia forçado demais. Minha oportunidade tinha passado com aquele vento que soprou aquela noite, e não havia mais nada que pudesse ser dito. Até porque, alguns minutos depois, meu ônibus chegou. Você lembra como me levantei preguiçosamente? Protelei ao máximo para ficar mais perto de você. E ainda fiquei por ultimo naquela fila de propósito, esperando que você viesse atrás de mim. Mas você continuou sentada. Eu ainda te olhei de canto, para me certificar, lembra? Eu podia jurar que você estava atrás de mim, e a decepção de vê-la ainda sentada me fez murchar completamente. Eu queria que você tivesse entrado naquele ônibus comigo, para que eu pudesse segui-la, como um psicopata maluco, mas só pela curiosidade em saber onde você morava, porque eu precisava saber mais sobre você. Mas como você sabe, isso não aconteceu.

 

Então, um mês e meio se passou desde que tudo se sucedeu. E tanta coisa me aconteceu nesse tempo que você nem imagina! Ganhei uma moto dos meus pais, e ainda consegui um estágio numa empresa razoável, o que me foi muito bom para te esquecer. Ocupei minha cabeça com o trabalho, e era só isso em que eu tentava me focar. Trabalhei durante esse curto período feito um condenado para não dar brecha para minha mente divagar nas lembranças que você marcou em mim, por que toda vez que eu me deitava para dormir, sentia aquela aperto no peito, junto com aquela falta de ar. Afinal, eu não pretendia voltar a vê-la. Apesar da raiva que sentia, a frustração e sensação de solidão era maior. Fui trocado por alguém que nem conhecia. Aliás, trocado não era bem a palavra, porque eu não nunca fui uma opção para você, não é mesmo? Eu simplesmente fui usado.

 

Mas sabe o que era mais estranho disso tudo? Era acordar de manhã cedo, olhar para o teto do meu quarto e pensar em você, e sentir esse sufoco no peito, quando era para tudo ser apenas uma questão de foda. Entende o que eu quero dizer? Por que eu estava sentindo isso tudo? Por que fiquei tão furioso com você? Por que não consigo deixar de pensar em você? Por que não fiquei satisfeito; afinal, eu consegui te foder...

 

E aí está a parte estranha da coisa. Por mais que eu queira esculachar falando palavrões (tipo, fodi você, fiz com que abrisse as pernas para mim, e foi tudo fácil demais), nada me fazia sentir melhor.

 

Para dizer a verdade, neste exato momento, eu não quero entender isso. Não quero compreender essa confusão, não quero saber por que isso está acontecendo, porque temo que a resposta, ou pior, a solução, não seja favorável a mim — convenhamos, tudo o que nos favorece é mais interessante! E lá no fundo da cachola, onde eu tento esconder esse temor, algo grita para mim que eu ainda sairei disso tudo completamente lesionado. Darei com a cara no chão outra vez.

 

Mas voltando ao assunto anterior, então, o ano letivo recomeçou e fiquei sem vê-la durante a primeira semana de aula. Antes, às vezes, nos encontrávamos na biblioteca, ou mesmo nos corredores da faculdade, mas achei estranho não te ver. Teve algumas vezes em que a vi também no refeitório, mas realmente não a vi durante aquela primeira semana. Isso foi tão bom quanto ruim, na verdade. Por que enquanto eu dizia a mim mesmo que aquilo era para o meu bem, para não me magoar ainda mais com a sua doce e venenosa presença, eu me sentia cada vez mais traído, cada vez mais abusado. E odeio o quão gay isso soa.

 

Enfim, a segunda semana se passou da mesma forma, e eu já estava começando a me certificar de que você havia trancado sua matricula, ou se formado, ou sei lá o quê. Talvez trocado de turno só para não me ver...

 

Me senti um cocô.

Um cocô bem grande e fedorento. Um cocô de dinossauro.

Por que, no final das contas, lá estava eu, sozinho e pensando em você.

E eu que sempre me julguei um cara sério, centrado, focado e, acima de tudo, racional...

Mas para nossa surpresa, na terceira semana, aconteceu aquilo.

 

Como eu trabalhava apenas no turno da manhã, almoçava em casa e jogava algum jogo de vídeo game durante a tarde. Então, quando se aproximava do horário, eu me aprontava para a aula, pegava minha moto, e ia pelo segundo caminho, pela rua em que você esperava o ônibus.

 

Naquele dia, eu estava tranquilo, já descrente de que a veria novamente alguma vez na minha vida — mas ainda sentindo aquele buraco vazio vibrando no peito com algum eco do passado. Você lembra da tranqueira desgraçada que estava naquela avenida? Os carros faziam fila para atravessar o semáforo. E naquele dia parecia que os ônibus haviam combinado de se juntar com caminhões, de modo que a via para ir ao centro estava praticamente paralisada. Sorte tinha quem estava de moto, que conseguia furar a fila, passando entre os carros, como eu fazia.

E então, enquanto eu me metia no meio daquela tranqueira, passando em frente àquela parada de ônibus, você aparece, no meio dos carros. Você estava atravessando a rua, fora da faixa de pedestres. Eu poderia ter te xingado até secar toda minha saliva da garganta, mas, não! Dei uma freada brusca para não te atropelar, quase bati no carro ao lado, mas fiquei te encarando como um idiota.

 

É engraçado como as coisas acontecem, não é mesmo? Ou Deus gosta de se divertir a nossas custas, ou o destino nos prega peças embaraçosas demais para nos desfazermos dela, porque nem em um milhão de vidas poderia imaginar que a reencontraria daquela forma, e bem justo quando eu olhava para aquela parada, pensando na sua ausência. Eu me lembro de um dia em que caminhei até lá, me deslocando por um percurso de quatro quadras só para pegar o ônibus com você. E lá estava com aquela blusa branca decotada, com calça jeans azul clara e sapatilha transparente nos pés. Você estava linda, linda, linda...

