1. Spirit Fanfics >
  2. Invictus >
  3. Time capsule.

História Invictus - Time capsule.


Escrita por: cyprian

Capítulo 10 - Time capsule.


28 de julho, sábado.

A água estava fria contra os meus pés, enquanto o sol brilhava fortemente contra o meu rosto. Apertei os meus olhos, inclinando a cabeça para trás e apoiando meus cotovelos contra a rocha. O cheiro salgado do mar preenche o ar toda vez que eu inspiro.

Deito-me por fim, incapaz de me movimentar por um momento. Isso era para ser supostamente divertido. Levo o braço em frente ao rosto, à medida que o sol impede que eu feche os olhos com conforto. Fico deitada, apreciando a quentura, a frieza, a aspereza e por fim, o silêncio.

O sol esfria, e sou obrigada a abrir os olhos e verificar. Encontro Justin acima de mim, acabando com o meu sol.

— Pretende ficar por aí até quando? — Suspirei, voltando a colocar o braço contra o rosto.

— Quero ir embora desse lugar. — Murmurei a mesma coisa que lhe disse essa amanhã assim que levantei. — Tenho que ir embora.

— Temos dois dias e meio — sussurrou Justin, agachando-se sobre mim. — Deu só esse tempo para sua irmã, então logo mais vamos embora.

O problema é que eu quero ir embora agora, nesse exato momento, com Nia ou não.

— Não vai me contar o que está te incomodando? — Indagou, por fim, sentando-se ao meu lado.

— Não tem nada me incomodando.

— Alguém já lhe disse que você é uma péssima mentirosa? — Comprimi minha boca. Sim, minha mãe, mas não vem ao caso.

— Está tudo bem, Justin.

— É mesmo? Porque não parecia. — Trinquei os dentes. Recordo-me perfeitamente do episódio, e é claro que obtém uma coisa errada, e essa coisa sou eu.

— Olhe, nada que eu lhe diga fará sentido. Achará que sou louca.

— Nada que você faça ou diga vai fazer eu achar isso.

— É muita fé em mim. — Resmunguei, ruminando rapidamente se valia a pena me jogar no mar apenas para fugir dessa conversa.

— Fale comigo, por favor. — Por mais que sua voz soe muito convincente, eu nego.

— E aí, nós vamos mergulhar? — Indaguei, levantando-me com rapidez.   

Justin olhou-me por um momento, e depois suspirou.

— Depois do almoço? — Replicou ele e eu concordei.

Já está na hora mesmo.

Procuramos um restaurante perto da orla da praia, e adentramos. Vamos retirar esses dias para aproveitar a ilha, já que ficar o dia todo tentando convencer a Nia está fora de cogitação. Pela primeira vez Justin fez um plano de viagem, então ficaremos bem ocupados pelo restante dos dias.  

Após o almoço pegamos um barco até uma parte da ilha, e mergulhamos. Além de mim e do Justin, só havia um casal e mais uma moça. Anse Royale é tranquilo em alguns aspectos, ou apenas restrita.

O instrutor de mergulho parou perto do que parecia uma caverna, e contemplamos uma cachoeira que se entremeava acima da rocha. Nós deixamos a exploração dele para depois, e mergulhamos para o fundo do oceano, observando os peixes nadarem sobre a água cristalina, e por mais que tenha acatado a sugestão de Justin, minha cabeça está em outro lugar.

O dia passa perturbadoramente rápido, mas nem quando o sol se põe no horizonte, tenho vontade de descansar. Sugiro a Justin, embora seja uma péssima ideia:

— Vamos sair para algum lugar hoje? — O mesmo me fitou de semicerrados sobre a xícara fumegante do qual tomava. Uma bebida alcoólica quente que o mergulhador comentou com Justin, e que, obviamente ele não deixou-me experimentar, talvez por suas bochechas estarem vermelhas após alguns goles. Não pode ser tão forte, pode?

— O que tem em mente? — Projetou ele, interessado.

Eu não fazia a menor ideia, mas ficar trancada o restante da noite no quarto não me pareceu uma boa ideia.

