// Izuku //
Eu suspirei meio preocupado.
- Por favor, tente não bater em mim agora, ok?
Katsuki concordou com a cabeça de novo e murmurou "desculpa" novamente, de forma culpada, enquanto eu aproximava minha mão (que estava levemente dolorida pelo tapa que ele deu ao se assustar com a dor do remédio) de seu rosto novamente para limpar o machucado ali.
Ele havia sido atropelado saindo do hospital. Ele literalmente saiu bem e voltou pior.
- Você não ouviu a buzina dele? - perguntei devagar, limpando os cortes na testa e ombro dele em seguida.
- Ouvi.
- E não saiu da frente por quê...?
Ele suspirou exasperado.
- Eu não quero falar disso - ele resmungou. - Você pode só acabar isso para que eu possa ir pra casa?
- Se você não me disser o que aconteceu, não. Eu não posso largar você para ir pra casa dessa forma, Katsuki! Você foi atropelado em plena luz do dia saindo do hospital, do nada. Não tinha nenhuma distração, você simplesmente caiu na frente do carro!
- Eu não caí na frente do carro e- Ai, porra! Isso dói! - ele reclamou quando pressionei o algodão com um pouco de força em sua pele machucada.
- O que você sentiu, então?
- Nada!
- Se você não me disser eu juro que interno você de novo - eu ameacei e ele uniu as sobrancelhas.
- Você nem mesmo é médico - ele desdenhou e ergueu o queixo na minha direção.
- Eu sou chefe dessa ala de cuidados inteira, Katsuki. Cada um dos enfermeiros e técnicos e médicos aqui trabalha no meu comando - eu disse começando a ficar realmente bravo pela forma como ele falava. - A diretora desse hospital considera minha palavra assim como qualquer médico daqui. Se eu disser que você precisa ser internado, você vai ser internado.
- Você está me ameaçando! Cara, isso literalmente é crime! - ele disse nervoso e eu quase dei risada porque o rosto dele estava ficando cor de rosa. Ground Zero e aquela pose toda de mandão estavam corando porque eu dei sermão?
- Não seja bobo. É pela sua saúde, não porque eu quero você perto de mim - eu retruquei e ele me olhou ofendido. - Vai me contar o que aconteceu?
- Não. Você não tem saco para mandar me internar - ele respondeu e eu ergui as sobrancelhas.
- Eu não tenho o que?!
- Saco. Colhões. Bolas. - ele disse irritado e eu sorri lentamente, puxando o celular do bolso e abrindo o grupo de mensagens dos médicos. Fiz questão de inclinar o celular para a direção dele, assim, ele viu quando comecei a gravar um áudio. - Ei, ei, ei! Para com essa droga!
Aproveitei que ele não conseguia erguer muito o braço e puxei o celular para longe dele.
- Me fala o que aconteceu - pedi sério e ele me encarou com raiva. - Anda. Eu tenho que acabar seu curativo.
- Eu vi aquele bestial - ele disse e eu concordei com a cabeça. - E comecei a suar frio. E eu não conseguia pensar direito...
- Você teve um episódio de estresse pós-traumático - eu disse com doçura para acalma-lo. - Não é nada fora do normal, Katsuki. Geralmente acontece quando você passa por algum dano emocional ou psicológico muito extenso e algo no cotidiano o relembra disso e...
- Não é isso - ele me interrompeu e desviou o olhar. Ele falou tão baixo em seguida que eu precisei me aproximar para ouvir melhor. - Eu vi vermelho.
- Você o que?
- Vermelho. Eu vi vermelho - ele disse e de início eu abri a boca para perguntar o que havia de errado com vermelho e acho que ele notou que eu não entendi muito bem de primeira. Antes que ele abrisse a boca, no entanto, eu me lembrei que Katsuki Bakugo via o mundo em preto e branco e só.
- Ai meu santo Zale - ofeguei e cobri a boca com a mão. - Você viu vermelho? Q-quer dizer, somente vermelho? Quando foi... Foi isso, não é? Foi isso que você viu quando o Scarlet matou a garota. O sangue dela espirrou para todo lado e você viu vermelho!
- Por que eu vi essa cor? Por que eu vi somente essa cor?!
- B-bem, eu tenho que examinar você e...
- Nem pensar. Eu estou cansado de exames - ele respondeu. - Eu só quero ir pra casa.
- Bem, eu posso leva-lo se quiser - eu respondi. - Eu nem deveria vir para cá hoje.
- Por que?
- Peguei um plantão de madrugada para amanhã. Eji quer que eu tire o dia de folga hoje para não ficar cansado. Vamos lá, deixe-me terminar isso e nós podemos ir.
- Você é tão ousado - ele disse de uma forma estranha: não como se estivesse reclamando nem como se estivesse elogiando. Era como se fosse apenas um fato do qual se deu conta.
- Pode tirar sua camisa agora, por favor - eu disse da forma mais profissional que podia. - Hm, você machucou as pernas? Buke disse que a batida não foi forte, mas, você caiu feio.
- Eu não sei. Quer que eu tire a calça também? - ele perguntou erguendo uma sobrancelha com um sorriso quase cruel e eu fechei a cara.
- Eu não estou brincando!
- Uh, nem eu. É pra tirar a calça ou não?
- Deixe a maldita calça no lugar - eu respondi e ele riu.
.
- Oi Hermes, é o Katsuki! - ele disse animado para a portaria e acenou do banco do carona. - Estou acompanhado com meu médico.