 

De qualquer forma, ficamos alí, no meio daquele trânsito, olhando um para o outro, processando os fatos, até que você abriu a boca, assustada. Acho que aquilo foi um choque para ambos, na verdade.

 

— Ual... Você me odeia tanto assim? — você havia se colocado numa posição estranha, de completa defesa, se agarrando a sua bolsa. Parecia uma formiga indefesa, pequena e frágil, mas pronta para receber a morte que não veio.

— Não! — exclamei. Por que realmente nunca te odiei àquele ponto.

 

Eu quis jogar minha moto para longe e correr ao seu encontro e abraçá-la, para me certificar de que você estava bem, inteira, sem traumas, e respirava. Mas o carro ao meu lado buzinou, acordando nós dois. Então, você olhou para o chão, e terminou de atravessar a rua. Eu ainda a vi se escorar na barra de ferro da parada, sem tirar os olhos do chão porque não tinha coragem para me olhar. Você parecia tão solitária e amedrontada ali.

 

O que mais eu poderia ter feito? Liguei o motor e saí dali, me sentindo estranho. Por que, né, convenhamos, aquele foi um reencontro fora do convencional. E em consequência disso, não consegui me concentrar na aula — por mais que eu deteste admitir isso.

 

Eu sei que você me perguntaria por quê?! Ora, até parece que meu mundo gira em torno de você! E eu sei que é exatamente isso o que estou fazendo parecer, mas sei que meu mundo é completamente do seu, ou de qualquer outro. E não, você não está no centro dele...

 

Pelo menos, eu gostava de pensar que não.

 

Mas voltando àquele dia, no horário do intervalo, saí pela faculdade ignorando os convites dos meus colegas para acompanhá-los, porque eu queria falar com você (você, você, você, sempre você! Estou começando a me irritar). Eu não sabia o que te diria, mas queria vê-la e pedir desculpas. Mas não a encontrei em lugar algum. Fui a todos os restaurantes, na biblioteca, na gráfica, no estacionamento, andei pelos corredores prestando atenção nas salas de aula, e até passei pela secretária e o DCE. Mas você havia evaporado.

E depois disso, fiquei mais duas semanas sem vê-la. Até deixei de ir para faculdade com a minha moto, dando desculpa ao meu pai que estava gastando muito com a gasolina, e a passagem escolar era mais barata. O que, fazendo as contas, qualquer um poderia ver a mentira, é claro. Mas para complementar, inventei também que estava com dores nas costas pela posição em que me colocava na moto — sou muito alto para aquela moto pequena, e precisava me curvar um pouco para frente. E tudo porque eu queria vê-la.

 

E, então, quando eu estava desistindo daquela idéia, duas semanas sem vê-la, o destino faz mais uma piada conosco. Você subiu no ônibus, mas numa parada completamente longe da que costumava subir. Claro que estranhei, e me perguntei sobre o que estava acontecendo. Mas você subiu ao lado de um colega seu, e vocês falavam sobre o local em que estava trabalhando, e foi assim que entendi — por causa do seu estágio, você precisava agora pegar o ônibus ali. Aquilo me veio como uma grande decepção, porque eu teria menos tempo para admirá-la. E puta que pariu, como você estava bonita! Havia um ar de superioridade na ponta do seu nariz, que a fazia parecer mais madura, mais mulher. Mas talvez fosse apenas efeito daquela sua blusa azul e salto alto, com os quais eu não estava acostumado a vê-la usar. Você costumava sempre a usar aquelas sapatilhas, ou sandálias sem saltos, com um jeans e uma blusa qualquer... E de repente você estava lá, toda vestida de mulherzinha. Senti inveja do seu amigo vestindo terno. Vocês pareciam um casal. E você ria com muita vontade das piadas sem graça dele, até me ver ali, bem atrás de você.

 

E minha reação, você lembra qual foi? Eu desviei o olhar, tapado de nojo! Eu queria você só para mim, rindo das minhas piadas, conversando comigo, olhando para os meus olhos, ouvindo a minha vez, e não a dele.

 

Mas quando o ônibus chegou na primeira parada da faculdade, onde você costumava descer, ao ver que o seu amigo ia ficar para descer na parada seguinte, onde eu descia, resolvi me levantar e ir atrás de você.

 

Você desceu a ladeira com sua coluna ereta, e aquele rebolado que chamava a atenção de dois marmanjos que iam atrás de você. Eu tive vontade de dar uma voadora neles, mas ao invés disso, corri na frente deles e parei ao seu lado.

 

— Eu preciso falar com você!

 

Você me olhou com aquelas duas esferas verdes meio contraídas junto com aquela enorme interrogação na cara. Já havia se passado um bom tempo desde aquele nosso último encontro, e imaginei que você deveria estar se perguntando o que mais eu ainda poderia querer com você, não é mesmo?

 

Bom, é claro que eu ainda tinha muito o que falar com você, porque você me enfeitiçou e esqueceu de quebrar o encanto, porque só aquele soco imaginário, com aquele anel, que você me deu não foi o suficiente.

 

— Ok. — você me disse, dando de ombros.

 

Então, sem dizer mais nada, eu fui a seguindo até o pátio da faculdade, onde havia alguns bancos de madeira. Dalí, víamos o pôr do sol, pois a faculdade ficava no alto de um morro. Algumas pessoas em seus grupinhos conversavam, outros apenas fumavam um cigarro, e tinha aqueles que apenas estavam ali, apreciando a vista enquanto a aula não começava.