Justin aceitou rapidamente, bêbado e incapaz de resistir aos meus encantos. Nos aprontamos de forma rápida, e pegamos um folheto da ilha na recepção da pousada, antes de eu decidir um lugar.

De toda forma fomos para o vilarejo, alguns quilômetros de distância da casa de Nia. Entramos em um bar; tem alguns por aqui, e, além disso, não acho que sentar e jantar seja uma ideia boa de diversão.

Girei o meu olhar ao redor antes de sentarmos em uma mesa, e Justin ir até o bar, indo pegar alguma coisa para comermos. O bar parece familiar, vejo uma família sentada comendo peixe frito, senhores jogando dominó em uma mesa, rapazes na sinuca, um jogo de futebol passa na televisão no alto, e tudo no ar cheira a fritura. Eu gosto.

Ouço um garoto choramingando no canto, e vejo um homem a sua frente, conversando com ele, não consigo entender a conversa, mas ouço o pai o amostrando como se fecha a mão da maneira correta para socar alguém. Aparentemente o garoto entrou em uma briga e apanhou.

Por algum motivo, isso me faz me lembrar do meu avô. Ele era um cozinheiro de mão cheia; trabalhou muito tempo como cozinheiro pelo mundo, mas quando casou-se, parou e abriu vários restaurantes no estado do qual escolheu morar; Estrasburgo, e passou os seus dias além de auxiliá-los e fazer que os filhos fizessem o mesmo, em uma velha academia de um antigo amigo seu. Não compreendia porque alguém com uma calma tão visível; como o fato de tentar ensinar Nia a fazer uma torta por horas a fio, queria se aventurar por um esporte tão brutal como o boxe. Para ser sincera, não conheço tão bem as pessoas que me rodeiam. Minha mãe enrolou uma corda em meu pescoço por causa de sua filha morta acidentalmente, meu pai tem um passado que desconheço e um casamento infeliz do qual não consigo acompanhar o porquê. Minha avó é uma pessoa gentil, mas ela também tem um passado que desconhecido, meu tio mais velho, não é filho do meu avô, mas ninguém nunca fala sobre isso, ainda que todo mundo veja as diferenças óbvias.  Sempre tenho a sensação que ela está fugindo de alguma coisa, por isso, sempre estende a mão quando alguém quer fugir. Mas claro, isso pode ser mesquinho da minha parte, ela me ama muito, só que...

É que acho que todo mundo na minha vida mente para mim. Nia mentiu quando disse que iria dormir aquela noite e fugiu janela a fora, meus pais mentiram a vida toda, minha avó mente, meu avô... todo mundo. Isso me faz questionar. Será que os meus pais estão mortos mesmo? E senão, por que não vieram me buscar? É besteira ficar pensando nisso, mas talvez os meus pais tenham me contado uma historinha apenas para eu esquecer. E uma parte minha quer deixar as coisas como estão, mas outra... outra diz para eu ter pelo menos uma resposta. E obviamente é isso que está me incomodando, além daquela casa, do colar no bolso da calça jeans, a foto das crianças desconhecidas, o chocalho parecido, a sensação sufocadora que eu conheço, mas não consigo lembrar. Enterrado vivamente em minha memória de uma maneira que não posso alcançar. Pela primeira vez, sinto frustração em não conseguir lembrar de algum detalhe, porque dessa vez é importante, é o meu passado, é o que faz eu ser o que sou. E quanto a irmãos? Eu tinha? Tenho? Aonde estão? Fazendo o que? Estão felizes? Bem? Livres? É difícil saber, é sufocante não saber.

Justin desliza tão silenciosamente para a mesa, que só noto que voltou quando empurra uma latinha gelada contra minha mão.

Olha a marca da Coca-Cola, curiosa.

— Nada de bebida alcoólica? — O mesmo me dá um sorriso afetado.

— Alguém tem que voltar para casa dirigindo.

— Se vou ficar aqui enquanto você bebe, terá que me recompensar de alguma forma. — Abro um sorriso malicioso, inclinando-me sobre a mesa, deixando que os peitos saltem sobre o top preto apertadíssimo. O olhar de Justin vacila por um segundo e ele engole o seco, inclinando o queixo.

