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História Itália, prisão de cristal - A festa


Escrita por: MrsReddington

Notas do Autor


Oie pessoas, saudades de mim?
Mil desculpas pela demora, confesso que demorei mais que o normal e o motivo foi a faculdade que me deixou mega, super, hiper super tempo. Próximo semestre vou me organizar melhor pra evitar passar esse tempo inteiro sem postar.
Para vocês terem ideia, o capítulo estava quase pronto, faltando pouca coisa, e eu não conseguia fazer nada!
Para compensar, o capítulo está enorme, tem romance, passagem de tempo e muita traição, politicagem, enfim... Ah, inclusive podem começar a montar seus casais preferidos porque alguns vão aparecer e outros vão aparecer mais ainda nesse capítulo! Agora chega de dar spoiler e vão ler!

Capítulo 10 - A festa


Três dias depois.

“Acidente de carro faz de vitimas mãe e filha em explosão em estrada perto de Nápoles.”

O jornal noticiava com ares de uma simples notícia, mais um acidente.

Cinco dias depois, Palazzo Chigi, Residência oficial do presidente do conselho de ministros.

Oliver semicerrava os olhos e ofegante, atirava os vasos e colunas no chão. Transtornado.

— Você a matou não foi? Sua mãe não merece ter um filho como você! Nikki era uma criança, deixasse ela fora de nossos negócios. Fora da sua vingança!

Para Oliver, sua pequena Nikki estava morta, e fora Giuliano quem a havia matado. Por vingança e principalmente para arrancar informações. Havia sinais de tortura no corpo totalmente carbonizado encontrado junto ao da mãe dentro de um carro explodido numa estrada quase deserta. O laudo constatava dedos quebrados, unhas arrancadas, tornozelos fraturados. O próprio Oliver se encarregou em esconder o verdadeiro laudo para se poupar de algum investigador curioso demais. Um laudo constatando somente a morte seria entregue a pouca família que a menina tinha.

Giuliano o observou derrubar as coisas como se ele não estivesse fazendo nada, mas se cansou e levantando da mesa do gabinete, falou:

— Eu disse que não gosto que me obriguem a nada. E quem deveria saber que ela era uma criança era você. Pedófilo, psicopata... Você a comprou e se aproveitava da ingenuidade e ambição das meninas para convencê-las a se entregar a você, entregava informações importantes e depois as matava!

Oliver parou por alguns instantes e voltou a andar de um lado para outro. Cego de ódio, tristeza e revolta. Para ele nada mais importava, perdera sua garotinha.

Giuliano continuou o incentivando a estar mais nervoso, a estar mais atribulado.

— Não adianta fingir piedade. Você é um monstro. Se eu não a matasse você a mataria, o tempo dela era curto! Você já havia feito a Nicole de cofre de seus segredos sujos por tempo demais. Fique feliz, livre-se de uma a menos na sua lista de assassinatos pelo seu vício pérfido em enganar garotinhas — Riu baixo se jogando na cadeira suspendendo uma sobrancelha com ousadia.

Oliver mudava de cor, aflito com o excesso de culpas que tantos “você” carregava.

— Você só fez isso para me punir, me castigar... Alberto teria vergonha de você, traindo seus próprios irmãos. Sua casa e a quem você deve obediência! — Gritou.

— Fiz. E principalmente agi para descobrir a verdade que você foi burro o suficiente para me deixar curioso! Você brincou a minha inteligência, agora seu brinquedo está morto e eu sei sobre seu contratante, e principalmente sobre Ernest... — Disse calmamente, brincando com a caneta entre os dedos.

Mas perdeu a paciência e levantou da mesa o pegando pelo colarinho da camisa.

Entre dentes, Oliver sussurrou:

— Você quer saber motivos, não é? Quer saber o plano. É claro. Mas eu não direi. Vire-se para descobrir o resto Giuliano. — Desdenhou.

Dimitri seguido de mais dois homens seguram por seus pulsos no momento seguinte e o arrastaram discretamente pelo elevador de serviço. Oliver até tentou se debater, mas com o primeiro pulso torcido não conseguia se mover.

— Espero que goste da maneira como “me viro” para resolver as coisas. — Giuliano disse enquanto apertava o botão do elevador e dando uma olhada de soslaio para trás, vendo Oliver lhe olhar, enquanto a boca era tapada com uma mordaça. Havia um misto de medo e ódio refletidos na íris do mais velho.

Em algum lugar perto de Vicovaro. Horas depois.

Giuliano esperou pacientemente o interrogatório terminar. Foi no primeiro grito choroso dizendo que confessava que ele entrou no galpão. Fazia sete horas que estava ali, longe da civilização esperando que Oliver começasse a colaborar.

— Meus associados estão melhor que as torturas do Mossad? Bom saber. Fico orgulhoso. Já que demorou pouco, então realmente estamos bem Dimitri — Fez menção de sorrir e só pareceu mais debochado.

Oliver o olhou atravessado, apesar de machucado no tórax, mãos, dedos, pés e joelhos, seu rosto não estava nem um pouco desfigurado e permitia que Giuliano visse a raiva com clareza.

— Se é assim que trata seus irmãos, imagina quem não gosta? — Oliver arquejou cuspindo sangue. Pendia a cabeça ainda com a respiração falha. — Sei que está me punindo. Você se acha melhor que eu?! Mas não é!

— Posso ser mau, mas não sou um pedófilo sujo como você. E eu ainda nem comecei a te punir pelos seus crimes. — Disse entre dentes e o chutou nas costelas. — Mas como você é estúpido! Você está aqui pela a morte da Nicole, veio cegamente tirar satisfações, mas a morte dela só foi à isca para te fazer vir até mim. Tudo uma armadilha, te tirei da segurança do vaticano e agora você está em minhas mãos. E, já que está aqui e sabe que não estou brincando agora vai me contar como toda essa história do veneno começou.

Para Oliver não importava mais, Nikki estava morta, não voltaria. Já havia suportado agulhas nos cotovelos, uma hora pendurado pelos pés enquanto era chicoteado, entre outras maneiras não muito gentis. Se Giuliano queria, teria. Toda a tortura psicológica e física surtiria efeito.

Explicou aos gritos cada parte.

— Satisfeito? Valeu a morte de uma inocente, da minha Nikki? Você não sabe a falta que o perfume dela me faz...

Era enjoativo ouvir aquilo, aquelas feições doentias, os olhos atribulados na sequidão da maldade, da loucura. Giuliano deu-lhe um soco no nariz e viu Oliver cambalear apertando as narinas ensanguentadas.

— Você nunca mais vai violentar nenhuma menina! Nas operações do exército e quando o dinheiro não era sua fonte de convencimento, era abusando de crianças que você se satisfazia. Oliver, você não enganará mais nenhuma garota com o seu dinheiro só para continuar alimentando sua maldade. Nunca mais — Disse entre dentes e socou a maca de metal. — Dimitri vai cuidar de você. Sua punição só começou.

Dois dias depois.

Trento, 23h12min.

A casa noturna e lotada fervilhava de tantas pessoas. Alguns rapazes se esfregavam entre outras tantas mulheres, outros encarnavam em alguma, que logo o puxava para um canto ou lhe jogava uma bebida na cara.

Laura revirou os olhos com uma bela tapa que um cara levou de uma mulher e tratou de observar o local. Havia um balcão largo com algumas bebidas num canto, e no primeiro andar, os Vips. Mas não se importou por não estar lá naquele dia.

— Peter! — Gritou no ouvido dele que com um sobressalto arregalou os grandes e meigos olhos azuis celestes. — Tentei tirar a Caroline de casa, mas não adiantou... — Choramingou.

— Tudo bem, Laura — Deu de ombros. — Quer alguma coisa?

Sempre gentil. Aquilo era cansativo. Descobrir algo de Peter era chato, era sempre sociável, sempre sorridente, sempre agradável.

— Não obrigada, preciso dançar, não quer ir comigo? — Fez biquinho.

Entretanto, Peter negou desinteressado, enquanto conversava com uma morena que falava espanhol.

Laura bufou. Passou para o meio da pista e as luzes fizeram seu vestido curto e preto de mandas longas e costas totalmente nuas quase brilhar pelos paetês. Algumas mulheres já lhe observavam e apenas achou graça da atenção, outras lhe olharam feio e apenas continuou seu desfile, no fim era para ela que os homens olhavam curiosos.

Assim que crazy in Love começou, contraiu os músculos da barriga e depois os dos quadris, rebolando no ritmo da música. Alguns rapazes se aproximaram, mas Laura os empurrou. Ali era seu show quase que particular. Por mais que houvesse uma multidão ao seu redor, gostava, queria e seria o centro das atenções.

— Se Caroline não vem a Peter, eu dou um jeito dela vir de qualquer maneira... — Murmurou e soltou um suspiro cansado, com a impressão que aquele trabalho acabaria a matando de cansaço.

Puxou uma bebida da mão de um rapaz, e depois outra de uma menina, que apesar de não gostar somente lhe olhou feio. Jogou os cabelos e foi até o bar. A música já mudava e agora era uma coincidentemente uma latina. Riu com a ironia. Caroline era uma latina.

Precisava deixá-la perto de Peter. Descobrir como ela reagia com os homens, e arrancar principalmente o que ela gostava neles. As reservas de Caroline em fornecer implicitamente informações cruciais e particulares já a deixava sem paciência. O óbvio que ela não era de dar em cima ou gostar das festas, já sabia, mas precisava de mais, precisava saber de gostos, segredos, sonhos. Tudo para que Giuliano fosse rápido e certeiro na conquista, com algo que amarrasse a mulher de uma vez.

E, é claro, precisava saber quais eram as intenções de Peter, que talvez se tornasse um perigo aos seus planos.

Pediu uma garrafa de tequila e o barman lhe olhou estranho. Não queria uma dose e sim uma garrafa inteira. Bebeu um gole, dois, três, quase que sem parar e ainda nem começava a sentir os efeitos do álcool, mas não era muito necessário. Deu um grito alto e uma risada safada, todos se viraram para si. Arrancou os saltos. Subiu no balcão com ajuda de dois homens que não tinha ideia de onde surgiram.

Rebolou de um lado para outro e depois até o chão. Olhou ao redor e todos já estavam no seu time. Virou a garrafa em cima dos seios e o resto lavou o rosto. Nem sabia que música dançava, mas continuava no ritmo e batia palmas incitando a turma ao seu lado a dançar e subir junto. Esfregou as mãos nas pernas e jogou os cabelos pra frente rindo descontroladamente.  Estava chamando atenção, mas precisava adiantar o circo, precisava de mais baixaria.

Jogou a garrafa na quina do balcão e ela quebrou na sua mão, pediu outra garrafa e o líquido passou por seu corpo e depois pra dentro de seu estômago, até a garrafa alternar para duas mulheres e um homem, que havia acabado de subir e lhe apertava a cintura com demasiada força. Beijou o cara de trás e um que, do chão da boate já beijava seus pés. Nem tinha ideia de quem eram.

Passou a mão no rosto, esfregando a maquiagem e riu achando graça de seu próprio estado. Jogou a segunda garrafa no chão e deu pulinhos vendo ela se partir. Sentou no balcão e continuava a dançar mesmo assim. O vestido já lhe mostrava metade do traseiro e o levantou um pouco mais, e ganhou algumas tapas de alguns caras perto, os incentivando a bater mais, formou-se uma fila de mulheres e homens que lhe davam tapas. Apenas ria parecendo entorpecida pelo álcool.