- Eu não sou médico - sibilei para ele e recebi apenas um balançar de mão. - Você sabe qual a diferença entre um médico e um enfermeiro?
- Sei. O médico estuda muito, mas, você está ganhando mais - ele disse e eu pisquei surpreso.
- Quem disse que eu ganho muito?!
Nós estacionamos o meu carro na vaga para visitantes. Ele tirou o cinto e me encarou.
- Esse carro é lançamento dos últimos dois anos. Ele foi caro.
- Bom, seu carro é lançamento desse semestre. Ele foi muito caro.
- Bem, eu sou herói do primeiro pódio aos vinte e poucos. Você é diretor sei lá das quantas...
- Chefe - corrigi.
- Certo. Chefe. Quantos anos você tem? Vinte e dois?
Eu ri e saí do carro, parando e olhando para o carro dele logo do lado. O carro era meio feio, mas, tinha o logo de uma marca antiga e cara de carros.
- Eu tenho vinte e seis anos, Katsuki - eu disse cruzando os braços. - Sou mais velho que você.
Ele ergueu uma sobrancelha.
- Você nem tem barba, eu não acredito nisso - ele disse enquanto nós íamos andando até os elevadores.
- É genética. Meu pai tinha pouca barba desde sempre. Além do mais, eu faço a barba.
Ele balançou a cabeça. Tirou uma chave de dentro da mochila.
- Quer ficar para almoçar? - ele perguntou enquanto abria a porta e dava passagem para que eu entrasse.
Por um instante eu me senti o próprio Katsuki, vendo tudo em preto e branco. Todos os móveis ali eram brancos ou pretos, o piso e as paredes, as cortinas e tapetes e até mesmo as almofadas.
- Você vai cozinhar?
Ele me olhou como se eu fosse maluco.
- Nem fodendo, eu estou todo quebrado. Vou pedir qualquer coisa e...
- Você sabe que não pode ficar se entupindo de besteira, não é? Você acabou de sair do hospital, seu corpo está frágil...
- Cala a boca, eu não sou frágil - ele resmungou e discou alguma coisa no celular. - Oi Kenedy, é o Katsuki. Só um segundo... - ele se virou para me encarar. - Você vai querer comer ou não?
- Ah, não, não. Eu já marquei de almoçar em outro lugar... Inclusive acho que estou atrasado...
Katsuki deu de ombros e voltou a fazer seu pedido. Depois que acabou ele voltou sua atenção para mim.
- Quer que eu te leve até a saída?
- Não precisa, eu lembro o caminho. Descanse e fique fora de problema!
- Tchau pra você também.
Despedi-me dele com um balançar de mão e sai pelo corredor a fora. Quando cheguei na portaria ele já havia informado minha saída também. Eu olhei uma última vez para o prédio enorme onde Katsuki morava e desviei o olhar com certa surpresa.
Não que ele houvesse sido qualquer coisa, mas, era tão estranho. Eu criei uma pequena obsessão por ele durante uma semana na faculdade pelo simples fato de que ele enxergava em preto e branco e era bonito e agora ele havia visto uma cor e estava ainda mais bonito.
Eu não sabia bem o que fazer.
Bem, eu não precisava realmente me manter no caso dele. Eu não era médico e ele certamente deveria precisar de um neurologista ou algo parecido, não da minha preocupação.
Antes que eu começasse a ficar realmente pensativo meu celular tocou e o som ecoou pelo carro, uma vez que eles estavam conectados.
- Izuku - eu disse distraído.
- É o Dalton! - ele respondeu. - Você já está vindo? Eu estou aqui há uns vinte minutos.
- Desculpe, Dal. Tive um imprevisto. Estou chegando!
- Vou fazer você pagar a conta - ele resmungou. - Eu já olhei os ingressos do cinema...
- Legal - respondi animado. - Do filme que falei?
- Yesss. Mas só encontrei sessão para as oito da noite.
- O que?! Dal, são duas da tarde agora! O que é que nós vamos fazer esse tempo todo?
Ele suspirou.
- Sei lá. Vamos no shopping, num parque...
- Ai, sinceramente, eu estou tão cansado. Vamos para minha casa depois de almoçar - eu disse meio irritado. - E eu tenho plantão durante a madrugada. Acho melhor deixar o cinema para outro dia.
- Okay - ele respondeu dando-se por vencido. - Estou esperando você aqui.
Desliguei logo depois meio chateado. Liguei a pesquisa do celular pelo comando de voz e pesquisei salas de cinema para o filme que eu queria ver. O navegador me informou ingressos disponíveis para uma sessão as quatro da tarde no mesmo cinema que nós iriamos mais tarde e eu estreitei os olhos.
Eu tinha uma leve noção sobre Dalton tentar ter alguma aproximação maior que uma amizade comigo, mas, sério, não iria acontecer. E nem é que eu não o achasse bonito ou chato. Dalton era super inteligente e incrível com seu corpo atlético e os olhos castanhos e seu cabelo sedoso e escuro que passava dos ombros. A coisa toda era só...
Bem, ele não era realmente meu tipo. Ou havia algo com nossa amizade que não me deixava ter um passo maior que aquele.
Distraído pensando em tipo de caras que eu gostava acabei me lembrando de Katsuki tirando a própria camisa e daquela visão um tanto quanto abençoada com seu corpo grande e cheio de cicatrizes e músculos bem definidos.
Balancei a cabeça e estacionei o carro na rua ao lado do restaurante perto da praia.
- Ei! - Dalton sorriu para mim quando entrei no restaurante.
