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História Intimamente Emma - A morte disfarçada


Escrita por: WoundedBeast

Notas do Autor


Olá, leitoras!

Após muito custo trago finalmente esse capítulo contando o que antecedeu e o que ocorreu na morte de Daniel. Desculpem a demora, mas realmente esse capítulo deu trabalho, embora não pareça.
Então, já deixo avisado que parte do capítulo - da metade para o fim dele - está reservada aos últimos momentos de Ingrid antes da morte de Daniel, pois é ela que vai se lembrar do que aconteceu. Caso não entendam, eu estou a disposição para esclarecer qualquer dúvida.

Um beijo para Lady Elis que está fazendo aniversário hoje e o capítulo é dedicado a ela.

Boa leitura.

Capítulo 44 - A morte disfarçada



Dias mais tarde, faltando duas semanas para o julgamento de Ingrid, Emma e Regina se reuniram aos tios da moça para entenderem de uma vez por todas o que aconteceria no tribunal quanto as possibilidades da mulher ser inocentada. Temendo que a irmã estivesse sendo sincera nas palavras que repetiu para ele quando se viram, David quis entender a opinião da sobrinha, mas Emma não deixou sua certeza, nem que houvesse apenas uma parcela da culpa de sua mãe na história.

— E quem ela estaria escondendo? O Archie? O sr. Gold? O prefeito? Nem um deles seria idiota o bastante para atirar no Daniel. — disse a moça, fitando o tio da mesa onde se sentava ao lado de Regina.

Mary Margaret estava ao lado delas, servindo chá para todos.

— Mais um pouco, Regina? — ofereceu à escritora, que logo estendeu a xícara. Depois ela voltou a olhar a sobrinha e continuou: — Emma, leve em consideração que a Ingrid não é uma pessoa normal, ela pode muito bem ter entrado em um acesso de raiva e resolvido atirar no Daniel. Porém, como todo covarde, Ingrid deve ter convencido alguém a ajudá-la.

— Dadas as circunstâncias eu não duvido que foi exatamente isso que aconteceu. — disse Regina. — Daniel desistiu de se casar com ela depois de descobrir o segredo, ela, contando com isso, deve ter virado uma fera.

— Pode ser, mas algo me diz que a minha mãe trabalhou sozinha no assassinato. — Emma alisou um dos braços por cima da blusa, olhou a tia, Regina, depois seu tio no outro lado da mesa.

— Eu queria ter sido uma mosca para ver o que aconteceu na mansão aquela noite. — disse ele coçando a nuca.

Mary pôs uma mão sobre o peito e abanou a cabeça.

— Me dá calafrios só de imaginar.

— Se tivessem visto o que eu vi vocês iam pensar duas vezes antes de lembrar.

Regina tocou uma das mãos de Emma sobre a mesa e ofereceu apoio. A moça esboçou um sorriso terno.

— Não é bom ficar pensando nisso, filha, tem razão. — disse David, bebendo seu chá em seguida. — Sinceramente, eu não sei o que pensar da sua mãe, ela perdeu completamente o juízo. Acho que sempre fui muito esperançoso pensando que ela mudaria, mas na verdade, Ingrid sempre foi desse jeito.

— Um dia eu e Regina dêmos uma olhada nas fotos antigas da família e eu acho que a Ingrid em algum momento foi uma boa pessoa, só que ela se deixou levar pela vaidade e a ambição. Ela sempre quis ser o que não estava ao alcance dela. — Emma lamentou.

— O que eu me lembro é do quão cedo ela saiu de casa, quando começou a beber e se misturar as más influências. Nossos pais sofreram com ela. Eu como irmão estava sempre tentando tirá-la das encrencas, acontece que depois de um tempo ficou impossível vigiar a Ingrid para onde quer que ela fosse.

— Não fazia mesmo sentido ela ser tão diferente de vocês.

— Foi bem criada, nunca faltou nada na vida dela enquanto vivia com a família, só que éramos humildes, sem tanto luxo, e a Ingrid não aceitava não como resposta às vezes.

— Sempre, né? Ela sempre esperneou quando não conseguia o que queria. Por isso virou uma assassina.

Mary, atenta a conversa, olhava o marido e pensava em como seria o final da cunhada; Se na cadeia vivendo o restante da vida, talvez condenada à morte, ou solta como se nada do que estavam discutindo tivesse acontecido.

— David, você acha que é possível inocentarem a sua irmã?

Emma quase deu um pulo da cadeira. David levantou as sobrancelhas, fazendo a testa franzir junto e pensou.

— Existe essa possibilidade, querida. — ele respondeu.

— Tá, mas ela perguntou o que você acha, tio. O que aconteceria se culpassem outra pessoa? — Emma foi mais incisiva ainda.

— Bem, filha, se outra pessoa for condenada no lugar dela é óbvio que o júri dirá que Ingrid é inocente, a não ser que ela tenha participação no crime juntamente da outra pessoa, o que parece muito provável. Se Ingrid for solta ela deve voltar a vida que tinha antes. — David falou, lembrando do aviso que irmã lhe dera. Não tinha o direito de omitir da esposa, de Regina, muito menos da sobrinha. — Com a exceção do que ela disse na última vez em que a visitei. — Ele, hesitante, resolveu abrir o jogo. — Ela acredita tanto na inocência que prometeu infernizar você e todos que duvidaram dela, filha.

Emma praguejou algo, virou a cabeça inconformada e meneou.

— Conversa fiada! Ela que tente alguma coisa para ver só.

— Mas é muito abusada... — Mary disse.

— Ela pode tentar, não irá conseguir nada. — Regina comentou, chamando a atenção de David.

O tio de Emma observou as duas trocando olhares, estava certo ao pensar que hoje a sobrinha tinha uma importante aliada. Ainda restava-lhe a curiosidade sobre o futuro, assim como Emma, queria saber o que aconteceria se Ingrid estivesse longe dos caminhos dela enfim, e pudesse viver em paz da forma que ela desejava e merecia. Por um momento, David sentiu que falhou com Emma e parecia arrependido de não ter estado presente mais vezes na vida da moça, por mais que suas tentativas de leva-la para viver junto dele e Mary fossem inúteis. Não poderia vencer o espírito rebelde da sobrinha, que no fundo parecia precisar se isolar e amadurecer antes do tempo. Pelo menos, agora, David estava feliz por ela como nunca esteve e talvez essa fosse sua recompensa pelos tempos em que se preocupou.

