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História Itália, prisão de cristal - Sem mais opções


Escrita por: MrsReddington

Notas do Autor


Olá meus lindos, como passaram as festas?
Sem mais delongas um dos capítulos mais divertidos que eu já escrevi, pelo menos o final dele kkkkkkkkkk. Hoje temos drama, amor, briga, desentimentos e mais um personagem novo para uma participação especial.
Divirtam-se como eu e curtam.
Beijos e Deus abençoe <3

Capítulo 31 - Sem mais opções


Trento, 23h04min da tarde.

Caroline aspirou o ar gelado sentindo seu corpo mole de cansaço. Havia se despedido temporariamente de Victor para que ele conhecesse Milão, ele pediu que a acompanhasse, mas não poderia ir. Sabia das próprias responsabilidades, todavia queria passar algum tempo com o melhor amigo e com tudo que precisava no momento, se sentir no lar de novo.

Era como respirar de novo, sentir cheiro e carinho da casa que deixou para trás no Brasil.

Mirou a pasta parda que Máximo lhe entregou com os documentos a serem assinados e por mais que não queira, precisa muito do trabalho e necessita aceitar as condições que ele impõe.

Um dilema entre a necessidade e o risco.

E o mais controverso: Kiara e sua atitude tão pequena perto de um homem que ela sempre enfrentou.  Existia algo ali que claramente era antinatural. Seus instintos lhe faziam temer pelas razões que fizeram a amiga mudar literalmente de um dia para o outro.

— Às vezes eu acho que Trento está sempre no inverno. — Giuliano comenta arrastando os sapatos de grife até o seu lado.

Caroline aperta os olhos com a sensação de que ele não deveria estar ali, que ambos não deveriam estar tão perto um do outro depois de tantas coisas ditas e não ditas. Virou para o homem suspirando pesadamente e sente que ele fez o mesmo, o custando muito estar ali, tentando aquela conversa.

— Eu achei que não viria... Está tarde.

— Eu prometi que viria te buscar e te levar em casa — Ele mexe os ombros. — Eu tenho umas reuniões aqui até amanhã à noite. Adiantei alguns compromissos do partido. Não está me atrapalhando, como sei que está pensando.

Assente sem ter como escapar da presença dele. Seu corpo esquenta de vergonha quando percebe que ele lhe analisa e é tomada pela timidez que a faz ajeitar os cabelos, que estão assanhados da movimentação no trabalho, o vestido de recepcionista e esfregar o rosto.

— Eu vou andando mais tarde. Aproveito e converso com Kiara sobre o contrato. Acho que perdi alguma coisa aqui... — Olha discretamente para Kiara, que sobe as escadas com Máximo para o andar de cima.

— Está com vergonha de mim, Caroline?

Caroline bufa várias vezes, acuada com tamanha sinceridade. Ele poderia ser polido como todas às vezes e fingir não havia nenhum desconforto. Seria ótimo se conseguissem fingir.

— De certa forma — Evita os olhos dele. — Por que veio aqui?

Em algum de Giuliano encontrou humor. Ele ria interiormente de sua pergunta.

— Alguém tinha que tomar a primeira atitude, porém, não vim achando que teríamos tudo resolvido e que eu seria interrogado pelo seu primo.

— Victor chegou de surpresa, eu sequer sabia que ele viria... Faz tanto tempo que não nos víamos e ele é muito protetor. Fazemos tudo um para outro. — Explicou e viu ele assentir, como se compreendesse a reação do seu primo. — Meu Deus o que falamos ontem... O que eu disse e as coisas que pensei... O que falou sobre mim... Eu só queria saber um pouco sobre você... E olhe aonde eu cheguei. Aonde nós chegamos — Corrigiu-se. — Eu definitivamente esperava um espaço agora.

Ele cruzou os próprios braços.

— Eu sei como se sente, apesar de não compreender suas ações inconsequentes. Eu entendo essa necessidade de espaço... Porém também sei que ela é um veneno.

— Não queria exigir que me dissesse algo sobre sua falecida esposa, apesar de ter aparentado isso com minha insistência. Eu só preciso entender o porquê age assim, por que tanto segredo... Eu senti medo Giuliano... — Ela faz uma pausa, como se dizer aquilo pesasse. — E eu não quero sentir medo de você. Eu já sei como situações assim terminam com caras como você, não que eu esteja te acusando de algo. Mas me compreende nesse aspecto, não?

Giuliano concordou e se apoiou no peitoril da varanda ao lado dela e gastando algum tempo para poder pensar no que falar.

— Às vezes o medo é a única maneira que pessoas como eu usam para se proteger. Causam medo nos outros para preservar o pouco que ainda nos permitem ter somente para nós. Algumas dores são tão nossas que não queremos dividi-las com mais ninguém, mesmo que isso seja necessário de algum jeito... — Esperou dela alguma reação e Caroline concordou silenciosa. — Eu te prometo que em algum momento vou te explicar todo meu segredo, como gosta de dizer que é. Mas eu preciso que confie em mim e eu preciso confiar em você pra isso.

— Outras pessoas já me disseram isso se quer saber. — Baixou o olhar.

— Te disseram o que? — Interessou-se.

— Para confiar. — Mordeu os lábios. — Eu entendo que passei do meu limite, que fui invasiva. Mas eu não consigo não sentir repulsa pela maneira que agiu. Nos seus olhos tinha uma coisa... Uma coisa muito ruim. Você parecia outra pessoa.

— Eu passei dos meus limites. Eu agi como um sociopata. — Ri, sem graça. — E eu entendo ter te assustado. Eu me senti desprotegido, acuado... Esse é tipo de assunto que desperta em mim os mais profundos instintos de proteção. Você está certa. Peço perdão.

— Não sei se consigo. Talvez eu seja uma verdadeira paranoica melancólica. Uma louca.

Giuliano a observou com mais atenção. O rosto jovem e com traços tão leves não revelavam nada, mas havia algo de sofrido ali. Experiências que moldaram o caráter que tantas vezes repelia.

— Você não é louca... Talvez sim um pouco paranoica, algo que eu também gostaria de entender a razão, mas é a pessoa mais gentil que já conheci Caroline. — Aproximou uma mão da dela e Caroline rapidamente tirou-a de seu alcance.

— Talvez eu seja uma louca que nunca mereceu amor...  — Balançou a cabeça de um lado para o outro, tentando esquecer aquelas palavras que ressoavam novamente em seus ouvidos.

— Alguém te disse isso? Alguém te disse que você não merecia ser amada? — Ao término daquela pergunta Caroline piscou várias vezes, afastando as lágrimas. — É a maior mentira que podiam te falar.

— Me desculpe por ter invadido sua privacidade e exigir mais da sua confiança do que o que de fato existia.  E eu não te culpo por isso. Eu só te peço... Se eu puder pedir algo nesse sentido, é que não aja do mesmo jeito que ontem.

— Eu juro que não farei o mesmo. — Esperou algo dela, mas não houve nada além do silêncio. — Vamos recomeçar. Fase de testes.  Sinto que se falhar você vai me expulsar da sua vida...

— Eu me senti expulsa da sua vida ontem... Vai se acostumando! — Tentou rir da situação. Para mudar de assunto apresentou o contrato involucrado a Giuliano. — Mostrei a Victor antes de ele ir para o hotel, só que as leis daqui são diferentes da Inglaterra... Você entende alguma coisa sobre isso?

Giuliano abriu o envelope e folheou os papeis por alguns minutos. Alternou o olhar entre ela e as folhas até que colocou tudo no envelope novamente.

— Eu entendo pouco sobre direito... Entretanto acredito que está tudo certo... Infelizmente não há que se fazer. Mas Vicente e Martina são advogados, vão encontrar alguma brecha... Ou eu posso repassar o contrato para algum advogado de confiança.

Caroline ergueu os olhos, suspeitosa.

— Tem advogado de confiança? É claro... É político. — Sorriu ao final da frase torcendo pra ele achar graça na brincadeira. Giuliano a mirava, descrente. — Eu não estou falando sério, é uma piada. Quem é brasileiro entenderia mais, deixa pra lá. Ai, eu sou uma idiota. Desculpa.

— Eu entendi a piada. Só espero que não esteja duvidando realmente do meu caráter... Mas considerando que alguns de nós não temos uma boa conduta eu perdoo a ofensa. Já me fizeram bem piores. — Ele respirou fundo novamente controlando o ímpeto de deixar Caroline falando sozinha. — Eu posso pedir pra que ele veja.

— O que me preocupa é Kiara ter aceitado tão fácil. Até ontem ela rasgaria o contrato na frente de Máximo... Mas alguma coisa mudou, até na postura dela. Tem algo errado... — Pensou alto. — Giuliano... Eu tenho uma pergunta sem nenhuma intenção.

— Outra? Perguntas suas sem intenções nos trouxeram a uma briga.

— Giuliano! — Revirou os olhos. — Estou falando sério.

— Eu também... — Mexeu os ombros. — Certo... O que quer saber?

— Como faço pra consultar a ficha de alguém na polícia?

Giuliano baixou o tom e virou o rosto para outro lado para que falassem fora do campo de visão de Máximo, caso ele estivesse em algum lugar do restaurante com vista para aquela área.

— Quer ver a ficha de Máximo na polícia?

— Eu fiquei sabendo que ele, quando mais novo, era bem temido. Roubava e até invadia casas... Eu queria entender se ele não tem uma ficha maior que essa. Eu conheço tipos de homens como ele. E o jeito que ele olha pra Kiara agora não é bom. Ele está com alguma ideia na cabeça e seja o que for a fez minguar. Eu sei que eu prometi ao Giampiero a não me meter, mas acho que com isso eu vou precisar me meter.

— Não assina nada até Vicente ou Martina verem os documentos. — Aconselhou.

— E Kiara?

— Ela assinou. Não dá pra modificar mais nada, até porque não há nenhum abuso no acordo. — Sussurrou.

— Acordo só é feito quando as duas pessoas conversam.

— Eu não sei se percebeu, mas eles conversaram. Foi um comum acordo entre eles, mas não precisa ser com você. Talvez haja algum furo pra isso na sua parte. — Sussurrou. — Mas eu não sou especialista em direito.

— Então ela ficará até mais tarde aqui com ele, sozinha? — Seus olhos se arregalaram. — Isso não vai terminar bem, Giuliano.

— Eu estou ciente disso.

— Sabe algo sobre Máximo? — Falou mais baixo. — Eu sei que tem o serviço secreto. E que eles investigam pessoas próximas a você e sua família, eu não sou da família, mas sou considerada minimamente próxima. É o que eu vejo nos filmes, pelo menos. Mas se não souber não quero que faça algo que pode te prejudicar, eu me viro sozinha.

Giuliano sorriu, achando graça.

— O suficiente para saber que certamente ele esconde alguma coisa.

Os olhos dela se arregalaram.

— Ele pode machuca-la?!

— Não se desespere! — Giuliano segurou na mão dela para que falasse mais baixo. —Eu peço que evite chamar atenção e deixe qualquer trabalho investigativo para profissionais.

— E eu vou ficar sem fazer nada?

— Se ele te notar e houver algo muito grave, ele vai fugir ou fazer qualquer coisa para machucar qualquer um que o atrapalhe, inclusive você. Eu já te pedi para evitar problemas com esse homem, por favor, faça o que eu te pedi. Nós já temos problemas demais.

— Ele é meu chefe, eu trabalho durante dia e noite com esse homem e ele pode ser, sei lá, um mafioso! Não tem como eu saber disso e agir normalmente.

— Mas eu te avisei. Quando te pedi para que não fizesse o que continua fazendo eu estava avisando. Porém, você geralmente tem dificuldade de entender as coisas que te peço e faz tudo exatamente ao contrário.

Caroline cruzou os braços, emburrada.

— Falando desse jeito parece que sou uma inconsequente.

— E consegue ser bastante impulsiva Caroline. Seja paciente, evite ficar sozinha com ele e não demonstre que sabe sobre qualquer coisa. Não precisa se tornar um anjo em forma de mulher, ele já sabe qual é o seu comportamento habitual. Simplesmente permaneça como sempre. E não fale com ninguém o que conversamos agora.

Ela assentiu, contrariada, porém sem mais opções no momento.

— Eu não quero que alguém se machuque... Eu queria que ele fosse embora e tudo fosse como antes. Ele tem uma coisa ruim. Algo pesado, que suga a energia de qualquer pessoa. Eu me sinto exausta.

— Eu sei e compreendo o medo que sentem dele.

Ele tocou os cabelos dela e depois guardou as mãos no bolso da calça notando que a situação não cabia aquele carinho. Os dois caíram em um silêncio profundo depois disso. Giuliano pigarreou para falar e desistiu da ideia quando ela fez o mesmo, mas ambos permaneceram como estavam, um ao lado do outro.

— Acho que é bom momento para irmos. — Ele indicou o caminho até a saída quando não houve qualquer indicativo de outro dialogo.

Caroline o seguiu relutante, afinal queria conversar com Kiara, mas entendia a insistência de Giuliano na carona. Ele certamente não achava uma boa ideia conversar com a amiga sobre o assunto naquele momento.

***

— Podemos almoçar amanhã?  — Giuliano diz ao parar o carro na rua menos movimentada por trás do prédio.

— Quer mesmo minha companhia? — Sorriu de canto, sem jeito. — Sinceramente. Não está fazendo isso para terminar comigo amanhã com mais calma, não é? Se for por isso, é melhor fazer isso agora, vou ter mais tempo pra sentir tristeza e me poupa o dinheiro do táxi. De coração partido é ruim, mas de coração partido e falida é bem pior.

Ele girou os olhos e focou a visão no canto esquerdo da rua. A penumbra chegava a assustar naquele local.

— Me pergunto quase a mesma coisa desde ontem... Se havíamos terminado ou não. Aparecer no restaurante foi um tiro no escuro.

— Foi pra ter certeza que eu estava fora? — Soou intimidadora. — Já tem outra intercambista em vista?

— Eu tenho que analisar realmente o que vou dizer nessa pergunta... — Ironizou e a viu tracionar o canto dos lábios com frustração. — Qualquer coisa eu pago o táxi de amanhã. Posso ser uma má-companhia, mas sou um cavalheiro nos rompimentos.

— Me desculpe.  Foi só uma brincadeira, estou tentando amenizar o clima ruim, Giuliano. Não revire os olhos assim, pare de levar as coisas tão a sério...

— Nos vemos amanhã? Ou vai me deixar esperando? — Cortou a fala dela.

— Me manda o endereço, ao meio dia estarei lá. Talvez eu atrase, vou dar aula e terei que me reunir com o Luca também. Mas eu chego.  — Giuliano assentiu concentrado no horizonte.  — Eu acho que está na hora de eu entrar...

Ele confirmou, dessa vez a olhando nos olhos.

— Tome cuidado com Máximo. E quando tiver alguma novidade sobre o processo me avisa.

Caroline anuiu abrindo a porta do carro. Não sabia como se despedir naquele clima então planejou somente acenar quando estivesse já na calçada, porém Giuliano interrompeu seus planos, segurando sua mão que já se apoiava no banco para descer, e entrelaçando os dedos.

Virou o rosto para ele, buscando uma resposta.  Afinal era ele naquele momento o mais resistente.

Com a outra mão o homem tocou suas bochechas. Tateando seus traços até chegar ao queixo, onde ele acariciou levemente. A expiração pesada de Giuliano fez cócegas em seus lábios e num ato impetuoso ele a beijou em um lado do rosto, primeiro no canto dos olhos e em seguida na bochecha. Caroline afagou seu rosto e nuca, entretanto, o carinho não se prolongou, houve somente um silencio terno. Uma segurança de que a paz estava selada, mesmo que fragilmente.

O encaixe de narizes proporcionou a Giuliano o acesso aos olhos medrosos de Caroline. Ela sentia medo, não um medo bobo, um medo profundo em meio a dúvidas. Podia imaginar como o coração dela batia e mais de perto o cheiro dela cintilava em meio a tantos cheiros perdidos nas ruazinhas de Trento.