— O que a vossa senhoria deseja?

Oh, eu tenho essa opção?

— Um beijo — digo inocente, vendo sua sobrancelha se arquear. — Não é muito.

Ele apoia os cotovelos na mesa, levando o queixo as mãos.

— Não havíamos combinado de deixar as coisas como estavam?

— Não. Não concordamos. Você decidiu sozinho e eu aceitei para não gerar confronto. — Aquela sobrancelha ainda está arqueada.

— O que quer de mim? Sinceramente? — Inclinei a cabeça, cautelosa nas palavras.

— Diversão? — Um entendimento recaiu sobre seu rosto.

— Por que? — Ele me encarou com paciência, como se fosse uma criança aprendendo a ler.

Falei o mais séria que pude:

— Porque alguém já lhe disse que você é excepcionalmente bonito? — Ele riu.

— Alguém já lhe disse que você é excepcionalmente manipuladora? — Voltei ao meu lugar, cruzando os braços.

— O que custa ceder ao que ambos queremos? — Deixo claro. — Qual o problema pensar no agora? Nesse momento?

— Ultimamente você não anda pensando racionalmente nas coisas. — Disse ele, e é verdade. — O que acha que irá acontecer quando ambos voltarmos as nossas antigas vidas?

Dou de ombros.

— Agora que Nox e Nia serão definitivamente um casal, você não imagina? — Jogo minha cabeça para trás, replicando rapidamente:

— Não consigo imaginar como isso poderia significar qualquer coisa. Eu quero você, é um fato, e quando ambos não querermos mais, acabou, seguimos em frente. A não ser é claro, que tenha alguma resistência da sua parte.

Ele me encara chocado, e eu o olho presunçosa, não pensando muito no assunto, mas ergo minha bota sobre a mesa, encostando a ponta contra sua virilha para cima e para baixo. Seus olhos dilatam, e sinto que tomei sua atenção. O calor percorre minhas bochechas e sorrir é inevitável.

— Está brincando com fogo.

— Justin — faço beicinho. — Não me importo de me queimar.  

Sua mão agarra minha panturrilha, e eu escorrego um pouco sobre o banco pelo ato repentino. Queria dizer que não me sobressaltei, que não senti sua mão quente através do tecido do jeans, e que nem a antecipação de uma resposta deturbou os meus sentidos, mas eu estaria mentindo. 

Nos encaramos em silêncio por um momento, ele ainda segura a minha perna, apertando-a entre as suas. Justin sorriu, soltando-me.

— Te dou um beijo —, abri minha boca e ele continuou: — Contando que me diga o que está acontecendo com você.

Suspirei, sentando-me ereta na cadeira. Bom demais para ser verdade.

— Não tem nada acontecendo, sério.

— Você está incomodada com alguma coisa, diga-me o que é. — Franzi o cenho, cruzando os braços defensivamente.

— Por que está tão preocupado?

— Por que não estaria? — Replicou ele, olhando-me sério. — Um milhão por seus pensamentos, Aslo.

O mesmo toma da sua cerveja, enquanto eu encaro a lata a minha frente.

— Meus pensamentos valem bem mais que um beijo — ele piscou, sorridente.

— Convença-me.

— Vai achar que estou louca. — O mesmo estica a mão por cima da mesa, e eu lhe dou a minha.

— Talvez — sorriu. — Mas conte-me mesmo assim.

Apertei os seus dedos contra os meus, e umedeci os meus lábios, ponderativa. Acho que colocar isso em voz alta pode tornar tudo real, e eu não sei se quero isso.

Com a outra mão pego a latinha de Coca-Cola, e respiro fundo.

— Vai parecer loucura, mas... — Aperto os dentes, negando com a cabeça. — Eu tenho a sensação que já estive naquela casa. A do qual a Nia está.

Justin me olha por um momento, franzindo o cenho.

— Como assim? — Nego com a cabeça, para fazê-lo entender, preciso voltar para o começo.

— Pelo o que meus pais disseram, eu nasci próximo de Incles e meus verdadeiros pais morreram em um acidente de carro quanto eu tinha oito meses.