— E vocês, o que pretendem fazer quando o julgamento da Ingrid terminar?

Ambas o fitaram e Regina respondeu por elas:

— Vamos sair dessa cidade certamente. Acho que nós duas vivemos tudo o que tínhamos de viver aqui e Emma precisa conhecer o resto do mundo.

— Vocês vão viajar pelo mundo? Que romântico! — Mary juntou as mãos e achou aquilo lindo da parte de Regina. David do outro lado da mesa abriu um sorriso.

— É, mas esse é apenas um plano. Uma hora a gente para em qualquer lugar e fica de vez. — Emma fala entre um risinho tímido.

— Sim, uma hora a gente decide. — Regina alisou os cabelos escuros de Emma, sorriu e suspirou.

. . .

Depois da reunião com os tios, Emma pediu para caminhar um pouco pela praia com Regina, uma vez que eram livres e podiam desfilar por absolutamente qualquer lugar juntas como namoradas, amantes ou duas mulheres apaixonadas. Ainda que um ou outro comentário surgisse longe das vistas delas, não se importavam com mais nada, nem ninguém. Então, aproveitando a noite estrelada de Mary Way Village, a densidade da maré misturando os pés descalços das duas na água gelada, elas foram andando desde o píer até a parede de pedra na curva, até onde viam.

— Eu disse há um tempo que queria vir com você aqui qualquer dia. Acho que já deve saber o porquê agora. — Emma fala, se agarrando ao braço de Regina.

— Por causa da poesia? — arrisca a mulher.

— Quase isso. Eu gostava de caminhar até as pedras quando era pequena e deixei um pedaço de papel que arranquei de um dos meus cadernos. Você tinha me iniciado na poesia e então me recordei de uma vez que escrevi uma composição na aula de inglês. Eu tirei zero porque não passava de vinte linhas. Se o mar não levou, ainda deve estar por lá.

— Ah, então era por isso. Eu adoraria ver o que escreveu, meu amor.

Mas antes de alcançarem as pedras Emma parou de repente, quando a água foi e voltou aos pés delas na beira do mar, se virando para o rosto de Regina de frente. Como um bom presságio ela sorriu, brincou com os dedos no rosto suave da mulher mais velha e sentiu que havia algo importante a dizer.

— Devo ser muito sortuda mesmo por ter você. Eu te amo tanto. — ela suspirou.

Na brisa pouca coisa fria, Regina não conteve um sorriso doce. Em outros tempos ela não se deixaria levar pela sensação de liberdade, pela impressão de que não estavam sendo mais vistas e ela ainda era casada. Em outros tempos ela não estaria se permitindo amar. Hoje parecia muito fácil não se preocupar com o resto, por mais trágico que tenha sido o preço da sua felicidade a Daniel e Ingrid. Ainda com os males das lembranças não muito bem resolvidas dentro dela, a escritora ganhava novas chances de respirar aliviada toda vez que Emma dizia-lhe as palavras de afeto, os sinais mais belos do amor que existia entre elas.

— Sabe que eu também, até mais do que pensei ser capaz. — Vendo o rosto da moça se hipnotizar pelo seu par de castanhas e pele muito branca, cabelos esvoaçantes com o vento, Regina tomou uma importante decisão, afinal, quando o julgamento de Ingrid acabasse, não importando o resultado, iam embora dali para sempre. Mais cedo ou menos, teriam aquela conversa sobre serem uma da outra pelo resto de suas vidas, o que custava perguntar sobre o futuro? — Emma, me deixe fazer uma pergunta?

— Até duas, sua bobinha. — Emma, agarrada a roupa de Mills, suspirava cada coisa que dizia.

— Quando tudo isso acabar, quando colocarmos os pés fora dessa cidade, você quer se casar comigo?

A moça fechou os olhos, baixou o rosto como se houvesse grande necessidade. Para dizer a verdade, era ela quem planejava pedir Regina em matrimônio e colocar um anel de brilhantes em seu dedo. Tinha sido pega de surpresa da maneira mais formidável possível e quase não acreditava. Mas, dias mais madura, ela talvez tivesse uma maneira distinta de aceitar o pedido da escritora.

— Era tudo o que eu mais desejava, algo que na noite em que fugimos de Way Village eu te disse enquanto dormia, que queria ser sua para o resto das nossas vidas, casadas. Hoje eu não sei se o que penso é o mesmo que você pensa, meu amor.

Mills franziu o cenho, piscou muitas vezes.

— Você não...?

— Calma, não é isso que está pensando. É óbvio que quero ter uma vida ao seu lado e será isso que vai acontecer, mas será que devemos assinar um documento para comprovar que nos amamos? Já estamos unidas e não há nada nesse mundo que mude o que eu sinto por você, Regina Mills. Quero ser a sua mulher daqui em diante, mas a pergunta a me fazer não devia ser essa que você fez.

O semblante de Regina mudou da água pro vinho.

— Você é engraçada, Emma. — Mills brincou.

— Não sou engraçada, sou apaixonada. Acho que já estamos casadas há muito tempo, casadas de alma como se sempre estivéssemos destinadas a ficar juntas.

— Confesso que gosto da forma como fala.

— Se essa é uma tentativa de me fazer rica e ter todos os direitos sobre seus livros, pode esquecer, eu não quero ter tanto dinheiro assim. — Emma sorriu. — Sabe, bastaria simbolizar. Um anel, um cordão com a inicial dos nossos nomes...

A escritora corou.

— Quer dizer que já somos casadas? — Depois acabou sorrindo junto.

— Há muitas encarnações, bobinha. — disse Emma, abrindo os olhos para a mulher, apertando os punhos nas vestes dela, com lábios entreabertos implorando um beijo.

Emma não suportou esperar e trouxe Regina para si, envolvendo os lábios com força. Se abraçaram com todo aquele fervor de ansiedade e descontrole, se tocando nos rostos, cabelos, pele, até que os beijos foram se repetindo e repetindo. O mar atrás delas ia e vinha trazendo respingos gélidos que amansavam os ânimos, mas no fundo lhes dizia que se quisessem poderiam se deitar ali na areia e se possuírem sob a guarda dele.

Tocaram-se testa com testa, ofegantes, cheias de coisas para dizer.