Ela apertou os lábios vermelhos pelo frio e os entreabriu buscando mais ar.  Sua mente tentava processar o que fazer, enquanto seu corpo paralisava ao ouvir as palavras sussurradas para si:

— Eu quero fazer dar certo... Eu não te deixaria sair do carro sem te beijar se tivesse certeza dos seus pensamentos ao meu respeito. Mas não os tenho. Disse-me que eu era um mistério... Mas, acredite, não é transparente Caroline. É como um vidro turvo e termino sem saber se realmente estou vendo o que parece ser. — Ele tocou seus lábios ao falar pela proximidade. Sentiu Caroline resfolegar com a atração. —  É como um livro de enigmas e a impressão que tenho é que sou só mais um dos seus.

Caroline permitiu o toque temerário do beijo, mas isso foi rapidamente quebrado antes mesmo de começar. Giuliano os separou com os olhos fechados e mordendo os próprios lábios, se autopunindo.

Ela reconheceu o erro de ambos em achar que a vontade e o magnetismo conseguiria disfarçar os problemas. Não era o momento, não havia mais correspondência, nem sintonia, como antes. Era como dois espelhos a beira de um abismo, refletiam uma queda, mas jamais um ao outro.

— Eu entendo... — Caroline meneou a cabeça. — Eu acho que sei o que está pensando.

— E eu acho que sentimos mais do que esperávamos— Ele terminou a frase com um riso fraco e Caroline concordou com um balanço de cabeça.  — Você me fez sentir como se eu fosse alguém que deve manter distância para não se contaminar... Quando insinua que posso machuca-la, mesmo que de brincadeira, me corrói. Não quero confiar em alguém que não acredita no meu caráter.

— insuficiente, me senti insuficiente e você também. — Complementou com propriedade de causa.

—Eu conheço pouco de você e nisso estamos em par de igualdade... E eu não consigo não me importar... Não como das outras vezes.

— Por que eu traí o que você esperava de mim? — Achou graça da coincidência.

Giuliano fez um aceno positivo, sabendo que aquele sentimento não deveria ser estranho pra ela.

As palavras que disseram um com o outro foram capazes de castiga-los na mesma proporção.

— Eu pensei que poderíamos ser diferentes... Que as diferenças iniciais passariam e tudo caminharia.

— Parece que o nosso caminho é estarmos voltando ao inicio. Quando não erámos nada.  — Ela mais uma vez continuou seu raciocínio.

— Podemos aprender com esse erro... Tentarmos de novo... – Ele encostou a cabeça no banco do carro. — Eu imaginei que depois de uma noite, algum tempo pensando, não haveria mais problemas e seguiríamos como se não tivesse acontecido. Entretanto, parece que vai ser mais difícil do que eu pensava. Eu não quero que continue comigo se pensa que sou um homem vil e indigno.

Caroline anuiu. Concordou com sua maneira de pensar, mas não com os adjetivos.

— Eu não penso que é. E não sabe como eu gostaria que assim fosse, que fingir que não houve nada nos desse alguma tranquilidade, mas não é verdade. Não nos acalma.

— O que pensa de mim, realmente, Caroline?

Caroline olhou para os lados, analisando por alguns segundos.

— Acho que é um homem encantador... Apesar de parecer egocêntrico isso não é uma verdade. É humilde, capaz de ajudar e querer ajudar, mas está preso na obrigação de parecer ou ser algo, e isso não é somente por seu cargo ou força política. Você é persistente e inteligente e isso me admira profundamente.  Só que tão fechado ao que sente, e ao que de fato pensa, esconde tantas coisas até de si mesmo. Eu sei o quanto pode ser admirável. É tão belo te olhar fazendo coisas tão simples quanto dirigir... Sinto como se fosse um novo conceito de charme. Meu coração erra todas as batidas ao te ver caminhar...  E eu imaginava que esses sintomas fossem passar mais rápido, mas ainda persiste tanto.

Ele fechou um pouco os olhos ao ouvir aquelas palavras. Caroline tocou uma mão nas bochechas ásperas dele, o homem então apoiou o rosto em suas mãos. Os olhos verdes estavam foscos, como apagados, quando se reabriram.

— Acho que fez bem ao meu ego ouvir o quanto me acha atraente— Recebe uma tapa no ombro e ri. — Você confia em mim? Acredita que sou mais do que aparento? Um pouco melhor... Talvez?

— Confiança é uma construção Giuliano, e nós derrubamos um pouco do que fizemos ontem à noite. E não vai ser como antes, não tem como ser. Não quando aprendemos como nos machucar... Mas não é um homem mau. Não é sempre o vilão que gosta de parecer ser.

— Descobrir pontos fracos é uma coisa positiva...

— É uma maneira resiliente de ver as coisas. Podemos sair mais fortes, ou completamente destruídos. — Soltou as mãos do corpo dele — Amanhã nos vemos?

Giuliano fez que sim e permitiu que Caroline saísse sem nenhuma outra interrupção.  

Siena, 08h35min da manhã.

Haras da Família Bocarelli.

Louis lia na cozinha uma das crônicas de Nárnia quando ouviu Emília chegar conversando com o treinador dos cavalos. Fingiu não prestar atenção, mas seus ouvidos apurados não conseguiam compreender o texto quando se falavam tão alto ao seu lado.

— Ela escapou das baias... Ela está difícil de ser domada. Vou esperar doutor Giuliano chegar para ver o que podemos fazer. Ela é arisca e desconfiada.

— Dificilmente algo o tiraria dos compromissos, sabe como ele é... Está em Trento com algumas coisas do partido faz dois dias.

O homem de trajes largados e sujos, com certeza da correria na tentativa de pegar a égua fujona, fez um som de rosnado ao estranhar algo naquela fala de Emília. Louis ergueu a cabeça no mesmo momento que uma troca de olhares desconfiados entre Orlando e a avó aconteceu, e ela pareceu sugestiva a alguma coisa que não sabia o que era.

Baixou o rosto novamente, enfiando a cara no livro, dessa vez fingindo interesse nele para saber o assunto implícito sem que desconfiassem que estava prestando atenção.

— E por que o doutor fica tanto tempo em Trento de uns dias pra cá?

— Não viu as reportagens Orlando? — Cochichou.

— Não vi não... — Emília apontou para a barra da saía com uma revolta contida. — Não me diga! Ele lhe falou alguma coisa.

— Eu já imaginava... Aquela que esteve aqui, quando Giovana nos deixou, que Deus a tenha. Acho que você não deve ter visto. Era só olhar com atenção que boa coisa aquilo não ia dar. Mas me falar, ele não falou.

— Ele vai lhe contar dona Emília. É a mãe dele.

— Não confio nesse argumento tanto assim... — Deu de ombros e colocou uma xícara na mesa.  — Já sabem aonde aquela danadinha pode ter ido?

— Acho que foi para o lado oeste das terras. É o lado da mata mais fechada. Mas os rapazes já estão tentando encontrar, acho que até antes do almoço a gente já tem notícias dela.

— Há risco que ela entre em outras terras ou de ir para a estrada?

— As cercas estão bem fechadas, acho difícil. Ela não vai conseguir pular os arames sendo tão pequena sem se machucar. Mas deixarei os vizinhos avisados.

— Obrigada por avisar Orlando. Eu vou conversar com o Giuliano. Ver se ele virá. 

Colocou o chá na xícara grande e finalmente se atentou ao garoto na mesa. Avaliou o rosto de Louis tão atento a leitura e pigarreou para chamar sua atenção. Quando conseguiu que os olhos azuis brilhassem em sua direção, sorriu satisfeita.

— Quer tomar chá com sua velha avó?

Louis avaliou as plantas no fundo da xícara tentando identificar do que seria dessa vez.

Jasmin e erva cidreira.

Assentiu e Emília colocou a boca de outra xícara para cima, atirando uma boa quantidade do líquido dentro dela e depois o entregou.

— Lolita fugiu? — Fechou o livro, colocando-o sobre as pernas.

— Ouviu a conversa? — Franziu a testa e viu o garoto fazer força para engolir, amedrontado. — E quem não ouviria... — Louis descansou aliviado por não levar uma bronca. — Ela fugiu agora a pouco. Orlando quer que Giuliano venha vê-la. Está difícil de treiná-la.

— Eu posso ver ela, quando pegarem? Tio me ensinou algumas coisas.

— É melhor não. Ela é muito brava e pode te machucar... Mas podemos sair hoje à tarde. O que acha de irmos à livraria, precisamos preencher as estantes com alguns volumes novos.

Louis concordou com um sorriso discreto de animação.  Emília acariciou as bochechas coradas do neto notando suas maneiras introspectivas ainda surgirem mesmo com todos os esforços para que ele não se apegasse aos pontos negativos da superdotação.

Ler era uma das atividades mais prazerosas que Louis conhecia. Viajar por outros países, eras, e até outros mundos era o que mais lhe instigava. Aprendeu aos três anos e meio a ler as primeiras palavras e na fala também foi precoce, e mesmo quando não a tinha tão boa já conseguia brincar jogos avançados para a sua idade.  Sabia contar até 10 com dois anos e meio e principalmente, falava como uma criança muito mais velha do que realmente era.

Comportamentos que o colocaram desde a infância dentro de consultórios de especialistas. Tudo indicava que não havia algo de certo com sua cabeça, e ali, no alto de seus seis anos, não discordava deles.

Sentia-se diferente, mas a grande parte de sua estranheza era como via o mundo das outras crianças se comparado ao seu.  Às vezes se pegava pensando no que poderia fazer se de alguma forma não estivesse preso, limitado. Desejava aquilo com tanto afinco que se realizava na leitura. Vivendo as aventuras que queria na vida real, dentro de sua própria cabeça. E era impressionante o quanto aquele trabalho não era valorizado por outras crianças e isso lhe frustrava, fazendo o que se sentisse mais estranho ainda.

Era como andar constantemente com uma melancia na cabeça.

O momento em que menos se sentia deslocado era com as pessoas mais próximas, alguns professores e sua pequena família que parecia sempre encolher mais e mais. Na sua visão, a dona morte costumava gostar muito de quem estava ao seu lado, a ponto de proporcioná-los uma viagem para nunca mais voltar sempre que possível.

— Tio vai vir?

— Ainda não sei... Mas vou te dar essa notícia assim que eu a tiver.

Ele bufou, entediado. 

— Vou terminar esse livro.

Emília o chamou com uma mão antes que ele deixasse a cozinha. Sorriu amorosa para o seu garotinho e acariciou seus cachos largos mirando os grandes olhos azuis.

— Sabe que nós te amamos muito não é?

— Eu só estou sentindo falta dele... As férias com ele são divertidas e logo vou voltar pra Suíça. Mas eu entendo que ele não me esqueceu, só está ocupado... Ele fala comigo todos os dias, mas eu ainda sinto falta. Nada contra a ficar com a senhora, que é a melhor avó que um garoto como eu poderia ter.

— Eu entendo... Eu sei que gosta de estar comigo, mas eu não posso competir com Giuliano nesse sentido. Você precisa do seu pai, da presença física dele.  — Louis a censurou com o olhar. — Aliás, seu tio.

— A senhora foi bastante perspicaz... Eu queria estar com eles nessas viagens, conhecendo os lugares e as pessoas. Eu imagino que meu comportamento não seja o problema. Eu já tenho idade para me defender sozinho. Não sou mais um bebê.

Emília concordou com um sorriso.

— Que não é um bebê já sabemos, mas tem seis anos e ainda é, por mais que não queira, um garotinho.

— Meu físico não colabora, mas eu sei usar da diplomacia.

— Eu não duvido disso — Mordeu os lábios, achando graça da situação. — Sua prima Rafaela ficará feliz quando souber o quão britânico tem se tornado... Agora vá terminar seu livro. Já te chamo para o almoço. — Arrumou o suéter cinza e desfez o bico do garoto um toque.

Varna, Bulgária. 09h16min da manhã.

Autopista próximo ao Sea Garden.

A polícia da Bulgária parava carro por carro que se atrevia a atravessar aquela região. O trânsito já se tornava caótico e os motoristas se agitavam pela demora. A fila imensa no frio pedante e com o clima cinzento e o asfalto molhado atrapalhavam ainda mais a operação que buscava verificar a informação fornecida por um hacker e recebida pela INTERPOL que um automóvel iria trafegar a região com uma carga grande de cocaína.

A carga seria apreciada nas casas noturnas da cidade, certamente. E, obviamente, uma enorme quantidade de drogas trafegando na região indicava algum cartel não investigado ou a prova para incriminar aqueles casos que careciam de provas cabais e inquestionáveis.

Os advogados bem pagos por criminosos sempre encontravam falhas e denominavam as acusações como genéricas ou imprecisas.

O motorista tranquilo da minivan prata com placa de Sófia até acenou para as policiais ao perguntar se estava liberado da blitz, porém foi instruído a parar no acostamento e abrir as portas.

Sem nenhuma resistência o homem fez o que foi solicitado.

— Pode abrir? Queremos ver o que carrega — Solicitou e foi atendido.

O homem um pouco acima do peso teve certa dificuldade de sair do carro, mas assim que o fez andou rápido para abrir a porta.

— Tem o documento da carga? — O policial questionou, enquanto outro agente entrava no baú do carro.

— Tenho sim, senhor... — Abriu o porta-luvas do carro com os olhos do homem em suas costas. — Está tudo aqui.

Os modos simples, a aliança no dedo e a foto de um garotinho e uma garotinha, abraçados a um cachorro estavam presos no retrovisor.  Não parecia nada além de um funcionário de uma transportadora simples.

E a transportadora, uma pequena empresa nos arredores de Sófia, era realmente acima de qualquer suspeitas. Contas pagas, nenhum imposto em atraso e um desenvolvimento estagnado há mais de cinco anos pela administração de um casal idoso que não pensava em crescer, somente em continuar no ramo para sobreviver.

Naquela madrugada o filho do casal, um homem com histórico de roubo e consumo de drogas foi preso ainda na própria cama quando agentes da polícia e da INTERPOL o levaram para prestar depoimento. O homem inicialmente se declarou inocente, mas quando foi falado o nome do chefe do posto fiscal de Varna e da prisão dele, houve uma negativa de cabeça e um longo suspiro.

Não havia como mentir.

— O que estão procurando? — Secou a neve do rosto.

As expressões do homem mostravam um senhor pacato e que parecia bastante seguro do que iria encontrar nas caixas de seu carro.

— Pode entregar os seus documentos para a conferência?

O senhor assentiu, de maneira assustada, afinal já havia passado por inúmeras blitz, mas em nenhuma delas houve tantas perguntas. Entregou os documentos e aguardou, todavia, ao ouvir o rasgar das caixas o homem correu, largando tudo e ofegando entrou no carro e viu o agente rasgar pacotes e mais pacotes de leite.

— Não faça isso, por favor... Eu... Não tem nada demais aqui! — Pedia, agitado olhando para o primeiro policial, esperando que ele detivesse o comportamento mais altivo do colega. — Qualquer coisa quebrada é sempre culpa nossa, por favor... Eu vou perder todo meu salário do mês pra pagar essa bagunça.

Então, como mágica um pó branco seco que em nada se parecia com leite foi derramado no chão da van. Claramente aquele homem simples sequer sabia do que se tratava aquilo. Que espécie de pó era aquele. A única coisa que passava em sua cabeça é que não deveria ser um leite convencional.

— Sabe o que é isso? — O polícia que rasgava mais e mais pacotes questionou.

O motorista negou completamente atordoado.

— Não senhor!

— Isso aqui, senhor... É cocaína. O senhor está detido pela polícia de Varna, tem o direito a um advogado. Vamos ter uma conversa na delegacia.

O homem ao receber a voz de prisão desabou num choro copioso e envergonhado. Disse nunca ter feito nada, nunca ter cometido qualquer crime e que agora seria preso sem saber a razão de como a carga, que achava ser de material para a dispensa de um albergue era cocaína.

Na delegacia, encontrou o delegado, que explicou com muito mais paciência que naquele momento vários mandados de prisão estavam ocorrendo em várias partes da Bulgária e até do mundo como resultado de uma ação coordenada da Interpol com a polícia local para localizar e investigar uma rota de tráfico de drogas.