 

Por fim, você suspirou e me encarou.

 

— E? — como se não tivéssemos o mundo inteiro a conversar.

 

É engraçado parar para reparar como apenas uma única letrinha conseguia expressar tanto desinteresse ou desprezo, porque a maneira como você me olhou, cheia de tédio, me fez me perguntar por que eu estava ali, afinal de contas, correndo atrás de você. De você que, obviamente, havia me dado um pé na bunda bem grande.

 

Bom, eu murchei. Murchei, brochei, desanimei, cai na real ou qualquer coisa parecida. De repente me senti o completo idiota por estar correndo atrás de você, e vi que não fazia sentido algum estar ali, porque você já havia feito a sua escolha, e tudo o que me restava era aceitar o fato de que havia perdido aquele jogo.

 

Aquilo tudo não passou de um jogo para você, não foi? Um passatempo divertido, para lhe tirar do tédio. Eu fui o seu brinquedo, que perdeu a graça depois de tanto usá-lo.

 

O que mais sobrava para mim?

Nada.

 

Então, me levantei cheio de frustração, por que não imaginava essa sua faceta fria. Nossa!, você queimava gelo, e isso foi um choque ao mesmo tempo. Você tinha esse visual tão quente (e digo no bom sentido, aquele fofo, acolhedor, e blábláblá), mas lá estava você como se fosse a rainha do gelo, me encarando daquela forma. Mas ao mesmo tempo com toda a claridade do mundo a minha frente, finalmente entendi qual era a minha posição naquele tabuleiro: a de um grande perdedor.

 

Pus as mãos nos bolso, e lhe dei as costas sem dizer absolutamente nada, e fui para minha sala de aula.

 

É claro que eu fiquei me perguntando o que se passou na sua cabeça quando saí andando dalí, sem lhe dar nenhuma satisfação; mas supus que você já tivesse toda ela, na posição de ganhadora. Imaginei você se levantando daquele banco, rindo nas minhas costas, dizendo “mas que otário!”

 

No dia seguinte, voltei a ir para faculdade na minha moto, e passava por sua parada de ônibus sem olhar para os lados. Agora era o meu orgulho que falava mais alto, embora ele ainda brigasse com aquele sentimento estranho de vazio. Mas desta vez eu sabia que era uma briga sem causa, uma briga perdida.

 

Duas semanas depois, eu ainda pensava em você, mas com menos frequência, apesar de que com a mesma intensidade. Ou até mais. Comecei a sonhar quase todas as noites com você, e às vezes tinha a impressão de que ouvia sua voz me chamar, no escritório em que estava trabalhando. Eu olhava para os lados para me certificar de que tudo não passava de loucura da minha solidão, e voltava a encarar o monitor, e ainda aumentava o volume do som do meu aparelho de mp3 pra não ter que ouvir a sua voz novamente.

 

E assim, lá pela metade do semestre, na hora da saída, quando eu me preparava para uma pequena caminhada até a duas paradas anteriores (minha moto estava numa mecânica porque entortei o pneu numa calçada que subi. Eu caí no chão e tinha ralado todo o braço e cotovelo esquerdo, e agora estava enfaixado com uma gase), para evitar aquela multidão de estudantes que se aglomerava em frente a faculdade, eu encontro um ex-colega. Esse ex-colega era meio chato, bem mais velho do que eu, solteirão, e o cara só falava de futebol quando não resmungava que estava sem dinheiro ou sem mulher. Ele estava escorado na mureta e me chamou para um cumprimento. Demos as mãos.

 

— E, aí? O que achou daquele jogo de Sábado. — ele me perguntou. Pelo menos, torcíamos para o mesmo time.

— Ah, cara, foi uma merda. E justo contra aquele timeco tosco! Não acredito que empataram, é inadmissível. Aquele último pênalti foi um fiasco fenomenal. — respondi.

— Nem me fale! Morri de ódio. Mas voltei pra ver o jogo de amanhã! — rimos da piadinha, e enquanto eu coçava a cabeça, vendo uma moça bonita passar, meu colega me cutuca de canto. — Saca só essa mina que está vindo falar comigo... — eu estava de costas e, para não chamar atenção, continuei naquela posição até ouvi-lo cumprimentar a tal moça. — E aí, como é que você está?

— Chutando um dia atrás do outro... Mas continuamos no barco. — eu congelei ao som da sua voz.

 

De canto vi meu colega te dar três beijinhos no rosto.

 

— Esse é o Sasuke. Sasuke, essa é a Sakura. — ele nos apresenta.

 

Não sei o que veio na sua cabeça, só sei o que eu vi. Você sorriu de canto, meio tímida, colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, e me cumprimentou como se fôssemos dois estranhos — o que, no fundo, no fundo, realmente éramos, certo?

 

— Oi.

— Oi.

— Desculpe a pergunta, mas o que houve com o seu braço?

— Um acidente.

— Você está bem?

— Estou.

 

Meu colega era um tapado, porque nem desconfiou de que já nos conhecêssemos, mesmo com aquela troca de olhar cúmplice. Até eu desconfiei daquele seu tom preocupado com meu braço. Você estava mesmo preocupada com o meu bem-estar, ou só estava fazendo charme?

 

— Cara, a Sakura é meu anjo da guarda! Assim que comecei a conversar com ela, consegui aquele emprego! — ele, de repente, diz. Ela havia conseguido um emprego na empresa de um colega nosso, que já havia se formado, há um mês. Estava todo empolgado, e nós também, porque agora ele não teria mais motivos para resmungar sobre dinheiro. Só mulheres e futebol.

 

Enfim, você riu da comparação.