— Você conhece aquela descontrolada? — Ouviu um segurança perguntar a Peter, enquanto mandavam que descesse dali. O americano fez que sim. — Essa loira vai acabar machucando alguém, e se ela não parar de show, vamos chamar a polícia!

Sentiu um segurança lhe segurar pelas pernas e lhe jogar nos ombros, sabia que estava mostrando tudo e apenas ria descontrolada. O cara lhe jogou num sofá e o xingou alto o suficiente pra todo mundo rir.

Como esperado Peter já lhe segurava pelos ombros e tentava lhe manter quieta. E é claro, ligava para a única pessoa que poderia levar pra Laura pra algum lugar. Caroline. Tudo como planejado. Andavam unidas para todos os lados, era óbvio que seria a morena que ele chamaria.

Dez minutos depois já havia derramado bebida, se agarrado com um moreno que disse ser argelino, puxado um asiático para dançar. Peter lhe segurou pelos braços, avisando que se levantasse daquele sofá pararia na delegacia, apontando para três seguranças mal encarados. Caroline surgiu no meio da multidão, sendo agarrada por uma ruiva que a chamava para dançar e por um loiro bêbado que mais parecia ter saído da praia. Até chegar a ela, se desvencilhado de todos eles.

Caroline não estava feliz.

Laura riu batendo palminhas ao lhe ver e segurou em seus braços, para que Caroline dançasse involuntariamente.

— Enrique Iglesias, olha ele fala sua língua! — Gritou enquanto o DJ tocava a música do cantor espanhol.

Jogou os cabelos pra frente numa coreografia mesmo sentada, descoordenada e aos risos cantando uns versos sem nem saber que língua falava.

— Laura, eu falo português. — Caroline segurava seus braços por alguns minutos até pedir com um olhar que Peter fizesse esse trabalho.

Peter tentava manter Laura sentada e ereta, mas ela se jogava pra frente compulsivamente numa dança maluca e aos gritos histéricos e risonhos. Passou a mão pelo abdômen e braços dele, enquanto mordia os lábios. Laura ouviu-o implorar para que Caroline adiantasse o processo complexo que era prender o cabelo — no que Laura sentia ser um coque ou algo que tirasse os fios do pescoço suado e grudento — avisando que a bêbada estava começando a o atacar.

— Caroline, você se importa se... Eu dar uns pegas nesse americano gostoso? — Laura perguntou trôpega e risonha.

Viu Caroline olhar de soslaio pra Peter com uma expressão divertida. Conhecia-a o suficiente para saber que ela estava se controlando para não rir. Muito gentil...Sempre pensando nos outros. Desdenhou em pensamento.

— Laura, você está muito doida mesmo... Vamos pra casa que você só tá passando vergonha.

Peter lhe segurou pela cintura e vendo que ela não se equilibrava nos saltos pediu que Caroline tirasse os sapatos dela. Mesmo assim Laura não sabia o que era linha reta, nem muito menos querer sair. Não houve alternativa a não ser coloca-la nas costas e arrastá-la dali a força.

— Não na hora de Jennifer Lopez, não! — Protestou aos gritos.

Do lado de fora, o som abafado da boate pareciam somente batidas desconexas e Laura se concentrou em segurar Peter pelos ombros, o acariciando e sussurrando algumas coisas em seus ouvidos. Sabia que ele estava rindo de seu estado.

— Não dá corda, ela acha que você está rindo porque está gostando — Caroline avisou enquanto pedia a Constanza que abrisse a porta.

Aquilo era interessante. Ciúmes?Ela gosta do americano? Laura desconfiou em pensamento.

— Não precisa ficar com ciúmes... O Peter sério volta pra você inteiro, só preciso de um tempinho com ele.

Logo o empurrou até uma parede e passou os lábios pela nuca do americano, que lhe empurrava com delicadeza. Até Caroline puxar seus braços e lhe enfiar dentro do táxi. Laura deu de cara com os olhos curiosos e frios de Constanza enquanto ela lhe atava o cinto. Percebeu o motorista lhe observar tentando permanecer sério.

Laura ficou no meio entre Constanza e Peter, enquanto Caroline foi ao lado do motorista, e Jogou a bolsa pela janela, rápido o suficiente pra Peter não lhe impedir e começou a rir descontroladamente como se perder os documentos, chaves do apartamento e alguns trocados fosse engraçado. Mas valeria a pena.

— Ca-ro-li-ne — Riu repetindo as sílabas. — Você não quer o Peter? Ele é... Gostoso, charmoso, engraçado e festeiro, não é Peter?

— Laura, cala a boca, você já causou demais! — Caroline caçava alguma coisa dentro da bolsa.

— Você deve dançar bem, podia ter vindo pra festa.

— Não gosto dessas festas... — Respondeu distraída.

Nooossa, nem tinha percebido... Ironizou em pensamento.

— Mas e do Peter?

— Ai Laura... — Ignorou, entregando um cartão com o endereço do apartamento que dividia com Constanza ao taxista —, Que ideia de jogar tua bolsa pela janela, vai ficar no sofá. Eu não vou te dar minha cama!

A loira virou para Constanza, que lhe observava num misto de desdém com passividade. Trincou a mandíbula.

— Coruja velha! — Laura mostrou a língua.

Caroline insistia em fingir que não ouvia as loucuras da amiga bêbada e apenas ria no banco da frente. Quando o táxi parou na frente do studentato Peter tratou de levar Laura no colo até os apartamentos, enquanto ela ria histericamente.

— Vai Carol, o Peter quer ficar com você sério, e eu sei que você é toda certa, não é? Toda dos respeitos? Pronto, dá uma chance pra ele.

Caroline ria dando olhadas cúmplices para Peter que não parecia constrangido e achava tudo muito divertido. Depois que ele a colocou no sofá os dois saíram e tornaram a conversar atrás da porta trancada. Laura levantou sorrateiramente e encostou-se à parede para ouvir sobre o que conversaram.

— Obrigada por trazer a bêbada até aqui... — Caroline não sabia muito bem o que falar e colocou a mão nos bolsos do casaco.

Peter deu de ombros, despreocupado.

— Farei questão de jogar na cara de Laura que ela estava tentando me agarrar — Fingiu inocência. — E você deveria ouvir a bêbada e me dar uma chance... — Deu uma piscadela seguida de uma tentativa de olhada sedutora.

Caroline deu-lhe um soco no ombro de brincadeira

— Ah, lembra-se do trabalho? Tive que traduzir pra o inglês, se puder dar uma olhada pra mim... Eu agradeceria. Estou enferrujada nesse idioma. O dia inteiro tentando só lembrar o italiano...

Peter assentiu com a mesma expressão descontraída de sempre, que logo se tornaram curiosas.

— Carol, como você é distraída! Quando a gente vai se pegar? — Disse divertido e semicerrando os olhos e a vendo soltar um resmungo contrariado.

Caroline sabia que era uma espécie de brincadeira séria, se desse certo, ok. Se não, todo mundo ria. Meneou com a cabeça e se afastou.

— Um dia Peter, um dia. — Deu-lhe um beijo na bochecha e as apertou no momento seguinte.

Achava-o uma fofura e ele parecia não se incomodar com isso.

— Oh que mulher difícil! Como você é distraída, é sério que não percebeu que era em você que eu estava interessado lá no MUSE?

Era uma conversa estranha de se ter, mas com Peter tudo se tornava uma brincadeira sem maldades.

— Claro, eu nunca imaginaria! — Disse entusiasmada, mas resolveu emendar com uma conversa que teria que ter. Queria a amizade do americano, mas não queria se envolver em mais que isso. Precisava deixar tudo as claras e ele iria compreender, pois o interesse dele não parecia tão forte, só passageiro. — Quero ser sua amiga, e sei que você também. Então não vamos nos precipitar. E eu também não sou de estar me agarrando por aí... Espero que entenda.

— Entendo perfeitamente. — Ele concordou meneando com a cabeça e sorrindo. As bochechas se ruborizavam cada vez mais e ele deu-lhe um beijo na bochecha. — Durma direito e cuidado com a bêbada, minha latina.

Caroline riu alto e o empurrou pelo corredor, acabou por se despedir e voltou ao apartamento.

Laura sentou no chão ao lado da porta encarnando o papel de bêbada e recebeu duas tapas nas pernas para levantar.

— Carol... Vai pra cama com esse americano de uma vez... Que besteira!

— Que grande amiga libertina eu fui arranjar... — Ralhou a arrastando para o banheiro. — Eu não sou nem um pouco parecida com você... Tapas? Você levou um festival de tapas e estava gostando? Pelo amor!

Com a água fria caindo sobre seu corpo e cabelos, passou a tremer. Implorou pela água quente e para lhe castigar Caroline negou. Tirou-a do banho quando Laura começou a lhe molhar, puxar para dentro, rir descontroladamente e depois ameaçar dormir no box. Procurou qualquer roupa que pudesse caber nela e a mandou vestir, já que parecia mais consciente. Arranjou um lençol e um travesseiro e lhe mandou dormir no sofá.

                         ***

Caroline a olhou de cima a baixo e revirou os olhos. Já era manhã e depois de contar todo o show que havia dado na boate Laura fazia uma careta atrás da outra. Encontrava-se naquele momento jogada no seu sofá e segurando uma bolsa de gelo atrás da cabeça.

— Eu nunca mais bebo!  — Choramingou. — Obrigado por me abrigar, desculpa pelo trabalho que eu te dei. Onde já se viu sair fazendo a minha mais recente amiga de babá? Eu sei, foi ridículo, capaz de você nem querer mais contato com a bêbada aqui. Perdão.

Caroline suspirou. Analisando o que diria para a pálida e desorientada atirada no seu sofá. Sentiu pena das loucuras dela.

— Por nada. Mas não apronte outra dessas! Eu não vou estar lá sempre para te ajudar e nem o Peter. Então, nas festas que você irá nessa universidade, vai ficar no suco, ou se beber, saiba parar. Não por mim, mais por você mesma.

—Tá bom mãe. — Riu em concordância mesmo que a cabeça doesse e o estômago não parava de revirar com qualquer movimento. O álcool acabou fazendo efeito em partes. — Mas é verdade que eu chamei a Constanza de coruja velha? Ela não se ofendeu?

Duas semanas depois.

Roma, 20h32min.

Evento do dia em memória dos soldados e civis mortos em missões internacionais de paz e memorial dos marinheiros desaparecidos no mar.

O ambiente requintado em tons pastéis e dourados, iluminados pelo enorme lustre solitário no meio do teto e as luzes adjacentes dispostas delicadamente para mal serem notadas dava a cada um a perfeita expressão do seu companheiro de festa. Ou oponente a ser estudado. Era sempre assim, quase ninguém tinha o prazer de aproveitar um evento sem averiguar o que estava se passando ao seu redor.

Ser observador era e sempre será um requisito para sobrevivência.

Laura balançou o pouco que havia em sua taça e olhou desinteressada para alguns convidados que conversavam com Giuliano. Notou que ele olhara de soslaio em sua direção, desviou a vista antes que as olhadelas fossem notadas e naturalmente mudou o campo de visão para a única escada disposta à esquerda do salão.

Seu pai conversava animadamente com mais três homens e uma mulher. Parecia estranhamente distraído e sorria animado para todos enquanto vez ou outra analisava um de seus oponentes e dava-lhes o melhor sorriso.