Da gaveta o delegado retirou algumas fotos e os apresentou, perguntando se em algum momento viu aquelas pessoas. O homem negou qualquer reconhecimento. Nunca tinha visto aquelas pessoas na vida. Ele logo questionou sobre a rotina de entregas e o caminho que fazia todos os dias.

— A carga de hoje, pra onde iria?

— A uma mansão... — Puxou dos bolsos o endereço e entregou ao agente. — Eu já fui lá outras vezes... Eu deixo o caminhão e o pessoal do albergue descarrega.

— Viu alguém nessa mansão?

O homem balançou a cabeça, em negativa.

— Não senhor... Eu nunca vejo ninguém. Só o pessoal que recebe a entrega.

— Disse que lá é um albergue. Como sabe disso? — Foi incisivo.

— É o que meu chefe me falou uma vez... — A voz saiu trêmula, acuado com tantos questionamentos.

— Compreende que se mentir estará cometendo um ato ilegal? — Pressionou.

— Eu sei... É tudo que sei. — Afirmou balançando a cabeça com os olhos cheios de lágrimas. — É só o meu trabalho... Não conte aos meus filhos. Eles ficarão tão envergonhados... Eu sempre tentei fazer tudo certo e agora estou aqui. — Apoiou o rosto entre as mãos e chorou mais ainda.

O delegado permitiu que outros policiais levassem o motorista para uma sala e aguardasse um advogado. Com a sala em total silêncio o homem analisou os fatos que tinha em suas mãos e suspirou profundamente.  Abriu o notebook em cima da mesa e começou a redigir o documento que pedia a investigação direta no suposto destino daqueles quilos de drogas.

— Doutor... — A chefe do setor de perícia bateu na porta com um pacotinho de cocaína entre as mãos. — O composto tem característica da droga colombiana. Já chequei no sistema. Os federais americanos apreenderam uma droga muito semelhante na Flórida.

— Interessante...  Então temos uma atividade de narcotraficantes colombianos.

— Na realidade... — Um agente da INTERPOL entrou na sala com o sorriso de quem tinha informações que nenhum outro ser humano naquele ambiente poderia ter. — Essa droga foi atribuída a uma pessoa específica. El dominador. Ele é um dos narcos mais procurados do mundo, está na nossa lista.

— O El dominador está fazendo negócio na Europa então... — O delegado, sisudo com os anos na profissão, jogou-se na cadeira. Aquilo tinha cheiro de problema. — Mas com quem?

O representante da INTERPOL bateu na sua mesa com empolgação.

— Possivelmente com os proprietários da mansão. Já pode começar a investigação, Celso.  Um Narco como esse jamais estaria fazendo distribuição pra coisa pequena, deve ter gente grande nessa história.

— Vou resolver a parte burocrática... Cancele qualquer possibilidade de entrevista para imprensa. Se esse cara e os possíveis responsáveis pela mansão perceberem que estamos na deles, vai ferrar com tudo. Vou pedir sigilo na investigação. Teremos em pouco tempo as informações dos imóveis e poderemos descobrir quem estava comprando e distribuindo e pra quem.

Siena, 12h07min da manhã.

Haras da família Bocarelli

Emília consertava os fios do cabelo que estavam fora do lugar, enquanto caminhava despretensiosamente pelo corredor que dava no quarto de Louis. Bateu na porta, o chamando, mas não obteve resposta.  O que não deveria ser surpresa. Afinal, quando imerso na leitura, ou jogando algum game no IPAD sempre se desconectava da realidade. 

Girou a maçaneta da porta, empurrando-a com cuidado para não assustar o neto, porém o que viu somente assustou a si mesma.

Não havia sequer sinal de Louis. Nem sua cama estava desarrumada. O IPAD estava no gabinete de estudos e o livro na estante, no mesmo lugar que estava antes do menino começar a devorá-lo na noite anterior.

Não havia sinal dele pela biblioteca, já havia passado lá antes de estar ali.

Seu coração errou uma batida. Algo estava errado.

Desceu as escadas controlando o próprio nervosismo, se convencendo que não era nada demais. Ele deveria ter se entediado e procurado alguma diversão em outra parte da casa.  Foi em todos os quartos, no deque, as baias, celeiro, no jardim e na sala de jogos, e por fim verificou no celular todos os setores da propriedade que eram monitorados. Não havia nada.

Era como se a presença dele tivesse simplesmente desaparecido da casa.

Abriu a porta da cozinha perguntando a cozinheira no caminho por Louis, mas ela negou, lhe acompanhando com um pano nas costas até o lado de fora de novo. Os únicos lugares que poderiam restar eram ao redor da casa, em algum lado daqueles hectares de terra.

— Procurando alguma coisa? — Orlando questionou a uma atarantada Emília.

Os modos antes tão tranquilos da senhora agora eram completamente descoordenados. Ela estava agitada, ofegante e com a roupa abarrotada.

— Viu o meu neto em algum lugar? Viu-o sair?

Se havia alguém que conhecia toda a dinâmica daquele Haras esse alguém era Orlando.

— Não senhora... Por que? — O homem espelhou a atitude desesperada de Emília.

Soltou um gemido de frustração e olhou para os lados como se algum milagre fosse acontecer e Louis fosse surgir de qualquer buraco. O coração disparou mais do que antes e sua vista turvou para a escuridão. Apoiou-se no homem quando ele lhe ofereceu o braço.

— O que aconteceu, dona Emília?! Está passando mal? — Orlando a fez sentar no degrau da sacada.

Seus olhos se arregalaram e a respiração faltou ao formular aquelas palavras, afinal, elas lhe davam respaldo de que era tudo real.

— Louis não está em lugar nenhum dessa casa. Ele desapareceu...

— Aurélia corra, chame um médico! — Orlando gritou para a esposa que observava tudo também desesperada.

— Não... E não preciso de um médico. Eu preciso saber que Louis está bem. Liguem pra Giuliano.

Trento, 12h22min da tarde.

No alto da montanha Trentina e com cinco estrelas na bagagem o Mare Sulla Montagna ostentava pratos caríssimos, uma vista para vinhedos locais e para as florestas alpinas e uma clientela quase exclusiva. O ambiente numa decoração sóbria e minimalista se tornava elegante e privado, afinal as possibilidades de reservas estavam dentro do restaurante, nas varandas, em pequenas salas fechadas e ao ar livre, em baixo de pergolados de madeira, esta última opção sendo possível somente em épocas mais quentes.

E foi este o local que Giuliano manda como endereço e com o nome da reserva para que Caroline o encontrasse na sacada. Atrasada, como avisou que estaria na noite anterior ela lhe mandou uma mensagem pedindo desculpas e comunicando que já estava na metade do caminho num táxi, com um motorista que lhe perguntava constantemente se realmente era naquele lugar que iria e numa tentativa de puxar assunto acabou perguntando despretensiosamente se estava indo para alguma entrevista de trabalho.

Caroline escreveu em seguida com alguns emojis de risos:

“Acho que deveria ter me arrumado mais”

Giuliano resmungou, revirando os olhos para aquela informação.

Um garçom serviu de um pouco mais de vinho branco e aceitou, aprovando a própria escolha. Agradeceu ao rapaz e distraiu-se momentaneamente com a paisagem gélida.

Bruna havia lhe avisado mais cedo que as coisas em Varna estavam melhores do que podia prever. A carga de Máximo estava apreendida, os envolvidos presos e tudo correndo de maneira sigilosa, o que impedia Norma de comprometer as investigações. Em poucos dias Roberta estaria atrás das grades, já que Giampiero além de ser um ótimo advogado também conhecia promotores influentes, que já estavam analisando com a equipe da perícia os proprietários da página caluniadora.

Entretanto, não estava atento somente ao que estava caminhando, mas ao que em breve passaria por turbulências.

Obteve informações que empresários austríacos procuraram por deputados, pedindo uma maior agilidade na decisão quanto a Pl da indipendenza. O que em breve significaria uma nova ofensiva de todos os lados possíveis que queriam aquela lei aprovada e sendo aplicada, e isso incluía a organização.

Uma das chaves para amenizar a tempestade estava atrasada para um encontro.

Giuliano olhou para o relógio mais uma vez e depois para as mensagens no celular. Uma ligação interrompeu o ato de verificar a última mensagem de Caroline. O número era de Emília.

Atendeu, preparando-se para ouvir algum questionamento irritadiço sobre as reportagens que já circulavam no país sobre seu encontro em Roma com Caroline. Entretanto, ao ouvir uma respiração ofegante e uma voz trêmula ao falar seu nome, soube que não seria nada do que imaginava.

— O que está acontecendo, mãe?

— Você falou com o Louis hoje?

Ela girava em torno de si mesma sem saber como explicar.

— Hoje pela manhã, quando acordei. Por que está me perguntando isso mãe? Por que está chorando? Eu reconheço sua voz, sei que está chorando.

— Ele te falou alguma coisa, de algum lugar que ele queria ir... Ou que queria fazer?

O local parecia um pouco menor e a paisagem pouco interessante quando aquele tom e o nome de Louis estavam sendo usados juntos. Respirou fundo e apertou os próprios punhos contra a mesa de madeira.

— Não... Perguntou onde eu estava e me falou algumas coisas que queria fazer se estivesse comigo aqui. O que essas perguntas querem responder, mãe?!

— Louis não está em nenhum lugar da casa Giuliano. Ele me disse que iria ler no quarto, mas não estava e eu procurei por qualquer lugar que ele poderia ir, e não está. Eu já olhei as câmeras de segurança, o Louis desapareceu.

Suas pupilas dilataram e o coração se acelerou no mesmo ritmo que seu raciocínio. Podia ouvir sua mente dizer “nãos” repetidamente e desesperadamente, tentando desacreditar que aquilo poderia acontecer.

— Ele não pode ter saído daí sem que ninguém visse, mãe. A casa é cheia de funcionários, de seguranças, até agentes do serviço secreto vivem aí.  Ele tem que estar dentro desse Haras!

— Ele não está. Pelo menos nas regiões que são cobertas pelas câmeras... Não há nada Giuliano. — Emília sussurrou.

Giuliano mirou o teto por alguns segundos e respirou mesmo que isso fosse uma tarefa muito difícil no momento.

— Mãe, coloca no vivavoz, por favor. — Pediu e quando ouviu os sons do ambiente começou a dar ordens —: Separem-se em equipes de buscas pelas regiões onde o monitoramento é baixo. Verifiquem com os guardas se houve movimentação estranha nos limites do Haras e vejam as gravações dos corredores perto do quarto dele do momento que ele entrou no quarto até o momento que saiu, seja lá como ele saiu. Mãe, você fica em casa e não saí daí. Aurélia, faça qualquer chá que ela diga que a acalma. Valentin já sabe o que fazer e já deve ter comunicado a Úrsula. — Ouviu o murmurar positivo de Valentin, o responsável pela segurança que o governo lhe dava no Haras. — Eu chego a Siena em algumas horas.

Giuliano chamou o garçom, entregou algumas notas de valor alto sem verificar sequer a conta. Ergueu-se rígido e de maneira automática do lugar.

Chamou o garçom para mais perto de seu rosto. O homem lhe observou de olhos arregalados, e, temeroso, aproximou os ouvidos.

— Cancele a reserva e considere o troco a sua gorjeta.

Sem nenhuma interrupção passou pela recepção e deixou o restaurante fazendo sinal para Magno, que observava o descampado e os clientes que transitavam no ambiente. O rapaz rapidamente se aproximou com a sensação de que conhecia aquele olhar, a expressão e o tremor no queixo de Giuliano. E quando aquilo acontecia sempre era seguido de um baque duro e impactante que lhes tirava a chance de voltar a respirar corretamente por um longo tempo.

Giuliano já estava na metade do caminho para o carro e tomou educadamente a chave das mãos de Magno, quando ele pensou em abrir a porta do motorista para si mesmo, indicando que agora estava no comando.

Magno segurou nos ombros do chefe, esperando que esse ato o colocasse de novo na razão.

— Esqueceu seu casaco Giuliano. Está congelando aqui fora, vai ter uma hipotermia... — Tentou fazer com que ao menos ele sentisse o frio cortante e que isso o trouxesse para a realidade. Não surtiu efeito desejado, mas continuou tentando. — Me conte o que aconteceu e me deixe dirigir.

— Prepare o jatinho. — Ele não parecia ter prestado atenção em nenhum som que proferiu. — Quero estar em Siena em no máximo três horas.

— Não é possível, preciso ligar para o piloto, preparar o plano de voo... — Começou a enumerar e os olhos de Giuliano num tom verde vivo e intenso lhe miraram fixamente. — O que houve em Siena?

Com algum senso de raciocínio lógico, passou a apertar a porta com as mãos tremendo. A descarga de energia emocional o atingiu completamente, espalhando uma dor física que desconhecia por todo seu corpo. Precisou de algum esforço para proferir o nome do filho e, assim, reconhecer que ele estava em perigo, longe do seu colo e de sua proteção e com tudo apontando para que seu mais profundo medo agora fosse realidade.

— Louis.  Meu filho desapareceu.

Magno retesou, preparou todo o discurso mentalmente e teve que o jogar no lixo. Não haveria nada que acalmasse um pai que acabara de saber que seu bem mais precioso estava perdido. Mexeu a cabeça positivamente, compreendendo a situação e prometeu a si mesmo de fazer com que Giuliano chegasse a Siena no prazo estabelecido.

***

— A reserva senhorita! — A recepcionista entrou na frente de Caroline, interrompendo sua passagem para o salão.

— Desculpa! Eu estou tão atrasada que acabei esquecendo... — Morde os lábios, envergonhada com a agitação dos clientes que almoçavam com sua entrada indecorosa. — Uma reserva no nome de Giuliano Bocarelli, meu nome é Caroline Martins.

A mulher avalia rapidamente Caroline para depois escrever na tela o nome. Franze a testa e chama um dos garçons que passava pelo corredor lateralmente, falando algo no ouvido dele.

— Achou moça? — Caroline questiona incomodada com os olhares de dentro do restaurante direcionados a si.

— Na realidade... O Premiê — Fez ênfase no título. — Cancelou a reserva há alguns minutos e se retirou.

— Isso deve ser um engano... — Murmurou. — Eu estava falando com ele há pouco. Espere um pouco, vou falar com ele.

Discou o número dele, mas não houve nenhuma contestação na chamada.

Olhou de relance para a mulher e notou o desdém, como se duvidasse que realmente pudesse conversar com Giuliano por celular, porém quando a fitou por mais tempo, a recepcionista desfez a expressão e se reafirmou neutra.

— Quem sabe não confundiu o nome nas reservas.  — Desdenhou.

— Eu não confundiria, tenho certeza. Não entendo... Mas... Sabe de uma coisa, deixa isso pra lá — Meneou com a cabeça para esquecer o jeito mal educado da moça. Sentia-se mais confusa com o que Giuliano havia feito do que qualquer outra coisa. Estava perdida.  — Depois eu converso com ele.

Arrumou a bolsa nos ombros para ir embora e já dava meia volta quando a recepcionista começou a falar, para chamar sua atenção:

— Se a senhora puder, podemos lhe oferecer a mesma mesa. Aceitamos cartão de crédito, se estiver dentro de suas possibilidades...

Caroline aquiesceu. Caminhou pisando fundo de volta ao balcão da recepcionista e apoiou os braços na beirada do móvel.

— Eu não vou lhe dar o trabalho de preparar algo pra mim, pode ficar com essa mesa e com todo o resto.  — A mulher ergueu o queixo, tentando manter a pose. — Eu sou recepcionista, como à senhorita, e eu nunca senti necessidade de tratar os meus clientes da maneira como está me tratando.  Não me falta nada na vida que poderia gerar um comportamento parecido com o que tem. Faça uma autoanálise, talvez encontre a razão para tanta antipatia.