— Certo, mas mesmo que fosse verdade, você seria um bebê bem pequeno e...

— Eu sei as chances. Mas quando eu era criança, eu costumava falar sobre um garoto, dizendo que precisava esperá-lo porque ele viria me buscar. Eu costumava falar uma língua que não era a minha, quando eu era criança, eu me lembrava da minha outra família, mas agora tudo que eu tenho são flashes desencontrados. Eu me lembro da praia em frente a casa, tanto quanto me lembro de como a mulher desse colar o perdeu — eu o coloco sobre a mesa, e o Justin pega para ver. — Sabia que tinha uma madeira solta no quarto do bebê antes de entrar lá. E antes que fale que eu enlouqueci, olhe isso.

Lhe entrego o meu celular, abrindo na galeria de fotos.

— Olhe as crianças, mas foque no que está na mesa, um chocalho de metal.

— Ok, e então?

— Eu o tenho. Na realidade, ele é igualzinho ao meu. O que veio comigo quando os meus pais me adotaram.

— Pode ser só coincidência.

— Pode — concordei, friamente. — Mas eu não acredito.

— E o que irá fazer? — Suspirei.

— Eu não sei.

— O que você quer fazer?

— Acho que algumas coisas ficam enterradas por um bom motivo.

— É a sua vida.

— E tem muita gente nela que pode se magoar com que posso fazer.

— Seus pais te amam, Aslo, descobrir a verdade sobre você é escolha sua. E acredito que independentemente do que decida fazer, eles vão te apoiar.

Justin não conhece minha mãe... ele não sabe como ela funciona. E isso tudo é tão complicado.

— Me diga, o que você quer?

— Eu não sei! — Digo sinceramente. — Uma parte minha quer a verdade, saber sobre o meu passado, se tenho irmãos e se meus pais realmente morreram, e outra quer deixar isso para lá. Posso facilmente voltar para casa sem me apegar ao que sei aqui.

— Então faça isso. Pense sobre isso, a longo prazo, o que é melhor para você e decida. Nada vai mudar quem você é. — Justin apertou minha mão, e empurrou os objetos de volta. — Além disso — sua voz ressoou baixa. — Se quiser mesmo saber o que aconteceu com as pessoas daquela casa, é só perguntar pra o Brazen Prescott, afinal, a propriedade é da família dele.

Sim, isso seria uma boa ideia, se não fosse péssima. Não quero alardear ninguém, não quero ter que conhecer ninguém, não agora..., mas tem algo que posso fazer.

— Quer ver algo que sou terrivelmente bom?

— Algo como quebrar o meu coração? — Ele riu e me puxou para fora da mesa.

— Poker. — Nos aproximou da mesa e seus brilharam.

Justin parecia bem, mas eu tinha certeza que ele estava completamente bêbado quando voltamos para a pousada no início da madrugada.

Sem internet, sem sono, e ainda muito consciente para ir dormir, eu resolvo voltar ao bar daquele dia. Peço rapidamente uma cerveja no balcão, e sem titubear, vou contra o mural de fotos. No entanto, mesmo que eu observe de cima abaixo, a foto não está mais lá. Eu pego o celular do meu bolso, abrindo minha galeria. Sei que ela estava aqui.

Eu fito ao redor, notando que a mulher de longos cabelos pretos me encara; olhos estáticos, erguidos em minha direção. Eu a encaro, de cenho franzido, sem desviar. A mesma está na porta de entrada da cozinha, encostada, mãos juntas ao corpo.

Nada estranho isso.

Eu encaro ao redor, as mesas cheias, algumas pessoas em pé, jogando sinuca, assistindo televisão, o homem do bar limpando o balcão. Nem vejo de onde vem, mas assim que me mexo para ir em sua direção para questioná-la, um garçom me acerta, os copos cheios de cerveja viram contra nós e a pancada é tão forte que meus óculos voam e o meu celular se perde no meio da bagunça enquanto eu caio no chão.

Eu fico no em choque, sentindo a cerveja e o chão grudento contra os meus dedos, enquanto desesperadamente o garçom a minha frente pede desculpas.