 

— Ah, então você conseguiu mesmo? Bem que suspeitei, porque não o vi mais na parada. — você disse.

— Pois é. No segundo dia em que comecei a falar com você, consegui a proposta. — ele disse.

— Bom, fico feliz por ter te ajudado... Mesmo que sem fazer nada! — você disse, outra vez.

— Talvez eu devesse te levar para casa, para me trazer mais sorte. — e então ele disse.

 

Eu tive que olhar incrédulo para o meu colega, porque ele obviamente estava fazendo insinuações ali. O cara é mais velho, você deve ter notado aquela quantidade de fios de cabelo branco, e mais aquelas rugas. E sem querer ser preconceituoso, mas já sendo, ele era meio caipirão — daí a obviedade em suas insinuações. Ah, era simplesmente nojento!

 

Mas ainda bem que você concordava comigo, pois eu vi a cara de surpresa que você fez, diante daquilo.

 

— É... Quem sabe algum dia... — que tal o dia de São Nunca?!

 

Você me olhou de canto, como se me pedisse socorro, mas eu apenas abri o sorriso. Que tal você se ferrar um pouco também?

 

Claro que eu acabaria convencendo o cara chutar a bola pra outra, mas gostei de ver aquele pânico no seu rosto. Sobretudo naquele instante em que parecia estar tudo muito bem para você. Pois preciso dizer que simplesmente odiei como você fez parecer que estava tudo bem entre nós, como se nada tivesse acontecido. Bom, claro que para você estava, não é mesmo? Afinal, não foi você que saiu com o rabo entre as pernas naquela noite. Não foi você quem saiu com a cara no chão, nem quem deu com os burros n’água. Não foi você quem saiu humilhado daquilo tudo, e me desculpe se estou sendo repetitivo, mas não tem como não sê-lo. Acho que tenho todo o direito de repetir infinitas vezes o que você fez comigo, e ainda apontar o dedo na sua cara!

 

Enfim, o ônibus chegou, e ele perguntou se você não subiria ao vê-la se afastar.

 

— Não... Vou de carro com meu namorado.

— Ah... — foi tão visível a decepção do cara que deu até pena.

Imaginei a cara que eu fiz quando você me mostrou aquele anel. Será que eu pareci tão patético daquele jeito também?

 

Nunca quis sentir pena de mim mesmo, mas acho que há momentos na vida em que isso se torna impossível. Acho que as pessoas devem sentir pena de si mesmas, pelo menos, uma vez na vida para crescerem e compreender a si mesmos. Para verem em que posição estão, o que fizeram de errado,

 

Inevitavelmente, fui conversando com aquele ex-colega no ônibus. E, nossa!, sinceramente, tive vontade de me atirar pela janela.

 

— Putz, que fora! Não sabia que ela tinha namorado. Se soubesse, não teria puxado assunto com ela.

— Você quem puxou assunto com ela? — indaguei, não muito surpreso, na verdade.

— Claro... Eu já tinha visto ela pela faculdade, mó gata! Já vi que ela olhava também, então, eu estava lá naquela parada em que você pegava o bus, e já tinha visto ela por ali, resolvi caminhar até lá. E lá estava ela, sozinha... Como quem não queria nada, fui puxando assunto. Peguei o ônibus com ela umas cinco vezes... Super gente fina também. Simpática, e ela é crânio, cara! Fez duas faculdades, está na terceira, faz pós-graduação também nos fins de semana, e está engajada em algum projeto de pesquisa. E não é metida, nem nada. Achei que tinha rolado alguma coisa entre nós... — ah, esse é outro detalhe que esqueci de mencionar sobre esse meu colega... Para parecer menos velho, ele adiciona gírias em seu vocabulário, mas só parece idiota com isso.

— É claro que uma garota dessas não estaria sozinha. — resmunguei pra mim mesmo.

 

Mas eu estava me sentindo muito frustrado, porque ele já sabia muito mais sobre você do que eu — que ainda tinha arregaçado sua boceta (me desculpe, mas tive que soltar o palavrão, para me sentir menos pior)!

 

Eu sei que o tempo cura qualquer ferida, e é reconfortante saber disso, mas ver o tempo passar tão lentamente, de modo que a cicatriz vai se constituindo nessa mesma velocidade, é agonizante. É uma tortura sem fim. A sensação é de que nunca vou chegar naquele ponto em que olharei para trás para rir da minha própria panaquice. A sensação é que ficarei para sempre com esse ferimento aberto, e ainda sentindo que há alguém com um garfo metido lá dentro, revirando as entranhas.

 

Mas deixe-me falar agora sobre outra coisa, que não a minha dor de cotovelo. Vamos aos fatos.

 

O fato é que voltei a vê-la com mais frequência na saída das aulas. Você sozinha, você acompanhada com seu colega, você sozinha novamente, ou você com uma colega. E eu sempre só, desviando o olhar, e seguindo reto em meu caminho. O fato é que você voltou a me olhar daquela forma como se quisesse me dizer alguma coisa, e eu dizia a mim mesmo que não cairia no mesmo feitiço duas vezes — apesar da enorme tentação.

 

 

Outro dia, a encontrei na biblioteca. Quando cheguei para procurar um livro, você estava nos armários, colocando a sua mochila. O atendente me deu a chave, e para minha surpresa, era do armário bem ao seu lado. Enquanto eu o abria, você fechava o seu. Você me olhou, e ficou me encarando como se aguardasse alguma resposta minha, mas eu não soube como reagir àquilo, então, apenas joguei minha mochila ali dentro, e fechei a porta. Depois dei as costas e me escondi pelos corredores, entre as estantes de livros. Eu ainda espiei para ver se não a encontraria outra vez, e com os livros que eu queria em mãos, peguei minhas coisas e saí de fininho do local.