— Me desculpe não ter uma aliança comigo, acho que vou providenciá-las amanhã.

— Não importa. Eu sei que você quer ficar comigo do jeito certo, não precisamos de muito para reafirmar isso. — Emma falava com os olhos cerrados, emotiva e trêmula. — Oh, céus, como eu te amo! — disse ardentemente. — Estragou tudo, mas estragou de um jeito lindo.

— Há alguns dias tive medo de perde-la, confesso. — Regina a abraça, encostando sua cabeça entre os seios.

— Por quê?

— Quando você soube do seu pai, tive medo que enlouquecesse e me mandasse embora. Tive medo das suas decisões. Medo dos seus medos se impregnarem na sua cabeça e desistisse. Mas você é tão forte, Emma. Você não sabe, mas tem me fortalecido.

— Sabe aquele dia que fui cedo ao mirante, eu realmente achei que fosse surtar, então lembrei da sua dor e de tudo o que já havia me contado, toda a sua infelicidade... Se lembra quando nos amamos pela primeira vez? Foi quando pedi para ser a primeira e única mulher da sua vida, eu não ia abandonar a felicidade que eu escolhi para nós. — elas se olharam nos olhos. — Nós já somos um coração só, meu amor.

Regina assentiu, segurou os cabelos ao vento de Emma e assumiu uma expressão de cuidado.

— Talvez eu esteja escondendo que ainda sinto medo, mas não de perde-la, é só o que houve com o Daniel, foi estranho e muito assustador. Mas isso, Emma, não significa que estou desviando os assuntos.

— Eu entendi, eu entendi. Fica tranquila, eu entendi. Você tem a mim, não vai acontecer nada, ninguém vai fazer nada. É que esse lugar assusta, como você disse, a gente já viveu tudo o que precisava viver aqui.

— É o que eu sinto também, tanto quanto você.

— A gente vai embora, você cumprirá com a sua promessa de me levar. — Emma olhava para o mar amparada pelos braços da amada e o som que saía do peito dela. Estava feliz, um estase próximo do que Regina chamou em um livro de realização. Aquela coisa que faz todo o sofrimento compensar e todo o gozo virar calma.


— Sim, senhor xerife, tenho certeza absoluta. Ela esteve nas proximidades do meu Hotel naquele dia. — Archie diz ao Xerife, sentado de frente para o homem em particular, na delegacia.

— Houve algum diálogo entre ela e o senhor? — pergunta o Xerife Jones, fazendo uma anotação em um bloco de papel.

— Não. Tentei chamar quando a avistei andando pela orla, ela parece não ter me escutado. — ele sacudia a cabeça, ajeitava os óculos constantemente.

— E é apenas isso que o senhor tem a acrescentar? — Jones não estava satisfeito, como se a visita do dono do Hotel Hopper fosse uma grande perda de tempo. — O senhor veio até mim para dizer apenas isso? Não notou na senhora Swan um comportamento diferente? Algo suspeito?

— Oh, sim, senhor, isso com certeza. Ingrid andava apressada, estava procurando um carro que levasse ela para outro lugar da cidade com certeza.

— Agora o senhor está especulando, senhor Hopper. — bufou o Xerife.

— Bem, Xerife, se tenho como colaborar, acredito que posso dar minha opinião. — Archie ajeitou novamente os óculos no rosto.

Jones levanta os olhos do papel para Archie e lembra o pobre homem sobre algo que ele deve saber.

— O senhor talvez já deve saber que está incluído como suspeito de ser um comparsa da senhora Swan. Não preciso me aprofundar muito sobre o que o promotor do caso sabe sobre seu relacionamento com a Ingrid.

— Sou suspeito por ser amigo dela. Meu álibi pode ser confirmado pelos hóspedes e meus funcionários.

— Então o senhor não ajudou Ingrid Swan a matar Daniel Colter na mansão? Ela por um acaso não teria pedido ajuda de maneira indireta e o senhor muito bondoso não se recusou a ajudar?

— Há quase um mês Ingrid encontrou um quarto para alugar na pensão dos Luccas, desde então nunca mais a vi nem de longe, a não ser no dia do crime.

— A sua sorte, Hooper, é que Ingrid não quis abrir a boca para se defender embora ela jure de pés juntos que não matou o pintor.

— Com sinceridade, Xerife, eu acredito nela. — convicto, Archie fala e se ergue da cadeira. — Por um acaso eu teria como ter uma conversa rápida com ela em particular?

Jones pegou a caneta com a qual escrevia e começou a girá-la entre os dedos

— Infelizmente as visitas estão suspensas até o julgamento, sr. Hopper.

— Poxa vida, que pena. — Archie diz, aparentemente decepcionado.

. . .

Horas após Archie vir a delegacia, Ingrid, isolada do mundo externo daquela cela pequena, começava a ter um delírio tão real quanto o frio que estava sentindo naquele momento. Era um princípio de febre, coisa de resfriado mal tratado por dormir somente com um cobertor fino sobre as costas. Ela se encolhia no colchão, batendo queixo, de hálito quente. Há muito tempo não sabia o que era ter uma febre, há muito mais o que era delirar e por isso estava abalada, lutando para não cair no sono e se lembrar de tudo. Permaneceu como um casulo, segurando as próprias pernas, com tanto medo que já não sabia mais da noção do tempo.

Ingrid não ouvia nada além de um zumbido fino, perturbante e constante, até que, de súbito, uma voz firme falou perto dela.

O que foi que fizemos, Beija-Flor?” , disse a voz, “O que resta para nossa menina agora?

— Daniel? É você? Está vivo! — Ingrid, gemeu, tentou abrir os olhos, mas eles pesavam uma tonelada nesse instante.

Um dia eu fui apaixonado por você, Beija-Flor. Estando onde estou hoje, sei que não seria a escolha certa abandonar os meus planos pelas suas necessidades. Nós nunca daríamos certo.

— Pare! Não basta o quanto me torturou? — pediu ela, sôfrega. — Por que está aqui? Veio me buscar? Estou morta?

Quase. Ainda é preciso que pague pelos seus erros. Você se lembra? Consegue se lembrar de todos os rostos antes da minha morte? As pessoas para quem pediu ajuda? Achou mesmo que eles sujariam as mãos por você? No fim você pagou o seu preço e até que passe para o lado de cá, estarei mostrando o que aconteceu com a intenção de que compreenda os seus pecados. Ainda não terminou, Beija-Flor.”