Eu abano minha cabeça, aceitando sua ajuda para me levantar, e lhe dizendo que está tudo bem, enquanto procuro o meu celular. Há vidro por toda parte, e só vejo meus óculos visíveis, porém me agacho, procurando de baixo da mesa, por um momento sinto que não vou encontrá-lo, não o vejo em lugar algum, mas ele reaparece, debaixo de uma mesa a minha direita, atrás de alguns amigos que estavam sentados em volta da mesa. Eu o pego, notando que está apagado, tento ligá-lo e consigo, mas quando abro, ele não tem nada, nenhuma foto, nenhum contato, nenhuma conta longada, é como se tivesse sido formatado. Pela pancada? Pode acontecer, mas não vejo um trincado na tela. Trinco os dentes, subindo o meu olhar, e quando noto a mulher não está mais lá.

Tudo estranho.

Essa ilha é toda estranha.

Olho para tudo quando dou meia-volta para ir embora, estou grudenta e cheiro a cerveja. Levo as mãos ao bolso da calça, pegando o colar que achei na areia. Eu preciso de internet, porque preciso saber que tipo de lugar é esse.

E quando acordo na manhã seguinte, antes do Justin levantar, é justamente o que faço.

Descubro que a ilha não é do estado, e sim de uma pessoa. Foi vendida há muitos e muitos anos, e o herdeiro da pessoa que o comprou vive na ilha até hoje, em uma mansão em uma montanha gigante, aonde tem pista para pouso de helicóptero. Mas não encontro tantas informações relevantes, não sei quem são essas pessoas, não consigo identificar quem saí e quem entra na ilha, e não acho que perguntar para o Brazen seja uma boa ideia, ainda que seja a mais lógica.

Mas sinceramente, o que eu estou fazendo? Eu realmente quero ir atrás disso? Eu não tenho tanta certeza.

Passamos os dois dias seguintes aproveitando as praias, as iguarias da culinária, o tobogã gigante, e as lojas de departamentos. Quando o fim do prazo de Nia acabou, eu já estava até mais bronzeada.

À tarde estava na porta da sua casa, tocando a campainha. Ela olhou-me por um momento, semicerrou os olhos, olhou para o Justin e cruzou os braços.

Suspirei.

— Você já se decidiu? — Ela concordou. — E então?

— Depois de conversamos muito, a gente decidiu voltar — as palavras saíram entre dentes, e entendi que tinha dedo do Nox. Eu estava certa, ele é o pedaço mais fraco da corda. Eu sorri. — Só que, tem um problema nesse plano brilhante seu.

— Que seria?

— Não temos lugar para ficar, não temos como casar, e me diga um emprego que o Nox consiga trabalhar, estudar e pagar o aluguel. Porque sem chance de morarmos os três no quarto da casa do Justin.

— Bem — eu olho para o chão, odiando o que tenho que dizer. — A vovó tem a solução para isso.

Nia estreitou os olhos.

— Contando que você vá para Incles e se case diante dos nossos pais, ela te garante uma casa, ou apartamento. — Dou de ombros, e Nia nega imediatamente. — Calma, eu sei como parece, mas bem, você é maior de idade, ela não vai poder te impedir.

Digo, empurrando-a para trás, à medida que ela não deixou a gente entrar.

— Além disso, se vocês tivessem uma casa, metade do problema de vocês estariam resolvidos.

— Mas a mamãe...! — Neguei com a cabeça, impedindo-a de surtar.

— Eu sei, eu entendo. Mas é um pedido mínimo. A mamãe deve estar alucinada, e lembre-se, vai ser uma breve visita, vocês casam e no outro dia vão para a América. — Nia parecia horrorizada.

— Não! — Rangi os dentes.

— Eu vou com você. — Garanti, contragosto. — Ok?

Relutante ela concordou.

E após isso, começamos a arrumar as malas. Nox havia ido até onde estava trabalhando para pedir as contas, então logo estaria aqui.

Só iremos embora daqui há alguns dias, assim que todos os detalhes das passagens estarem acertados com a minha avó, então temos tempo.