 

Outra vez, aconteceu no restaurante universitário. Eu já estava sentado numa mesa conversando com outro colega, enquanto eu comia um sanduíche, e você iluminou o ambiente com sua presença irradiante acompanhada por um rapaz e uma moça. Você sorriu e o mundo inteiro desapareceu.

 

Mas naquele mesmo dia, na saída da faculdade, enquanto eu descia as escadas do meu prédio, você passava em direção à saída. Fui atrás de você, sem saber bem o que estava fazendo, até que você virou para o lado, e sorriu novamente. Mas não era para mim. Como estava sozinha, suspeitei que tivesse encontrado algum outro colega... E ali meus olhos acompanharam seus passos até o outro lado da rua, onde você parou em frente a um carro bacana, abraçou um cara e beijou nos lábios dele.

 

Eu nunca tinha parado para pensar em quem poderia ser o seu namorado, sabe? E não sei por quê! Até então, aquilo parecia ser uma informação irrelevante, sem importância. Você era tudo o que eu queria, e ponto final, o resto que se dane. Eu não queria saber quem era o cara que tinha o privilégio de tê-la ao seu lado quando bem quisesse. Eu não queria saber quem era o cara que poderia ouvir a sua voz durante o dia inteiro sem enjoar. Eu não queria saber de jeito algum quem era o miserável que poderia tocá-la, com toda a intimidade, num gesto mais casual e insignificante o possível.

 

Mas ali eu fiquei parado, observando vocês trocarem sorrisos e carícias para, então, entrarem no carro e sumirem da minha vista, indo sabe-se lá para onde. Para casa dele, para a sua, para um motel, para um restaurante, ou para a puta que os pariu.

 

E, tipo assim, ual! O cara era bonitão, boa pinta. Loiro, de olhos azuis, alto, meio atlético... Tinha o semblante sério, de alguém maduro, cheio de experiência e vivências para contar e compartilhar.

 

Vou te contar uma coisa que poucos sabem. É mito, balela, asneira, mentira mal lavada dizer que homem não se compara com outro homem. Claro que se compara! Ainda mais quando o assunto envolve uma mulher. Por isso, lá estava eu, pensando com meus botões. E eu, o que eu tinha? Vinte e poucos anos na cara, alguns fios de barba, tinha uma motinho usada, ainda morava com os pais e jogava vídeo games. Em outras palavras, eu era a personificação da vergonha alheia.

 

Outra vez, voltei para casa com o rabo entre as pernas. E sabe o que eu fiz para aplacar esse gosto amargo que estava sentindo na boca? Fui ver vídeos pornôs na internet, como um adolescente babaca. É isso mesmo. Me tranquei no quarto, desliguei as luzes, liguei meu computador, e fiquei acessando um monte de putaria na internet. E a pior parte é que eu estava ali, batendo uma, imaginado aquele loiro bonitão com você.

 

E eu ali, sozinho, no escuro.

 

Na semana seguinte, nos encontramos novamente na biblioteca da faculdade. Eu ia matar a primeira aula para fazer um trabalho, e por isso tinha ido um pouco mais cedo, também. Mas não esperava encontrá-la ali. Quando pisei na fila para pegar uma chave para os armários, a vi no andar de baixo, concentrada num texto que lia, enquanto fazia anotações. Eu tossi para chamar atenção, enquanto passava pelo corredor, e obtive êxito. Você me olhou. Mas voltou a olhar para os seus afazeres, como se eu não passasse de uma mosca que lhe azucrinava.

 

Eu estou sendo meio confuso, não é mesmo? Uma hora quero distância de você, depois repito isso, e depois outra vez, e nunca deixo de falar ou pensar em você. Mas o que posso fazer se toda vez que a vejo, sinto esse magnetismo que me atrai? Eu juro que, se eu pudesse, teria arrancado da minha cabeça qualquer informação referente a você, mas isso é impossível. Infelizmente, não se escolhe por quem a gente se apaixona, ou se atrai. Essas coisas acontecem sem o nosso consentimento. E quando acontece, temos que arcar com as consequências. E cá estou, ainda pagando pelos meus pecados... Ou seria burrice? Qual a diferença? Afinal, sei o que é errado, e continuo martelando na mesma maldita tecla.

 

Depois que larguei minhas coisas no armário, fui procurar um livro. A busca levou mais tempo do que eu previa, e temia não encontrá-la mais. Também temi não conseguir me concentrar no meu trabalho, mas azar. Quando finalmente encontrei o que procurava, voltei para descer as escadas, e ir para a área de estudos, onde há todas aquelas mesas e cadeiras, onde você estava. Mas enquanto eu descia, reparei que você não estava mais no seu lugar. Você estava na minha frente, subindo as escadas para ir embora.

 

Não me diga que aquele olhar foi algo casual, sem significância alguma! Quando nossos olhos se tocaram, houve algo. Tenho certeza de que sim. Mas exatamente o quê, eu não sei dizer. Eu ainda tentei sorrir como um bobo idiota, mas logo você baixou os olhos. Mas eu vi que houve uma intenção ali. Você quis me cumprimentar também! Tenho certeza de que sim.

 

E assim, num piscar de olhos, nosso momento se desmanchou no ar. Eu acabei sentando numa mesa com computador, e você desapareceu dos degraus, deixando nada para trás.

 

Contudo, entretanto, porém, todavia... Você ressurgiu a três cadeiras de distância, para minha surpresa. O computador ao meu lado estava estragado, com uma placa na frente, do outro lado havia outro rapaz, e então você sentou ao lado dele. Eu só percebi isso quando ele começou a resmungar para você algo sobre a lentidão do servidor da faculdade, e você concordou.