— Pare com isso! — ganiu Ingrid.

Ainda não terminou, Beija-Flor.”

Quando, enfim, Ingrid despertou, se encontrava em um sonho, ou como ela conseguia entender, uma lembrança; A mansão, a porta imensa da casa de Daniel Colter naquela manhã, naquele dia em que ele e Emma descobriram tudo. Estava desesperada, precisava contar a verdade a filha, implorar por perdão. Não esperou quando Belle abriu e a fitou com o mesmo susto daquela vez em que a encontrou na cama de Daniel.

— Saia da frente. — disse, avançando, empurrando a empregada. Ela ouvia a voz de Emma no fundo, não podia ser, ela havia mesmo entrado na mansão. E se Regina mentiu o tempo todo? Será que ela havia contado tudo a moça e agora pai e filha sabiam quem eram? — Emma!

Ingrid viu a filha olhar por cima do ombro.

— O que você está fazendo aqui? — perguntou a moça.

— O que você está fazendo aqui, garota? — ela puxou a filha para trás de si e mirou Daniel.

— Essa moça é sua filha? — ele tentava apontando para elas.

A lembrança falhava, provocava uma sensação horrível, ora incômoda, ora pesada. Ingrid estava tonta.

— E sua também. — com a voz triste disse. — Essa moça é nossa filha, Dani.

— Que isso? O que você tá falando? — Emma a colocou de frente para seu rosto.

— A verdade, Emma, meu amor, minha filhinha... Daniel é seu pai. É ele.

Emma tremeu, chorou, largou a mãe e gritou quantas vezes pôde. “Não!” Então se foi, pois não havia explicações que aliviassem a dor provocada pelo peso que as palavras da mãe descarregavam nas costas dela.

— Não acredito em você. — a moça deu as costas e sumindo porta adiante deixou sua mãe perdida e sem amparo para encarar o pai.

— Aquela... Aquela moça... — o pintor estava em apuros.

— Sua filha. A nossa filha. Sempre foi ela, a menina que eu abandonei a própria sorte. — Ingrid o encarou e a lembrança deu um salto mudo no tempo. — Me culpe agora, me xingue, diga que fui uma mãe desnaturada, mas não duvide do meu amor, porque ele é a única coisa que sobrou dentro de mim depois de todos esses anos.

— Vai custar muito para me causar pena, Ingrid. — O homem moribundo na cadeira de rodas deu-lhe um ultimato. — Eu não quero mais me casar com você. Não acredito mais em nada do que me disse e não irei acreditar em nada do que me disser de hoje em diante. Vá embora desta casa e não ouse mais pôr os seus pés nela, está compreendendo? Está tudo acabado entre nós.

Iludida e enganada, Ingrid puxou o jornal mais próximo e atirou nas fuças do pintor, repetidas vezes.

— Seu patife! Desgraçado! Doente! — Esbravejava. Chorava, surtando.

— Graham! Tire essa mulher daqui.

Até o último momento olhando para ele ali sentado e imaculado na cadeira de rodas, Ingrid o agrediu com o jornal. Esperneou, gritou, praguejou. Foi um grande esforço para que Graham, o enfermeiro, conseguisse arrancá-la da sala de jantar e colocá-la do lado de fora da mansão. O rapaz a largou debaixo da porta e bateu as mãos como quem largava a sacola do lixo na esquina. Ele entrou, porém, Belle, a outra empregada de Daniel, estava a olhando do canto, pela fresta da porta.

— Não vale a pena, Belle. — disse o rapaz, tentando impedir a moça de tirar satisfações com a mãe de Emma.

— Ela merece sofrer... Por tudo o que ela fez... — sussurrava a empregada, rouca, sendo abraçada pelo namorado. Ele tentava virar o rosto dela para si, mas Belle ficara especialmente abalada com o que presenciou. — Ainda é pouco, Graham. Essa mulher merece ir para a cadeia. Ela matou a minha mãe, destruiu a vida do meu pai e machucou a minha amiga. Ela precisa pagar. — os lábios da empregada pediam por vingança. Ingrid ouvia tudo largada no chão, anestesiada pelo abandono. Nem se lembrava de Belle, de quem ela era e não fazia ideia do que ela estava falando. Talvez depois de um tempo fosse recordar, mas agora só conseguia ouvir Daniel ecoando que ela devia ir embora dali.

Quem Daniel pensava que era? Ele também tinha culpa naquela história. Ele foi seu carrasco, o homem que lhe prometeu uma vida e não cumpriu. O que ele pensava que estava fazendo com ela? Ele ia se arrepender, ele tinha de se arrepender.

Ela levantou, olhou em volta, se limpou das lágrimas, bateu a saia do vestido e desceu o pequeno lance de escadas. Não olhou para trás, seguiu pelos degraus da entrada e rua abaixo, mergulhando em um ódio irremediável, daqueles que deixam a vítima ao ponto da morte, um suicídio ou tentativa que entrariam para a história. As mãos não paravam quietas, estavam azuladas de frio, tensas enquanto ela dizia mentalmente para ter calma, nada que um susto nele não reparasse o erro tremendo que ele cometera expulsando-a daquilo que ele achava que era vida.

E caminhando devagar, Ingrid chegou ao restaurante de Anita Luccas. Curioso seria se não fosse para lá, procurar a “amiga” para ter dela uma opinião e quem sabe uma aliada na ideia maluca que começava a se criar na cabeça loira. E como sempre foi naquela minúscula cidade onde boatos ganhavam mais forças que notícias, Ingrid chamou a atenção de todos os clientes do restaurante quando adentrou. Ruby levantou os olhos do iPod e tirou os fones de ouvido, dando a volta no balcão para falar com a mãe de Emma.

— Olha, se veio pedir para levar o almoço fiado pode dando meia volta.

Swan levantou o rosto pelo corpo da moça, dos pés à cabeça e com ar soberano a ignorou. Não disse um A para a filha de Anita, a garotinha metida a besta que pelo visto ia continuar trabalhando para sempre como garçonete no estabelecimento. A breve troca de olhares colocou a garçonete em seu lugar e a loira pretenciosa continuou seguindo restaurante a dentro, conhecia o caminho.