- E ai? Pronto pra comer até explodir?
- Eu vim na intenção de sair daqui passando mal - avisei com uma risada. - Tragam a comida do rei
.
// Narração //
// Dois dias depois //
Em seu apartamento, entediado, Katsuki procurava algum jogo que não o irritasse. Estava usando seus óculos enquanto lia as descrições de jogos para comprar.
Ele suspirou de novo.
Estava começando a ficar triste novamente porque sua mãe e irmã não estavam ali para vê-lo. As duas haviam viajado de volta para casa logo depois que ele acordou porque havia trabalho e um monte de coisas em casa para fazer. Os tons de preto e cinza ao seu redor não ajudavam muito, entristecendo um pouco mais sua perspectiva de como nada o animava.
Ele se virou e desbloqueou o celular para passar os olhos nas mensagens que já havia lido até então. Havia uma mensagem de alguns responsáveis da agência de heróis e eles lhe pediam para descansar e não faltar nenhuma consulta dos hospitais para que pudesse voltar quando estivesse melhor.
Ele estava chateado com essa parte também. Queria poder voltar ao trabalho logo pois sentia saudades das patrulhas, da rua, das brigas e até mesmo da parte chata de escritório.
Dando-se por vencido e tendo certeza que era melhor dormir até esquecer que acordou um dia, Katsuki se levantou do sofá, resmungando de dor ao fazê-lo e já estava quase no final da sala quando seu celular tocou baixinho.
Ele xingou e voltou para pega-lo.
- Katsuki?
- Ei rapaz! - a voz alegre e sorridente de Hermes lhe cumprimentou e ele sorriu instantaneamente. - Como está indo hoje?
- Péssimo, mas, estou legal. E você, está aqui hoje?
- Não, não. Estou folgando. Na verdade eu liguei só para te falar que consegui o que você me pediu...
- Oi?! Conseguiu?
- Sim! - Hermes riu. - Irei te mandar agora e vou esperar uma boa história disso, garoto.
Foi a vez de Katsuki rir, envergonhado.
- Não vai rolar, Herm - ele disse ainda rindo. - Mas, muito obrigado de qualquer forma.
- Não tem de que, garoto. Se não tiver nada para fazer mais tarde, pode vir almoçar aqui.
Katsuki deu um sorriso enorme e satisfeito. Ele amava a comida da esposa de Hermes.
- Bom, se eu ganhar um fora hoje...
O senhor do outro lado da linha riu e se despediu de Katsuki; os dois haviam se conhecido logo quando Katsuki tentava entrar em uma das agências de herói de Resencall, alguns anos atrás. Hermes estava levando a esposa de carro para o hospital porque ela estava tendo um princípio de ataque cardíaco, mas, por causa de um vilão naquele dia a pista inteira estava parada. Katsuki se lembrava de como carregou a senhora e saiu correndo para longe daquela confusão, direto para o hospital. Foi por muito, muito pouco. Naquela época ele era só um adolescente usando uma máscara e tentando ser um herói e aquela foi a primeira vez que realmente sentiu que salvou alguém.
Ele acabou conhecendo Hermes porque sempre que podia ia visitar a senhora no hospital. Quando ele finalmente entrou para uma agência de herói em Resencall, escolheu morar no prédio onde Hermes trabalhava porque o senhor e sua esposa eram as pessoas mais próximas de si naquela cidade inteira.
Pensando nisso ele olhou a mensagem que Hermes havia mandado e junto o número salvo como "Izuku Hospital" e riu consigo mesmo. Hermes havia realmente conseguido o número de Izuku para si.
Ele selecionou o número e discou.
O rapaz atendeu no terceiro toque.
- Izuku.
- Doutor, eu estou sentindo dores péssimas - Katsuki disse segurando o riso.
- Dout... Quem está falando?!
- É o Katsuki - o rapaz de olhos vermelhos respondeu devagar enquanto se encostava em uma mesa da sala. - Seu paciente preferido.
- O que foi dessa vez? Você foi atropelado por um caminhão agora?
Katsuki sorriu consigo mesmo.
- Por mais que eu fique contente em perceber que você me acha bastante forte, acho que um caminhão seria demais até pra mim, baby...
- Não me chame de "baby". E do jeito que você é cabeça dura iria quebrar o caminhão fácil, fácil. - Izuku resmungou. - A propósito, como foi que você conseguiu meu número? Ele é particular.
- Você vai amar essa - Katsuki disse, cruzando os braços, lembrando da expressão que Izuku fazia quando contrariado. - Um amigo foi até o hospital e disse que ele está cuidando de mim, mas, eu estava me sentindo meio mal e não queria ir até o hospital de novo e ele pediu o número do médico bonzinho que me atendeu quando fui atropelado.
- Ah, meu santo Zale... Eu não sou médico...
- E a recepcionista deu seu número - terminei com uma risada. - Emocionante, huh?
- O que você quer de mim? - Izuku choramingou. - É sério, você não se acidentou de novo, não é?
- Não, eu estou legal. Na verdade eu pedi para ele conseguir seu número porque gostaria de te agradecer pelo que você fez.
- Hein?
- Vamos sair para jantar hoje - Katsuki pediu e mordeu o próprio lábio em antecipação. Não sabia porque estava convidando Izuku para sair.
Por sua vez, Izuku estava quase tendo um ataque cardíaco dentro de sua sala no hospital. Ele estava literalmente balançando uma das mãos enquanto colocava a chamada no viva-voz para Eji escutar.
- Desculpe, a chamada cortou. Eu não entendi...