Um garçom se aproximou e Enrico rapidamente trocou sua taça vazia por uma nova, cheia até um pouco mais da metade. Logo um de seus seguranças, que fazia guarda da porta, se aproximou ao notar o sorriso terno do chefe para si. O senador pediu gentilmente que o garçom voltasse. Puxou a taça que tinha uma quantidade menor que a metade e entregou ao jovem, o qual o olhou surpreso.

— Quero que beba e também se divirta — Disse, colocando uma mão em seus ombros de forma paternal —, você merece ter alegria assim como todos aqui, não és diferente de nenhum de nós.

Giuliano franziu a testa e pressionou um lábio contra o outro num sorriso irônico. Enquanto Enrico falava um tom mais alto, os distantes da situação, influenciados pelas entorses de pescoço dos mais próximos, viravam e se esforçavam pra ouvir.

Giuliano sentiu alguns olhares para si e apenas meneou com a cabeça disposto a começar as palmas se fosse possível. 

Laura olhou para a taça.

“O plano com o contratante era clichê, alguém passaria uma bandeja com apenas duas taças, uma mais cheia e a outra menos. A com mais que o normal estará livre do veneno, pelo que sabemos, seu pai adora beber, das duas da bandeja é óbvio que ele pegará a mais cheia, a com menos estará envenenado e eu a pegarei para me livrar do líquido, foi o máximo que pude fazer para impedir”.

Lembrou rapidamente o trecho da conversa e olhou para Giuliano procurando segurança, ele não a olhou e continuou calmamente observar a cena que ainda transcorria.

Enrico olhou para todos os presentes e sorriu animado.

— Você merece um pouco mais que eu essa noite — Enrico trocou as taças com o rapaz e uma sucessão olhares brilhantes e orgulhosos se seguiu.

Se não fosse o pânico que Laura sentia, divagaria o quanto era o ultrajante ver tanta falsa bondade em pessoas que tinham um histórico enorme em agredir os próprios funcionários. Mas aquilo não era importante. Enrico trocara as taças e agora beberia da taça envenenada. Olhou para Giuliano rapidamente esperando que ele fizesse algo, mas um sorriso divertido surgia em seus lábios.  Deu alguns passos duros até ele e parou no momento em que Enrico bebeu o líquido e voltou a conversar com as mesmas pessoas de antes. 

Entrelaçou o braço com o pai, ele a olhou de cima a baixo com doçura, como sempre fazia para única filha, a qual era chamada de bonequinha. Sorriu pra ele com os olhos cheios de lágrimas e lutou para se manter de pé enquanto se corroia de culpa, com a sensação excruciante da impotência em impedir algo vibrando em cada hemoglobina do seu corpo. A vontade era confessar e fazer algo que salvasse a vida dele. Em contraposição, encarou Giuliano explodindo em revolta e confusão, demoraria minutos até os sintomas começarem a agir e sua única chance tinha dado a pessoa mais interessada em tirar a vida de seu pai. Só por vê-lo rir, sabia que tinha dedo de Giuliano naquela história.

Laura viu os olhos verdes de Giuliano faiscarem, divertidos, para si. Seu sangue ferveu e voltou à atenção para Enrico. Sentia que não havia o que se fazer. Abraçou-o pela cintura e deixou que ele beijasse seu cabelo. Olhou de soslaio para Giuliano novamente e ele parecia alheio e com a mesma expressão relaxada. Estava com o coração apertado demais para matá-lo naquele momento e se concentrou em passar o maior tempo possível sendo a bonequinha do papai.

Um dos seguranças se aproximou de Enrico com urgência e só ali se deu conta que Giuliano havia sumido fazia uns dois minutos. Franziu a testa esperando que seu pai dissesse algo, mas como não houve palavras apenas o seguiu com a mesma emergência com a qual ele andava. Do lado de fora, na penumbra e perto de uma fonte um dos seguranças da festa gritou para os outros. Viu o mesmo rapaz de antes, no chão. Possivelmente com dor.

Sua mente travou. Aquilo não fazia sentido algum, segundo o plano que o próprio Giuliano havia montado, e que havia falhado, era para ser o seu pai a estar morto. Lembrou-se das feições cínicas que ele carregava e soube que aquilo era uma estratégia maior do que ele havia lhe contado.

Procurou por uma explicação mentalmente, mas não conseguia entender que tipo de plano maior poderia estar acontecendo ao seu redor. Sua surpresa foi tanta que só conseguiu parar no meio do pátio enquanto socorriam o segurança. O torpor só passou com os gritos carregados de fúria de Enrico contra alguém que estava perto do doente.

— Como você soube? Seu filho de uma...  — Enrico gritou, mas foi interrompido.

— A Laura não merece ouvir palavras tão feias da boca do papai — Giuliano interrompeu saindo do perto do rapaz enquanto os médicos o preparavam para a transferência para o hospital. — Ela é uma mulher muito bem educada. Acho que tem muito orgulho do quanto ela é encantadora. E Isso é um elogio senhorita Pucci.

Ele deu um sorriso cínico e teve que se desviar de um soco de Enrico.

— Laura, vamos embora, deixe esse estúpido aí, ele não merece sua atenção. —Disse puxando Laura pelos braços. Parou de andar ao ver a filha encarar Giuliano — Você jamais se deixaria cair nas graças desse homem não é, bonequinha?

Laura olhou para os dois homens na sua frente e podia ver até as células de Giuliano dando gargalhadas. Deu uma olhada para o pai.

— Claro que não, pai! — Disse a ele e Enrico suavizou a expressão tensa.

 — A você, Bocarelli, saiba que isso não acabou! — Enrico disse e se afastou puxando a filha pelas mãos.

Hospital fondazione Santa Lucia.

Laura passou as pressas pelo corredor largo do hospital particular. Sabia que o rapaz envenenado havia sido levado para o mais caro ambulatório de Roma. A troca das taças que parecia ter dado errado, e no fim deu certo, continuava não fazendo sentido, e com as agravantes das feições do seu pai e de Giuliano, podia imaginar que havia perdido alguma coisa, e isso não era nem um pouco reconfortante.

— O que está acontecendo aqui? Qual a loucura você fez e por que me enganou?! — Laura aproveitou a sala de espera vazia e segurou Giuliano pelos braços, ele não pareceu se afetar e sequer olhava para seu rosto. — O que inferno aconteceu naquela festa? Quem mandou matar meu pai? Eu sei que havia alguma estratégia, por que não me contou?!

— Seu pai.  E você está certa. Existiu um plano que eu não te contei.

— Meu pai? Isso não faz sentido! Por que você não falou nada? — Rosnou, o interrompendo.

— Primeira coisa, Laura: vamos organizar os fatos. Seu pai contratou o Oliver. — Afagou os ombros da loira a sua frente ao ver que ela já os despencava. Confusa e perdida.

— Como você soube disso?

— Rastreei as contas do Oliver, com a ajuda de a ninfeta. No fim, consegui chegar ao endereço dele aqui em Roma. Era Enrico que estava pagando ao Oliver para contratar você para fazer um veneno pra ele mesmo.

— O que? — Disse quase cuspindo as dúvidas, como se isso fizesse aquilo começar a fazer a sentido. — Pelo o que aconteceu na festa eu sei que você atrapalhou alguma coisa dele, então qual era o plano que meu pai montou? E por quê? — Exigiu.

— Fiz algumas coisas não muito bonitas para atrair Oliver, que veio até mim e contou todo o plano do seu pai. O veneno nunca seria dado a ele, e sim ao mesmo rapaz que está aqui agora, pelo mesmo esquema de taças. E o seu pai sairia como bondoso, por ter sido “gentil” com um empregado, e depois que o Magno morresse, eu teria problemas enormes. Ele iria aproveitar a festa do governo para causar um problema para o meu governo, cada vez mais fragilizado com o escândalo que Roberta criou. Um plano pra prejudicar minha imagem com a segurança do país. Afinal, como eu poderia proteger a Itália se nem consigo evitar que envenenem a comida de um senador dentro de uma festa oficial, porque a bebida era para o seu pai e ele trocou na última hora. Enrico teria a imagem de que se salvou por um triz.

Laura não sabia o que falar.

— Procurei o Magno, contei o que Enrico pretendia envenená-lo e ele, é claro, ficou do meu lado. Aceitou fingir para convencer seu pai que havia dado mais ou menos certo, por mais que ocorresse bem longe da festa e sem a mídia que ele queria, assim eu não teria que lidar com a cena num local infestado de jornalistas. O fingimento também era pra evitar expor o Magno ao seu pai. Porém, Enrico percebeu, e como você mesmo notou, odiou ter sido descoberto e atrapalhado. Agora percebeu o porquê detesto seu pai? Sinto muito, mas não dá pra dizer que gosto do meu “sogrinho” se ele quer me destruir a cada dois segundos.

Depois de vários minutos em silêncio e a espera por alguma notícia foi quando Laura percebeu que algo não se encaixava.

— Se Magno fingiu, o que está fazendo aqui?

— Seu pai não vai o perdoar pela traição, e esse foi um dos motivos que fez com que eu pedisse que ele fingisse dar mais ou menos certo. Nesse momento estou tirando esse homem de perto de Enrico. Ele foi meu contato lá dentro. Conseguiu acesso ao verdadeiro veneno e me entregou.

Oliver havia contato cada detalhe do show de bondades de Enrico, e é claro, quem seria o mais prejudicado. O mais jovem dos seguranças dele, Magno. Sem pai e mãe e criado num orfanato. A chance de trabalho que Enrico dera ao rapaz tinha a finalidade de um plano montado há meses. Pelo rapaz não ter família, ninguém que sentisse sua falta, era considerava pouco útil e fácil de ser usado. E o senador ainda dizia que diminuiria seu sofrimento nesta terra se o tirasse da dor de ser rejeitado, abandonado, pobre e sem muitas mais perspectivas de sucesso na vida.

— Quanta bondade a sua... — Laura disse depois de ouvir o que Oliver disse a Giuliano. — Mas se meu veneno não está matando o Magno, com quem ele está?

Giuliano deu um sorriso pretensioso.

— Está com quem merece. — Disse ele.  —E aproveite da minha bondade, alguns não tiveram a mesma sorte. A minha cota de benfeitorias já esgotou por esse mês. — Ouviu Laura rir e mudou o tom para a irritação. — E a brasileira? O que me dirá dela nessa reunião?

Laura ainda demorou alguns minutos para absorver cada informação até notar que era sua vez de falar.

— Essa reunião não é bem como eu queria e nem como das outras vezes. Mas se deseja saber das minhas aventuras da semana... — Ela cantarolou.

— Não é como das outras, ainda, mas você vai gostar, e eu também.

Laura o olhou surpresa e depois sorriu maliciosa.

— E sua namorada?

— Qual delas? Hanna? —Disse achando graça do ciúme, enquanto se inclinava para a mulher e mordiscava seu pescoço e embrenhava as mãos pelos cabelos dela. Percebendo que Laura arqueava a coluna sem perceber, sussurrou em seu ouvido —: Você sempre será a primeira.

— Eu preciso ter que falar alguma coisa mesmo? — Ela irritou-se. — Vamos para a sobremesa logo, depois para o jantar.

— Mais tarde. Quero saber sobre sua evolução com a garota. — Ele disse e entrelaçou o braço ao dela. Puxou-a para uma sala vazia e deixou que ela se acomodasse na cama. — Conte-me como foram mais de suas desventuras com a desastrada brasileira.