Passamos algumas horas mais arrumando a casa, do que propriamente as coisas deles. E aproveitando o momento, eu e Nox descemos para o porão a fim de observar o sistema complexo que envolvia a casa. Vi um emaranhado de fios em uma caixa elétrica grande, e fiquei perguntando aonde tudo isso se ligava. Por curiosidade, bati nas paredes com as mãos, tentando ouvir saídas de ar, mas era concreto puro, nenhum barulho, nenhuma infiltração, só o absoluto silêncio. Não descobri aonde tudo se conectava, e a casa é tão velha que seria um milagre se alguma coisa funcionasse ainda.

— O que será que é isso? — Indaguei, apontando para uma parede coberta por um pedaço grosso de metal.

— A gente podia quebrar, não é? Sabe, para descobrir. — Nox sugeriu inocentemente e eu torci minha boca, olhando-o de esgrelha. A placa de metal está parafusada contra a parede, mas por que? Por sorte, Nox é bem curioso.

— Será que tem a ver com aquelas aberturas redondas escondidas nas paredes? — O mesmo dá de ombros, enquanto encaramos a parede. — Você por acaso já tentou...

— Não, a Nia disse para eu não destruir a casa dos outros, mas essa é tão...

— Estranha. — Concluí, afirmativa. — O Brazen nem vem aqui...

— E eles nem vão voltar...

— Tem razão. Vamos arrancar, depois colocamos de volta.

Nox sorriu para mim, e indo contra todos os protestos da minha irmã, pegamos as ferramentas. Amarrei o meu cabelo em um rabo-de-cavalo, coloquei os óculos em cima de uma máquina de lavar, e colocamos as mãos ao trabalho. Pegamos uma parafusadeira e retiramos um por um dos parafusos, mas também o pedaço de metal estava pregado nas quatro laterais com barras de metal, o que nos fez ter um baita trabalho para tirar.

Quando conseguimos, tivemos que chamar o Justin para ajudar a puxar a parede de metal; pesava muito e não conseguíamos movê-la para o lado sozinhos.

O metal rangeu quando a empurramos sobre o chão de concreto, demarcando por onde arrastávamos. Apoiamos a mesma contra a parede até finalmente encontrarmos algo; um buraco, um buraco que definitivamente foi quebrado com uma marreta e as paredes de concreto são tão grossas, que eu aposto que levou dias para poder quebrá-la, pelo menos só um pedaço. Limpei o suor da testa e balancei o celular, ligando a lanterna, e entrei. Os garotos vieram logo atrás. Olhei ao redor curiosa, vendo várias tevês a minha esquerda, acopladas na parede, de diversos tamanho. Eu vou contra elas, observando um teclado cheio de pó, o mouse, mas nenhum gabinete, então concluo que é um sistema de segurança.

Eu continuo andando. Olho para cima, percebo que por todos os lados há aberturas, como se fosse um escorredor dentro das paredes.

— Acho que descobrimos aonde aquelas portas levam. — Nox resmunga, apontando para uma abertura. — Jus, faz pezinho, eu vou subir.

— Isso não é uma boa ideia. — O mesmo resmunga de volta.

Atravesso o ambiente, é grande, acima de nós deve estar o quintal, aonde a terra é mais firme. Encontro uma porta de metal dupla, e dessa vez um dispositivo de impressão digital. 

Ouço Nox trabalhando contra a maré ao subir o escorredor de metal contra o fluxo, e apoio minha cabeça contra a porta. Vejo os botões abaixo da placa da impressão de digital e clico sobre eles, cada um deles.

— Aslo? Algum problema? — Eu nego com a cabeça para o Justin e me afasto, olhando para o que me parece um grande cabide na parede. Uma... duas... três... Tem espaço para dez mochilas. Não sei porque mochilas me vem à cabeça, só sei...

Fora o cabide, a porta de metal, os escorregadores, e o sistema de segurança, não tem mais nada no cômodo. Nada. Eu tateio através da parede e encontro um interruptor, acendendo-o. Mas as luzes não funcionam mais, como eu previa.

Nox finalmente chega ao topo, e eu e Justin nos aproximamos, ouvindo-o dizer:

— HAHA, encontrei uma fechadura e uma impressão de digital! A porta só abre por dentro. — Ele disse e eu concordei silenciosamente.