- Jantar. Eu e você. Hoje de noite.
Izuku tapou a própria boca com a mão enquanto Eji prendia a risada e fazia sinal positivo com a mão.
- Certo, okay. Eu saio as oito hoje. Onde eu te encontro?
- Deixa que eu vou te buscar - Katsuki disse imediatamente. - Se você quiser passar em casa primeiro, eu acho...
- Tudo bem. Sabe onde é o Heldan's Castle?
- O shopping?
- É! Eu moro ali do lado. Me espere umas... Nove?
- Okay. Nove. Beleza.
- Tudo bem então. Até mais.
Ambos desligaram e pararam por um segundo. Katsuki não podia acreditar que iria sair com Izuku. E o mais velho não conseguia parar de rir da cara que Eji estava fazendo.
Em seu apartamento, Katsuki estava olhando sério para seu guarda-roupas. Todas as roupas ali tinham as mesmas cores: preto, branco e cinza.
Ele queria algo diferente porque naquele momento ele se sentia diferente. Sentia-se animado para finalmente sair e constatar que, sim, ele realmente enxergava algo alem dos tons sem graça de sempre. Vê-los pela TV ou em sua comida somente não o satisfaziam.
Katsuki se dirigiu imediatamente em direção ao banheiro e tomou um banho demorado, tentando enrolar o máximo que podia para não acabar precisando esperar tanto. Já eram cinco da tarde, mas, ainda seriam quatro horas... Ansioso, ele fez questão de lavar o cabelo duas vezes na esperança de que ele ficaria um pouco menos bagunçado que o normal. Mas obviamente não adiantou.
Ele se encarou no espelho enquanto secava o próprio peito. Sua figura pálida e cheia de tons de cinza e branco tinha a cor vibrante do vermelho em seus olhos e algo parecido nas bochechas.
Ele decidiu repentinamente. Precisava de algo vermelho.
Katsuki parou na frente de seu carro novo. Havia sido um mimo bobo que ele se permitiu ter uma vez que quase nunca gastava tanto dinheiro assim. Ele não queria parecer esnobe ou dar a impressão de que estava se exibindo. Deu um "tchauzinho" para o carro e deu a volta para procurar o carro preto e simples que fora o seu primeiro presente para si mesmo. Talvez o carro não fosse tão simples assim, mas, ele pensou consigo mesmo, pelo menos não tinha as portas que abriam para cima.
Ele deixou no porta-luvas seu celular e seu perfume favorito enquanto dirigia para fora da garagem e pelo condomínio de seu prédio.
O trânsito estava tranquilo e vazio até para aquele horário. Ele assistiu encantado e meio horrorizado o semáforo brilhar em vermelho no meio da paisagem completamente preta e branca. Em alguns momentos ele simplesmente se inclinava para frente para observar melhor algum detalhe vermelho na paisagem:
As rosas na mão do rapaz que atravessava a rua, as luzes dos carros, o batom das mulheres rindo e o cabelo de uma delas, a blusa da menina que brincava de correr com seu cachorrinho... As placas de lanchonetes, pinturas nas casas e prédios... Tudo aquilo brilhava aos olhos dele e, em algum momento, tornou-se tanto que ele precisou colocar seus óculos para não acabar sentindo dor de cabeça.
Ele entrou no shopping próximo a casa de Izuku e estacionou o carro ali, olhando divertido como os carros vermelhos pintavam a paisagem do estacionamento.
O shopping era ainda mais informação para ele. Parecia haver centenas de tons de vermelho ali e ele gostava, mas, ao mesmo tempo, sua cabeça começava a doer por causa das luzes e do barulho. Ele andou direto até sua loja preferida para procurar o que queria.
- Senhor Bakugo! - a atendente da loja, Lytin, sorriu para ele. Ela estava usando batom vermelho, ele reparou, num tom tão escuro quanto seus olhos. O vestido dela era preto e sem decote, como sempre. Suas unhas também estavam cuidadosamente pintadas de preto e faziam um contraste bonito com sua pele cinza-claro.
- Oi Lytin - ele sorriu torto e encarou algumas das camisas de botão novas que estavam ali.
- Veio ver a coleção dos ternos novos que lhe interessou na semana passada? - ela perguntou com a voz suave. Ele já havia reparado que ela reservava aquele tom especialmente para ele e geralmente era um pouco mais fria com outros clientes. Uma vez ele esteve ali com a esposa de Hermes para tentar escolher um presente para o senhor e ela lhe disse que era meio óbvio que Lytin estava tentando dar em cima dele, de forma sutil.
Ele sentia vontade de rir sempre que lembrava disso.
- Na verdade, não, querida - ele fazia questão de dizer com um sorriso porque era meio divertido ver como os olhos claros dela brilhavam. Bem, Katsuki não sabia se havia uma forma educada de dizer para ela que o irmão dela teria mais chances que ela. - Eu quero uma coisa um pouco... Diferente.
- Diferente?
- Quero uma camisa vermelha. Escura, da cor do seu batom.
Ele assistiu as bochechas dela ganharem o tom mais fino e claro de vermelho. Katsuki fingiu coçar o nariz para disfarçar a risada que ele tentava segurar.
- Da cor do meu... Batom?
- É... Vermelho. Assim. Escuro.
- Vermelho vinho?
- Acho que... É - ele murmurou. Ele não estranhava a surpresa da expressão dela. Há dois anos ele sempre comprava suas roupas lá, principalmente suas camisas de botões favoritas ou os ternos que costumava usar para alguma festa ou apresentação formal de heróis e seu pedido era sempre exclusivamente preto.