Caroline não esperou para ver mais que a surpresa nos olhos da mulher e foi até a porta atrás do táxi que a trouxe até ali para voltar à cidade, todavia, não encontrou nada além do rastro do carro na neve. Olhou nos lados, mas nenhum daqueles carros ali parados tinha pinta de táxi. Tentou os aplicativos, mas nenhum tinha corrida para aquele local naquele horário.

Olhou para trás e viu a recepcionista falando algo no ouvido do porteiro e lhe observando.

Fingiu que não viu e ficou lá, debaixo da soleira, esperando que por um milagre algum táxi aparecesse ou os aplicativos voltasse a funcionar e tivesse o que dizer para o porteiro quando ele visse lhe perguntar o que ainda fazia ali.

— Esse cara vai me expulsar... Ai meu Deus o que eu faço?  — Batia o pé, ansiosa na calçada.

— Senhorita... — Sentiu a voz do porteiro, que antes gentilmente tinha aberto a porta do táxi, em suas costas. — Pode me fazer um favor?

— Sim... — Fingiu, mais uma vez, não entender o que aconteceria.

O homem foi até o canto da calçada, longe das vistas dos clientes e Caroline o seguiu.

— A senhora está atrapalhando a porta de entrada, pode ir um pouco mais pra frente? Eu agradeceria muito.

— Ok. Eu estou aguardando só o carro para me buscar, mas fico ali, na neve, no frio. — Enfatizou.

O homem mexeu a cabeça sem mais opções e Caroline atravessou a rua, encostou-se a uma estaca onde as vinhas secas pelo frio se agarravam. Sua única opção era Laura, só ela tinha possibilidade de lhe socorrer, já que era a única que tinha carro e estava livre naquele horário, pelo menos ela lhe dissera que iria almoçar na universidade e depois ir pra casa colocar o sono em dia.

— Laura... — Murmurou envergonhada de toda situação. E foi naquele momento que conseguiu sentir o peso do que acabara de acontecer. As lágrimas despencaram e seu coração se apertou. — Pode me buscar?

— O que aconteceu pra eu precisar te buscar? — Falou rápido, largando o garfo de qualquer jeito em cima da mesa. — Vocês brigaram? No meio do restaurante chique?

— Ele não veio. Giuliano cancelou as reservas e foi embora antes que eu chegasse... — A garganta fechada quase lhe impediu de explicar.

— Ai meu... — Laura deu uma tapa no próprio rosto. — Eu vou te buscar. Eu vou sair do restaurante, achar a vaga aonde coloquei meu carro e te pego aí. Não saí de onde você está.

— Eles me expulsaram na frente do restaurante. Eu estou perto de umas estacas no vinhedo.

— Eles fizeram o que? Caroline me diga que isso é brincadeira!

— Eu vou ficar um pouco mais pra frente da porta, pra eles não me verem. Já que se acham os donos das montanhas também. — Secou o rosto com a voz embargada.

Então aguardou por cerca de dez minutos e sabia que Laura não demoraria menos que mais dez pra chegar naquela região. Observou pessoas chegando e saindo até que um homem veio em sua direção.

— Senhorita, eu sou um dos donos do restaurante... — Ele se apresentou — Eu soube agora do que aconteceu e quero lhe pedir desculpas pelo comportamento da minha funcionária. Se eu puder lhe recompensar por algo, eu gostaria de tentar. Um pedido de desculpas.

— Pedido de desculpas aceito... Eu não preciso de nada, obrigada. — Virou o rosto para as montanhas para ele não lhe ver com as lágrimas escorrendo.

O homem notou a dor que ela tinha ao falar e pareceu mais penalizado ainda.

— Moça... Perdoe-nos. Eu não quero que continue a chorar. Qualquer coisa que eu puder lhe ajudar. Uma carona? Está precisando de uma carona para voltar à cidade?

— Eu não estou chorando... — Ajeitou os cabelos que o vento aquele tempo todo do lado de fora acabou bagunçando. — Eu não quero nada, uma amiga já está vindo.

— Entre, quando sua amiga chegar, eu peço pra alguém avisar. Está congelando aqui fora... — Ele parou de falar e a observou mais atentamente. — Como é o seu nome?

— Caroline... — Falou desconfiada.

O rosto do homem se contorceu com uma expressão que parecia algo entre a surpresa e a dúvida. A mulher que vira minutos antes na televisão estava em sua frente.

— Caroline Lopes Martins?

— Sim... Como sabe meu nome? — Franziu os lábios e apertou os olhos, analisando o rosto do homem.

— Santa mãe de Deus! — O homem colocou as mãos no rosto. — Você é a namorada do primeiro-ministro. Falaram algo sobre você no jornal agora mesmo.

O coração sofreu com uma batida dolorida. Apoiou-se completamente na estaca e se curvou, escondendo o rosto entre as mãos. Aquilo significa exposição.

Seu nome e provavelmente toda a sua vida deveria estar sendo revirada. Cada pessoa daquele país e até do mundo agora deveria se questionar quem era e o que fazia. A curiosidade das pessoas e os julgamentos deles lhe causaram um ardor no estômago que se estendeu por todo seu corpo.

— Não... Isso não está acontecendo. Não está acontecendo... Como isso aconteceu?! 

Perguntou retoricamente, afinal como ele poderia lhe responder algo que já sabia muito bem? Entretanto, o homem respondeu mesmo assim.

— Bom, eu só reconheci seu rosto. Nas imagens está mais distante... Você e o primeiro-ministro estavam acho que em alguma Praça de Roma. Eu acho.

Pegou o celular colocando o próprio nome no Google e viu uma enxurrada de reportagens. Na manchete estavam às imagens do passeio que fizeram em Roma. Giuliano segurava sua mão enquanto desciam as escadas da igreja.

Outra reportagem e mais fotos.

O momento em que o entregou uma única rosa e Giuliano gargalhou e quando ele a puxou para uma dança em um dos cafés que visitaram, estava mais para um abraço, todavia pelo ângulo parecia um beijo.

Quanto mais abria sites, mais fotos que deveriam ser de um momento simples e divertido se tornava notícia. Sites espanhóis, alemães, americanos... Perdeu as contas da quantidade de línguas que viu tudo aquilo e os expunha.

Sentia-se como nua, com a intimidade exposta.

— É verdade...  — Soprou a palavra descrente de que aquilo estava acontecendo diante de seus olhos Abriu o instagram e havia uma enxurrada de pedidos para seguir. Gente famoso, blog de fofocas, gente desconhecida, emissoras de televisão e centenas de digital influencers. — O que é que eu vou fazer!? — Grunhiu em português fechando a tela e jogando o celular dentro da bolsa de qualquer jeito.

— Enfim, senhorita Caroline... Eu acho melhor que entre, estar aqui fora pode não ser bom para a sua segurança.

Caroline não conteve a risada.

— Olha senhor... — Quis saber o nome do homem.

— Wilfred Van Hausen.

— Olha senhor Van Hausen, estar aqui fora, no frio, no meio do nada... Sempre foi perigoso. Não é porque o senhorio acha que posso ser alguém importante que vai me querer dentro do seu restaurante cinco estrelas de novo. Quando achavam que eu não era relevante me trataram com um nada e se depender da minha vontade, jamais pisarei o pé nesse lugar.

Wilfred somente assentiu, pigarreando para começar a argumentar que não sabia da movimentação dos funcionários e muito menos quais eram as regras dos antigos donos porque o restaurante foi vendido a um grupo de negócios, ao qual pertencia, e o mais importante: antes de chegar ali sequer sabia quem ela era. Um carro alto então  parou e uma mulher loira desceu de dentro interrompendo toda a sua formulação.

— Caroline, vem!  — Ela segurou a porta e analisou o homem com quem Caroline conversava. — Quem é você?

— Wilfred van Hausen. Sou sócio do consórcio que comprou o restaurante, é o meu primeiro dia aqui. Eu vim pedir desculpas pelo mau comportamento da equipe de funcionários.  — Ele cumprimentou Laura com a cabeça. — É sua irmã? São amigas?

— Como se fosse — Laura respondeu a pergunta que era para Caroline. — Vamos Carol.

Caroline andou trêmula para o banco do carona do outro lado quando o Wilfred a interceptou no caminho.

— O seu namorado esqueceu o sobretudo quando saiu... Pode ficar com ele?

Laura, mais uma vez, não entendeu absolutamente nada, afinal como um dono de restaurante poderia saber sobre o relacionamento dos dois? Observou Caroline assentir por educação. O homem foi até o prédio e retornou rapidamente com um casaco longo e preto. Entregou a Caroline e ela recebeu com uma expressão desgostosa.

— Me desculpe. Independente de qualquer coisa... O que aconteceu aqui foi um erro que não vai se repetir. Eu sinto muito por tudo. Eu não queria me sentir responsável pela senhorita estar aqui, do lado de fora, se sentindo mal por tudo que aconteceu lá dentro.

— Você só está com medo do Giuliano e de um processo, reconheça... — Girou os olhos.

— Caroline! — Laura a censurou.

— Acredite se quiser, não é isso que mais me incomoda... — Ele murmurou. — Eu acredito que reservas por conta da casa não lhe ajudaram em nada. Diga-me algum jeito pra lhe recompensar.

Caroline entrou no carro e antes que puxasse a porta Wilfred van Hausen a trancou pelo lado de fora, sendo gentil.

— Eu estou com alguns probleminhas um pouco maiores no momento. Então eu aceito seu pedido de desculpas e só peço que isso não se repita com outras pessoas. A sua funcionária é profundamente mal educada.

Então o homem sorriu, dando uma risada sincera e confirmando com a cabeça.

— Vou trabalhar para isso.

Aquele movimento fez com que Caroline o notasse realmente, afinal não tinha tido coragem ainda de o olhar na cara. O tal Wilfred era até mais bonito do que poderia ter pensado. Com os olhos escuros e cabelo castanho um pouco grande e liso, o homem parecia ter no mínimo dois metros de altura, pois estava bastante encurvado para manter a conversa enquanto estava dentro do carro.

Laura fechou o vidro antes de sair e deu partida no carro, interrompendo qualquer coisa que ele quisesse falar.

Caroline, dispersa como estava, apertou o sobretudo nas mãos por alguns segundos e respirou profundamente, tentando oxigenar seu cérebro pra pensar na razão de Giuliano ter desaparecido desse jeito, ainda mais cancelando a reserva e esquecendo a casaco.

— Já ligou pra ele? — Laura questionou receosa.

— Ele não me atende. — Resmungou. —Alguém tirou uma foto nossa quando estávamos em Roma. O mundo inteiro já sabe de nós. Eu não sei o que vou fazer.

Laura afagou suas pernas.

— Você vai receber algumas ligações, algumas pessoas vão te reconhecer, outras vão te procurar... E quem sabe, podem até te ignorar. Só não dê espaço para os paparazzi demais, eles podem ser bem invasivos. — Aconselhou.

— E o meu trabalho? Como vou trabalhar se a imprensa me cercar? E o mestrado? As aulas... 

— Vai ficar tudo bem... — Tentou assegurar mesmo que sua voz não soasse confiável porque de fato não sabia a repercussão completa daquela exposição no momento. — Vamos dar um jeito.

Siena, 16h46min da tarde.

Haras da família Bocarelli.

Louis apertou a barriga quando ela roncou alto o suficiente para acordar algum animal. Faminto como estava e com a sede que sentia seria capaz de beber e comer qualquer coisa. E em sua frente havia um arbusto, pequeno e com um fruto vermelho que nunca viu na vida, quase cedeu à tentação de comê-lo, mas lembrou de que na natureza vermelho às vezes quer dizer perigo.

Respirou fundo e fechou o zíper do casaco. Estava ficando mais frio e isso queria dizer que estaria escurecendo em breve. Seu relógio havia parado quando correndo atrás de Lolita tropeçou numa raiz mais alta e caiu e o tempo mais frio e escuro e dentro daquela mata densa limitava suas possibilidades de compreender que horas eram.

Cada vez mais perto podia ouvir os sons de corujas e o farfalhar no chão, como se algo pesado estivesse quebrando as folhas das árvores que estavam caídas. Sentiu medo, a sensação agonizante de que estava sozinho na própria caçada junto ao desespero de aceitar que estava perdido.

Sempre leu nos livros que quando há sensação de que já passamos pela mesma árvore duas ou três vezes é o momento de aceitar que vai conseguir voltar pra casa sem ajuda.

Fechou os olhos pedindo a Deus que alguém lhe encontrasse antes que os lobos que ficavam na região resolvessem lhe achar um bom jantar. Sentou em uma raiz alta e se abraçou as próprias pernas, as tirando do chão já que o risco de insetos e cobras também não era pequeno.

As picadas de formigas em suas costas coçavam e sua barriga roncou mais alto ainda dessa vez.

Todo aquele sacrifício para Lolita, ao perceber que queria laçá-la, correr desenfreada para mais dentro da mata ainda. Na ansiedade em pegar a corda que ela arrastava acabou perdendo o rastro da entrada, o relógio e acabou se embrenhando junto com ela na vasta floresta. Uma tremenda falta de sorte.

Já havia comido o pão que havia levado no bolso e continuava com fome e naquele momento esperava somente a bruxa o levar, quem sabe tentaria um acordo, já que para o conto de João e Maria só faltava a Maria.

— Dona bruxa? A senhora está aí? — Perguntou alto e recebeu o próprio eco em resposta. — Isso é só uma história. Não devem existir bruxas que comem crianças por aqui.

Fungou quando sentiu as primeiras lágrimas descerem por seus olhos. Secou o rosto com as mãos sujas da lama e se encolheu mais ainda com um galho quebrando com força no chão há alguns metros de si.  Não soube de onde vinha o som, somente sabia que ele era alto.

Então ouviu um uivo. Um uivo alto e forte que fez seu coração quase pular pela boca. Estava aterrorizado. Fechou os olhos torcendo para que tudo acabasse, os reabriu, mas nada mudou.  A paisagem era a mesma. Continuava ali, perdido e agora imóvel, assustado, incapaz de conseguir encontrar qualquer caminho de volta e com fome e sede.

As cigarras já começavam a cantar e dentro da mata elas pareciam mais histéricas.

Louis mordeu os lábios e chorou.

— Eu quero voltar pra casa... Por favor, Deus. Eu quero sair daqui...

O barulho de mais galhos quebrando agora era mais alto e mais perto, virou o rosto de um lado a outro tentando encontrar de onde viera o som e choro ficou mais copioso. Quando teve a sensação de que os sons estavam por todos os lados, fechou os olhos o apertando com força.

— Louis?

Continuou de olhos fechados, tinha medo de abrir os olhos e encontrar algo tenebroso. Sentiu uma mão em seu ombro e se balançou, tentando afastar aquele toque.

— Sou eu, Orlando... Abra os olhos.  — Pediu e o garoto resistiu um pouco, mas os abriu, um de cada vez. — Está assustado, não está?

Louis fez que sim com a cabeça.

— Estou com sede... — Murmurou sentindo os olhos pesados e inchados coçarem.

— Vamos pra casa, garoto. Deixou muita gente maluco com esse sumiço, sabia? — Pegou Louis no colo e o carregou pelo caminho tortuoso.

— Estavam me procurando? — Olhava para o chão e para todas as pessoas que foi encontrando pelo caminho. Não conseguia reconhecer seus rostos, mas eles pareciam muito felizes de lhe ver. Recebeu uma garrafa pequena de água das mãos de uma mulher e ela lhe fez algum carinho na cabeça. — Obrigada.

Deitou a cabeça no ombro de Orlando e permaneceu assim por todo o caminho de volta. Sentia-se envergonhado de tantas pessoas o olhando e lhe perguntando coisas, sentia vontade de chorar, na verdade. Também se sentia triste e foi isso que o fez esconder mais o rosto com as mãos, preferia aquilo a ter que ver tantas pessoas.

Giuliano, na porta da casa, e ao lado de Emília aguardava Orlando aparecer no horizonte segurando seu filho e quando os dois surgiram ainda longe reconhecera o casaco e os cabelos do pequeno. Então deixou tudo para trás.

Correu cada degrau, sem que nenhum segurança que estivera ali o tempo todo lhe pedindo calma, o impedisse.