Ela bateu na porta do escritório de Anita uma vez, depois duas vezes seguidas, mas demorou para ser atendida. Lá de dentro vinha uma voz feminina além da de sua amiga e ela espremeu o ouvido na porta tentando identificar.

— Mais dia ou menos isso não vai ser segredo para ninguém, Anita. Você sendo viúva e eu solteira não pode ser visto como um impedimento, pelo contrário, é a prova de que somos livres e donas das nossas vidas.

— O que os outros dirão?

— Pare de se importar com os outros! Quero que fique comigo, que me assuma.

— Espere, está ouvindo? Tem alguém aí...

Quando Anita abriu a porta um tempo depois, Ingrid sorria, de pé do lado de fora. Acenou para a outra mulher dentro da sala e encarou a amiga.

— Acho que não é uma boa hora para conversar com a minha melhor amiga.

A srta. De Vil arregalou os olhos de onde estava. Anita, muito desconfortável com a presença de Ingrid, apenas bufou.

— Em que posso ajuda-la?

Swan pensou, hesitou, houve um breve silêncio entre as três. Talvez não fosse com Anita que Ingrid devia conversar sobre os últimos acontecimentos. Anita era como Emma, desviada e incerta. Não dava para confiar suas fichas nela, porque também, se não estava enganada, aquela mulher sentada dentro do escritório era uma advogada. Sim, de uma vez por todas, não podia falar com Anita sobre Daniel.

— Ora, deixe para lá, querida. — Ingrid olhou para a sra. Luccas com uma sobrancelha erguida mais que a outra. — Não tenho a intenção de atrapalhar a sua discussão sobre sair do armário ou não. — Deu meia volta e saiu, trocando um último olhar com De Vil.

A advogada não havia entendido nada, muito menos Anita.

A mulher profana, a vergonha da cidade, não se lembrava quanto tempo ficou andando pelas ruas, com quantas pessoas cruzou no trajeto até a floricultura, mas se lembrava de ter visto de longe Zelena, a funcionária do irmão, conversando com alguém debruçada na janela de um carro. A ruiva se despediu do veículo e voltou para dentro da loja. Ingrid não tinha a intenção de saber com quem Zelena conversava, mas via nisso uma oportunidade para conseguir subir no sobrado do irmão e surpreendê-lo.

— Pensei que soubesse cuidar de plantas, hein? — Quando Zelena notou, Ingrid já estava enfurnada entre um dos mostruários de orquídeas. — Veja como essa pobre coitada aqui está seca.

— O que faz aqui? — A ruiva se assustou.

— Nada... Eu vim ver como andam as coisas, mas parece que meu irmão e a amigável esposa dele saíram, hum?

Zelena Miller nunca foi um livro aberto, assim como não era tão discreta. O que se sabia sobre ela era que morava em um apartamento perto do Anita’s e que dividia ele com uma amiga. Ingrid sempre achou que ela era muito sem graça e que acabaria como a vendedora ajudante da loja dos Swan’s, nada mais que isso. Era quase como a teoria de que Mary Way Village havia parado no tempo e as pessoas em suas profissões pacatas também. Ninguém naquela cidade nunca iria para frente, pensava a cínica Ingrid enquanto provocava a pobre vendedora.

— Ah sim, eles foram fazer uma entrega na cidade vizinha. — Zel torcia as mãos no avental que vestia com o logo da floricultura. Parecia muito nervosa com a chegada de Ingrid e com razão, pois tinha ordens para não deixa-la ir ao sobrado.

— Mas que pena, eu não dou sorte. — comentou Ingrid. Ela espiou a porta por um instante, voltou a olhar a ruiva e foi logo ao assunto. — Veja bem, querida, sei que deve ter uma ordem para não me deixar subir, pois bem, se me emprestar a chave do apartamento, eu prometo que não vou dizer ao meu irmão o que...

— Beth?!

Alguém chamou por ela. Ingrid olhou por cima do ombro.

— É você mesma?

— Olá, sr. Heller, posso ajudar? — Zelena disse alto, enquanto Ingrid desistia de chantageá-la, indo na direção do advogado.

— Está tudo bem, Zelena, deixe para uma outra hora. — o homem abanou uma das mãos, nem olhou, depois tocou em Ingrid beijando-a nos dedos. — Há quanto tempo.

— Um pouco, realmente. Podemos conversar em particular?

— Sempre um prazer. Venha.

Ele a levou para seu carro, foram andando devagar pela orla até o recuo onde pararam e conversaram. Heller sabia do noivado dela e Daniel, sabia que ela na verdade era Ingrid Swan e que ela tinha muita má fama na região. Tinha ido na floricultura para comprar um buquê de flores para uma mulher com quem estava se envolvendo, mas esse era um mero detalhe que Ingrid logo tratou de ignorar. Enquanto ele olhava para o rosto abatido da mulher, ela via o mar, fazendo charme para ele dar o que precisava.

— ... não vai ser meio esquisito você ir me encontrar depois de jantar com essa talzinha com quem tem saído?

— Está muito no início, ela não me conhece muito bem. — ele abriu o porta-luvas e mostrou um maço de cigarrilhas para ela. — Aceita uma?

— Oh, não obrigada, estou sem vontade. — disse ela, tocando a coxa dele perto do câmbio. — Mas se você quiser me dar dinheiro podemos combinar algo depois.

— Achei que estivesse noiva. Sabe bem como os boatos correm nessa cidade, ainda por cima ele é meu cliente. — ele olhou bem para a mão dela em sua coxa. Ela sabia dos seus pontos fracos.

— Nós tivemos um pequeno desentendimento, logo ele vai esquecer e vamos voltar. Enquanto isso nada me impede de te encontrar. — ela soava como uma cobra peçonhenta.

— Quanto você quer?

Ingrid subiu a mão sorrateiramente, encontrando o que queria entre as coxas de Isaac.

— Quinhentos dólares.

— Cacete, quinhentos dólares?! Para que isso tudo? Você pretende matar alguém com esse dinheiro?

— Não, eu só quero dar um susto, mas não posso ir como estou agora, tenho que me produzir e você sabe que não gosto do que é barato. — ela apertou o que encontrou na calça dele, nem um pouco piedosa.

Isaac se contorcia no banco do carro, mas estava bom do jeito que ela fazia.

— Não faço ideia do que está prestes a fazer. Não tenho esse dinheiro comigo. Se puder esperar até a próxima semana...

E frustrada ela o apertou com maldade arrancando dele um urro de dor.