- Bem, é um ótimo pedido, como sempre, senhor - ela disse e indicou que ele a seguisse até uma estante com camisas. Todas elas tinham tons de cinza e preto, não fosse uma em particular... Era vermelha e escura, parecia macia ao toque. - Essa lhe agrada?
- Muito - ele murmurou e olhou a camisa como se fosse um tesouro. A cor reluzia para ele como o sol iria reluzir no começo do dia. - Acho que preciso experimentar... Não sei se a cor vai ficar muito boa em mim.
- Ela combina com o senhor - ela disse com a voz macia de sempre e aproximou a camisa ainda no cabide do peito dele. - A cor irá se destacar com seu cabelo claro e vai evidenciar seus olhos.
- Vai?
- Sim, senhor - ela sorriu. - Ficará encantador.
- Então eu vou leva-la - ele murmurou ainda olhando para si mesmo no espelho. Tudo que ele via eram os tons de vermelho que eram tão chamativos.
Não demorou muito para que Katsuki saísse da loja e já usando a camisa nova. De fato, vermelho era uma cor que combinava perfeitamente com ele. Por mais que ele se sentisse estranho por enxergar aquela cor de repente, sentia-se feliz também. Ele estava tão entediado ali que resolveu procurar uma livraria para se distrair e encontrar algo interessante.
No caminho ate uma livraria ele se pegou pensando onde levaria Izuku. Sozinho ele costumava comer em restaurantes apenas quando estava muito entediado em casa - mas, uma vez que ele se sentia entediado sozinho em algum restaurante ele preferia apenas ir jantar ou almoçar com Hermes e sua esposa. O casal havia perdido o único filho há muitos anos atrás, o que o fazia pensar que talvez fosse por isso que eles gostavam tanto dele.
Ele decidiu que levaria Izuku até um restaurante chamado Goldart, não muito longe dali. Katsuki o escolheu apenas porque lembrava que a comida dali era realmente gostosa e havia uma varanda mais vazia e calma.
O rapaz acabou sentado na mesa da livraria enquanto passava os olhos em alguns livros de romance e se ocupava em descobrir o que acontecia com a garota que estava tentando lidar com a paixão que sentia pelo fantasma que somente ela podia ver. Ele acabou gostando tanto do livro que o comprou e passou vários minutos lendo até começar a sentir dor de cabeça pela falta dos óculos que rapidamente colocou de novo só para continuar a historia.
Izuku lhe mandou uma mensagem as oito e quinze avisando que já estava saindo do hospital a caminho de casa e naquele momento Katsuki começou a se sentir um pouco ansioso. Refez o caminho até o estacionamento e tirou um momento para passar perfume e dobrar as manga da camisa de botões que usava.
O rapaz dirigiu para fora do estacionamento e parou na área indicada de espera na frente do shopping. Ele ligou o rádio do carro e tirou o cinto, sentando-se mais relaxado no banco. Sabia que ainda esperaria um pouco, então, voltou a ler concentrado.
Tão concentrado que, vinte minutos depois, se assustou um pouco quando Izuku deu duas batidinhas no vidro do carro.
- Ah! - ele exclamou surpreso e olhou o relógio. Ainda faltavam vinte minutos para as nove. - Você chegou cedo.
- Pegue a pista vazia - Izuku sorriu e entrou no carro quando Katsuki abriu a porta do carona. O mais novo quase cuspiu a própria linguá para fora quando viu as roupas de Izuku. Ele estava usando chinelos. E permuda de moletom. E uma camisa preta lisa.
Todo aquele look não devia custar metade do valor da camisa que Katsuki vestia e ainda assim ele estava tão bonito.
- Huh, você está tão arrumado - Izuku comentou mordendo a boca. - Acho que eu deveria trocar essa roupa...
- N-não! - Katsuki disse depressa e parou a própria mão no caminho para tocar o braço de Izuku. - Eu, ah, tenho costume de me vestir assim, na verdade. Nada demais. Eu ando assim o tempo todo.
- Hm, tem certeza? Eu estou realmente tão simples. Você está todo "acabei de comprar um país".
- O que?! Eu não comprei nenhum...
- É uma piada!
- Ah! Claro!
Izuku riu.
- Onde nós vamos?
- Eu planejei Goldart...
Izuku arregalou os olhos e olhou para os próprios pés.
- Eu definitivamente vou trocar de roupa. É sério. Não da pra entrar lá de sandália... Você é tão rico que vai simplesmente me convidar para ir no Goldart só porque quer me agradecer? Eu só fiz meu trabalho.
Katsuki negou com a cabeça.
- Você foi me deixar em casa.
- Bem, você estava atordoado - o mais velho rebateu. - Além do mais, eu acho que poderia te recomendar um lugar mais legal.
- É só dar uma direção - Katsuki disse e deu de ombros.
- Ok, você vai pegar a principal em direção ao Aquareo...
Os dois seguiram conversando pelo caminho em direção a um bar e karaokê que Izuku adorava.
- Hoje é quinta então vai estar um pouco cheio - ele explicou e indicou a próxima entrada para Katsuki. - Se você não gostar nós podemos ir embora de lá.
- Tudo bem - ele concordou e olhou curioso para o lugar. Era um bar médio e realmente estava meio cheio, mas, nada demais. Katsuki não se sentia exatamente confortável naquele horário porque no escuro ele não conseguia distinguir as formas das coisas, uma vez que tudo tinha o mesmo tom de preto ou cinza e havia pouca luz para orienta-lo. Ele fez o melhor que pôde para esconder de Izuku que estava meio ansioso ou nervoso.