Louis parecia satisfeito em não olhar para nada e nem ninguém, até que Orlando mexeu em seus cabelos, sussurrando em seu ouvido:

— Seu pai está aqui Louis. Abra os olhos.

Louis ergueu o rosto desconfiado, mas ao ver Giuliano tão perto se jogou no colo dele e abraçando-o pelo pescoço, soluçou.

— Eu estava com tanto medo pai... — Secou os olhinhos.

— Onde estava meu filho?! — Beijava o rosto do filho repetidamente e desesperadamente. Apertou-o para verificar cada pedaço de seu corpo. E foi o único momento que se permitiu levar pelas lágrimas desde que chegara a Siena. Controlou-se em cada esfera de si mesmo para não se desesperar e deixar as coisas mais fora de controle do que já estavam. — Nunca saiu sem supervisão... De onde surgiu essa ideia?!

—Desculpa... Desculpa-me, papai — Fava baixinho, agarrando o abraço reconfortante com mais afinco, se aninhando a Giuliano.

— Não faça isso nunca mais, me entende? — Deixou Louis secar uma lágrima que caiu de seus olhos e o abraçou com mais força. — Está sentindo alguma coisa? Sente dor?

O desespero de saber respostas se misturava a necessidade de abraça-lo, de cuidar do pequeno. O alívio que sentiu ao ter Louis em seus braços novamente não podia ser medido. Sequer lembrava onde estava e com quem. A plateia que discretamente observava emocionada não lhe fazia diferença alguma.

— Estava com fome, mas uma moça me deu água. Estou com fome... Tem o que de jantar? — Lambeu os lábios com inocência.

Então ouviu a voz ainda trêmula de Emília. A avó o puxou para o seu colo.

— Quer tomar banho ou comer primeiro?

— Acho que tomar banho vovó... — Ele esfregou uma mão na outra, sentindo a lama pegajosa. — Me desculpa... Eu fui tentar encontrar Lolita, mas tropecei, aí depois cai. Meu relógio quebrou — Mostrou a avó e a Giuliano. — Eu estou tão arrependido...

— Já passou. E eu espero que isso nunca mais se repita. E eu quero que agradeça a cada uma dessas pessoas que tentou te encontrar. Eles trabalharam muito pra saber onde esse menino fujão, você — Giuliano tocou o peito do garotinho com indicador e um sorriso sincero e agora tranquilo — estava.

— Muito obrigada... E eu também peço desculpas.  — Falou tímido com tantos olhos em sua direção. Virou-se para a Emília e Giuliano com a voz embargada—: Não quero te ver chorar tio, e nem você vovó... Eu sinto muito.

— Agora já passou... Está tudo bem. — Emília o colocou no chão e o menino agarrou-se nas suas pernas. — Vou te colocar num banho.

Enquanto Emília levava Louis ao quarto, Giuliano fez questão de agradecer a cada agente e funcionário que participou das buscas, apertando suas mãos e os pedindo que esperassem para o jantar. Pediu desculpas pelo desespero daquela tarde, porém todos compartiram do sofrimento daquela pequena família o suficiente para serem incapazes de julgar qualquer reação de dor que demonstrassem. Giuliano terminou de organizar cada pessoa nas mesas ao redor da casa. Um total de 15 pessoas estivera presente naquela procura, além daquelas que colaboraram de longe para ter certeza que Louis não estava nas mãos de pessoas perigosas.

— Louis está profundamente envergonhado do que aconteceu... — Magno comentou sentando ao lado de Giuliano. — Às vezes é estranho notar que ele só tem seis anos.

— O arrependimento é caminho para o aprendizado... Ele detesta essa quantidade de atenção, mesmo que diga que é grande, um adulto e responsável, em grandes multidões ele não reage bem. E eu me sinto culpado.

— Ser pai é sentir culpa todo o tempo Giuliano — Magno aconselhou. — Eu não conheci os meus... Você sabe.

Giuliano assentiu. Toda vez que Magno se propunha a falar tinha certeza que ele faria algo que o acrescentaria de algum jeito. A maturidade e inteligência do rapaz foram frutos de sementes de sofrimento e desalento, todavia, ele desenvolveu uma sensatez que era difícil em ver em rapaz da idade dele.

— Mas cada vez que ouve o quanto Louis sente sua falta, sei que sente culpa.  Há culpa por simplesmente não saber se está fazendo o certo ou o errado. Se falhou ou acertou. Mas acho que acerta bastante. Nunca o abandonou, o protege de tudo e contra todos, sempre está presente, do seu jeito, sua felicidade é com esse garotinho. Está indo bem.

— Obrigada pela lealdade.

— Você é tecnicamente meu chefe, mas eu o considero como um amigo Giuliano. E na angústia, amigos se tornam irmãos. Vi algo assim, esses dias, no instagran da Caroline, e é uma das verdades mais reais que já conheci.

— É bíblico.

— Acho que precisa contar a Caroline sobre o Louis. — Disse e Giuliano lhe olhou pouco confortável de continuar aquele assunto. — Ela precisa saber que existe uma criança, e agora mais ainda. Não sei se consegue pensar com clareza agora, mas a deixou.

— Eu esqueci completamente dela... — Balança a perna por baixo da mesa, agitado.  — Ainda não é o momento. Preciso me certificar de que não há outra opção. Se eu ficar sem escolhas terei que inseri-la na vida dele.

Magno o censura discretamente.

— Ela precisa saber. Ela vai compreender que se a deixou sozinha foi por seu filho. E eles não desistirão, muitas coisas aconteceram, mas nada os dissuadiu da ideia. Você já está sem escolhas.

Ele sabia que o tempo corria, e, por mais que o relacionamento vivesse constantemente na corda bamba, a cada dia que passava mais atado estava naquele enredo de casamento forçado. Da presença de Caroline estava dependendo a tolerância e a colaboração da organização no caso de Norma, por exemplo. Assumir aquela realidade naquele momento era muito mais uma questão de mera aceitação.

— Não vou jogar uma estranha sem propósito conhecido na vida do Louis. Eu prometi no momento que o coloquei nos meus braços que nada do que sou o afetaria... E agora estou obrigado pelas circunstâncias a colocar uma mulher desconhecida e com prazo de validade para estar na minha vida, como participante da vida dele. Já me bastou o desespero de pensar que algum dos meus inimigos havia o machucado, ele já é afetado demais por minhas atitudes.

— Caroline não seria capaz de machuca-lo...

— Eu não sei quem ela é — Foi ríspido.

Magno com calma e sensatez esperou que a descarga de adrenalina no corpo de Giuliano diminuísse para que ele finalmente compreendesse certas coisas.

Cinco minutos de silêncio.

— Estão em um enorme impasse, porque ela certamente também não conhece você.

***

Avistou Louis deitado de barriga para cima olhando para o teto, reflexivo. Seitou na beirada da cama e tocou os pés cobertos pelas meias de listras do menino.

— Já terminou seu jantar?

Louis fez que sim ainda olhando para o teto.

Vergonha. Sentia muita vergonha. Vergonha o suficiente para temer olhar no rosto do próprio tio e foi naquela mesma posição que ficou por minutos quieto e sem manifestar, nada além da própria respiração.

Giuliano compreendendo o que estava acontecendo retirou os sapatos e meias, deitando ao lado do menino, no minúsculo espaço que lhe cabia.

— Por que tanto silêncio?

— Não sei... — Respondeu arredio.

— Quer conversar sobre isso? — Perguntou olhando para o mesmo lugar que o filho. O teto estrelado do quarto acima da cama. Pintado a mão pelos dois em uma tarde. — Temos que pintar todo o resto não é?

Louis anuiu.

— Uma mente nobre tem vergonha de não se arrepender — Giuliano tentou interagir sobre o assunto.

Louis mexeu-se desconfortável no colchão e depois suspirou profundamente. Aceitando o elogio que acabara de receber simplesmente por se arrepender do erro que cometeu.

— Já se perdeu antes?

— Muitas vezes... — Giuliano sorriu com uma lembrança da infância. — Aquela mata pede por enormes aventuras. Precisa-se só um pouco mais de prudência para explorá-la.  Depois de alguns minutos todas as arvores e trilhas se tornam idênticas.

Louis concordou com aquela última afirmativa veementemente.

— Me desculpa tio... — Murmurou.

— Agora está tudo bem. Acho que entende as consequências de estar ali sem supervisão, faz parte do crescimento.

— Vou esperar até os dezoito anos para entrar ali sozinho... — Pensou alto.

— É uma boa idade. Até lá eu te ensino como não se perder e os caminhos de volta.

Louis cedeu a toda a pose de seriedade e reflexão, sorrindo timidamente.

— Vai mesmo me ensinar essas coisas de sobrevivência na selva?

— Não estamos bem numa selva, mas vou te instruir em algumas atividades. Quando estiver um pouco maior, o que acha?

— Com quantos anos? — Questionou ansioso.

— Eu vou observar e verificarei se está apto.

Louis assentiu de certa forma muito animado. Mesmo que demorasse alguns anos até aquele dia acontecer estava realizado pela promessa de que o teria.  Giuliano sempre cumpria as promessas que lhe fazia.

Virou de lado na cama, ficando de frente com o rosto de perfil do tio. Dessa vez era ele que estava taciturno.

— Estava ocupado em Trento?

— Algumas coisas chatas que adultos como eu tem que fazer. Reunião do partido... Coletivas de imprensa. Você sabe como é.

Louis concordou, apesar de achar animado estar naqueles bastidores. Só teve a oportunidade de estar em um ambiente parecido quando tinha uns três anos. Lembrava pouco, mas o que ainda permanecia lhe passava uma boa sensação. As pessoas correndo de um lado para o outro, as risadas. Pareciam estar felizes. Mas o que queria saber estava longe de ser sobre o trabalho de Giuliano.

A curiosidade estava lhe matando.

Assim que voltou para o quarto, antes de se embrenhar na floresta do haras, atento ao que Emília havia comentando com Orlando na cozinha resolveu verificar na imprensa a tal reportagem que a avó citara. E o que viu lhe surpreendeu.

Caroline Martins era a nova namorada do tio. E ele não tinha lhe falado sobre nada daquilo.

— Tio...? — Prolongou a última letra.

Giuliano virou imediatamente para o menino. Ficando os dois frente a frente.

— O que quer saber Louis? — Riu, consciente de que aquele tom sendo usado significa dúvida. Geralmente uma pergunta a qual Louis estava tímido em fazer. — Sabe que pode me perguntar qualquer coisa, não sabe?

— Sempre me falou que nem tudo que falam na imprensa sobre o senhor é verdade e que eu deveria perguntar quando visse algo. — Preparou o terreno.

— E o que viu?  — Conteve o tom urgente, mantendo-se compreensivo apesar de tudo. Já imaginava o que poderia ser, porém internamente torcia para que não o fosse.

— O senhor e uma mulher... Caroline.  Estão mesmo namorando?

Giuliano franziu os lábios, extremamente incomodado em responder aquela pergunta. Mexeu os próprios cabelos e fechou os olhos por alguns segundos. Buscando em si uma resposta coerente para dar a Louis. Sentou na cama e o menino o imitou, ficando um ao lado do outro como amigos em uma praça.

— Sim, Louis. Estamos namorando... — Mexeu a cabeça positivamente. Louis soltou o ar e se encostou a parede como se um enorme peso saísse de suas costas. — Você viu as fotos dela, não foi?

— Ela é brasileira, foi o que e tinha na notícia... Era pra ela que fizemos aquele salgadinho. A cocsinha...?— Não lembrava mais como pronunciava o nome que lhe foi dito. Giuliano fez que sim lhe analisando. — Ia demorar a me falar?

— Ainda estava pensando sobre isso... O que achou? — Tentou esboçar qualquer sinal de felicidade para não parecer irritado por Louis estar ciente de algo que não deveria chegar a ele.

— Ela é bonita... — Esticou os lábios sem mostrar os dentes.  — E o senhor parecia alegre nas fotos com ela.

— Pareceu que eu estava alegre? — Franziu a testa. Surpreendeu-se com as percepções equivocadas de Louis. — Leu na reportagem? Ou realmente achou isso?

Louis fez que não com a cabeça.

— O senhor estava rindo... Tipo como agora — Segurou no rosto de Giuliano. — Não ri assim sempre. Vai casar com ela? Com certeza. Não estaria namorando se não fosse se casar com ela...  — Respondeu a própria pergunta com muita convicção.

— Outch! — Disse completamente espantado e Louis gargalhou, achando graça. — Eu não sei Louis... Está virando casamenteiro como essas revistas? Estamos namorando, não noivos. Está se empolgando. Quer que eu me case e eu não sabia disso?

Louis deu de ombros ainda rindo. Deitou a cabeça no braço de Giuliano.

— Você falou que estão namorando... É diferente, entende?

— Diferente do que, Louis?

— Com Hanna — Fez cara de desprezo — Sara... E a aquela moça, qual é o nome dela? Aquela da girafa... — Fez algum esforço, mas não recordava-a. Havia sido há tanto tempo. — Dalina? Dalila?

— Dafina — Corrigiu. — Continue a sua dedução, Louis.

— O senhor me disse que as estava conhecendo. Com essa moça me fala que está namorando.

Giuliano apertou os olhos com os dedos, absurdamente perplexo. Louis não perdia nada que se passava ao seu redor. Cada detalhe era absorvido.

— Quer mesmo que eu me case Louis? Creio que nunca falamos sobre isso. Mas já que estamos dentro desse assunto. Não há nenhuma objeção?

Louis negou com a cabeça dando uma gargalhada infantil.

— Não sei, só supus. As coisas parecem mais sérias e o casamento é sempre o passo seguinte.

— De onde tira essas coisas Louis? Que livros anda lendo?! — Riu. — Não sei como as coisas seguirão. Gostou dela?

— Não a conheço pessoalmente para ter certeza se gosto ou não dela... — Deu de ombros, inocentemente sugestionando um encontro. — Quando vai me apresenta-la?

Giuliano se ergueu da cama esfregando as mãos uma contra outra enquanto procurava um livro na estante mantendo Louis sem respostas. Indicou para que deitasse a cabeça no travesseiro e o menino obedeceu, mesmo desgostoso.

— Amanhã vamos para Roma, vai ter que acordar cedo. — Colocou um título que escolheu sobre as pernas.

— O senhor não falou de mim, não foi? — Girou os olhos.

Louis não parecia magoado, sendo aquela reação muito mais parecida com a contrariedade. Giuliano beijou a testa do filho e o garoto o abraçou apertado no processo.

— Sabe que me receio de te exibir e eu estou esperando o momento certo.

— Eu posso me defender sozinho! — Cruzou os braços.

— Eu sei que pode, mas não de tudo. Eu não quero que se sinta desconfortável ou envolvido em algo que pode ser efêmero... Já conversamos sobre isso uma vez.  — Louis fez que sim com a cabeça, confirmando que já tinham falado sobre isso em outro momento. — Às vezes as coisas não dão certo e não quero que se afete.  Minha prioridade é o seu bem-estar. Nunca vou te trazer pra algo que não acho que seja seguro.

Louis sorriu levemente, sentindo afago pelo carinho que sentia naquelas palavras. Mas isso não mudava o fato que se sentia frustrado de algum jeito por não participar de tudo.

— Me sinto excluído... — Murmurou. — Isso é injusto.

— Não estou te escondendo...

— Está me protegendo. — Louis complementou como uma rima. Já conhecia aquela frase muito bem para ouvi-la calado.  Entretanto, dessa vez tinha seus próprios planos. Suspirou profundamente e encarou o tio ainda emburrado —: Que livro vai ler hoje pra mim?

— O mágico de óz... — Ele lê a capa. — Já leu esse não foi?

— Uma vez só.

— Então eu lerei pra você dessa vez.

Trento, 18h01min da noite.

Tudo o que Caroline gostaria de ouvir era o doce som do silêncio costumeiro no prédio, todavia isso estava longe de sua realidade. Seus vizinhos estavam em polvorosa batendo na sua porta, desavisados o suficiente para vir passar recados de jornalistas que acampavam na calçada do prédio.