— É claro que não posso esperar até a próxima semana! Você não vai me enrolar. Esqueça, queridinho.

— Mas que merda foi essa...

Irritada ela saiu do carro e bateu a porta, deixando Isaac a ver nuvens lá dentro.

A medida que as lembranças de Ingrid seguiam, seus sentimentos tornavam-se cada vez mais confusos e o ódio por Daniel se estocava em um lugar muito delicado em sua mente. Ela daria um susto nele, faria ele mudar de ideia rápido com seu ousado plano de vingança, afinal, haviam pisado demais nela para permitir que o único homem que amou fizesse igual. Muito porém, Ingrid não ia colocar qualquer pessoa a par da situação. Ela precisava ser calculista como nunca e arranjar logo o que precisava para construir sua armadilha. Já que não podia contar com Anita, o irmão ou Isaac, quem ela conhecia com dinheiro ou uma arma escondida?

Ingrid parou perto do hotel, do outro lado da rua. Lá dentro Archie preparava uma ficha para um casal de clientes, ela estava o vendo de longe. Não, definitivamente ele não fazia aquele tipo americano patriota que guardava armas em um fundo falso de armário. Archie era ingênuo demais, bonzinho demais, preocupado demais. Se ele soubesse, faria de tudo para impedi-la.

Felizmente para sua glória haviam outros e desses ela não receberia recusas.

De noite ela estava naquele bar secreto do beco que gostava de frequentar, esperando um velho amigo. Toda arrumada e limpa em um vestido comprido e escuro – o mais caro que tinha – ela balançava um copo de Martini quando ele chegou. Leopold White apreciava como os encontros com Swan sempre pareciam armados pelo destino. Não havia uma alma viva além dela e o barman no momento em que ele pôs os pés no bar. O prefeito deslizou as mãos nos ombros alvos da loira, ganhando um sorriso como prêmio.

— Mãos geladas, coração quente. Obrigada por ter atendido ao meu chamado. — ela falou, esperando que ele se sente ao seu lado.

— E eu posso saber o que fez uma mulher como você me chamar para um encontro depois de tanto tempo?

Ingrid assentiu.

— Pague meu drinque e eu explico.

— Está bem, é por minha conta... Você, me sirva o especial da casa. Obrigado. — O prefeito pede ao barman e aponta para o rosto da loira, reconhecendo olheiras de quem andou chorando. — Quem fez isso a você? — roçou-lhe o queixo, deu carinho a ela.

— Você me ajudaria a fazer justiça se eu contasse o que aconteceu?

O homem assentiu e foi paciente, embora Ingrid tenha mudado de ideia.

— Sabe de quem vou falar, não sabe? — Ele pergunta.

— Colter? — ele questiona e coça a barba.

— Sim. Sabe que o amo e que faria qualquer coisa para viver com ele.

— Eu sei o que Gold me contou, Ingrid. Se esquece que há muito não conversamos? A propósito, você tem notícias da esposa dele?

— Não fale dessa mulher. Desista, ela não gosta de homens. — soou vazia, seca.

Leopold não gostou.

— Acredito que este não seja o lugar mais apropriado para conversarmos, Ingrid. Vamos para minha casa.

Concordando, Ingrid o seguiu fora do bar, embora, por alguma razão, ela não tenha se lembrado do que acontecera depois. Sua memória deu outro salto no sonho e ela se viu deitada na cama do amigo prefeito na manhã seguinte, com uma enxaqueca tão forte que mal conseguia empurrar os olhos.

O que havia falado a Leopold? Sobre o que conversaram depois de deixarem o bar? Com certeza beberam, com certeza fizeram sexo e não havia sido bom, porque ela se sentia invadida, machucada. Mas não havia tempo para suposições e ela se levantou, notando a ausência de Leopold na imensidão do quarto. Se vestiu, pôs os sapatos e arrumou o cabelo. Quando saiu do quarto, cruzou pela casa muito grande encontrando-se com uma mesa de café da manhã abarrotada até a cabeceira de um verdadeiro banquete. Assustada e sem entender, alguém lhe disse:

— O sr. White precisou resolver um assunto urgente na prefeitura. Ele pediu para a senhorita se servir e esperá-lo caso prefira. — Ingrid observou o empregado, enxergando quase duas pessoas. Estava com os olhos miúdos e cada palavra dele parecia prestes a explodir sua cabeça.

— Obrigada pelo senhorita. — Ela se aprumou e se sentou para ser servida.

Ia de fato esperar pelo prefeito e passou mais da metade do dia estirada no sofá da sala tentando se lembrar o que havia contado ao amigo, mas tudo o que ela conseguia ver eram lapsos de gargalhadas e choro, um copo de whisky, vinho e conhaque, muito conhaque. Ela lembrou da hora em que caiu e ele a levou para o quarto, tinha chorado, dito o nome de Daniel inúmeras vezes até que tudo ficou escuro e ela dormiu profundamente.

Ingrid se ergueu, olhou para o belo espelho na parede da sala e se viu péssima. Cheirou a pele, – cigarro e álcool – estava imunda, se sentia horrível e seu ódio só cresceu quando pensou em Daniel e na escolha estúpida que ele fez. Ninguém brincava com ela desse jeito, ninguém podia fazer dela o que queria. Estava perdendo tempo.

Antes que sua enxaqueca fosse embora ou Leopold reaparecesse, a Beija-Flor deixou a mansão do prefeito com um destino certo na cabeça, mas antes sabia com quem contar e ia conseguir o que precisava... Na loja de carros usados do Sr. Gold, ele não ficaria tão surpreso se não soubesse dos boatos.

— Você está péssima, querida.

— Vou ser breve... Ainda tem aquela arma com você?

Gold levantou os olhos de um documento e parou para fitar a mulher de pé na frente dele. A única funcionária atendia alguém pouco distante, mas pelo jeito de Ingrid, não era uma boa ideia conversarem dentro da loja. Assim como Isaac ele a levou para o recuo na orla, dentro do velho Mercedes conservado.

— ... e acha que eu vou emprestar a minha arma para dar susto no pintor? — o vereador virou o rosto na direção dela.

— Quando você for enganado vai entender o que eu planejo. — os olhos dela brilharam de uma raiva decidida.

Ela tinha o convencido.