Quando eles desceram do carro, Izuku se virou e o olhou durante alguns segundos.
- Esse tom de vermelho fica bem em você - ele disse com um sorriso doce que fez Katsuki corar. - E eu definitivamente gostei dos seus óculos.
Katsuki ergueu as sobrancelhas. Havia esquecido completamente que estava com os óculos.
- Obrigado - ele resmungou ainda envergonhado.
- Você os usa por estilo ou...?
- São para me ajudar a distinguir melhor o contorno das coisas, na verdade. E diminuir o impacto das cores claras nos meus olhos. Eu não sei explicar muito bem.
- Acho que eu entendo um pouco - Izuku garantiu e cumprimentou animado o segurança do bar quando eles entraram.
Ali havia luz o suficiente para que Katsuki pudesse pelo menos distinguir o que era o quê. Eles escolheram uma mesa com sofá, perto do palco do karaokê e se sentaram.
- Imagino que você não bebe - Izuku disse em voz alta para que Katsuki pudesse ouvi-lo.
- Não - o mais novo respondeu no mesmo tom. - Eu sou fraco para bebida.
Izuku riu.
- Então eu vou ficar sóbrio para te acompanhar.
Katsuki balançou a mão.
- Eu posso beber alguma coisa. Vamos pedir um táxi para ir embora se eu exagerar. Eu posso pegar o carro amanhã - ele sugeriu e Izuku concordou com um sorriso animado.
- Comece com um leve ou um médio - ele indicou no pequeno cardápio de bebidas. Katsuki correu os olhos pelo cardápio e pediu uma média que tinha café junto. Izuku pediu uma média com sabor de morango.
As bebidas não demoraram a chegar e Katsuki ficou meio encantado com o fato de que havia pedacinhos de morango na bebida de Izuku. Os dois viraram duas bebidas e Katsuki fez uma careta quando terminou de engolir e balançou a cabeça.
- É horrível!
- Pega uma de morango. Acho que você vai gostar mais - Izuku disse e apontou para um casal que estava subindo para cantar no karaokê. - Eu adoro eles dois! Eles cantam muito mal.
Katsuki gargalhou e se virou para assistir. Uma das mãos de Izuku estava apoiada no ombro dele e Katsuki reparou em um anel bonito e fino no dedo do meio dele. Parecia um anel de formatura.
Os dois começaram a ficar animados depois de tomar o terceiro shot. As músicas cantadas de forma desafinada ou grosseira pelos casais e turmas presentes no bar os faziam rir mais ainda. As luzes não incomodavam Katsuki naquele momento porque ele mal estava concentrado em qualquer coisa que não fosse como suas costelas doíam por rir muito ou como Izuku estava, definitivamente, segurando um de seus braços enquanto gargalhava.
- Ei, você, você ai mesmo - a garota que cantava no karaokê até então apontou para a mesa deles. - Vem aqui!
Izuku apontou para o próprio peito e ela concordou. Era claro que ele não estava bêbado, somente meio bobo e risonho por causa do álcool. Katsuki no entanto parecia estar se divertindo mais do que qualquer outro ser humano naquele lugar quando Izuku fez sinal de que ia ao palco.
- Você é tão bonito - a garota que também estava meio bêbada disse para ele. - Vamos cantar algo juntos.
Izuku riu e concordou. Katsuki se endireitou no sofá e assistiu Izuku pegar uma guitarra e tocar alguns acordes animados ali. O mais novo bateu palmas e se virou para procurar seu copo de bebida, mas, ele já havia acabado. Não satisfeito, ele se dirigiu até o barman e pediu por dois shots de morango porque ele não fazia ideia do que mais poderia pedir.
Izuku e a garota estavam cantando uma música divertida e dançante; enquanto Izuku estava literalmente dando um show com aquela guitarra velha a garota cantava e dançava no palco, por vezes parando bem ao lado dele e deixando-o cantar também.
Katsuki não soube dizer exatamente quando, mas, de repente, sua visão estava um pouco mais embaçada e ele um pouco mais lento e sonolento. Ele não queria admitir, mas, com certeza, estava bastante bêbado e risonho enquanto assistia Izuku tocando todo alegre.
E foi no meio daquela música alta e animada, das palmas e coros de risadas e brindes e de uma névoa confusa de bebida forte demais para si que Katsuki viu as primeiras luzes amarelas ao seu redor.
Primeiro ele parou e depois seus olhos piscaram confusos porque ele não acreditava naquilo.
Ele reparou que a guitarra na mão de Izuku era amarela, reluzente. Tão brilhante e bonita quanto os enfeites pelo bar ou as luzes do teto.
Katsuki estava encantado por como as luzes amarelas pareciam mágicas e por como faziam a pele cinzenta de Izuku brilhar.
Quando o mais velho desceu do palco, fazendo um pequeno esforço para se desviar da garota que cantou com ele, encontrou Katsuki encarando atônito uma das luzes do bar.
- Você já está tendo alucinações? - ele perguntou rindo.
- Estou vendo amarelo....
- O que?! É sério?!
- É. Tem amarelo em todo canto... Minha cabeça está começando a doer - Katsuki murmurou lentamente e afagou a própria pele.
- Você está... Você quer ir embora? Já passou da meia noite...
- Vamos - ele murmurou. - Acho que eu ainda lembro a senha do meu cartão.