Portas que só abrem por dentro são mais seguras, só quem está dentro pode abrir, a não ser que tenha algum dispositivo por fora para abri-la.

— A porta tem abertura para o lado, ao invés de sobrepor para fora, ela desliza. Devia ficar aberta para poderem passar e depois fechava por dentro. — Nox comentava quando subimos para cima, envolvidos na mesa de jantar em teorias conspiratórias.

— Talvez eles fossem aqueles lunáticos que gostam de construírem bunkers. — Nia falou, ponderativa.

— Olha, eu pessoalmente acho essas pessoas que constroem bunkers inteligentes, mas fora isso é muito estranha um aqui nessa ilha deserta. — Justin continua e Nox concorda.

— Todos os lugares dessa casa que podem facilmente esconder algo se transforma. Eu tenho certeza que a bancada da cozinha escondia armas.

Nia fez uma cara feia.

— Para de dizer isso! A casa é da família do Brazen.

— Mas não estou dizendo nada sobre ele, apenas contemplando um fato. — A mesma semicerrou os olhos, raivosa.

E Justin me encarou, mas não falei nada, apenas desviei o meu olhar em direção à porta dupla fechada, contemplando a tempestade que caía lá fora. O mar agitava-se, a grande árvore balançava e tudo continuava igual.

— É melhor dormirem aqui hoje. — Nia disse após o jantar, enquanto eu a ajudava com a louça. — A tempestade vai durar a noite inteira, o Nox ouviu pelo rádio.

Suspirei.

Não sei como dizer que não quero ficar nessa casa mais tempo que o necessário sem levantar perguntas desnecessárias.

— Eu acho melhor não...

— Você percebeu que a maioria das ruas aqui são de barro, certo? Vocês correm o sério risco de ficarem atolados.

— Vou correr o risco.

Ela arca uma sobrancelha, suspeita.

— Você e o Justin estão transando? — Lhe fiz uma careta. Não esperava essa pergunta.

— Não, não estamos.

— Por que?

— Por que isso importa, Nia? — A mesma sorriu maliciosa para mim.

— Porque você parece ansiosa para ir embora. Quer ficar sozinha com ele, não quer? — Dou uma risada nervosa, se ela soubesse que estamos dormimos na mesma cama, pararia? — Olha, nós não nos importamos, só não façam muito barulho.

Eu jogo o pano de prato em cima dela, e lhe dou as costas.

— Seque sozinha!

— Penelope! — Gritou.

No fim, foi uma decisão mútua que seria uma péssima ideia sairmos na tempestade, então resolvemos ficar. Há tantos quartos disponíveis nessa casa que arranjar dois para dormimos não foi um problema. Ficar nessa casa assustadora dormindo em um colchão velho é o que será.

Nia me emprestou uma roupa e agradeci por poder tomar um banho quente.

Nia e eu havíamos mexido nas fitas cassetes, e como a TV e o vídeo ainda funcionava, decidimos assistir um filme para lá de antigo. Nos acomodados no sofá e tentamos não rir dos efeitos toscos.

A noite caiu rapidamente e a hora de dormir veio. Eu estou cansada, extremamente cansada — o dia foi terrivelmente longo, no entanto, rolei de um lado para o outro, pegando um sono em sonecas, sem conseguir realmente dormir.

Quando meu celular deu três da manhã, eu me levantei, sabendo exatamente qual era o problema. Respirei fundo, sentindo o chão frio contra os meus pés, e sem realmente pensar muito sai do quarto, indo primeiramente a cozinha, aonde peguei uma espátula, e em seguida fui ao quarto da Agnes.

Ela dormia em um sono tranquilo, então tentei fazer o menor barulho possível quando enfiei a espátula entre a madeira solta e puxei-a para cima. Ela rangeu de forma imediata e eu olhei para Agnes, mas ela não acordou.

Puxei a madeira para o lado até que ela estivesse fora, e liguei a lanterna do celular, olhando sua extensão.

Nada.

Meus olhos tentam se adequar.

Não há nada aqui, nada além de poeira e um vazio.