 

— Mas é estranho, porque há meia hora atrás eu acessei meu e-mail na outra máquina... — você disse — Há, já sei. Deve ser por que o povo está chegando em massa agora, para aula, e estão todos acessando a porcaria do facebook.

 

Eu já estava com a minha página do facebook aberta, e de fininho, fechei a tela. Abri a página no Google para fazer a minha pesquisa.

 

— Que saco, eu só quero ver meus emails! — você ainda resmungou, impaciente com a lentidão.

 

Não sei foi sorte, ou você que estava com azar, ou se realmente havia algum problema com a rede, mas eu consegui acessar tudo muito rápido. Então, sem pensar duas vezes, fiz aquilo.

 

— Não estou com pressa. Se é só para ver os seus emails, você pode usar o meu computador. — sugeri.

 

Você me olhou com aqueles olhos enormes, e sorriu para mim. Rapidamente pegou o seu celular que tinha posto sobre a mesa e veio até a minha cadeira, do qual eu já havia cedido o lugar. Fiquei atrás de você, olhando para os lados enquanto digitava suas informações (login e senha), e depois bisbilhotei seus emails enquanto você procurava por algo. Rapidamente, fechou a tela e se levantou.

 

— Muuuuito obrigada. Eu tinha combinado de encontrar uma colega para fazermos um trabalho, mas a vaca não veio, e nem deu sinal de vida. Achei que pudesse ter enviado um email, mas não.

— Hum.

 

Você disse “vaca”. Não sei por que, mas você não parecia ser o tipo de garota que fazia esse tipo de comparações, que dissesse esse tipo de coisa. Você parecia ser certinha e correta demais para isso. Acho que eu realmente não a conhecia, afinal de contas. E não me entenda mal, não tenho nada contra esse seu lado negro, mas acho que era uma informação relevante a seu respeito.

 

Ficamos nos olhando por mais uns segundos, sem saber o que dizer para o outro, até que você resmungou um “tchau” e me deu as costas.

 

Eu caí duro (no sentido figurado) na cadeira, me repreendendo por estar bancando o bonzinho para você. Eu queria continuar sentindo aquela raiva que senti no início, sabe, mas era impossível diante da sua beleza e simpatia — isso só pode ser algum feitiço seu, não é mesmo?

 

Mas eu era fraco demais para combater esse mal que me acometia. Eu ainda tinha muito o que aprender na posição de perdedor.

 

Sabe, gosto de jogar futebol nos fins de semana, e sempre jogo como atacante, às vezes como artilheiro. Detesto quando a bola bate na trave, e principalmente quando um colega do meu time erra o passe. Eu fico muito puto da vida, sabe? Por que o erro é do outro, e eu fico imponente diante da perda. Por que não tive culpa pelo outro ser perna de pau. Ele foi quem cometeu o erro, então, porque eu tenho que pagar o preço também? Claro, eu também erro alguns chutes. Sei exatamente como é estar em ambas as posições. Então, cá estou, pensando mais uma vez com meus botões, como eu poderia fazer com que você se colocasse na minha posição também?!

 

É acho que cheguei nesse estágio da depressão, em que agora tenho necessidade de fazê-la pagar na mesma moeda. Acho que só assim eu me sentiria realmente bem, em paz no espírito. O quão incrível seria fazê-la sentir o mesmo gosto que eu senti naquela esquina?

 

Ah, por favor, não me venha com hipocrisias, com discursinhos baratos do tipo “a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”! É delicioso ver outra pessoa pagar com a mesma moeda. E que atire a primeira pedra quem nunca pensou em passar a perna em outro, por alguma razão. E seja lá como for!

 

Eu tinha que fazer alguma coisa! Eu não podia simplesmente ficar ali parado, de braços cruzados enquanto você esmagava com seus finos e delicados dedos o meu pobre, indefeso e medíocre e estúpido coração.

 

Então, comecei a prestar mais atenção a minha volta, enquanto os dias iam passado, e chegávamos, mais uma vez, ao fim de outro semestre. Quando faltava uma mês para as férias, descobri que uma amiga de um colega meu estava de olho em mim. O cara me contou que ela não parava de azucrinar ele, querendo saber informações sobre mim, mas ele nunca tinha dito nada porque eu sempre saia correndo pela faculdade no horário do intervalo, ou mesmo na saída — aparentemente, eu estava muito ocupado correndo atrás de você, veja só! Mas faltando alguns dias para as provas, descobriram que eu era muito bom na disciplina de Banco de Dados (uma chatice só!) e todos resolveram cair em cima de mim, querendo aprender toda a disciplina em cinco minutos!

 

Enfim, papo vai, papo vem, conheci a garota. Era uma ruiva linda, que usava óculos de grau com uma dessas armações que está na moda. Ela parecia uma patricinha de Beverly Hills, na versão mais moderna, é claro. Chamava a atenção de todos os marmanjos por onde passava na faculdade. Tinha o sorriso perfeito (obviamente moldado por um aparelho ortodôntico quando era mais nova), tinha pele lisa (com ajuda de mil tratamentos dermatológicos) e o corpo escultural (modelado em academias, com uma pitada de cirurgia plástica nos peitos). Qualquer homem, em sã consciência, jamais diria não para aquela bealdade.

 

E ela cursava Direito, no mesmo prédio que eu. Comecei a encontrá-la nos intervalos, e saiamos para comer juntos alguma coisa nos restaurantes. No inicio foi legal, ela era simpática, falava bem, parecia sempre interessada em me ouvir (eu só falava quando ela perguntava alguma coisa). Ela não parecia ser o tipo de garota fútil, sem conteúdo na cabeça.