Izuku gargalhou e o ajudou a se levantar. Katsuki resmungou sobre estar sentindo a cabeça rodar um pouco e por isso pediu uma garrafa d'água para o barman antes de pagar a conta. Izuku tentou sugerir que eles dividissem, mas, recebeu somente um tapa na mão como resposta.
- Acho que você sinceramente vai me jogar em uma vala - ele disse rindo para Izuku enquanto os dois saiam do bar. - Ah, minha cabeça está rodando tanto.
- Você está se sentindo...?
- Eu preciso vomitar - Katsuki disse com tanta tranquilidade que por um momento Izuku achou que ele estava brincando. Ele assistiu, chocado, Katsuki ir até uma das latas de lixo na lateral do bar e enfiar dois dedos na própria garganta para se forçar a vomitar.
Ele voltou pouco depois, limpando a boca na manga da camisa e pegou a garrafa d'água das mãos de Izuku, bebendo metade da garrafa com dois goles.
Katsui suspirou.
- Desculpe.
- Você tem certeza que está bem? - Izuku perguntou meio hesitante. Ele estava se sentindo um pouco enjoado porque os shots de morango eram muito doces. - Você está pálido.
- Eu estou ok - Katsuki murmurou. - Você já chamou um táxi para você? Pede um com parada na sua casa e...
- Eu não posso deixar você ir embora assim, sozinho - Izuku disse ansioso. - Você ainda está meio desorientado.
- Desorientado é você - ele retrucou. - Eu estou bem.
- Você está vendo amarelo, não é?
Katsuki o encarou confuso.
- Quem te disse isso?!
- Você! - ele respondeu. - Santo Zale, você está muito bêbado! Quanto você bebeu depois que eu sai para cantar?
- Eu não... Eu não estou vendo nada... Não sei... Eu só quero a minha cama.
Izuku balançou a cabeça.
- Espero que você não se importe de dormir fora hoje - ele respondeu e fez sinal para o táxi que estava passando. Katsuki resmungou qualquer coisa consigo mesmo, bêbado demais para perceber a cor do táxi.
.
// Izuku //
Virei uma das panquecas na frigideira e desliguei a torradeira depois que ela apitou.
Ainda estava muito cedo e eu não tinha mais sono algum.
Separei alguns segundos para me virar e regar uma das minhas plantinhas que ficavam na cozinha quando alguém tocou a campainha.
Virei-me curioso e abri a porta.
Dalton me fitou de cara feia.
- Você está vivo - ele constatou irritado. - Eji ligou para você ontem a noite toda!
- Ops - respondi culpado, lembrando-me vagamente que eu havia esquecido o celular em casa. - Desculpe, eu saí ontem e acabei esquecendo...
- Izu, você precisa parar de fazer essas coisas! - ele me disse entrando na cozinha e eu abri a boca, mas, antes que eu pudesse dizer algo, Katsuki apareceu na cozinha com uma cara de sono que eu considerei estupidamente sexy. - Oh!
Ele nos encarou por alguns segundos parecendo estar confuso. Além disso, como se a própria presença dele ali não fosse o suficiente para causar um ataque cardíaco em Dalton, ele estava sem camisa, o peito nu a mostra e usando apenas sua calça que estava sutilmente mais baixa por estar sem cinto.
Ele coçou o próprio queixo e estreitou os olhos na direção de Dalton.
- Por que você está gritando com o Izuku?
Dalton piscou horrorizado e me encarou como se jamais houvesse me visto.
- Você dormiu com Ground Zero?!
Meus olhos se arregalaram e eu senti as bochechas ficando terrivelmente quentes. Que humilhação, eu pensei.
- Não! - eu respondi imediatamente. - Quer dizer, sim, mas, não!
Katsuki riu e se encostou na mesa. Ele parecia estar se divertindo mesmo.
- Ele dormiu aqui - expliquei gaguejando.
- Por que ele dormiu aqui? Eu nunca durmo aqui - Dalton comentou e eu pisquei surpreso pelo ciume repentino.
- Ele é seu namorado ou seu pai? - Katsuki perguntou suavemente e eu queria cavar um buraco para enfiar minha cara.
- Nenhum dos dois. Aliás, achei que você tinha um plantão hoje - eu disse com certa rispidez para Dal. - Por que está faltando?
Ele fez uma careta.
- Eji me pediu para ver se estava tudo bem com você... Nós ficamos preocupados.
- Está tudo bem comigo - eu disse e me virei para pegar minhas chaves na mesa. - Vai com o meu carro. Eu trago você na volta.
Ele pegou a chave e encarou Katsuki com desgosto uma última vez antes de se virar e sair. Logo depois eu me virei e o encarei.
- Bom dia, a propósito - eu disse e ele sorriu achando graça. - Está menos bêbado?
- Não tem nenhum álcool em mim agora - ele disse solenemente. - Te dei muita dor de cabeça ontem?
- Somente quando perguntou ao taxista se eu iria sequestrar você. Mas eu acho que era brincadeira. O homem ficou horrorizado. E você pareceu firmemente convencido de que estávamos na sua casa e até me pediu para ficar a vontade.
Ele gargalhou e passou uma das mãos pelo cabelo. Ele abriu e fechou a boca e eu imaginei o que ele iria perguntar.
- Depois disso você apagou. Pelo menos você não me chutou da cama - eu disse e fiz sinal para que ele se sentasse à mesa. Ofereci as panquecas e torradas a ele enquanto trazia o bule de café.