— Como de manhã não tinha nada e agora está essa confusão?! — Caroline fechava a cortina com força.

— A notícia se espalhou... Pessoas te reconheceram e booom. Está cercada de jornalistas sedentos por atenção.

— Eu não vou conseguir sair desse prédio amanhã. E eu preciso ir trabalhar Laura!

Laura estava sentada no sofá com os pés apoiados nas almofadas, bebericando um suco que mesmo fez e havia deixado sobre a mesa para a amiga, porém Caroline não havia sequer tocado no lanche.

— Eu já chamei a polícia e eles logo vão dispersar essa multidão... O que te resta é esperar essa confusão diminuir para poder sair.  — Chamou-a com a mão. — Agora venha comer alguma coisa. Não almoçou e não vai aguentar Máximo e os clientes desse jeito.

— Não estou com fome Laura... — Apoiou-se no sofá. — É um enorme milagre eu dizer isso, mas me sinto nervosa demais pra comer alguma coisa.

— Eu não estou pedindo Caroline... — repreendeu-a, séria. — Vai precisar de forças para viver os próximos dias e se não comer e ficar agitada do jeito que está vai acabar no hospital.

Caroline bufou e sentou ao lado da amiga no sofá.

— Obrigada, Laura... — Beijou-a nas bochechas. Laura empurrou-a para frente quase imediatamente — Eu não saberia o que fazer sem você.

— São anos de experiência... Com esse tipo de coisa. Agora pare de me beijar e vá comer.— Bateu nas costas de Caroline. — O sanduíche já está gelado e eu já tomei seu suco. Vou pegar mais daqui a pouco pra você.

Caroline mordeu a comida, mastigando-a a contragosto com Laura quase a obrigando com os olhos a continuar comendo. Bebeu um pouco do suco que ela lhe trouxe e imediatamente engasgou. Sua garganta se fechou e por mais que quisesse engolir não conseguia. Laura lhe deu algumas tapas nada gentis em suas costas, chamando seu nome, nada surtiu efeito.

Um espasmo que já conhecia bem a fez ter o impulso de correr para o banheiro. Laura a seguiu, mas antes que a loira entrasse, Caroline se trancou por dentro.

Lavou o rosto e escovou os dentes falando para Laura que estava bem.

— O que acabou de acontecer aqui?! — Laura praticamente gritava quando Caroline saiu do banheiro, apagando a luz com uma expressão que mais parecia que estava apagando a si mesma. — Eu não tenho condições de fazer primeiros socorros em um adulto engasgando Caroline.

Caroline riu baixo. Uma das poucas coisas que a fez rir.

— Eu não vou conseguir comer... — Murmurou com certo conhecimento de causa.  — É a ansiedade.

— Você vomita quando está ansiosa? — Estranhou, enojada.

— Não exatamente, mas digamos que sim... — Arrastou-se para cama, derrotada.

— Eu estou bem preocupada de te deixar sozinha agora... Você vai pra minha casa. Eu tenho um quarto e seguranças. O prédio é mais restrito. Pelo menos por esses três dias.

Caroline negou com a cabeça.

— Eu consigo lidar com isso sozinha Laura... Mas obrigada pela ajuda assim mesmo. — Mirou o teto por um tempo. — Eu vou precisar trabalhar daqui a pouco e não paro de pensar na confusão que tudo pode ficar. Giuliano não me atende e eu não sei o que falar pra essas pessoas, porque sinceramente nem sei se temos um relacionamento para especularem depois de hoje. — Desabafou.

— Ele deve ter uma desculpa plausível pra isso... — Afagou as mãos dela.

— Ele sempre vai ter...  E eu nunca vou entendê-la completamente. Estamos mais distantes que antes...   — Falou baixo, pesarosamente. — Consegue sair daqui sem ser vista?

— Certamente. Já dei entrevistas sem saberem quem eu era. É obvio... Mas eu não vou te deixar aqui sozinha.

— Laura, eu estou acostumada... Eu vou ficar bem!

— Como ficou acostumada a isso Caroline?

Deu de ombros e virou de lado, para a janela fechada e longe da visão de Laura. Ela engatinhou para deitar ao lado de Caroline.

— Eu tive bastante na adolescência... Era comum. Aprendi a lidar.

— O que causou uma crise de ansiedade tão grande naquela época? A morte do seu avô? Contou-me que foi muito difícil lidar com isso.

— Foram tantas coisas... — Murmurou. — Eu prefiro não lembrar elas.

— Não está conseguindo esquecê-las, na realidade... Quando algo dispara o gatilho emocional é isso que acontece. Ciclos de dor profunda que são acionados ao mesmo tempo ao estímulo. Seu corpo tenta se defender da ameaça... O que está te ameaçando de verdade Carol?

Caroline balançou a cabeça de um lado para o outro preferindo o silêncio. Laura maternalmente a abraçou e depois de alguns segundos, sentindo-se segura, ela ergueu a blusa, mostrando uma cicatriz que Laura nunca tinha notado, nem mesmo quando estiveram na praia. Fina e discreta, quase imperceptível no baixo ventre.

O coração de Laura acelerou quase imediatamente.

— Do que foi essa cirurgia?

— Um acidente...

— Que tipo de acidente aconteceu?

— Alguns superados, outros ainda doloridos. — Sorriu sem jeito em mudar de assunto. Era o máximo que conseguia falar sobre o assunto, já se sentia exausta antes mesmo de começar a explicar, então, desistiu. — Obrigada por estar aqui. Desculpe por dar trabalho.

— É o meu trabalho como amiga. — Virou de barriga para cima, virando o rosto para Caroline quando falou. — Mas você deve concordar comigo que precisa de um lugar mais seguro para estar até a poeira baixar, não sabe? O seu apartamento é bom, pequeno e confortável, a vizinhança não é tão agradável, mas é discreta, porém é tão difícil entrar aqui dentro. Pense na sua segurança!

Ela bufou com tanta insistência de Laura e o pior, estava coberta de razão.

— Tudo bem Laura... Eu não quero incomodar sua privacidade.  Agradeço pela estadia.

— Ótimo — Respirou aliviada. — Eu vou fazer um chá pra você relaxar um pouco.

— Vai me fazer dormir? Eu vou precisar trabalhar...

— Só relaxar. Eu sei o que estou fazendo — Piscou para Caroline e a deixou deitada estendida na cama.

***

— Seu telefone está tocando Caroline!

Laura gritou da cozinha pequena com um bule quente nas mãos enquanto misturava algumas ervas que sabia serem calmantes e que Caroline tinha, jogadas em algum pote qualquer. Entretanto, ela não parou o toque, não atendendo o número. Saiu da cozinha assim que colocou as plantas em infusão e já se preparava para se irritar e reclamar quando a encontrou dormindo.

Caroline dormia o sono dos justos, tranquila e encolhida como um bebê na cama enquanto as sirenes da polícia colocavam para longe os jornalistas futriqueiros da porta do prédio.

Laura colocou a mão na cintura e balançou a cabeça negativamente. Tomou a liberdade de atender ao telefone. O número de Raena brilhava na tela.

— Alô, Carol? Está tudo bem?

— Sou eu, a Laura... Ela cochilou aqui, mas já a acordo. Ela não se sentiu bem durante a tarde e acabou passando mal. Máximo está aí?

— Cobrando a presença dela imediatamente... — Revirou os olhos. — Ela está melhor? Eu imaginei que tivesse acontecido algo. Caroline nunca atrasou.

— Já viu os jornais hoje Raena? Ela está em todos. A imprensa está louca atrás dela. A polícia chegou agora para afastar a confusão.

— Deus santo! Ela já sabe o que vai dizer? Ela vai precisar dizer algo para a imprensa. Giuliano já instruiu?

— Eles estão com problemas... Ainda não se falaram.

— Eu estou... Sem reação — Raena se afastou dos ouvidos curiosos de Máximo e foi até a calçada.

— Eu sugeri que Caroline saísse do apartamento por alguns dias, ofereci meu apartamento pra ela ficar. É mais seguro do que aqui momentaneamente. Ela aceitou.  — Sentou na beirada da cama. — Eu vou acordá-la.

— Eu seguraria a recepção por essa noite, mas Máximo está insuportável. Se ela não vir será um escândalo!

— Eu sei o que ele é capaz.  — Sacudiu Caroline e ela resmungou. — Carol, vamos acorde. Eu nem te dei chá e você dormiu, imagine se tivesse tomado.

Demorou alguns segundos até que Caroline tivesse consciência de onde estava e de que precisava realmente levantar e trabalhar. Nem sabia como do estado de alerta que estava de repente caiu no sono. Seu corpo parecia à beira de um colapso para agir assim.

— Está com meu telefone? — Estranhou, se sentando na cama.

— Raena está te ligando. Está atrasada.

— Ai meu Deus! — Tomou o celular da mão da loira. — Raena mil perdões! Eu já chego, juro. Vou só vestir o uniforme e corro pra aí.

— Máximo está mais possesso que o normal... Corra menina!

Assim que a senhora desligou Caroline se enfiou no banheiro para um banho. Vestiu-se desesperada enquanto corria pelo apartamento. Laura a fez tomar nem que fosse um gole do chá e colocou o resto numa garrafa para que tomasse quando tivesse tempo.

— Eu arrumo minhas coisas quando chegar — Comentou colocando o batom de um tom rosado sóbrio de qualquer jeito. – Obrigada Laura! — Beijou a amiga de novo.

— Me sujou de batom! Pare de me pedir desculpas. — Esfregou o rosto. Pegou as chaves do carro e mostrou a Caroline. — Eu te levo e te trago. Sabe-se lá o que pode acontecer se sair andando ou pegar qualquer táxi.

Laura parou nos fundos do restaurante e Caroline desceu primeiro, entrando pela cozinha. Estacionou com mais calma e atravessou a rua com certa morosidade para entrar. Raena lhe aguardava na porta e a senhora lhe sorriu agradecida não só pela carona, mas por estar sendo um porto-seguro para Caroline.

— Venha por aqui... — Apontou por um caminho mais tranquilo entre os gritos, panelas e fogões da cozinha. — Já jantou?

Laura negou rapidamente.

— Vamos conversar lá em cima. O que acha de um penne all’arrabbiata?

— Estou evitando as pimentas mais fortes... Mas aceito uma Carbonara. — Acenou para os conhecidos funcionários do restaurante enquanto caminhava.

As duas subiram para o andar da administração e Raena lhe indicou uma porta. Era a sala da casa. Apontou para o sofá para que conversassem e se direcionou a adega de madeira na parede com vista para os Alpes brancos pela neve do inverno rigoroso.

A senhora estendeu duas taças no centro e delicadamente derrubou o líquido alcóolico nelas.

— Achei prudente que Caroline vai para sua casa — Começou o assunto se sentando na poltrona a frente da loira.

— É mais seguro até que as coisas se acalmem. Será um pouco difícil viver normalmente nas primeiras semanas, mas logo a imprensa acha outra coisa relevante para se importar.

— Se esse relacionamento conseguir sobreviver a esses dois, querida... — Comentou bebericando o vinho. Laura a olhou com surpresa. — Não dá para esconder coisas da experiência de uma velha minha querida. Apesar das boas intenções de ambos, há diferenças demais e parecem não estão dispostos a superá-las.

— Sei que se refere a Giuliano — Riu. Raena fez um sinal de mais ou menos. — Caroline é cabeça dura, mas consegue ser flexível.

— Exatamente. — Colocou a taça com força na mesa. — Eu vejo um futuro para ambos, mas as coisas ainda estão turvas e eles estão perdidos. Eu já havia conversado isso com Giuliano. Não os sinto em sintonia.

Laura não entendia exatamente aonde Raena queria chegar com aquele assunto ou se ela somente queria lhe manter acolhida e ocupada enquanto esperava por Caroline. Então manteve toda cortesia até que a comida chegasse pelas mãos de Kiara.

A garota entrou desconfiada no ambiente. Colocou a bandeja na mesa no centro da sala como Raena lhe mandou e saiu sem manifestar qualquer opinião.

— O que aconteceu com Kiara?! — Laura disse sem conter a surpresa assim que ela bateu a porta.

— Boa pergunta... — Apertou os olhos ao observar a porta por onde Kiara acabara de sair. — Sente-se aqui, por favor. — Apontou para uma cadeira na mesa e Laura obedeceu. — Ela está diferente não é? Estou tentando entende-la, mas ela só se esquiva. Parece com medo de alguma coisa. Temo que seja de Máximo.

— Kiara com medo de alguém?

— Ela assinou um contrato novo com um acordo impensável. Vai ajudar Máximo na contabilidade, o que implicaria em mais horas diretas com ele. Tudo a nossa revelia. Eu sequer sabia que Máximo estava planejando isso. Caroline ainda não assinou o dela, mas não duvido que vá acabar cedendo por medo de perder o emprego e de deixar Kiara sozinha com esse crápula.

— Caroline mal dá conta das responsabilidades que já possui... — Laura não acreditava que aquilo se confirmasse. — Mais horas de trabalho é completamente fora da questão. Ela vai ter uma estafa antes de acabar o mestrado.

— Eu gostaria de estar errada, mas ela está ficando sem opções. Vicente revisou o contrato. Ela terá que aceitar.

Laura mastiga a massa com certa dificuldade. Aquilo seria o inferno. Ainda mais quando não poderia estar completamente a cargo de Caroline naquele momento. Certamente aquilo deveria ter dedo de Norma. Máximo seria inteligente para tal, mas a ideia de ter a proteção de alguém importante o dava coragem para agir com tanta ousadia.  Afinal de contas pensar em continuar a se aproximar de Caroline com Luca tão próximo e com a ideia de que Giuliano estava na jogada era uma loucura que poucos homens teriam coragem de cometer.

— Eu tenho certeza que ela será sábia nas atitudes. Caroline é ousada, mas sabe onde pisa. — Esperava realmente que a amiga tivesse aquele senso que acabara de dizer.

— Minha preocupação é Kiara... Essa menina... Algo ele fez. E eu estou com medo do que tenha sido. Eu vi o jeito que ele a olhou dias atrás e logo depois já estamos vendo como ela minguou. 

— Acha que ele pode estar fazendo algo? Que coisa está pensando?

— Penso que ele está a chantageando. Mas não posso provar nada e muito menos acusa-lo para que ela fale. Não sei se Kiara seria capaz de falar a verdade por trás de toda essa submissão.

Laura se arrepiou no mesmo momento. O futuro de Kiara parecia cada vez mais frágil às duas mulheres.

O silêncio permaneceu por alguns minutos até que chegaram à sobremesa. Belos cannoli com recheio de chocolate. Raena riu um pouco, como se lembrasse de algo. Laura parou de comer com a testa franzida até que Raena tocou suas mãos que estavam paradas em cima da mesa.

— Quando sonhei com a plantação de erva de são João achei que era completamente avulso.

— Perdão? — Limpou o rosto com um guardanapo de tecido. — Não sei se compreendi.

— Sempre que sonho com isso, coincidentemente alguma mulher ao meu redor engravida. — Raena viu pequenas mudanças na expressão neutra de Laura. Assim como imaginava que seria.  — E dessa vez não poderia ser diferente. — Apertou com mais força as mãos da mais nova. — Está de quanto tempo?

Laura umedeceu os lábios e em seguida mordeu os lábios. Negar era a única opção.

— Eu não estou grávida, Raena.

— Seu rosto está diferente, sua pele... Está mais iluminada. Uma mulher com uma criança em seu ventre parece carregar o sol por cima da cabeça. Ouça, Laura: Eu sei que não tenho direito de me meter em sua vida, não vou te julgar ou qualquer coisa que pense. Eu quero ser um ouvido amigo, creio que não deve ter contado para ninguém. Está mudando seus hábitos discretamente, não bebeu uma gota de vinho e evitou as pimentas. E eu imagino que está carregando essa notícia para si mesma.

Laura piscou várias vezes e engoliu com muito esforço. Pousou delicadamente uma mão em sua barriga com um sútil inchaço e seus olhos se encheram de lágrimas.