 

 

 

Então, a levei num cinema, depois fomos a um parque, saímos para dar uma volta na praia da cidade, fomos também a um show... Quando percebi, já estava num relacionamento sério com a menina e as lembranças que tinha de você era justamente isso: lembranças.

 

O sentimento era bom, mas a sensação de perda um tanto estranha. Eu me sentia como se alguma coisa estivesse faltando para o meu funcionamento. De qualquer forma, continuei com aquilo. Ela resolveu me levar para sua casa, num final de tarde. Matamos aula para que ela pudesse me apresentar aos seus pais que viviam viajando, e por acaso estariam em casa naquele dia.

 

Eu deveria me sentir lisonjeado, felizardo, sortudo ou qualquer porcaria do gênero, por que uma garota daquelas estava querendo firmar relações comigo, mas eu me sentia um alienígenas naquela casa em que todos pareciam perfeitos, sabe? A mãe dela era simpática, o pai torcia para o mesmo time que eu, e a química agiu sem problemas. Tudo estava perfeito.

 

Só que não.

 

Comecei a me sentir fora da casinha — como diria aquele meu colega chato, que deu em cima de você, lembra?

 

O problema é que eu não sabia dizer o que estava faltando, e se é que estava faltando alguma coisa. Talvez alguma coisa estivesse fora do lugar, naquela fotografia que eu vi daquela família (comigo ao lado da filha deles). Ou talvez, simplesmente, tivesse algo a mais ali. Sobrando.

 

Eu.

 

Não sei. Aí, mais tarde, os pais dela foram jantar fora (eram mais um daqueles casais que vivem em lua de mel) e nos deixaram às sós.

 

Imagino que você seja capaz de adivinhar o que dois jovens universitários poderiam querer fazer numa casa vazia, livre de pais, não é mesmo?

 

Mas deixe-me tornar a coisa mais explícita em sua cabeça: sensualmente, ela veio se aproximando de mim, me enchendo de beijos quentes e molhados e excitantes. Carícia vai, carícia vem, quando percebemos, estávamos ofegantes, esfregando um corpo contra o outro. Os gemidos sussurrados no ouvido serviam de estimulo. Aos poucos, minha mão boba foi passeando pelas costas dela, enquanto ela, suavemente, rebolava em cima de mim. Pois a essa altura do campeonato, já estávamos deitados em sua cama, é claro. A mão boba foi para baixo dos tecidos de sua blusa de alcinha (com estampa de oncinha, sim!) e habilmente consigo desfazer o fecho do seu sutiã. Ela geme mais, senta em cima de mim e tira tudo o que cobre seu corpinho curvilíneo, macio e quente. Fico excitado, com a barraca armada, louco para meter a mão (e outra coisa) nela. Então, rapidamente, para não deixar aquele momento escapar, tiro a roupa. Nos abraçamos, nos tocamos, nos beijamos...

 

 

Acho que posso parar por aqui com as descrições.

 

Na verdade, depois de algum tempo, descobrimos que não havia muito mais o que fazer. Quando nos encontrávamos, víamos um filme, soltávamos espirros e transávamos. Eu perguntava se ela queria fazer alguma outra coisa, mas ela sempre me dizia:

 

— Não sei, e você?

 

Porra, se eu estava perguntando para ela, era por que eu queria saber o que ELA queria, não o que eu queria! Mas acho que ela só estava querendo bancar a agradável, preocupada comigo — e no fim das contas, pagava de tediosa. Eu não sugeria nada por que realmente não sabia do que ela gostava, e eu realmente não me importava de fazer qualquer coisa. Mas ela parecia estar com medo de me dizer o que queria.

 

Depois de um tempo, percebi que ela era só aquilo o que eu havia mencionado antes, e nada mais. Ah, era um pouco metida a gostosona — o que, até certo ponto, estava tudo bem porque ela tinha todo o direito de sê-lo, com aquele baita corpão de mulher. Mas o problema é que ela não era uma mulher. Era uma garota, que havia saído da escola há pouco tempo e não tinha experiência em nada, com nada. Ela só tinha o nariz empinado e gostava de bancar o mulherão que não era.

 

Foi então que me dei conta de qual era o problema.

Eu queria uma mulher.

 

Mas antes de perceber isso, no último dia de aula você passou por nós durante o intervalo, lembra? Nós estávamos no pátio de mãos dadas e olhando para o povo que passava por nós com cara de tédio, enquanto você, deslumbrante como sempre com aquele seu novo modelito mulherzinha — coberta em roupas sociais —, nos viu. Juro que eu teria dado um dedo para saber o que se passou na sua cabeça, por que eu vi o sopro melancólico que passou em seu olhar quando fitou nossas mãos.

 

E o que eu fiz? Bom, o filho da mãe aqui puxou a namoradinha mais para si, e tascou um beijo de língua ruidoso e molhado na garota, bem na sua frente.

 

Ah, a sensação de libertação! Viva, o doce sabor da vingança! Viva, o sentimento de dever comprido!

 

Viva, todas essas coisas que eu não senti!

Argh!

 

Quando consegui desenterrar a boca da boca dela, você já não estava mais ali vendo nosso show. Alguns colegas nossos que passavam, no entanto, estavam! E transbordando insinuações baratas (do tipo: vão para um motel!) nos olhares e sorrisinhos idiotas.

 

Aquela mesma noite, na saída, encontrei a ruiva (não quero dar nomes, para não causar ainda mais transtornos para a coitada, que nada tinha a ver com você) na parada de ônibus em frente ao prédio da faculdade. Quando cheguei lá, ela estava sentada na mureta com seus livros sobre o colo, encolhida em sua jaqueta de couro da marca metida. Ao seu lado.