Eu me sento contra os meus calcanhares, respirando fundo. Ok, foi só um sonho, não estou enlouquecendo, tudo isso só está sendo uma grande coincidência ridícula. Mas coincidência não existe. Tem um motivo, tem um porque, mas qual?

Olhei para o teto, tentando acalmar os meus pensamentos. Quem esconderia algo assim em um lugar tão óbvio de se achar?

Não esconderia.

Uma voz flutua em minha cabeça e eu me levanto, indo colocar a tábua no lugar. Crianças seriam bem óbvias, mas os adultos...

Eu ando pela casa apagada, descendo as escadas, olhando através das janelas, fitando o quintal, a casa da árvore, a própria casa em si. Se eu fizesse uma cápsula do tempo, eu enterraria. Não guardaria em um lugar aonde todo mundo pudesse ter acesso tão facilmente, não teria graça assim.

Eu vou contra a porta dupla da sala e fito a grande árvore no quintal, e no minuto seguinte decido ir para fora.

Acordo Nia. Adentro o seu quarto e cutuco sua bochecha até a mesma acordar com a minha mão sobre sua boca.

— Venha comigo — sussurrei.

— Por que?

— Só venha.

Pedi, descendo para o segundo andar. Não faço ideia de onde estão as coisas, mas preciso de uma pá, um guarda-chuva, uma lanterna, e botas de chuvas.

Vamos para a garagem acoplada na casa, e rapidamente pegamos as coisas, enquanto minha irmã me indaga se estou louca.

— Provavelmente — falei, ligando a lanterna. — Por isso quero uma testemunha.

Relato, enquanto partimos para fora.

A água ainda cai castigante do céu, e quando chegamos a grande árvore já estou encharcada; mas não me importo. Nia segura o guarda-chuva e a lanterna, sussurrando que isso é loucura, enquanto eu enfio a pá na parte macia da grama e a puxo para cima.

Eu cavo e cavo, e cavo, e parecem durar vários minutos. A terra vai ficando mais funda e minha garganta mais fechada.  Eu só estou enlouquecendo... só isso.

Acho que imploro para isso, imploro silenciosamente, enquanto os meus fios de cabelo grudam no rosto por causa da chuva, enquanto as roupas tornam-se incômodas, enquanto meu coração bate dolorosamente contra o peito, eu espero não encontrar nada, eu não quero encontrar nada, porque assim posso voltar a viver em minha bolha. Mas isso não acontece.

 A pá bate contra algo duro e eu sei que encontrei.

Jogo a mesma para o chão imediatamente, e me agacho, terminando de tirar a terra com as mãos, e assim que sinto o baú, puxo-o para cima.

Nia arfa ao meu lado, e com pesar nos olhos eu a encaro. Já estive nesse lugar; mas do que isso, conheço esse lugar.

Voltamos para a garagem, e sem titubear eu pego um alicate na caixa de ferramentas e quebro o cadeado com código que obtém no baú.

Eu o abro rapidamente. A parte de veludo do baú está encharcada, mas tudo está em volto de um saco plástico, do qual puxo, rasgando-o. Jogo tudo contra o chão, vejo um vestido infantil vermelho, uma estrela dourada, um brinquedo do Cavaleiro de Zodíaco, um Tamagotchi, um CD dos anos oitenta, um bicho de pelúcia, um canivete, um isqueiro e uma foto. Uma foto envolvida em um saco de plástico. Eu giro a foto na mão, fitando-a.

Nove crianças.

Um adolescente.

Dois pré-adolescentes.

Um garotinho.

Um casal de gêmeos.

Mais uma garotinha...

Um garoto.

Um bebê.

Todos estão na sala de estar, em pé, fazendo pose para a foto. As mesmas crianças do bar. E dessa vez, eu reconheço o garoto loiro que tira a foto. Sei que ele é meu irmão, sei que é ele que assombra meus sonhos desde criança. É ele.

— Aslo? — Nia chama, sem entender e eu a fito sem saber como explicar isso, mas acho que a verdade é o começo.

— Nia, eu acho que morei nessa casa. — Sussurrei, transformando o passado do que eu jurei em ignorar em realidade. 

 


Notas Finais




Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...