Laura bufou e depois riu nostálgica. As memórias das últimas semanas lhe vieram à mente. Caroline havia percebido o estranho comportamento de Luca e havia comentado consigo a respeito dos cortes e machucados do tutor, preocupada e estranhando o afastamento repentino dele. O que não durou. Ele logo voltou, mas muito mais sutil e concentrado em fazer Caroline se afastar naturalmente de quem poderia feri-la, e não afastar a organização dela. Boa estratégia.

— Há um cara. — Ouviu Giuliano murmurar um “continue” interessado. — Um americano, boa pinta e interessado na Carol, mas ela não parece compartilhar da intenção e os dois mantém uma espécie de amizade. Sinceramente eles parecem mais amigos saidinhos do que um propenso casal. Não se preocupe com isso.

Giuliano deu de ombros e sentou em uma poltrona destinada aos parentes dos pacientes.

— Nem tinha começado a me preocupar... Seria ótimo que ela se engraçasse com esse americano e a organização esquecesse isso. — Disse com os olhos semicerrados. Quase feliz por aquela bagunça acabar de uma vez, e melhor ainda, antes de começar.

Laura soltou algumas risadas e negou com a cabeça.

— Fico feliz que compartilha do meu desanimo — Piscou para ele. — Mas a questão interessante é seu primo. Ele não me atrapalha, nem me ameaça. Mudou de estratégia, não impede, mas a protege de todos nós. Talvez ele planeje causar a repulsa da Caroline contra nós implicitamente. Você sabe que a organização não permitirá outra surra daquelas se você não comprovar que ele está atrapalhando diretamente... — Ela o observou perguntando discretamente o que ele faria. Mas Giuliano não disse nada. — Consegui ficar mais próxima dela nas últimas semanas. Ela é uma mulher que se sente segura em casa, e foi lá que entrei. Preciso ganhar a confiança para aprofundar a amizade, e nada melhor do que me infiltrar no lugar onde ela mais fica sem defesas e onde tenho uma gama de informações importantes.

— E conseguiu? — Giuliano questionou interessado no raciocínio da mulher.

— Sim. Juntei-a com o americano por uma bebedeira minha. Cheguei à conclusão de que ela se fecha para os relacionamentos, e... Acha-me libertina. Mas isso eu sei. — Riu e ele a acompanhou. — Fiquei na casa dela e ganhei uma baita ressaca no dia seguinte. Joguei minha bolsa com minhas chaves dentro pra poder ficar lá. A Caroline é protetora, cuidadosa, voluntariosa, gosta de ajudar e se preocupa com as pessoas. Descobri isso baseado na relação dela com o Luca depois da surra. Ela se aproxima muito mais de quem precisa de auxílio, e eu somente... usei isso.

Giuliano a analisou e digitou uma mensagem rapidamente para Giovana. Louis estava doente novamente.

— Informações importantes as que você me deu... Fico orgulhoso de você, e dela. Ela me parece ser uma boa garota. Boazinha demais. — Disse com certo desdém. Se ela vinha da organização algo de errado ela deveria ter, além do que poderia ser bem maçante uma convivência com alguém tão sem sal. Mas Laura não percebeu a ironia.

— E ela é — Cruzou as pernas e puxando seu pescoço, se inclinando para ver o conteúdo da mensagem. — Caroline é boa demais para brigar ou discutir. Amiga de todo mundo e tem uma tendência em se apegar a todos, e eles a ela. Admiro isso...

— E eu admiro você. — Giuliano a interrompeu. — Já cumprimos a obrigação, agora vamos à diversão Srta. Pucci.

Estado da cidade do Vaticano. 00h36min.

Oliver andou com dificuldade até uma das cadeiras do seu apartamento funcional. Giuliano não brincou ao dizer que ele não havia o punido naquele momento, pois, o pior veio depois. Dimitri, auxiliado de seus capangas, fizeram questão de torná-lo um eunuco.

Seu corpo tremia de febre e por um instante se deixou levar pelos delírios. Tomou uma dose do antibiótico e tocou a sineta. O mordomo apareceu, ultrapassando as portas de madeira maciça e, dando um leve ajuste nas cortinas vermelhas e douradas, carregou uma bandeja com uma xícara fina e cara com chá fumegante no seu interior.

— Perdoe-me senhor, pela demora. — O homem dispôs a bandeja com urgência pela mesa redonda e pequena. — Boa noite.

E se foi.

Oliver bebericou o chá. Esperando ao menos relaxar com o líquido quente entrando em seu corpo. Estranhou o um papel que estava inocentemente disposto por baixo da xícara. Abriu o pequeno bilhete e uma caligrafia perfeitamente esculpida apareceu.

“Agora o veneno está no corpo de quem merece.

Faça bom uso dele e entenda a lição que estou te ensinando: Como tratar um psicopata estuprador.

Quando chegar ao inferno diga ao meu pai que eu mandei lembranças.

Ass.: Giuliano Bocarelli”

Oliver levantou da cadeira no impulso, seu corpo falhou, sua mente piscou e houve uma sucessão trêmula de gemidos fracos. Seu velho coração desfalecia e o desespero pela busca de ar e a certeza da morte tomou conta de seu ser. Tentou não cair, mas derrubou a mesa, que tombou aos seus pés.

O mordomo gentilmente arregaçou as mangas e colocou uma luva, pegou o papel das mãos que desfaleciam e o atirou na lareira repleta de labaredas. Tirou as luvas, as jogando lá também e propositalmente letárgico, discou um número.

— Preciso de uma ambulância urgentemente! Eu trabalho para Oliver Brown, Comandante da guarda papal. Ele está desacordado, já o encontrei assim. O que devo fazer? — Disse exasperado e num tom desesperado.

— Diga seu endereço, rápido.

O homem deu uma breve olhada no ultimo suspiro de Oliver. Ele estava morto.

— Via Ângelo Emo... Preciso que sejam rápidos, por favor. Não sei se ele aguentará muito tempo!

02h47min. Centro de Roma.

Giuliano tirava o paletó e o atirava pelo sofá da enorme sala do apartamento. Era grande e antigo. Mas caro, como tudo que era histórico. Havia se despedido de Laura a menos de vinte minutos e precisava de casa. Suítes de hotéis, mesmo que caras nunca compensam pela falta de conforto pessoal. Tudo muito informal.

— Ainda bem que chegou! — Giovana apareceu de dentro de um dos quartos com um termômetro nas mãos. — Louis, está se queimando de febre, de novo.

Giuliano esfregou a testa, cansado e resmungou algumas coisas que Giovana iria reclamar se ouvisse. Pegou o objeto em suas mãos e o analisou. Nada menos que quarenta graus.

— Eu te avisei e você desapareceu. — Ela ralhou batendo os pés no chão.

— Mas voltei cedo. — Justificou-se — Mas sei que isso não foi o suficiente.  Deu os antibióticos? Ele tomou o xarope direito?

Giovana fez que sim, puxando Giuliano para o quarto do garoto. Ele dormia, falava algumas coisas meio desconexas, provavelmente delirando.

— Era pra você ter ficado com ele. Louis chamou por você e eu não sou nem uma especialista em cuidar de crianças. — Resmungou irritada e depois baixou a voz. — Eu tinha um encontro hoje, sabia?

Giuliano passava as mãos pela testa quente e suada do garoto e quando ouviu aquilo, se reteve. Cruzou os braços e a encarou.

— Com quem? Tenho o direito de saber? — Disse como quem não diz nada de importante, mas ainda analisando Giovana.

Giovana franziu a testa.

— Não precisa ficar com ciúmes. — Deu um sorrisinho debochado.

— Proteção, apenas. Você já teve problemas por causa de relacionamentos demais.

— Sei... Não se preocupe, ele é normal. Depois do “relacionamento” com seu pai, estou pronta pra qualquer coisa.

Giuliano virou para ela enquanto deitava ao lado de Louis e verificava pela terceira vez aquela temperatura. Nem ele estava acreditando no que estava acontecendo.

— Só não quero me preocupar com certas coisas, como bebês por essa casa. Eu já não tenho idade pra ter irmãozinhos. Pense direito no que anda fazendo... — Ele disse distraidamente

Giovana revirou os olhos.

— É sua vez de cuidar do Louis, filho.

Foi à vez de ele revirar os olhos.

— O que é? Se eu tenho que me cuidar pra não te dar irmãozinhos é porque sou sua mãe. Implicitamente já disse. — Provocou, dando um sorriso meio alegre e se despedindo antes que ele reclamasse alguma coisa.

Ainda o viu remexer um pouco no garoto e o colocar no colo, levando para o quarto principal e ligando para outro médico ao mesmo tempo.

Dois dias depois.

O som suave de um piano ecoava de dentro da pequena capela. Giuliano estava ao redor do caixão escuro, ainda aberto e lotado de bandeiras hasteadas dos lados. Olhou em torno, notando muitos chefes de estado e de governo, sussurrou uma frase de pesar para o presidente italiano que estava ao seu lado e permaneceu em silêncio durante todos os discursos.

— É importante salientar as vidas que foram salvas graças à ação enérgica do nosso querido Oliver Brown, um homem de caráter limpo e conduta exemplar que muitas vezes saiu muito do profissional para defender os menos favorecidos. Tenho para mim, que ele estará sempre em nossos corações e na eternidade, num bom lugar. — Enrico discursou efusivamente no microfone.

Giuliano deu uma olhada para o chão e depois para as paredes do local, quem o visse achava que ele estava imensamente consternado, mas era uma tentativa de não rir de tamanha falsidade.

Laura estava a uns bons metros com um belo vestido negro e que iria mais um pouco mais abaixo do joelho, escondendo as belas pernas. Parecia séria, mas ele poderia até ver as interrogações flutuando pela cabeça dela. Aproximou-se dela e percebeu que a loira queria conversar sobre algo. Ele baixou a cabeça e se concentrou em ouvir os sussurros.

— Não entendo uma coisa. Se meu pai comprou o veneno, por que Oliver te pediu, ele mesmo poderia dar sem problemas... — Disse, observando se alguém notava a conversa discreta.

— Lembre que seu pai disse, ainda não tinha acabado...

Voltou à atenção ao caixão e Laura fez o mesmo, observaram o momento no qual Enrico se aproximou do caixão, passou as mãos discretamente por dentro de um dos do defunto e disse algumas palavras que pareciam ser consternadas, mas Giuliano sabia que não era.

— Seu pai poderia fazer isso, mas o plano principal nunca foi esse. No dia da reunião Oliver estava com um gravador minúsculo na lapela do paletó. Se essas gravações vierem a público eu seria acusado de planejar a morte de um senador, aliado a toda a história de que obriguei Roberta a se demitir, meu governo cairia.

Enrico se afastou e colocou as mãos nos bolsos. Laura deu uma olhada surpresa para Giuliano.

Laura sentia tudo ao redor como se os sufocasse, apesar de que o único realmente prejudicado era Giuliano. Ele fez que sim discretamente e fitou as paredes como se não estivesse tendo nenhuma conversa interessante com a filha do seu maior inimigo político.

—Agora que Oliver está morto, papai vai incriminar você e o Oliver por tudo. Ele ainda consegue se sair bem.  — Laura constatou ainda chocada — Como chegou a essa conclusão?