 

Estufei o peito, caminhei com o queixo erguido, dei um beijo nela (olhando para você!) e perguntei como foi o restante da noite para ela.

 

— Um saco! O professor de Direito Civil não cala a boca um segundo, e fala naquela lentidão que causa ainda mais sono na gente. Nem no último dia de aula ele nos dá um folga! — resmungou. Ela já tinha feito prova daquela disciplina, mas parece que o professor dela ainda tinha algo a acrescentar à turma. Muito considerável da parte dele.

 

Mas o que ela disse fez com que algo estalasse na minha cabeça.

 

Era o ultimo dia de aula, e mais uma vez, por algum motivo — obra do destino ou do acaso — eu te encontrava ali.

 

Aquilo tinha que ter algum significado maior, não é? Será mesmo que eu era o único que estava vendo isso?

 

Então, fiz o que fiz. O ônibus veio, ela subiu e eu não. A coitada ficou me olhando sem entender quando percebeu que passou pela catraca e eu não. Até que conseguiu uma brecha na janela para falar comigo.

 

— O que está fazendo, Sasuke?

— Esqueci uma coisa na sala... Vou ter que buscar. Eu te ligo depois para saber se chegou bem em casa, ok?

— O que você esqueceu? Você sabe que esse é o último ônibus!

— Eu pego um taxi... — a condução deu partida, e tive que gritar para ela me ouvir.

 

E, então, estávamos a sós.

 

Bem, não completamente, porque ainda havia mais alguns estudantes esperando suas caronas. Mas quando me virei para tentar lhe dizer algo, você se levantou e passou por mim sem dizer nada. Sem nem olhar para mim.

 

Seu namorado estava ali, bem atrás de mim, esperando você. Eu perdi o oxigênio dos pulmões por alguns segundos, o coração bateu mais forte, o nervosismo chacoalhou as pernas, a ansiedade fez minhas mãos tremerem. Então, sem pensar, eu a segurei pelos ombros a meio caminho de abraçar aquele cara.

 

 

— 9865-2323. Por favor, por favor, por favor, me ligue! Eu posso ser a melhor coisa que já aconteceu a você! Eu posso ser tudo o que você quiser, mas me dê uma chance. — eu teria me ajoelhado se tivesse tempo. Teria beijado os seus pés, se fosse preciso.

 

Era uma questão de chance. Eu precisava de uma, e sei que você queria me dar uma — e eu deveria ter te dito isso ali. Eu poderia ter feito tanta coisa que nem sei. Eu estava desesperado e não sabia.

E seu namorado estava puto, mas disso eu logo soube.

 

Também!, o cara veio com tudo pra cima de mim. Soco, pontapé, chutes, puxões de cabelo... Só faltou uma voadora em mim. Acho que só não teve isso por que os caras que estavam ali perto seguraram aquele brutamontes antes que me transformasse em farelos no chão. E eu não revidei (acredite quando eu digo que poderia ter quebrado o nariz e alguns dentes dele!) por que o seu namorado, afinal de contas, estava em seu direito de defender o que era “seu”... Se é que você realmente, alguma vez, foi dele.  E é por isso, Sakura, que me arrisquei como fiz. Por que agora eu entendo que você não estava completamente feliz com ele. O resto não me interessa.

 

As moças gritavam nervosas e você me olhava com aquele jeito sem jeito. Não disse nada, não chorou, não gritou, não esperneou... Nada. Só me olhava cheia de culpa, cheia de remorso, cheia mágoa, cheia de angustia, cheia de lágrimas.

 

Mas eu não sei por que... Sinceramente, você não faz sentido, Sakura. Você teve todo aquele tempo para me dizer algo, então porque não disse?

 

Eu esperei pela sua ligação, sabia?

Por dois malditos meses, eu acordava olhando para a tela do meu celular me perguntando quando você iria me ligar.

 

Cheguei a culpar a situação. Eu lhe disse o número apenas uma vez e talvez você não tivesse conseguido memorizar, mas depois eu li em algum artigo na internet que pessoas com o hábito de ler têm a memória mais afiada do que a média. Então, esse não poderia ser o motivo.

 

Você não ligou, e agora estou escrevendo essa carta em resposta à sua por que tenho medo de nunca mais a ver. Tenho tanto medo, que estremeço só com o pensamento. Cada semestre que passa é um mistério, porque pessoas desistem do curso no meio do caminho, há aqueles que trocam de faculdade, e ainda tem aqueles que simplesmente trancam a matrícula por um motivo ou outro... E cá estou, cruzando os dedos para que nada disso aconteça. Cá estou contando os dias que faltam para retornarmos às aulas, por que quer voltar a ver seus olhos, seu sorriso, seu cabelo, seu rosto...

 

Mas se engana redondamente se acha que vou me desculpar por alguma coisa. Se causei algum dano ao seu relacionamento com o seu namorado, que dane-se!, pois, sinceramente, espero que tenha mesmo. Espero que o estrago seja irreversível. Espero que vocês nunca mais se olhem no rosto. Espero que ele te odeie tanto que não queira nem ouvir falar o seu nome. Espero que ele vá para a puta que o pariu. E não é nem pela surra que me deu, por que se tudo isso acontecer mesmo, eu vou sorrir. Vou sorrir por que valeu à pena.

 

Eu estou sendo egoísta, mesquinho, o diabo a quatro, ou o que for, mas eu não me importo. Eu também sou um bicho malévolo, fedorento, horrendo, de bafo de onça e gosmento — provavelmente até mais do que você, está vendo?

 

Obrigado você, pelo show.


Notas Finais


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