— Eu ainda não fiz nenhum exame médico... Mas nas minhas contas devo estar com seis ou sete semanas. — A voz embargou imediatamente e apertou com proteção a barriga. — Meus pais não sabem de nada, Caroline muito menos. A senhora só soube por sua percepção aguçada... Eu não pretendo explorar a notícia para ninguém.

— E o pai desse bebê? Ele tem um pai eu imagino... Já sabe? Ou fez algum tratamento? Pretende contar com o apoio dele? — Se ajeitou na cadeira.

— Eu não sei... As coisas são tão complicadas... — Mexeu nos cabelos agitada.

— Imagino que não esteja bem com o pai não é? — Questionou e Laura fez que sim imediatamente.  — Precisa se preparar para essa conversa que provavelmente será bem longa. Uma criança muda à vida de qualquer pessoa. Nos torna mais responsáveis, mas nos faz sentir o maior amor do mundo. Engravidar é um privilégio que algumas mulheres infelizmente não têm... E eu creio por essa mãozinha cuidadosa aí que já está apaixonada por ele.

Laura fez que sim pela primeira vez sorrindo.

— É a melhor coisa que tive em anos... É tudo que eu mais sonhava.

— Estava planejando?

— Não... Eu não pensava nisso. Mas acho que inconscientemente o queria tanto, pois não estava me precavendo como deveria. Descuidei-me... E então meus seios incharam tanto, estão doloridos, tive um mal estar e logo pensei na possibilidade.

— O mal estar desses dias que falou que era gripe? — Sorriu desconfiada.

— Deus, a senhora sabe de tudo... — Baixou o rosto, envergonhada. — Eu só não queria fazer com que suspeitassem.

— Não estou te acusando, venha aqui, me abrace — A puxou, ficando as duas de pé.

Abraçaram-se e Raena sentiu Laura soluçar e chorar copiosamente em seu ombro. Nunca em sua vida imaginava ver Laura caindo no choro em seus braços. Apesar de ser divertida e animada raramente demonstrava grandes emoções e isso tornava todo aquele momento mais intenso.

Acariciou com uma mão o ventre dela e Laura secou o rosto com um sorriso ao sentir o afago.

— Eu não sei quem é o pai... Estou com minhas dúvidas — Murmurou para aplacar qualquer possibilidade de que aquilo pudesse prejudicar uma única pessoa.

Em sua mente sabia perfeitamente quem era o pai do bebê que esperava.

— Terá que fazer os exames e depois... Algumas contas... — Tentou solucionar a queixa. — Eu tenho a impressão que o pai ficaria muito feliz.

— A senhora acha mesmo? — Questionou realmente muito duvidosa.

— É um palpite. E se ele não ficar não merece ser pai. — Secou o rosto de Laura. — Agora respire e pare de chorar, eu sei que será difícil, afinal de contas os hormônios estão uma loucura dentro de você, mas essas emoções tão a flor da pele estão agitando o bebê também.

Laura agradeceu o carinho com um beijo nas mãos da senhora.

— Eu acho que eu realmente precisava contar para alguém. Estou me sentindo um pouco sozinha.

— Caroline no seu apartamento vai te ajudar, talvez... Vocês são tão amigas e ela é uma ótima companhia. Vai fazer com que se divirta e se sinta menos abandonada.

— Não sei se será uma boa ideia... O perfume dela anda me causando algumas náuseas. — Riu de leve e Raena gargalhou.  — Duas vezes hoje eu evitei uma proximidade maior. Não sei como ela não percebeu.

— Não pretende contar mesmo para ela?

— Prefiro não pensar nisso tão cedo... Quero ter certeza de que está tudo bem com o bebê primeiro. — Fugiu do assunto. — Marquei uma consulta para daqui há alguns dias, mas me sinto tão ansiosa.

— Eu imagino. Mas me falou de enjoos... Tem vomitado muito? Tenho umas dicas ótimas!

— Na realidade é mais a sensação de peso no estômago, estômago embrulhado. Só vomitei uma única vez... Aparentemente tudo muito tranquilo. Estou com um saldo positivo.

— Realmente... A gravidez da Olívia foi mais tranquila, assim como a sua está sendo. A da Martina foi terrível.  — Comentou.  — O que prefere? Tem algum palpite quanto ao sexo?

Laura fica totalmente sem graça de estar dividindo tantos pensamentos profundos com Raena, todavia se sente em paz. Confiante.

— Não sei...  Minha família tem muitíssimos casos de gêmeos, dos dois lados da família. Penso se não são dois... — Disse e Raena arregalou os olhos. — Mas penso que seja menino, ou talvez dois. Não paro de olhar quartos em sites de decoração e sempre me interesso pelos quartos de menino.

— Será uma boa mãe Laura. Tem amor nos seus olhos.

***

Caroline terminava de secar os utensílios da cozinha enquanto Kiara os guardava. Estava ansiosa por finalmente ter algum minuto onde à amiga não tivesse como fugir, como percebia que ela andava fazendo.

— Amanhã terá o aniversário de Constanza, na casa dela. Estamos organizando algo. Eu te falei na mensagem, mas acho que não teve tempo para me responder... — Jogou no ar.

— Eu não vou poder ir.

— Amanhã é sua folga, Kiara — Encarou-a. — Tem algum outro compromisso?

Kiara lhe olhou com tristeza. Como se quisesse dizer algo. Um lapso rápido o suficiente para fazer Caroline duvidar se aquilo realmente existiu. Rapidamente ela voltou a ter a expressão triste e rabugenta que agora era predominante.

— Como pediu folga amanhã à noite, eu terei que te cobrir. Por isso não vou.

Caroline se sentiu culpada imediatamente. Baixou os ombros e segurou Kiara antes que ela saísse e fugisse de novo.

— Eu fico. Pode ir. Eu converso com o pessoal e aviso que chegarei atrasada. Não sabia que Máximo tinha manejado as coisas desse jeito, por isso aceitei adiantar minha folga da semana.

— Sempre tão boa... — Sorriu desgostosa. — Quer culpar Máximo por ter chego atrasada hoje também?

Caroline ergueu as sobrancelhas, surpreendida com aquele tom, e mais ainda com aquele discurso.

— Kiara, me desculpe.  Foi você que ficou na recepção enquanto eu não chegava? Eu te dou essa parte do meu salário. Realmente estou um pouco sobrecarregada e não me senti bem. Mas não me trate desse jeito Kiara, eu estou tentando...

Foi interrompida por uma lágrima caindo dos olhos de Kiara.

— Tentando o que? Enquanto se atrasa, eu tenho que te cobrir, quando quer adiantar sua folga, eu tenho que passar mais um dia aqui. Enquanto está se assessorando dos melhores advogados da Itália para não ter que ficar mais tempo com o Máximo e trabalhando mais tempo, o que eu tive como opção Caroline? Tem tantas pessoas para te proteger, e o que eu tenho?

“Proteção?” Caroline se atentou a essa palavra, mas não tinha ideia da profundidade do discurso de Kiara.

Seu coração se apertou ao ver o desespero e a revolta nas palavras de como ela estava se sentindo injustiçada. E o pior, que aquilo tudo poderia ser sua culpa.

— Teve a opção de não assinar... Poderíamos ter conversado. Vicente viu o meu contrato, Martina também... Eu poderia ver algo com o advogado que Giuliano conhece. Meu Deus, até Giampiero poderia nos ajudar. Você não me pediu ajuda, Kiara. E eu quero nos tirar desse ninho que esse homem nos colocou, me ajude a te ajudar então.

— Existe muita coisa que você nunca entenderia... Não seria capaz. Você nunca seria como eu ou passaria pelas coisas que passo... É uma egoísta.

Apesar da tristeza que sentiu ao ouvir essas palavras continuou tentando.

— Me conte. Conte-me, por favor! Eu sou sua amiga, tudo o que quero é que me ajude a entender. Eu não quero te deixar sozinha.

— Eu já estou sozinha Caroline.

— Não, não está. Diga-me o que ele fez para te convencer, que acordo prometeu... Qualquer coisa!

Kiara respirou fundo como se preparasse para falar alguma coisa. Caroline largou o pano que segurava e a fez andar para trás da porta, longe de qualquer ouvido interessado na conversa que estavam tendo. Afagou as costas da amiga enquanto ela se abraçava como se protegendo de alguma coisa.

— Máximo... Ameaçou-me — Suas mãos tremeram imediatamente.

— Te ameaçou com o que?

Kiara parecia estar com nojo de algo, porque imediatamente esfregou os próprios braços com desprezo repetidamente.

— O contrato... Ele me obrigou...

— Isso eu percebi... Ele te chantageou com o que?! Ele te tocou Kiara? — Não duvidava em nada da capacidade de Máximo e seu coração disparou na mesma medida que sua voz aumentou ao perceber que os gestos que ela fazia combinavam com sua última pergunta— O que ele fez Kiara?!

— O que acha que eu faria com a Kiara, Caroline?

Caroline se assustou suficientemente para desequilibrar. Apertou os olhos com força tentando escapar da visão daquele homem.

 Kiara se afastou se escondendo atrás de Máximo, como se fosse o problema e a ameaça e não aquele homem desprezível.

Ela sentiu o impacto de ter sido deixada sozinha por Kiara, baixou o rosto por alguns segundos se sentindo impotente.

— Não foi nada demais... — Kiara falou insegura tendo as feições inquisidoras de Máximo sobre ela.

— Caroline acha que por estar de caso com Giuliano Bocarelli pode ser paladino da justiça e moral como ele crê que pode ser. — Máximo Debochou. — Se sente melhor do que os outros, Caroline?

Caroline sorriu de canto, erguendo os ombros e empinando o queixo. Poderia ter medo, mas não deixaria que Máximo falasse o que bem entendesse e continuasse aquela narrativa ridícula.

— Essa mania de inferioridade que sente... Esse vitimismo não passa de uma das perturbações de uma mente afetada. Eu tenho muito mais com o que me preocupar do que com suas acusações sem fundamento. Fantasias de uma pessoa delirante.

Máximo segurou seu braço, primeiro levemente e depois mais firme. Caroline não se moveu mesmo com a força que ele fez para juntar os seus corpos.

— Eu nunca machucaria Kiara.

— Eu nunca pensei nessa possibilidade... — Foi cínica. — Seria incapaz de machucar alguém, seu apertão no meu braço está provando isso.

Máximo afrouxou o suficiente para Caroline se soltar.

— Perdão, primeira-dama. — Fez uma mesura exagerada. — Não quero Giuliano Bocarelli preocupado com você e com os modos como lhe trato.

— Eu não vou continuar essa discussão ridícula com você, participar de seus delírios não faz parte do meu divertimento. Você é um ser pequeno demais para que minha suposta grandeza continue essa conversa com você.

Máximo a segurou de novo, dessa vez com mais força bruta e nos dois braços. Caroline gemeu com a dor e de nojo de sentir Máximo tão perto. Kiara o segurou pelo ombro pedindo aos sussurros que ele a soltasse.

— Solte-a Máximo! — Raena gritou da escada que levava para o andar de cima. Máximo persistiu no aperto, se divertindo internamente com as tentativas falhas de Caroline se soltar. — Eu estou mandando que a solte Máximo. Agredir funcionários lhe colocaria pelo menos por um dia na cadeia. Ficou louco?

O homem obedeceu a contragosto com um sorriso doente nos lábios. Sentia prazer em ver a expressão de dor que ela tinha quando massageava os braços num tom rubro.

— Peço desculpas pelos excessos... Um homem quando acusado de tamanho abuso pode perder o controle facilmente. Caroline me perdoe.

Laura, que estava do lado de Raena, finalmente resolveu se manifestar:

— Que tamanho abuso Caroline resolveu cometer?

— A de dizer que eu agredi minha namorada.

Caroline e Raena se olharam estupefatas e depois miraram Kiara, que somente baixou a cabeça, envergonhada.

Aquilo só poderia ser uma loucura, um universo alternativo.

— Kiara... Ele está falando algo certo? — Laura analisou a expressão de Kiara e viu medo na confirmação. 

Caroline tentou ir até Kiara, mas Máximo a impediu, colocando Kiara atrás de si novamente. Raena terminou os degraus e tocou a menina pelos cabelos e ela se virou atordoada com toda aquela confusão ao seu redor, mas sem dizer nada que a explicasse além da expressão controlada de choro.

— Como isso aconteceu? — Questionou com os olhos cheios de lágrimas e perguntas.

— Amor... O sentimento dos mais puros. — Máximo justificou. — Vimos o que sentimos ontem à noite, quando tivemos um momento a sós enquanto trabalhávamos. Não é só você que poder ter um pouco de paixão, não poder ser a única da face da terra a sentir isso Caroline.

Caroline então notava o quão invejoso e tóxico eram aqueles comentários. De algum jeito ele estava usando isso para envenenar Kiara e as afastar mais ainda. Afastando-a da única pessoa que poderia detê-lo.

— Vindo de você deve ser puro mesmo... Pura mentira — Caroline disse enojada, enfrentando-o com postura de que sabia como vencê-lo. Recebeu um olhar censurador de Laura. — Parabéns pelo joguinho. É tão baixo quanto você.

— Caroline! — Laura bradou alto e de maneira autoritária o suficiente para satisfazer os ouvidos nojentos de Máximo. Encarou-o, colocando-o no lugar. Tinha poder o suficiente para torna-lo nada mais do que um nada, e ele sentiu isso. — Vamos embora!

— Deixe Laura, estou me divertindo com acessos de ciúmes de Caroline. — Se interessou em saber e se aproximou de Caroline, empunhando o corpo grande sobre ela. Tentando de algum jeito seduzi-la.

Dessa vez nem Laura se conteve e riu. Raena segurou a mão de Kiara, pedindo uma mínima explicação com o olhar em meio à distração de Máximo. Caroline mordeu os lábios ironicamente e sem perceber acabou o provocando mais ainda.

— De você?  — Riu pelo nariz e em seguida gargalhou cruzando os braços.

— De mim. Age como se fosse um absurdo, mas está muito interessada no meu relacionamento com Kiara.

— Ficou louco? Quer dizer, mais louco ainda? De onde tira esses absurdos, Máximo?! Eu definitivamente não consigo acompanhar esse nível de inteligência e percepção. É de outro mundo. Se tenho algum motivo para me intrometer é questionar se Kiara tem certeza de que está se relacionando com um lunático.

Máximo sorriu como se sentisse que estava certo e Caroline estivesse realmente com ciúmes.

— Fico realmente surpreso com seus ciúmes.

Alguns funcionários que estavam arrumando a cozinha já se atentavam que acontecia alguma confusão ali e caminhavam para lá.

— Caroline está dispensada... — Máximo ordenou e os outros funcionários entenderam que não havia mais nada para ver. Ele se aproximou despretensioso do corpo dela. — Eu sei o que quer Caroline, e você conseguiu.

Olhou-o de lado, enjoada somente de imaginar ao que Kiara poderia estar se sujeitando com um homem tão asqueroso. Pensou em dizer que tinha nojo dele, mas lembrou de Giuliano lhe pedindo que evitasse mais confusões, já tinha uma e não pretendia piora-la.

— Eu vou vir trabalhar amanhã — Avisou puxando a bolsa do armário. — Pode dar a folga da Kiara. Eu não assinei o contrato, mas posso ajuda-lo com a contabilidade amanhã. Uma experiência.

Máximo sorriu já sonhando com o que poderia fazer. Puxou Kiara de perto de Raena e ela o obedeceu seguindo-o escada acima com resignação. As três mulheres restantes saíram do restaurante indo até o outro lado da calçada onde seria seguro conversar.

— Mas de onde é que isso aconteceu em tão pouco tempo? Está claro que esse doente está a ameaçando, ela mesma me confessou. Mas ele nos interrompeu e o resto vocês viram. — Caroline retirava os sapatos com raiva ficando descalça na rua. — Eu me recuso a aceitar isso tudo calada. O que ouvi já é suficiente para provas e denunciar esse surtado a polícia!