— Certo. Pode brincar com o revolver, mas leve-o sem munição. — diz Gold com a costumeira voz mansa.

— Não, queridinho, eu vou leva-lo com as seis balas no canhão...

Gold olhou para ela sem compreender.

— Se vai dar um susto no pintor para que precisa das balas? Ele é um invalido, não vai perceber que o revolver está vazio.

— Sei o que estou fazendo, meu anjo, não se preocupe. Eu compro as balas que vou gastar.

— Posso saber o que é que você vai fazer?

— Não posso, mas posso dizer que provavelmente vamos nos encontrar no hospital amanhã.

— Você não está pensando em...?

— É sim, querido, eu vou me machucar só um pouquinho. — falou rouca, cerrando os punhos.

— Você é maluca — disse Gold, e Ingrid sorriu para ele. — Onde esteve ontem? Passou a noite bebendo? Você está cheirando a álcool!

Swan não disse nada, apenas virou o rosto e esperou.

Eles seguiram para a requintada casa do vendedor de carros, como se tudo fizesse parte de uma brincadeira de péssimo gosto. Gold fez Ingrid esperar no carro, entregou o revolver a ela dentro de um lenço aveludado quando voltou, porém antes, precisava saber:

— O que ganho em troca, Ingrid?

Ela sabia que Gold faria aquela pergunta, mas, passado um longo momento, ela respondeu:

— Qualquer coisa.

Com a cabeça prestes a explodir de enxaqueca, ela revirou os olhos por alguns segundos. Um curta metragem invadiu sua mente e tudo o que via era Daniel, o bonito rosto dele apavorado quando visse em que ponto ela chegara; Estava escurecendo quando Gold a deixou na pensão. Ela já tinha o que precisava. O revolver. Restou escolher a roupa para o crime, tomar um banho decente e engolir dois comprimidos de aspirina antes de deixar o quarto.

A hora havia chegado.

Ingrid pediu um taxi na orla, subiu Blue Hill e esperou a hora de entrar na mansão de Daniel. A empregada e o enfermeiro saíram juntos de mãos dadas, descendo a rua. Estava ficando muito tarde. Ingrid olhou para o fim da rua avistando a casa onde morou e onde a filha vivia com Regina hoje. Quanto desgosto. Mas não era tempo para descarregar sua raiva no casalzinho da esquina, ela devia entrar.

Por lentos segundos, Swan subiu as escadas da entrada, tocou a campainha e esperou. De novo ela apertou a sineta mais duas vezes, sabendo que seria uma tortura para Daniel descer as escadas por conta própria.

— Es...Espere... — ouviu ela a voz de moribundo vindo lá de dentro.

Levou muito mais do que imaginava, uma eternidade até ele aparecer para abrir a porta e desabar na cadeira de rodas.

— Belle? Esqueceu de alguma coisa? — perguntou antes de chegar, à essa altura se aproximando. — Me... Me desculpe...

Daniel abriu a porta finalmente.

— Boa noite. Me convida para entrar?

— Você?! — disse Daniel, surpreendido.

Ele tateou a porta tentando empurrá-la, mas o pé de Ingrid foi mais rápido.

— Nós precisamos conversar, Daniel, e eu acho melhor fazermos isso aí dentro!

Empurrando-o para trás com porta e tudo, Ingrid forçou a passagem. Se fechou com ele e o viu, os olhos azuis acinzentados arregalados de medo, sem entender nada do que estava e ia acontecer, sua palidez na penumbra, os ossos saltando as bochechas pela magreza excessiva. Daniel  vestia o pijama quando Ingrid invadiu a mansão. Sua cadeira de rodas era o único refúgio além do pouco de força que restava em seus braços e pernas, mas ele não podia com ela, ele sentia que não podia com nada.

— Pedi para que não voltasse nunca...

— ... você não pode me impedir, o que eu sinto é mais forte do que eu, Dani — retrucou Ingrid, se aproximando. — Não me deixe, por favor, não faça essa escolha.

— Vá embora! — a voz dele se ergueu como há muito não podia.

— Por favor, me escute...

— Não há nada o que conversar com você, Ingrid. — ele a chamou pelo nome, e empurrou a cadeira de rodas para trás.

Ingrid tentava chegar perto.

— Por favor, deixe-me explicar...

Daniel fugia de costas com a cadeira de rodas, esbarrando na porta entreaberta do primeiro cômodo que encontrou. Talvez ele soubesse que alguma coisa muito sombria ia acontecer e que Ingrid mentia descaradamente.

— Não há nada que você deva explicar — ele disse nervoso, começando a suar.

Ela o seguiu para dentro do atelier. Uma luz intensa vinha da rua e atravessava a janela, mas ele via o corpo da mulher se aproximar cada vez mais.

— Sabe do que sou capaz, querido? Sabe?

— Jamais vou esquecer o que você fez a minha filha. — Daniel parou e fitou Ingrid vir, ela também parou e seus olhos estavam fervendo.

— Sabe do que sou capaz? Responda.

— Do que está falando?

— De nós. Do que sou capaz de fazer por nós dois, Daniel. Do quanto te amei e ainda amo com todo o meu coração. Eu sou capaz de muitas coisas, mas hoje eu percebi que estou em um limite e não me resta alternativa a não ser essa que tenho comigo. Eu posso morrer por você, querido, eu sou capaz de morrer e foi por isso que eu enganei todos, porque não havia mais nenhuma razão para viver, seu desgraçado.

Daniel ofegou.

— O que você está falando? Eu não compreendo.

— Não seja tolinho, meu amor, você entende, é óbvio que entende. — respondeu Ingrid, deixando lágrimas falsas caírem sobre as bochechas e tomando a decisão de mostrar a ele o que tinha escondido por baixo da roupa. — Olhe! Veja isto, querido!

A mulher desembrulhou a arma, erguendo com estranha calma e cuidado de um profissional.

— Não! — Daniel ficou abismado com o que viu.

— Está vendo? É isso que eu vou fazer para que entenda os meus sentimentos.

— Solte já isso, Ingrid! — ele apontou e ofegou, estava fazendo mais esforço do que conseguia.

Ela olhou o revolver brilhando no meio da escuridão, alisou o cano com as pontas dos dedos, fungou o choro, deixando o ódio voltar a dominá-la. Ingrid olhou para a cara de Daniel, depois para o revolver, e Daniel de novo e o revolver... Aquele vai e vem entre um e outro. Então parou em Daniel e colocou o dedo no alvo, destravou o gatilho fazendo o curto barulho.