— Seu pai não poderia ser tão burro em confiar num plano tão simples como taças trocadas para me fazer cair. Percebi na conversa com Oliver no vaticano que ele mentia, além de mexer constantemente nas roupas que vestia. Eu soube que um dos discípulos dele teve vinte minutos com o corpo, provavelmente cumpriu alguma última instrução do chefe. Giovana procurou por todos os empregados de Oliver hoje cedo: havia uma ordem dele para que a gravação, sem cópias, fosse entregue para Enrico quatro dias após a festa. Com a morte dele, seu pai o procurou e pediu que a gravação estivesse aqui. E ele a deixou fácil o suficiente para Enrico pegar sem correr riscos. — Disse rapidamente ao perceber que alguns políticos, inclusive Roberta já o observava com certo desdém.

— E você confia que não há nenhuma outra? — Laura questionou sem conseguir esconder a surpresa.

— Com a morte de Oliver o cara percebeu que algo de muito errado havia nessas gravações. Sei que ele sequer ouviu o que tinha lá para não correr o risco de se comprometer. — Giuliano suspirou olhando para os lados novamente. Roberta mal escondia o sorriso. — E Giovana ofereceu trabalho e proteção, pela informação e pela certeza de que não há nenhuma cópia.

Laura não deixou de esconder um suspiro aliviado. Mas algo ainda lhe incomodava. Conhecia seu pai. Enrico não trabalhava com lentidão.

— Ele pode ter tido contato com as gravações até mais cedo do que você pensou!

Giuliano franziu a testa, negando e enfiando as mãos no sobretudo.

— Seu pai não foi tão rápido. E ele não se saiu tão bem, não quando eu ainda sei dar as cartas. Enrico derrubou a rainha, mas o jogo de xadrez somente acaba quando se derruba o rei. Ele acabou de pegar o arquivo no bolso do falecido.

Giuliano deixou Laura para trás e caminhou até o caixão, deu um breve sorriso consternado e segurou nos ombros de Oliver, chegou perto do rosto dele e sussurrou:

— Espero que o inferno esteja tão quente quanto às casas que você mandou atear fogo para matar as garotas que contavam para as famílias o que você fazia lá na fronteira com o Egito. Que esteja sendo tão insuportável quanto era para as meninas que você abusava. Definitivamente, você se encaixou no lugar correto. Seu lugar sempre foi o inferno, estuprador.

Observou os fotógrafos do lado de fora e fez sua melhor feição triste. Deu um abraço em Enrico e modificou a voz para elevada o suficiente para todos ouvirem o que seria dito, mas baixou na medida para pensarem que não havia nenhuma atuação.

O senador já sabia que havia sido descoberto, e seu lábio superior tremeu de raiva. Giuliano se aproximou mais ainda.

 — É a hora de nos unirmos em nome do luto. Deixemos as desavenças de lado, afinal de contas, nunca sabemos o dia de amanhã. Hoje foi o Oliver, amanhã pode ser eu... Ou você.

Pegou o cartão de memória dos bolsos de Enrico. Ele recuou com os olhos semicerrados, mas sabendo que não poderia fazer absolutamente nada, deu um sorriso à contra gosto.

— Claro. — Enrico disse alto e o puxou para outro abraço. — Espero que a sua chegada a eternidade seja a mais rápida possível.  E que queime no inferno. — Sussurrou notando Giovana passar por atrás de si e pegar cartão de memória das mãos de Giuliano.

Ela distraidamente jogou o objeto dentro de um copo de água e deu um sorriso consternado para Enrico.

— É sempre bom defender a cria. É para o seu amiguinho Alberto se revirar no túmulo me ver aqui não é? — Entrelaçou os braços com Giuliano. — Não existem cópias. Os associados de Oliver agora trabalham para mim, boa sorte na próxima.

Enrico sequer se deu ao trabalho de responder as ofensas de Giovana. Desde o nascimento de Giuliano, sua expulsão e exílio que ela lhe odiava, afinal sempre apoiou Alberto. Quando o filho entrou para a política e se tornou seu inimigo, ela lhe odiava mais ainda por sempre tentar coloca-la no lugar que para Enrico era o certo. O nada. Giovana já era para estar morta, mas o dinheiro, a influência e com certeza as jogadas do filho, a colocaram num lugar alto demais para que fosse tocada.

— Falando em inferno, eu não sabia que acreditava... Comunistas costumam ser ateus, não? A não ser que você precise fingir que acredita para ganhar alguma coisa. Aí, é claro, você se torna um homem de muita fé — Giuliano disse debochado e se colocou a poucos centímetros dele. — Experimenta fazer outra dessa comigo e eu te faço crer na condenação eterna.

O premie deu um sorriso simpático para todos e deixou o enterro.

Quatro dias depois

Roberta caminhava por entre os corredores do ministério de interiores. Seus saltos tilintavam no chão e o vento frio fazia seu cabelo loiro se prender do broche caro em um coque bem feito. Sua expressão altiva e seu queixo suave davam a impressão de que iria para uma guerra, e de certa forma iria. Ainda tinha que demonstrar poder para o novo ministro, ainda tinha que mostrar que podia manipulá-lo, e que sabia como. Até porque o conhecimento sobre as ações que o jovem, mas muito bem instruído, Enzo Marchetti, possuía em empresas ligadas a indústria de alimentos e cosméticos, estas, fazendo testes irregulares e sem autorização em animais, tinha que valer de alguma coisa não era?

— Desculpe o atraso, precisei levar meu cachorro ao veterinário. Costumo cuidar bem do meu filhote. — Olhou de relance para Enzo.

O homem não apareceu se afetar por alguns segundos, mas depois de um tempo se deu conta da ameaça velada e lhe analisou com mais firmeza e com os olhos castanhos ligeiramente arregalados.

Depois de quase duas horas de reunião e o manter inteirado de tudo o que fazia no ministério. Giuliano entrou na sala, pediu licença e deu um sorriso debochado para a mulher. Roberta correspondeu e no abraço que teve que dar, fez questão de puxar discretamente um pouco do cabelo dele.

— Isso não vai ficar assim, Giuliano. Esse garoto não dura um mês aqui dentro.

— Vai soltar os cachorros em cima dele? — Giuliano disse baixo. — Não poderá contar com isso, para entrar aqui o fiz se purificar. Pode procurar. Não há mais nada.

Roberta semicerrou os olhos e Giuliano continuou:

— Enrico não pode mais manipular esse lugar como fazia quando você estava aqui.

Depois daquela última frase Giuliano se afastou e assinou rapidamente a posse de Enzo. Roberta observava tudo a certa distância e mandou uma mensagem discreta a Enrico. Ele precisava lhe ajudar agora. Aquele garoto já tinha passado dos limites. Giuliano precisava ser parado.

Sabia que Enrico já tinha a cartada final, já tinha as gravações de Oliver e se fossem liberadas, Giuliano perdia a influência e a Itália clamaria para que a injustiçada Roberta assumisse seu cargo. Era isso que ele lhe prometera: A mesa que era de Giuliano.

Entrou no carro com raiva, e antes que saísse do estacionamento, notou um homem alto e com traços escandinavos caminhar em sua direção. Ele deu um sorriso e praticamente pairou em sua porta. Parecia um anjo.

— Um anjo enviado pelo próprio diabo. — Disse para si mesma.

Era Dimitri. Chamado oficialmente pelos corredores de chefe da guarda particular do presidente do conselho — Por aquela, Giuliano era tido como um homem extremamente desconfiado, mas o excesso de seguranças era ordem de Giovana. Mas, Roberta sabia que o russo era na verdade o intermediário dele.

Baixou o vidro e o homem sorriu simpaticamente.

— O que quer? — Perguntou sem paciência.

— Ele quer conversar.

— Giuliano sabe onde é minha casa.

— Você sabe que vai ser melhor me seguir por bem não é?

— Isso é um sequestro?! — Disse falsamente alarmada. Era claro que qualquer conversa com Giuliano seria exatamente onde ele quisesse que fosse. Só estava ganhando tempo.

 — Não quando você vai por vontade própria e creio que quer saber por que Enrico não respondeu suas mensagens...

Roberta recuou. Enrico realmente não lhe respondera, na verdade estava a ignorando desde o enterro de Oliver. Tentou não pensar em traição, afinal, além de proteger seus afilhados, tinha mais motivos para lhe ajudar do que para lhe trair. Estar perto dele havia lhe ensinado que Enrico Pucci poderia ser o melhor homem, mas também o pior deles. O mundo não precisava conhecer aquele lado, e Pucci sabia cuidar para não ter segredos expostos.

Desceu do carro e seguiu Dimitri. Entrou na Range Rover que ele lhe mandou. Os vidros eram tão escuros que não tinha ideia de para onde estava indo. Ajustou o casaco de couro e o vestido social e justo ao corpo. Verificou o celular na bolsa e, disfarçadamente, o pequeno revólver de cabo branco com detalhes em dourado. Sim, ouro. Não iria desarmada a um local, que não sabia onde era, e com um Bocarelli em hipótese nenhuma. E classe era importante.

Quando desceu numa estrada de areia, antes que olhasse muito para os lados, Dimitri pediu licença e colocou uma espécie de venda totalmente negra em seus olhos. Não conseguia ver um palmo a sua frente. Precisou que ele segurasse suas mãos. Andou por um tempo que parecia quase meia hora, mas não tinha certeza. O russo estava provavelmente lhe levando pelo caminho mais longo e fazendo com que andasse em círculos para não ter como contar os passos e se localizar.

Nem escutou barulho de portas ou de nada, somente sentiu que estava sentada em uma cadeira e com as mãos numa mesa de madeira áspera.

Podia ouvir a respiração de mais alguém na sala fechada. Ouviu o arrastar de sapatos na pouca areia existente no chão, e o peso da mesa mudar, como se alguém estivesse sentando nela.

Giuliano começou a falar, vendo que ela não faria aquele trabalho.

— Senti sua falta, pedi que Dimitri te trouxesse aqui para matarmos as saudades. Provavelmente será a ultima vez que terei que dividir alguma mesa com você.

Roberta deu um sorriso.

— Se eu fosse você, não contaria com isso.  — Gostaria de acrescentar que não só poderia dividir alguma mesa, como teria a dele. Mas preferiu se calar e não dar nenhuma informação. Sinceramente não tinha ideia do que ele poderia saber.

Sentiu quando ele tirou a venda de seu rosto. Demorou alguns minutos para conseguir acostumar com a luz do local. Giuliano gentilmente arrumou os fios loiros de sua franja que haviam se soltado do coque. Ofereceu algo em uma taça, o que dispensou.

— Dispenso. Minha mãe me ensinou a não aceitar comida de estranhos. — Disse com um sorriso ainda afetado com a luz em seus olhos claros. Aquilo realmente era incômodo. — Falando em convenções opressoras... Senti que estava indo a uma reunião da organização com tudo isso.

Giuliano deu de ombros.

— Não avise a eles, pode ser que me processem por plágio. — Ele disse bebendo o líquido da taça que antes oferecia a ela. — Espero que corte essa parte da gravação, na hora de jogar tudo na internet pode ser que o tiro saia pela culatra.

Suspirou com raiva. Ele sabia. Jogou a bolsa no chão e levantou da cadeira com as mãos para cima, pronta pela próxima revista.

— Bruna, reviste a senhora.

Ele pediu a garota se aproximou. Giuliano acabou saindo da sala por alguns instantes e quando voltou Roberta sentia que havia sido revirada do avesso. Seu celular foi passada para as mãos do homem e ele mesmo se certificou de formatar seu celular.