Raena permanecia calada e Laura aconselhou:

— Se o denunciar e a polícia não achar que é comprovação o suficiente é difícil saber o que vai restar. Ele ainda tem uma imagem a zelar, se for preso não terá mais nada que o controle. E você não pode ficar sozinha com esse homem.

— Preciso descobrir algo sobre esse relacionamento com os pais dela. Talvez eles saibam de algo que nós não sabemos.  — Raena pensou. —E eu vou ficar com eles, não ficarão sozinhos. Ele está indo cada vez mais longe... Dou graças a Deus que resolveu ouvir a voz da razão e passar um tempo com Laura.

— É mais seguro pra você ficar lá em casa... Já que ao que percebemos o risco não se restringe a imprensa. Máximo é o problema da vez.

— Kiara acha que sou culpada pelo que está acontecendo, fala que sou protegida, que nunca a entenderia... E que sou egoísta.  Ele está a manipulando, me culpando por alguma coisa. Não se preocupe comigo. — Apertou as próprias mãos e só parou quando sentiu o ardor dos furos que suas unhas grandes foram capazes de fazer a si mesma. — Há mais risco pra ele do que pra mim.

Laura a observou com descrença, receosa por aquilo ter algum fundo de verdade. Pretendia dissuadi-la daquela ideia antes que aquilo terminasse pior do que já estava. Máximo parecia muito mais obstinado do que nunca e a maneira como Caroline o enfrentava parecia que alimentava mais ainda a obsessão do homem.

— Ela está sendo manipulada, não dê ouvidos ao que ela fala. — Raena ralhou. — Vamos dar um jeito nisso. Tenha certeza. Agora entre no carro antes que algum dos abutres que andam te seguindo apareça. — Abriu a porta e Caroline atendeu ao pedido.

As duas mulheres deram a volta ao redor do carro para que Laura chegasse à porta. Antes que ela a abrisse Raena segurou a loira pelos cotovelos levemente.

— Não deveria presenciar esse estresse... — A abraçou como uma avó cuidadosamente faria com a neta. — Cuide-se querida.

— Está tudo bem... Eu não sou tão sensível assim e eu acho até que ele se divertiu com os delírios de Máximo.

— Esse ambiente tão mau não faz bem para uma mulher no seu estado. Se eu soubesse que encontraria aquela confusão nem teria deixado que descesse, querida.

— Pare de se culpar, Raena... Eu não sou de papel. Eu e o bebê estamos bem, cansados, mas bem. Agora vá dormir a senhora, e de preferência na sua casa. Com Máximo por perto não dá para confiar.

As duas se despediram mais uma vez e Laura entrou no carro. Caroline estava com a cabeça no painel do carro enquanto falava ao telefone. Não conseguiu obter informações o suficiente para entender do que se tratava, mas sentiu a preocupação.

— Aconteceu mais alguma coisa?

— Esse dia não vai acabar tão cedo... — Caroline murmurou ainda com a testa no painel. — Giampiero me ligou... O juiz assinou agora a pouco uma ordem de busca e apreensão na casa da pessoa que criou aquelas notícias.

Laura sabia o que aquilo significava. Ajeitou-se no carro esperando que ela conseguisse terminar de falar e Caroline não demorou a dizer.

— É uma senadora da república. Roberta di Rosa. Foi utilizado algum computador da casa dela para fazer a notícia. Eu não estou com um pressentimento nada bom... Laura.

— Agora não há mais o que fazer, não tem como voltar atrás Caroline.

— Vou conversar com os meus pais e Vitor... Ele passou o dia em Milão, mas volta depois de amanhã pra cá... Não quero correr o risco de que ele passe por algum problema por minha causa, caso a gente saía junto.

— Seu primo veio te ver, conhecer os lugares. Não pode se privar por isso. Vou marcar uma viagem para todos nós, o que acha? Podemos conhecer alguns lugares turísticos para todos nós. Fica fora da cidade durante um dia e não vai comprometer o pouco tempo que vocês têm.

— É uma ótima ideia... Sábado é minha folga mesmo. Cancelei o adiantamento que pedi para amanhã.

— Falou com Giuliano? — Perguntou temerosa do que iria ouvir.

— Ele me ligou algumas vezes, mas eu estava trabalhando e agora estou profundamente irritada e cansada. — Socou a própria perna.

— Está o evitando Caroline... — Alertou. — Fale com ele amanhã. Façam alguma videochamada, que tal?

— Eu sei que ele tem um motivo plausível, pelo menos acho que deve ter... Mas eu me senti tão mal com o que aconteceu. Eu estou magoada com ele Laura e preciso de algum tempo para não agir impulsivamente e acabar magoando-o também, como fiz com na nossa última discussão.

Noite seguinte

Trento, 23h42min da noite.

Casa de Constanza.

Peter remexia na gaveta que Constanza lhe indicou em busca do abridor de champanhe. Pôs a garrafa sobre o balcão de mármore e enfiou o rosto no armário, já irritado com a demora em encontrar o objeto. 

— É a gaveta de baixo... — Constanza soprou.

Peter pulou com o susto e ouviu o gargalhar de Constanza em suas costas. Xingou em inglês e ela riu mais ainda.

— Já está bêbado? — Abriu a gaveta e pegou facilmente e abridor. — Eu falei mil vezes na segunda gaveta de baixo para cima.

— E por que não disse que era a terceira gaveta então? É mais compreensível.

— Compreensível para um bêbado. — Exibiu o abridor nos olhos dele. — Deveria diminuir o ritmo dessas farras. Vai acabar com o seu fígado antes de sair da Itália.

Peter a ignorou. Constanza e seus hábitos de exagerar para pior o seu comportamento.

— Tem certeza que é uma boa ideia ter deixado Caroline cuidando do seu bolo? Sabe que ela não é confiável com comida, não sabe?

— Foi ela que organizou tudo isso, não é possível que ela desista de todo o planejado para comer o bolo da festa. — Encostou-se ao balcão dessa vez. Analisando o americano com mais afinco. Buscando sinais de um homem sombrio que fazia qualquer coisa por poder. — E ela não está indo tão bem assim com a comida. Você sabe. Tive que obrigar ela a comer hoje no almoço.

— A imprensa está a enlouquecendo. Eu tive que a ajudar a sair da rua para entrar na universidade hoje pela manhã.

— O que acha disso tudo Peter?

Uma observação suspeita era tudo o que queria para entender como Peter funcionava e como trabalhava.

O americano pareceu não compreender a pergunta e franziu a testa.

— Sobre a imprensa? Acho que estão como abutres. Umas fotos e eles esquecem que ela tem uma vida e a perseguem como loucos. Abusivo.

— Falo sobre o relacionamento. Acha que está fazendo bem para ela? — Buscou a opinião do rapaz e qualquer expressão mais suspeita. Peter a olhou como se fosse à pergunta mais doida que já tivesse ouvido. — Eles parecem passar mais tempo se desentendendo do que se divertindo.

— Isso é você quem diz Constanza...  — Mexeu a cabeça de um lado para o outro. — Eu realmente não conheço os detalhes da relação dos dois e Caroline nunca me disse nada. E que casal não briga? Com tanto que se resolvam depois... Acho válido. Amor de reconciliação costuma ser maravilhoso — Sorriu maliciosamente e abriu uma porta do armário buscando pelas taças — Onde elas estão? Precisamos brindar logo, o champanhe vai acabar esquentando.

Constanza teve pela primeira vez vontade de rir.

— É sério que pensa nisso Peter? No sexo de reconciliação?  — Aponto para o armário mais alto e continuou —: Falo das consequências emocionais disso tudo. A imprensa, a exposição, o estado psicológico de Caroline que não deve estar nada bem.

— Isso me preocupa... Carol não merece estar passando por tanto sufoco. — Bufou. — Ela é uma das pessoas mais gentis, ao contrário de você, que já conheci. Merece um homem que a apoie. Se Giuliano Bocarelli não está fazendo isso por ela eu realmente sinto por ele, que vai perdê-la.

— Tinha uma queda por ela Peter... Era real ou mais uma de suas aventuras? — Continuou seu interrogatório disfarçado.

— Caroline não faz o estilo de aventuras, descobri isso depois. Mas por que tantas perguntas agora Constanza? Sabe que é seu aniversário e temos que brindar lá na sala. Estão todos nos esperando.

— É difícil te agradar, sabia? Quando não converso sou chata, fechada, esquisita, quando resolvo ser simpática me trata com tanto estranhamento.  — Prolongou o assunto.

— Você extremamente simpática é mais estranho do que quando está nos olhando como a Mortícia Addams. Parece uma vampira prestes a sugar nossos sangues. Está interessada nos nossos pescoços? — Brincou e recebeu uma tapa nos ombros. — Já estou surpreso que deixou a festa acontecer na sua casa.

— O que pensa de mim, Peter?! — Continuou questionando dubiamente, esperando que ele falhasse.

— Que é uma espécie de maluca sombria — Foi sincero.

— Uma pena que ache isso de mim. Eu posso ser uma ótima amiga. —Mordeu o canto dos lábios e balançou a cabeça positivamente quando ele continuou duvidando de sua afirmação. Como amiga poderia se aproximar com menos reservas, participar mais de sua rotina. — Podemos ser amigos.

— Sua nova idade está te deixando esquisita garota... — Deu as costas para ela. — Mas podemos ser amigos.

Constanza segurou o braço de Peter, o impedindo de sair.

— Desculpe se causei uma má impressão todo esse tempo. Não quero continuar sendo esse tipo de pessoa... Que assusta os outros. Apesar da minha personalidade mais quieta, pretendo não ser tão fechada nesse novo ciclo da minha vida. Quero recomeçar. Pode me ajudar? Sendo meu amigo?

— Onde estamos? No ensino fundamental onde me pede para ser seu amiguinho? — Sorriu até comovido. — Podemos ser então Constanza. Posso te chamar de Tanza, também?

— Esse privilégio é somente da Carol. — Apertou os lábios um pouco. — Pode me arranjar outro.

— Tenho essa liberdade? — Constanza fez que sim. — Mortícia Addams. Eu acho uma boa opção.

— Vamos ter nossa primeira briga como amigos se continuar me chamando assim.

Peter deu de ombros.

— Mortícia Addams. — Ele confirmou. — Amigos irritam uns aos outros. É um bom começo.

— Você não presta...  — Andou atrás dele segurando algumas taças que ele lhe empurrou para carregar.

— Muito menos do que imagina — Ele debochou.

Constanza parou e Peter ao sentir que não estava acompanhado se virou para ela.

— Então me mostra que não presta... — Insinuou desafiadora. Queria descobrir o que o americano com fama de boa gente era capaz de fazer, desmascará-lo e por meio dele achar quem procurava. — Me conte o que de mal há em você, Peter.

Peter sorriu de canto, sedutoramente. Constanza juntou as sobrancelhas sem compreender o que se passava na cabeça dele.

O homem colocou a garrafa no balcão e juntou o corpo esguio junto ao seu. Puxou Constanza para si e segurou nos fios da nuca feminina. Ela tentou formular que não era daquilo que falava, mas seu corpo se arrepiou a fazendo esquecer o estava planejando falar. Ele sugou seus lábios, empurrando-a contra a geladeira.

Explorou sua boca como se fosse um velho conhecido, como se tivesse lhe beijado uma vida inteira, reconhecendo seus pontos sensíveis, os tocando como um especialista. Constanza se perdeu no que estava fazendo quando ele lhe pressionou na cintura esfregando as mãos grandes em sua pele arrepiada. Segurou os ombros dele e sua tentativa de reação foi minada novamente ao sentir os músculos rígidos lhe segurando. Mordeu-o, mais de leve do que achava que seria e ele lhe mordeu de volta realizando a triangulação de beijos entre sua boca, pescoço e boca novamente. Erguendo suas pernas, lhe segurou completamente no colo contra a geladeira.

— Não me digam que não acharam esse abridor ainda! — Luca chegou falando alto e rindo. Paralisou imediatamente com a cena. — O que diabos está se passando aqui...

A boca ficou aberta tempo o suficiente para Dhiren se espantar e chegar perto de Luca o sacudindo:

— Professor, tudo bem?

Luca apontou para frente apático. Dhiren arregalou os olhos e ali ficou completamente estarrecido também. Os dois homens paralisaram com os amassos loucos de Constanza e Peter.

— O que é que... — Dhiren tentou falar, mas paralisou novamente.

Os dois se entreolharam de novo.

— Eu não sei... Eu definitivamente não esperava por isso — Luca falava com a voz aos sussurros.

Quando o ar de Peter faltou, Constanza o empurrou quase caindo no chão desequilibrada pela falta do apoio do homem. A geladeira arrastou no chão fazendo um enorme barulho. O americano a segurou contra si de novo, pronto para continuar de onde haviam parado dessa vez a colocando em cima da pia, já embrenhando as mãos pelos cabelos dela. Constanza o empurrou de novo de olhos arregalados.

— PETER! Eu não estava falando sobre isso! — O fôlego parecia à última coisa que tinha, pois se coração seguia acelerado e o ar estava mais raro que diamante.  — Por que me beijou desse jeito?

— E do que estava falando Constanza com essa história de mau? — Cruzou os braços.

— Eu não sei do que estavam falando, mas a geladeira deve saber — Dhiren murmurou para Luca chamando atenção.

Constanza e Peter finalmente se deram conta de que havia uma plateia assustada os observando. Constanza escondeu o rosto entre as mãos, envergonhada, e Peter, pasmo, paralisou com os olhos arregalados para Luca e Dhiren.

Luca não sabia se ria ou se saía fingindo que não viu nada então resolveu falar alguma coisa. Apontou para o objeto jogado num canto do chão:

— Acho que encontraram o abridor...  Pelo menos...

— O que foi que eles não encontraram professor? — Dhiren sussurrou risonho.

— O quarto... talvez — Riu engasgado, fazendo graça com o aluno.

Os dois dispararam a gargalhar.  Luca se apoiou numa fruteira de madeira e ali ficou gargalhando por alguns segundos.

Peter e Constanza se olhavam focados em encontrar uma saída educada para o vexame, todavia não conseguiam pensar em nada e Constanza rosnou para Peter. E ele lhe olhou indignado, se eximindo da culpa.

— Há quanto tempo estão aí? — Ela resmungou. — Não tem vergonha Luca?

— Eu que tenho que ter vergonha, Constanza?  Quer dizer, está em sua casa, mas está lotado aqui e qualquer um poderia chegar, como bem chegamos, inclusive.

— A CULPA É SUA, PETER! — Vociferou o estapeando.

— Minha? Agora a culpa é minha? Só minha?

— Claro que é sua! Isso foi um acidente. A gente se esbarrou e acabou que... — Olhou para o americano tentando achar uma continuação para a mentira, mas ele não soube formular nada. — Foi só um acidente.

— Acidente de uns trinta segundos ou mais e uma geladeira fora de lugar? Os deuses sabem que eu preciso de um acidente parecido — Dhiren replicou.

Luca cobriu a boca para conter a risada, afinal Constanza estava à beira de uma explosão vermelha como estava. Rir só ria piorar.

Constanza revirou os olhos, emburrada.

— Você entendeu tudo errado Peter! — Saiu pisando fundo da cozinha.

— E de que jeito era para entender? — Seguiu-a e Constanza que ele a deixasse. — Constanza, volta aqui! Vem aqui, a gente vai precisar conversar!

—Está aí um casal que eu nunca imaginei acontecendo — Dhiren pegou o abridor no chão. — Parece que o amor de Giuliano e Caroline andou contagiando outras pessoas...

— O espírito do romance anda rondando meus alunos... — Bateu nas costas do indiano saindo da cozinha. — É a hora de tentar com alguém que queira. O momento para dar certo é agora.

— No alojamento não tem uma geladeira tão forte...  Poderia conseguir uma dessas para gente?

— Eu vou ter que conseguir uma dessas lá pra casa antes disso.


Notas Finais


Falem a real se o Louis não é a coisa mais fofinha? kkkkkkkkkkkk
Teremos em breve esse encontro que todo mundo está esperando, só que talvez não seja como estão pensando... Ou seja, vai saber.
Beijos! Até a próxima e fiquem com Deus <3


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