Tic!

Ingrid levantou a arma até a têmpora encostando o cano frio na pele sobre os cabelos, sem tirar os olhos do pintor. Daniel parecia tão apavorado que não se movia, estava branco feito papel, suado, com a cabeça entrando em parafuso.  Do outro lado Ingrid o torturava com a cena, a arma apontada para si, trêmula, sem se dar conta de que também estava com medo da própria ousadia.

— Está vendo a que ponto eu cheguei por sua causa, querido? Se eu me matei uma vez, não me custa morrer de verdade agora que não me quer mais. Eu te amo, Daniel. É uma pena que não perceba que tudo o que eu fiz foi por você! — sussurrava, embora estivesse passando dos limites consigo mesma.

Daniel rangia os dentes, apertava os braços da cadeira de rodas, era uma crueldade o que Ingrid estava tentando fazer.

— Não vai fazer isso, não vai...

— É o único jeito de fazê-lo compreender, querido. Eu posso consertar os meus pecados assim, não acha? Acabando comigo. Você destruiu a minha vida... Você acabou comigo... Eu acabei com a nossa filha... Eu vou acabar com tudo. — Ela não dizia coisa com coisa. Apertava o cano da arma na cabeça com força, ameaçando o pior. Ingrid começou tremer de maneira febril, atordoado, como se não fosse controlar. Olhava Daniel com tanta mágoa que já não era pelo susto que estava prestes a se matar.

— Beija-Flor... Não! — protestou Daniel, tentando a muito custo se levantar da cadeira.

— Não suporto mais, Dani, eu vou acabar com tudo. — replicou ela. — Logo não serei mais o seu fardo nem o de Emma.

Então com todo o esforço do mundo, numa fração de segundos em que Ingrid apertou os olhos, ele se laçou contra ela. Ele agarrou a arma, o corpo dela. Ingrid abriu os olhos arregalando as orbitas, sem entender de onde ele conseguiu aquela força para levantar. Ela não largou a arma, nem ele. Estavam lutando como dois animais.

— A sua morte nunca será uma solução — disse ele, se esforçando para arrancar a arma dela.

— Não? E como foi que você se sentiu quando eu mandei aquela carta e o seu quadro de volta? Você não sentiu remorso? — perguntou Ingrid com loucura, segurando o revolver.

— Não, Beija-Flor, quer saber o que eu senti de verdade? — rangia ele. — Alívio. Nunca amei você. — caçoou ele.

Ingrid franziu as sobrancelhas indignada, sem perder a força, lutando contra a força dele.

— Mentiroso! — gritou Ingrid nas fuças dele, tentando puxar a arma de qualquer maneira.

Daniel não ia suportar muito tempo, eram suas últimas forças, mas ele queria pegar a arma, ele ia pegá-la.

— Alívio por nunca mais precisar ver a sua cara cínica de novo. A única coisa que fizemos de bom foi Emma... Ela é o nosso único vínculo e você o objeto que eu usei para fazê-la...

— Cala essa boca!

— Um objeto, Ingrid... Você nunca passou de um objeto...

O suor dele pingou na roupa dela.

— Então, por que não me deixa acabar logo com isso?

— O seu castigo é viver, lide com o que você fez a todos nós... Agora você vai aguentar... Esse é o preço...

Ingrid parou. Por essa ela não estava esperando. Ele era como Emma, condenando-a ao fracasso, ao resto de uma vida como objeto dos outros. A culpa era sua, não havia escapatória. Daniel chiou contra ela, olhou em seus olhos e girou o punho, roubando a arma. Ingrid, com as mãos suando o agarrou pelo pulso e o puxou. A arma estava entre os dois, torta. Ela tentando virar para si, ele tentando afastá-la.

E, bruscamente, quando ele fraquejou, os dois foram para o chão e ela sentiu o coice...

O estampido ecoou pelo recinto e Daniel caiu sobre ela com os olhos esbugalhados. Daniel foi perdendo a cor, falindo lentamente sobre ela.

De repente o silêncio zumbiu no recinto e Ingrid sentia algo quente ensopando seu peito. Ela o olhou apavorada, ele morria sem dizer uma palavra e de repente aqueles lindos olhos perdiam a graça e a vida. Ela gritou. Jogou o corpo dele e se levantou. A arma não estava mais nas suas mãos, estava com ele, na mão esquerda dele.

Swan viu o sangue escorrendo do peito dele para o chão. Daniel estava morto.

— Não... Não, Dani... Não era para isso ter acontecido.

Ingrid fechou os olhos, voltou a abri-los. De fato não havia planejado matar Daniel e não o matou. Foi um acidente, ele atirou.

— Um acidente... Foi um acidente... Dani... Um acidente... — repetiu e ficou olhando o corpo dele jazido no chão. Sua blusa ensopada de sangue do pintor começava a cheirar forte, dizendo-lhe que talvez não fosse uma boa ideia ficar ali por mais tempo. Alguém poderia ter ouvido o barulho. Ela se ajoelhou ao lado dele. Não conseguia chorar, só conseguia o olhar, boquiaberta.

Por um momento ela pensou em levar a arma de Gold de volta. Chegou a deslizar com a mão pelo braço estirado de Daniel e pegá-la, mas o revolver ainda fervia no cano depois do disparo e ela o largou queimando a mão.

Ingrid voltou a se erguer e mirar o corpo daquele que foi o homem de sua vida. Sem chances. Ele estava morto e ela perdida.

Foi quando o sonho acabou e ela voltou, dando um salto na cama da cela. Suava muito, olhava ao redor, com os cabelos grudados na testa e o som da respiração pesada invadindo o espaço; Foi daquele jeito que aconteceu. Ela se lembrava com perfeição, e, enquanto vivesse, o sonho ia persegui-la, assim como a dúvida se possuía ou não culpa na morte de Daniel.


Notas Finais


Não vou me prolongar aqui, acho que agora ficou tudo muito claro. Eu vou deixar que vocês tirem as próprias conclusões.

Agradeço desde já o tempo que vocês tiram para ler minha fanfic. Obrigada por serem ótimas leitoras.

A fanfic ainda não chegou ao fim e temos alguns detalhes ainda a serem resolvidos. Até o próximo, fiquem bem.


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