— Minhas músicas do Il Volo. Não acredito! — Ela resmungou.

Ele averiguou sua bolsa. Pegou o revólver e por fim entregou tudo à mulher. Bruna saiu sem dizer uma única palavra e recebeu um sorriso agradecido do chefe.

— Ela não te picou durante a revista? — Giuliano perguntou a garota enquanto Bruna fechava a porta e ela acabou gargalhando.

Respondeu numa língua que Roberta não entendia absolutamente nada, mas Giuliano respondeu falando no mesmo idioma dela.

Depois de alguns segundos em silêncio, ele lhe fitou, ainda bebendo o champanhe. Quase perguntou o que ele queria, mas resistiu.

— Enrico não pode lhe ajudar Roberta. Digamos que eu descobri o plano dele. Tenho a gravação que me incriminaria, Oliver está morto, e seu trunfo para assumir o meu lugar está acabado. A armadilha não deu certo e espero que aprenda a nunca mais brincar comigo.

— Que gravações? — Questionou fingindo que não entendia o que se passava.

Giuliano suspirou pesadamente, sem paciência.

— Sei que todo aquele espetáculo dado na reunião foi somente um truque, sua saída foi o que queria para incitar a revolta contra mim. Com as gravações, onde supostamente me aliei a Oliver para matar seu padrinho, seria o fim e eu estaria ligeiramente cheio de problemas nesse momento. — Giuliano explicou e bebericou mais líquido na taça e continuo: — Enrico já tem a estabilidade que precisa sendo senador vitalício, mas não tem a influência e o poder que precisa para estar de posse de todas as casas do poder desse país. Ele já tem o senado com Francesco, com as próximas eleições na câmara, provavelmente vai perder lá. O que ele queria era você, como Premie, onde ele pudesse manipular todas as decisões por trás. Por isso fez tudo isso: veneno, Oliver. Tudo um jogo para que ele pudesse governar sem estar no governo. Ser presidente do conselho sem realmente assumir o cargo.

Roberta calou-se. Sabia que Giuliano não era de meias palavras, mas não imaginou que ele seria tão direto. Não precisou responder. Seu silêncio já confirmava a verdade.

— O que quer de mim? Vingança? — Questionou.

— Não. Quero que pare. Você vai parar de jogar nos jornais que eu a demiti, negará tudo o que disse, ou eu usarei todas as provas que estavam tentando me incriminar contra você. E melhor, jogo na mídia a gravação da sua conversa, aquela do esquema de corrupção com o Paolo.

Era muita informação para assimilar. Sua mente parecia que iria explodir, mas ainda sabia de quem havia saído a gravação com Paolo, sabia como afetá-lo.

— Giovana, foi ela, não foi? Foi aquela sua secretária imunda que gravou aquela conversa?!

Giuliano lhe ignorou.

— Já te ameacei com ela antes para te forçar a se demitir, mas tive que relembrar a existência dela. Continue com as acusações e a RAI vai noticiar com exclusividade o seu playground com o dinheiro do nosso petróleo.

Roberta teve que se calar. Não podia desafia-lo, achou que o trunfo dele seria vencido com o seu, mas agora não tinha mais nada. Giuliano lhe vencera e precisava se recolher e montar uma nova estratégia. Somente confirmou que não diria mais nenhuma palavra. Estava nas mãos dele e devendo favores, e enquanto ele estivesse vivo iria lhe chantagear. Tudo por culpa de Giovana.

Como não havia mais nada para ser dito, foi vendada novamente, suas coisas foram lhe dadas de volta, menos o celular. Giuliano teve a audácia de lhe mandar comprar outro com o dinheiro que vinha roubando.

Acabou sorrindo a contra gosto e foi passada para as mãos de Dimitri.

— Acho bom contratar outra secretária. Giovana vai pagar pela lealdade, tenha certeza! — Disse alto o suficiente, mas não pode ver sua reação.

Foi levada de volta para a Range Rover e depois para o seu próprio carro. Socou o volante e remexeu na bolsa, precisava realmente comprar outro celular.

Oito meses depois.

“Era uma vez um príncipe que queria se casar
com uma princesa, mas uma princesa de verdade, de sangue real
meeeeesmo. Viajou pelo mundo inteiro, à procura da princesa dos
seus sonhos, mas todas as quais encontrava tinham algum defeito. Não
é que faltassem princesas, não: havia de sobra, mas a dificuldade
era saber se realmente eram de sangue real. E o príncipe retornou
ao seu castelo, muito triste e desiludido, pois queria muito casar
com uma princesa de verdade.
Uma noite desabou uma tempestade medonha. Chovia
desabaladamente, com trovoadas, raios, relâmpagos. Um espetáculo
tremendo! 
De repente bateram à porta do castelo, e o rei em pessoa foi
atender, pois os criados estavam ocupados enxugando as salas cujas
janelas foram abertas pela tempestade.
Era uma moça, que dizia ser uma princesa. Mas estava
encharcada de tal maneira, os cabelos escorrendo, as roupas
grudadas ao corpo, os sapatos quase desmanchando... que era
difícil acreditar que fosse realmente uma princesa real.
A moça tanto afirmou que era uma princesa que a rainha pensou
numa forma de provar se o que ela dizia era verdade.
Ordenou que sua criada de confiança empilhasse vinte colchões no
quarto de hóspedes e colocou sob eles uma ervilha. Aquela seria a
cama da “princesa”.
A moça estranhou a altura da cama, mas conseguiu, com a ajuda
de uma escada, se deitar.
No dia seguinte, a rainha perguntou como ela havia dormido.
— Oh! Não consegui dormir — respondeu a moça,
— havia algo duro na minha cama, e me deixou até manchas
roxas no corpo!
O rei, a rainha e o príncipe se olharam com surpresa. A moça
era realmente uma princesa! Só mesmo uma princesa verdadeira teria
pele tão sensível para sentir um grão de ervilha sob vinte
colchões!!!
O príncipe casou com a princesa, feliz da vida, e a ervilha
foi enviada para um museu, e ainda deve estar por lá...
Acredite se quiser, mas esta história realmente aconteceu!”

Caroline esperou que Filippo dissesse algo a respeito da história, mas o menino não largava os fios loiros, passando os dedos por entre os cabelos, ato que após algum tempo de convivência com ele, lhe ensinava que estava pensando, ou simplesmente com vergonha, ou melhor, para passar o tempo.

— Mas que princesa chata... — Ele disse depois de um tempo e Caroline sorriu o estimulando a continuar o seu parecer. — Incomodada com uma ervilha, meninas, são sempre meninas... — Negou em descrença com a cabeça.

Contar histórias para Filippo no tempo livre, quando ia para o restaurante de Raena, para estudar ou simplesmente dar uma volta por aí, tinha se tornado um costume para os dois desde que chegava a Trento, oito meses antes. Sempre se distraia com os contos e vez ou outra até desejava que vida fosse com um conto de fadas, não pelo feliz pra sempre, e sim pela simplicidade que as coisas aconteciam.

Amava esse momento em que podia pensar com a facilidade de uma criança. Às vezes é difícil ser adulto o tempo todo e ter que se controlar para não fazer birra.

— Eu tenho que ir... — Murmurou irritada e catou a bolsa que estava ao seu lado.

 Tomou o resto do suco, abandonou o refrigerante por influência de Laura, às vezes ela era boa influência, só às vezes, e só por isso ela já tinha ganhado vários pontos com uma dona Lucia sempre brava e irritada, por sua demora em responder as mensagens no whatsapp.

— Boa aula Caroline! — Raena avisou e lhe deu um beijo na bochecha antes que saísse.

Ela ainda a acompanhou em algumas ruas, porque ia conversar com Luna, a dona de um café bem diferente e moderno, que era em frente a um Ristorante tradicional e muito charmoso, cujo dono e Raena viviam as turras. Ele a chamava de traidora das tradições e ela o chamava de velho empacado no tempo. Naqueles meses presenciou algumas discussões muito exageradas dos dois e enquanto eles brigavam, engasgava aos risos com o café oferecido por dona Luna, a idosa muito simpática e cheia de modernidades, tinha até mexas rosas por entre os fios grossos, cacheados e curtos.

— Aula da Anika... — Verificou no grupo, a confirmação da aula e choramingou teatralmente numa parede.

A professora Anika era uma das mais jovens professoras que teria no curso, era simplesmente linda e a criatura ainda achava de ter um olho azul e outro verde e se vestia incrivelmente bem. Laura e ela se tornaram amiguinhas e uma elogiava a roupa da outra constantemente, ela era boa professora e ajudava com inúmeros pontos concedidos por meio de incontáveis pesquisas, atividades e resumos que passava durante as aulas e era amada pelos alunos por isso.

— Ela ainda não aceitou nem um trabalho seu? — Raena atravessou o corredor de mesas do café de Luna e baixou uma das cadeiras que estavam apoiadas em cima da mesa.

— Para o meu desgosto ela não aceitou nenhum! — Revirou os olhos e viu a hora passar e ficar cada vez mais atrasada para a aula dela.

Sim, a criatura de olhos bicolores simplesmente não aceitava nenhum de seus trabalhos, arranjava todo tipo de defeito, a fonte estava errada, o tamanho estava muito grande ou exageradamente pequeno, sendo que, ela não exigia que nenhum aluno cumprisse as normas a risca, exigia o mínimo de organização e sem muita coisa colorida, brincava que de muita cor já suportava seus próprios olhos.

— Mas é só o seu?— Raena perguntou surpresa enquanto Filippo insistia em pedir pra comer uma das tortas do balcão e ela negava veementemente. Luna entregou o prato o menino mesmo sem sua autorização

Caroline assentiu e bateu o pé no chão, contrariada.

— Vou indo, se eu chegar atrasada nessa aula, ela vai me matar! — Acelerou o passo para sair enquanto namorava as tortas bonitas do balcão.

A marcação de Anika era tão brava que se chegasse um minuto atrasada na aula, ela dava indiretas durante meia hora sobre responsabilidades, enquanto os outros chegavam durante a metade, começo ou fim, do jeito que quisessem na aula e ela não dizia nada a não ser dar um sorrisinho e ameaçar colocar falta, mas nunca dava falta mesmo, a não ser que fosse Caroline, aí ela às vezes se exaltava e lhe tascava a falta mesmo que conseguisse acompanhar a aula sem problema algum.

Assim que passou pelas meninas da recepção, que se tornaram quase suas colegas, acenou e sorriu, avisou que não podiam fofocar porque estava atrasada para a aula. Na verdade, ria descontroladamente enquanto elas trocavam informações do que acontecia na universidade.

Encontrou Laura cansada com um monte de folhas, tentando as organizar, enquanto andava para a sala.

— Trouxe o trabalho? — Caroline perguntou ansiosa e Laura lhe entregou.

A estratégia agora fora diferente, Laura fez seu trabalho e ela fez o da loira. Agora teria como tentar provar para que Luca fizesse alguma coisa, ele era o tutor do intercambio e vez ou outra estava resolvendo pendengas dos alunos com algum professor, muito mais por bondade e pela influência que tinha do que por obrigação propriamente dita. Mas no caso de Anika a coisa era complicada porque exigia provas e mesmo que ele acreditasse, havia a boa influência dela também. A criatura era somente a segunda professora mais conceituada da Itália, perdendo o primeiro lugar para o próprio Luca. Nenhuma universidade estava disposta a perde-la por uma aluna qualquer.