- Você dormiu lá dentro comigo? Quer dizer, na mesma cama e tudo...
Eu dei risada e me sentei também.
- É minha cama, no final das contas.
Ele concordou com a cabeça e bebeu o café, suspirando em seguida.
- Ter ido para lá foi melhor do que o Goldart teria sido - ele disse de forma quase simpática. - Eu não me lembro de muita coisa, mas...
- Bom, falando nisso... Aconteceu uma coisa, na verdade - eu disse e ele me encarou. - Você comentou que viu outra cor.
Katsuki arregalou os olhos e se virou como se esperasse ver algo diferente. Ele levou alguns minutos procurando e procurando, mas, voltou a me olhar.
- Não vejo nada de diferente além do vermelho - ele me informou. - Acho que eu só estava bêbado mesmo.
- Talvez... - respondi devagar, bebendo meu café. - Bem, eu preciso sair daqui a pouco. Tenho algumas coisas para resolver no hospital.
- Uma vida ocupada - ele sorriu. - Obrigado por ontem. Eu me diverti bastante.
Eu não contive o sorriso que surgiu no meu rosto.
- Eu também, muito. Apesar de que você não cantou nada - eu disse com um brincalhão tom de acusação. - Você só sentou e viu meu show.
- Foi um show bom de ver - ele argumentou. - Eu não me lembro de quase nada, sério, mas, tenho quase certeza de que você dançou enquanto estava cantando.
- Não, eu não dancei, não - eu murmurei e ele gargalhou enquanto mastigava uma torrada.
Quando Katsuki ria daquela forma ele fechava os olhos e seus ombros sacudiam e a imagem era realmente bonita. Ele abriu os olhos novamente e passou uma das mãos pelo cabelo e quando parou para me encarar seus olhos dobraram de tamanho e ele pulou para fora da cadeira, quase caindo no chão enquanto se afastava de mim.
- O que foi?! - gritei assustado e me levantei também.
- A cozinha! - ele berrou e apontou para o outro lado da cozinha onde estava o fogão, a pia e... Enfeites amarelos. - IZUKU ESTÁ TUDO BRILHANDO!
Dei uma risada horrorizada, sem acreditar. Ele estava vendo amarelo? Bem ali, na minha cozinha?
- Você consegue ver? - perguntei depressa e mostrei o bule de café, amarelo, para ele.
- Oh meu Deus - ele ofegou e segurou o bule de café, quase derrubando no chão, e o aproximou do rosto. Ele piscou algumas vezes e abriu a boca com uma surpresa inacreditável. - Isso é amarelo...
- Amarelo sol - eu disse animado. - Você está vendo amarelo!
- Mas... Eu não fiz nada - ele murmurou bobo. - Como é que isso aconteceu?
- Bom... Parando para pensar - murmurei devagar. - Você bebeu no dia que viu vermelho?
Ele me encarou chocado, os olhos arregalados, a boca meio aberta.
- É obvio que não! Eu não bebo durante a semana quando tenho trabalho, e nem em horário de trabalho!
Ok, disciplinado.
- Certo. Então podemos descartar a possibilidade do álcool ter algum efeito no seu organismo além do que é comum pra todo mundo - eu expliquei. - Você usa algum tipo de droga?
- Remédios para dormir e para as enxaquecas. Somente.
- Hum... Você bateu a cabeça...?
- Não - ele disse sério. - Eu só estava em pânico. E nem sei porque me...
- Ei! Espere ai! É isso! - eu exclamei e bati na mesa animado. Ele piscou os olhos e me encarou. - Você estava sob uma emoção muito forte e viu vermelho, certo?
- É...
- Você ficou em estado de reação aguda ao estresse por duas semas e-
- O que?
- Choque. Estado de choque - eu expliquei. - O nome correto é "estado de reação aguda ao estresse", mas é popularmente dito como estado de choque. Você permaneceu assim por duas semanas. Isso nem deveria ser possível! Todo mundo achou que você estava ficando maluco e...
- Oh, que gentil!
- ... Quando você recebeu alta - eu disse sério, apontando para ele. - Você encontrou o Buke, aquele bestial. Você teve um episodio de estresse pós traumático e desmaiou porque ele o lembrou da cena toda...
- E eu estava em pânico - ele murmurou devagar.
- E você viu vermelho de novo! Porque até então, quando você acordou, você não viu vermelho de novo. Minha prancheta do hospital é vermelha. Meu estetoscópio é vermelho. Você não os viu.
- Não... Então, espera aí! Você acha que eu enxerguei vermelho porque estava em pânico?!
- Bem, é uma teoria, Katsuki. Mas considerando que nossos corpos reagem as coisas de formas quase impossíveis por conta das individualidades e todas as mudanças ambientais, atmosféricas e...
- Nerd, nerd, nerd - Katsuki reclamou. - Fale na minha língua!
Eu grunhi e me inclinei sobre a mesa.
- O que estou tentando dizer é que eu acho que você acabou tendo um bloqueio por conta do acidente que sofreu quando era criança. Não sei se tem uma explicação cientifica para isso, mas, podemos procurar saber se você quiser e...
- Izuku, direto ao ponto!
- Tá! Eu acho que você está vendo as cores agora por conta das suas emoções.
- Das emoções?
- É. Suas emoções influenciam diretamente na forma como você vê o mundo ao seu redor. Mas, o seu caso é um pouco mais literal.
- Você acha que eu vou voltar a ver as cores todas?
- Bem, só tem um jeito de saber - eu disse enquanto me levantava. - Continue vivendo.
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