— Claro que trouxe, eu sou uma pessoa responsável e fiz da melhor maneira possível. A Anika não vai recusar, tenha certeza! — Sorriu abertamente e o olhou o próprio rosto na câmera do iphone. — Sua foto desesperada no fim do primeiro semestre está me rendendo boas risadas com os comentários...

Ela se referia à foto que foi parar no instagram enquanto Caroline estava com o moletom e toda encolhida na cadeira e escondendo o rosto na madeira da mesa no fim do primeiro semestre. Laura postou com a legenda “fim de semestre e @Carolislopmartins já pegou o casaco do desespero” Em vários idiomas, já que a “quase” blogueira de moda tinha seguidores em diferentes países e a legenda ficou em inglês, espanhol, italiano e em português, mas esse foi Caroline quem traduziu já que ela não falava lá essas coisas de português.

Anika entrou na sala e deu um bom dia aos sorrisos enquanto ganhava elogios pela calça jeans bege e blusa solta azul arroxeada de bolinhas marrons com tecido fino e laço caindo no busto, um cardigam rosa bebê e sapatilhas na mesma cor da blusa. Ela elogiou o vestido de Laura e Caroline revirou os olhos sem conseguir ter paciência para aquela peruagem o dia todo e depois riu de si mesma e daquele mau humor pré entrega de trabalho de Anika.

— Bom dia Caroline, como está? — Ela questionou lhe observando e antes que dissesse qualquer coisa ela saiu enquanto batia palmas para chamar atenção e pedir o trabalho.

A última pessoa da fila passou o seu para o penúltimo e assim até todos os trabalhos chegarem às mãos de Anika, que os recebeu sorrindo gentilmente para o rapaz da primeira fila, Marco, homem mais fofoqueiro que Caroline conheceu, ele não chegava a ser maldoso, mas dizia que só passava informação.

Após uma análise rápida por entre os papéis e Laura e Caroline se entreolharem ansiosas para saber se Anika finalmente aceitava um trabalhinho que fosse, pelo ou menos garantir meio ponto na matéria dela. Deram às mãos por baixo da mesa tentando ter esperança que ela não começasse a devolução semanal, só dos seus trabalhos e na frente de todo mundo, como sempre fazia.

Suspiraram aliviadas ao vê-la guardar alguns trabalhos na pasta, torcendo para que o de Caroline estivesse junto. A aula prosseguiu no tempo normal e no final, a dupla dinâmica da loira e da morena, como foram apelidadas pelos colegas já que eram inseparáveis, quase saíram correndo da sala de aula para não ter que ficar muito tempo com Anika e ela devolver o trabalho.

— Caroline, espere!

 Sabe aquele fio de esperança que ela aceitaria? Ainda estava ali, fazendo Caroline sorrir com os olhos mais gentis que podia. Quem sabe ela não mudava de ideia olhando para seus olhar fofinho?

 — Existe um limite para tudo de errado a se fazer num trabalho e você com certeza já os ultrapassou... Eu não lhe darei outra chance, assim como não dou para ninguém, continue tentando melhorar e quem sabe eu não receba os próximos.

Anika lhe entregou o trabalho e observou Caroline morder os lábios num misto de raiva e tristeza, a loira se afastou e saiu, sem antes elogiar o trabalho de Laura com demasiada alegria e aos sorrisos.

— Ela elogiou o seu trabalho... — Laura tentou lhe lembrar de que o trabalho que entregou como seu, na verdade tinha sido feito por Caroline —, e detonou o meu! Essa infeliz...

Caroline apertou as folhas nas mãos e o enfiou na bolsa sem querer nem vê-lo e esfregou o rosto, cansada e sem paciência para continuar aquilo. Piscou os olhos várias vezes tentando não chorar de raiva e por se sentir inútil, e principalmente por incompreensão.

— O problema não é o seu trabalho e muito menos o meu, o problema dela é comigo... — Voltou a andar e saiu pelos corredores disposta a falar com Luca. Alguém tinha que fazer alguma coisa e conversaria com ele e imploraria que lhe ajudasse a trocar de professor de algum jeito, ou reprovaria na matéria dela e isso não poderia acontecer ou muita coisa surgiria em consequência e poderia até perder a bolsa. — E eu não tenho a mais vaga ideia do por que! — Disse com a voz embargada ao pensar no tamanho do problema que ela não ir com a sua cara poderia lhe causar.

Passou pela porta da sala de Luca enquanto Laura esperava a alguns metros dela, conversando com Marco, provavelmente fofocando. Escutou algumas palavras soltas ditas em tons mais altos e se aproximou mais da porta ao ouvir algo que parecia um nome.

— Ela é minha aluna, não a vejo como mais que isso!

Luca dizia para alguém e Caroline se afastou num pulo, chocada pelo teor polêmico da discussão.

“De quem estão falando? Quem está com ciúmes? E qual pessoa é o motivo?” Não conseguiu evitar a curiosidade e pendulou entre continuar tentando ouvir, esperar pacientemente que a discussão acabasse ou bater na porta. Decidiu bater ou Laura não seria tão educada já que ao perceber seu choque, vinha pulando pelo corredor, louca para saber o que causou aquela reação.

— Quem é? — Luca perguntou depois de pedir que a outra pessoa se calasse.

— Sou eu, Caroline... — Mordeu o lábio superior, insegura.

— Pode entrar. — Ele destrancou a porta e sorriu.

Os olhos azuis brilharam mais que o normal, enquanto as pupilas se expandiam pela Iris. Caroline tirou a vista envergonhada por estar o analisando e olhou para o chão.

— Posso entrar mesmo? — Pediu sem saber se olhava para frente e dava de cara com o peitoral de Luca, se o analisava, matando a curiosidade do porque ele parecia agitado, ou se olhava para trás para saber com quem falava.

Ele alternou o olhar entre Caroline e Laura, se virou para a pessoa com quem conversava, finalizando o assunto e pedindo com um olhar que ela saísse.

— Até semana que vem Caroline!

Anika passou ao seu lado com a mesma cara de sempre, de quem somente lhe suportava, e sorriu abertamente para Laura que correspondeu afetada por vê-la sair da sala de Luca.

“Imagine se Laura ouvisse o que eu ouvi?” Caroline pensou e entrou na sala de Luca chamando Laura com as mãos.

Luca parecia lutar para prestar atenção e podia chutar que ele ainda esta preso na discussão anterior, enquanto segurava a luminária verde longe de Caroline antes que ela quebrasse, afinal quase todas as vezes que ela aparecia derrubava alguma coisa. Ela protestava que só era desastrada ali, e que era aquela sala que a fazia passar vergonha.

 As duas contaram sobre as trocas de trabalho que deixava claro o problema que Anika tinha com Caroline e ela implorou que ele fizesse algo, pelo ou menos trocar de professor com algum outro, mas ele negava veementemente lhe dizendo que não podia fazer nada a não ser que ela prestasse uma queixa à coordenação do curso, mas precisaria de provas, e suas provas eram uma troca de trabalhos de forma ilegal. Argumentou não poder sequer ouvir aquilo e o código de ética lhe obrigava a denunciar a quem denominou como “dupla atômica”.

— Na universidade só temos ela como professora dessa disciplina, eu sinto muito não poder ajudar. — Disse com pesar e levantou do seu lado da mesa.

Laura tentava consolar Caroline de algum jeito, mas ela não demonstrava nada mais que um rosto contorcido de raiva, e rapidamente levantou da cadeira.

Estava se controlando para não gritar com ele. Dizer que ele não estava lhe ajudando em nada e que lhe deu uma esperança de resolver um problema que se agravaria até lhe mandar de volta para o Brasil por incapacidade e por reprovar naquela matéria.

— Tudo bem Luca, eu sei que não pode fazer nada... — Limitou-se a dizer e abriu a porta para sair torcendo que ele arranjasse alguma solução ou pensasse em outra coisa, mas ele não disse uma única palavra. — Eu sei que faria tudo ao seu alcance se realmente pudesse...

Laura a puxou pelos ombros lhe perguntando se não precisava de um ombro amigo para chorar, e apenas negou dizendo que nem tudo poderia estar perdido assim tão fácil. Olhou para trás quando saiu pelo corredor e notou Luca lhe observar com pesar e trancar a porta novamente.

Luca se encostou à porta por alguns segundos até atirar a luminária na parede.

***

Assim que entrou em casa percebeu que Constanza não estava e nem Peter estava na cozinha comum, todos haviam desaparecido para um buraco negro, e bem, não poderia ser tão ruim ficar sozinha por alguns minutos até que Laura fosse comprar alguma coisa para jantarem. Jogou-se no sofá e atirou as sapatilhas dos pés as fazendo açoitar na parede e cair no chão atrás da porta, no lugar que lhe era devido de ficar. Fez uma dançinha da vitória, que mais parecia um coqueiro balançando num temporal, já que só mexia os braços e ainda rindo se aconchegou no quentinho do seu lençol que estava jogado lá, desde que o havia oferecido para Laura se cobrir durante a madrugada.

Passeava com Laura pelo corredor lotado enquanto falavam sobre o final de semana em que foi com Constanza e Peter ao museu do buonconsiglio, não parava de falar sobre o lugar e sobre a área em que era proibida a entrada de câmeras fotográficas. Peter quase arranjava uma briga com um dos guardas, insistindo que eles tomassem cuidado com Maite, o nome da sua câmera.

— Parabéns! — Luca surgiu em sua frente e Caroline parou de uma vez.

— Ainda falta muito para o meu aniversário! — Avisou rindo.

 Luca deu de ombros e estendeu a mão que segurava a caixinha vermelha com um laço branco ao seu redor. Uma rosa branca solitária pousava dentro dela.

— Hoje é dia de santa Carolina. — Explicou como se fosse óbvio — No dia da santa do seu nome costumamos presentear a pessoa.

Não sabia dizer que sim ou que não, mas sorriu com a sua atitude e pegou a caixa de suas mãos. Mordeu o lábio, indecisa no que dizer enquanto ele lhe analisava, a deixando com vergonha pela maneira que os olhos azuis dele esperavam por sua reação.

— Obrigada... — Sussurrou ainda olhando para a caixa e depois repetiu a frase com mais veemência. — Meu nome não é Carolina, mas aceito assim mesmo.

Puxou a rosa de dentro da caixinha, prendendo o cabo curto no espaço entre os dedos, enquanto ele observava a cena, interessado.

— A gente pode fingir que é...  — Sussurrou para ninguém ouvir. — Eu preciso presentear as minhas alunas que se chamam Carolina, depois a gente se fala. — Ele de despediu e pode ver o enorme buquê cheio de rosas brancas iguais a que ele tinha lhe dado.

— HUMMMMMMMMMMMMMM

Laura cantarolou a sua frente enquanto Caroline desabou a rir imaginando o que ela estava pensando.

— Ele comprou pra todas, nem vem! — Justificou.

Laura parou de supetão, lhe impedindo de andar para qualquer lado.

— Mas a sua é diferente, veio até com a caixinha, olha o privilégio, me conta como conseguiu conquistar o coração do professor mais gostoso de toda Itália! — Apontou para a caixa, arregalando os olhos o vendo entregar uma única rosa para outras alunas.

— Vai ver que é porque o “e” no lugar do “a” me deu privilégios... — Sorriu levemente torcendo que Laura não começasse com a mesma teoria da conspiração de que Luca estava caidinho por ela, mas se bem que, havia uma diferença ilógica entre as rosas e preferiu ignorar ou gastaria muito tempo tentando imaginar o que o fez encomendar um arranjo diferente.  — O Luca tem namorada. — Avisou e Laura gargalhou perguntando quem era. — Não conheço, mas duvido que ele esteja livre, leve e solto por aí.

Riu com a lembrança assim que observou a pequena caixa de madeira bem pintada de vermelho. O mês do presente era maio, inicio do segundo período e agora já estava na metade e a surpresa de que ele estivesse lhe dando aula já havia passado. Luca era um professor sensacional e merecia o posto e a disputa que as universidades faziam por ele.

Laura abriu a porta aos tombos enquanto dividia atenções entre o carregar o cabide com uma roupa bem passada, a caixa de comida, a mala e a caixa de sapatos. Ela tinha o próprio apartamento, mas acabava encostando-se ao sofá quando não queria ficar sozinha. Constanza pouco se importava realmente, mas trancava a porta do quarto.

— Não vai pra festa dos graduandos de novo?! — Choramingou — Dá última vez você se apaixonou pelo meu sofá e agora não sai mais daí.

Desde a festa que a fez sair bêbada e doida e a trouxe para o seu apartamento, ela ganhou o costume de dormir naquele sofá e não arredava o pé dele, quase sendo a terceira integrante do apartamento.

— Você vai se apaixonar por alguém na festa de hoje, você vai ver — Piscou e Caroline negou, avisando que não iria e Laura deu de ombros como se lhe convenceria a ir de algum jeito.

Percebeu as observações mentais de Laura enquanto olhava para a caixa resolveu cortar as asinhas da criatividade dela:

— Você sabe que isso foi uma gentileza porque o Luca simpatiza comigo não é... — Explicou sabendo o quanto ela maliciava a relação de amizade. — Talvez a intimidade pareça maior porque o vejo mais, já que ele é o meu tutor no intercâmbio...

— Sim, Caroline. Entendo que ele seja nosso professor e seu tutor e para ele todos os alunos sejam iguais...

 Caroline passou a mão nos cabelos aliviada por ela compreender finalmente o que dizia há meses

— Mas você é um pouco mais igual que os outros...

— Ai Laura! — Meneou com a cabeça e lhe atirou uma almofada enquanto ela achava graça de sua irritação.

***

Luca observou as luzes brancas brincando de iluminar o local e se encostou ao balcão, pediu uma bebida que sempre pedia e que nem gostava tanto de beber, só pedia ela pra não ter que pensar em pedir outra sugestão.

— Luca, Luca, Luca, Luca!

Estava distraído olhando algumas respostas dos alunos nas provas do final de período e com um suspiro se desconcentrou e escutou a voz animada de Caroline. Soltou risadas abafadas ao imaginar que ela estava aos pulinhos, hábito infantil que aprendeu com Laura.

Virou para observá-la sorrindo, constrangida, segurar uma pasta que quase derrubou de cima da mesa, pedindo desculpas.

— Qual é o tamanho do furacão que você fez que ligarei para as autoridades competentes. — Puxou o celular do bolso e a viu rir mais ainda. Ela nunca se ofendeu com o apelido de furacão que havia lhe dado, dizia inocentemente que até se sentia especial por tê-lo.

Ela encostou-se à mesa, olhou para o chão se concentrando no que tinha pra falar e depois lhe analisar, com a mesma cara de curiosidade e com os olhos brilhando de empolgação que tinha quando ia fazer alguma coisa que gostava. Mas agora estava planejando as palavras com cuidado, o assunto talvez fosse um pouco mais sério.

— O que houve? — Questionou e ela ria quase descontroladamente. — Você não veio aqui pra rir, não foi? — Perguntou se conseguir não sorrir ao lhe ver rir, achava uma graça quando ela se descontrolava.

— Vem aqui comigo, quero te mostrar uma coisa, aliás, não só eu, mas enfim, vem logo e me obedece! — Se enrolava toda e lhe segurou pelos braços.

Podia perceber por aquela transparência toda que ela estava aprontando, como podia uma mulher com mais de vinte e três anos, continuar fazendo travessuras?

Ao chegar numa das salas do mestrado, havia a porta estava fechada e Caroline se jogou na frente, achou estranho a princípio, mas vindo dela, coisas bizarras sempre aconteciam e não podia sequer imaginar que loucura surgia da cabeçinha dela.

Ao abrir a porta foi uma sucessão de parabéns, lhe enfiaram um balão nas mãos e passou a rir olhando as mascaras do Batman no chapéu de papel.

— Isso foi ideia sua?  — Perguntou a respeito do Batman e Caroline negou apontando para Peter.  

(...)

— Achei que ganharia de presente só um monte de trabalho, mas vocês, meus filhos de coração... Surpreenderam-me de verdade — Discursou após alguns minutos em que os intercambistas gritavam como crianças. — Apesar de vocês mandarem o furacão Caroline me chamar e ela não sabe ser discreta, eu não imaginava que se lembrariam do meu aniversário.

Alguns bateram palmas enquanto Caroline ria alta quase se engasgando com tal de brigadeiro que ele desconhecia.

— Obrigada Luca... Eu amo quando me trata assim — Piscou pra ele.

Passou correndo pra pegar copos de plásticos, parecia mais séria e compenetrada em organizar alguma coisa da festa junto com os outros, assim que ela saiu pela porta aos tropeços enquanto Constanza a puxava para algum lugar, parou para observar o quanto ela agora parecia tão adulta e responsável até voltar procurando a liga de prender o cabelo e não saber onde tinha colocado.

O barman lhe observava curioso, e até um pouco intrometido demais.

— Mulher. — Ele arrematou.

 Luca fez cara de que não estava entendendo nada e o sujeito explicou que todo mundo que pedia aquela bebida tinha a mesma cara e logo começavam as estatísticas de qual motivo era.

— É uma mulher sim... — Murmurou a contragosto por ele ter acertado e o barman deu de ombros soberbamente. — Aliás, duas... — Pensou consigo mesmo e o homem encostou-se ao balcão interessado na história que uma hora ou outra contaria, mas não podia para o bem de sua profissão e até de seu bem estar físico, contar para qualquer um.

Vendo que não teria nada que ouvir o homem lhe colocou outro copo e se afastou com uma negativa na cabeça.

Não podia lhe afligir tanto vê-la triste, não conseguia diminuir a raiva em saber que não poderia fazer algo parar de machuca-la. Não podia, pelo bem de sua sanidade, se apegar tanto a sua aluna e a quem deveria proteger da organização e de Giuliano. Era antiético e sabia que estava sendo um canalha e jamais faria algo para seduzi-la. Culpado e um perfeito sem vergonha era isso que estava sendo. Convencia-se de que tudo não passava de sua cabeça: estava querendo protegê-la e agora se confundia pela afeição natural que qualquer um sentiria por Caroline.

Largou a bebida no balcão e se afastou. Beber nunca lhe ajudou em nada mesmo.

— Resolveu me ligar? — A voz intepestuosa de Anika respondeu.

Ele quase podia imaginar que ela revirava os olhos bicolores com o mesmo sarcasmo.

— Podemos nos ver? Vou a sua casa.

Escutou um murmúrio de aprovação vindo dela seguido uma risada animada e maliciosa.

***

— Carol, Carol... — Murmurou para si mesmo e bateu a porta do carro. — Isso não pode estar acontecendo, não pode... Isso não, com ela não.

Continuou falando sozinho e antes que descesse do carro para entrar na casa de Anika, bateu com a cabeça no volante. Queria se torturar. O pouco que bebia o fazia lembrar ela, mas se analisasse corretamente, não a esquecia. Então o problema, como já era sabido, e não queria aceitar, era ele. Ou era aquela mania de menina inocente que logo se tornava numa mulher inteligente e naquela mesma ingenuidade, tinha um olhar travesso que andava fazendo desastres com suas noites de sono, seus dias de trabalho, sua vida familiar e todo o resto possível. Odiou aquele pensamento. Odiou com todas as forças. Sentiu-se um monstro, um imoral.

Desceu do carro e caminhou até os portões da casa de muro alto. Sua entrada foi liberada e quando olhou para a porta grande de madeira, estava Anika. Ela sorria debochada e o vento balançava seu robe branco de seda. Olhou o local e era uma belíssima casa grande e com paredes de pedras na frente. A disputada, em muitos sentidos, professora Anika não faltava bom gosto.

— Por que ainda me surpreendo com você? — Ela perguntou.

— Porque, definitivamente, vê os outros com muito encanto — Retrucou.

— Só porque se sente o pior homem do mundo, não quer dizer que realmente seja...

Ele ainda parou para pensar como ela imaginava seu estado de espírito, mas ela responde sua pergunta:

— Sua cara não esconde.

Fechou os olhos por alguns instantes e respirou fundo. Tentou limpar a mente e não pensar na sua mais recente aflição. Por alguns momentos conseguiu parcialmente. Não queria ter que explicar nada, ainda mais para Anika. Não queria ter que confessar que estava perdido, que o que sentia ardendo e queimando dentro do peito era muito mais que cuidado, instinto de proteção e o prazer do dever cumprido em conseguir tal ato. Era amor, não amor fraternal, mas amor com paixão daquelas que faziam seu coração errar todas as batidas. Sentia-se idiota, mas não adiantava mais negar para si mesmo. Os tempos de confusão acabaram e finalmente aceitou. Caroline estava presa dentro de si como se fosse uma parte do seu corpo, um órgão, até como uma tatuagem que nunca teve. E não adiantava se torturar para arrancá-la e muito menos afastá-la, não era capaz disso e ver aqueles olhar confuso e choroso faziam seu cérebro fervilhar com o peso na consciência. Não podia se afastar por si mesmo e porque sabia que significava algo pra ela.

O sorriso alegre ao lhe ver era porque confiava em si, o ombro pra chorar era porque acreditava que poderia estar lá para lhe ouvir quando precisasse, mas Caroline lhe via como professor, como amigo. “É melhor ser amigo que nada”, pensou. Era dor mais feliz que tinha em anos. Um círculo vicioso que lhe enlouquecia da mesma forma que acolhia; que matava, mas fazia seu coração pulsar novamente. Um fogo que destroçava e consertava. Aquilo só poderia ser loucura, mas era loucura mais sã que teve em anos.

Luca voltou a olhar para Anika e ela lhe analisava, tensa e ansiosa. Ele a apertou com pouca delicadeza na cintura e ela sorriu convencida, afundando o rosto na curva do pescoço dele e passando as mãos pelos músculos tensos pelo esforço em lhe colocar nos braços.

Não houve mais nada que a culpa em sua cabeça naquela noite: Por não ser o homem que Anika acreditava e por ser exatamente o que não tirava Caroline da cabeça e não parava de pensar o quanto estava se traindo e traindo a todo mundo. E com Anika a consciência pesada era só consciência pesada, sem aditivos positivos, sem nada, só e puramente desejo de esquecer alguém que jamais poderia ser sua.


Notas Finais


Oie de novo! Chegaram até aqui? Deixa um comentário e façam uma autora feliz *-*
Tenho algumas novidades, uma vocês já sabem e eu estou me organizando para posta-la em breve, a outra é que Itália vai ganhar playlist! Provavelmente irei fazer um jornal com elas e que poderá ser atualizado sempre que eu achar alguma que me faça lembrar da fic! Gostaram da ideia?
Enfim, beijos, fiquem com Deus e até outra aventura <3


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