“Você está bem?” A voz de Rhaenya era melodiosa como a de Elias, mas seus olhos eram tão expressivos que não escondiam a suspeita ao olhá-la.
“Sim.” Sansa mentiu continuando a olhar o globo de seu lugar favorito. A grande claraboia entre salas e quartos. Era “noite”, o horário de Westeros dizia que se podia dormir a qualquer minuto, mas para Sansa era o horário que Jon não estava e podia respirar melhor.
“Está preparada para outro julgamento?” A outra perguntou chegando mais perto. Não. Ela não estava preparada para novamente passar pelo excruciante sensor neural, mas já tinha experiência naquilo. Apenas acenou com a cabeça para evitar prolongar a conversa. “Sabe... Desde que você chegou, parece que você mexeu no eixo de Lor.
Sansa a aguardou concluir. Pensou nas possibilidades daquela conversa ser apenas mais uma armadilha dos Targaryens de tentar conseguir com ela algo contra Cercei além daquilo que se sabia em público. Rhaenya tinha um alto posto na promotoria, Rhaegar queria o posto de primeiro ministro das estações, Aegon queria ser indicado como juiz Exterior e Sansa era um caso pronto, robusto e caseiro para servir de trampolim. Até mesmo Elia queria dela algo, sempre ao redor de Sansa com ferramentas comportamentais.
“Jon...” Rhaenya se aproximou ainda mais, serpenteando como todo dornês, olhando com olhos sensuais e rosto de quem sabe que há uma mentira no ar. “Ele parece outra pessoa.” Sansa ainda permaneceu calada. “Veja... desde que papai pretende o cargo de Primeiro Ministro, desde que Daenerys pretende ocupar a cadeira de Cercei, desde que somos acompanhados horas por dia em nosso próprio canal na manta, Jon não tem feito nada além de ser um burocrata chato e correto. Um bastião da retidão e senhor do livro de regras... Até você chegar.”
Rhaenya suspendeu o braço e deixou um holograma de Jon caminhar perto delas. Na gravação cortada, ele conversava com várias pessoas em ambientes diferentes pedindo para testemunhar que ele podia ser guardião dela. Os rostos conhecidos em sonhos longínquos: Karstarks, Umbers, Mormonts. Sansa arregalou os olhos tentando conter a vontade de chorar.
“Meu irmão, pedindo para que amigos da família testemunhassem para o juiz de guarda de Stannis que ele era idôneo e responsável suficiente para tê-la aqui. Meu irmão, pedindo à minha mãe para recebê-la aqui depois dos psicólogos dizerem que você não ficaria à vontade ao lado de homens. Meu irmão, cancelando sua participação em nosso show, perdendo alguns milhões de crédito para não ter sua imagem filmada por ínfimas duas horas por semana, apenas para te dar privacidade e...” Ela desligou as imagens. “Algo que não está registrado: Meu irmão, tão duro e estoico como sempre foi, se derreter ao menor aparecimento seu em jantares que ele nunca quis vir.” Ao final, Rhaenya tinha ela contra o grosso vidro blindado e o canto da claraboia
“Eu não sei o que dizer.” Se desesperou levemente. Não conseguia ler Rhaenya, não conseguia entender como abrir caminho para uma conversa que a deixasse balançada, como aquela. “Jon é Jon. Ele é tudo que você disse, mas ele é mais e melhor...”
Calou-se. Não sabia o que queria dizer, só não queria que palavras como aquelas fossem usadas para descrevê-lo, apenas e queria que a mulher parasse de se comportar como um perito criminal. Pensou em como mudar a direção daquilo e tentou se organizar.
“Jon é realmente cuidadoso com tudo. Sei que ele deve estar preocupado com o que minha história pode fazer para a campanha do senhor Targaryen e da Noiva. Eu posso ser presa por ter tentado entrar na Muralha, por ter matado um homem... Isso deve ser de motivo de grande preocupação para ele.” Sansa tentou.
“Presa por tentar entrar na Muralha? Se você tivesse ficado em terra, talvez. Presa por matar um homem? Ele a molestou, foi legítima defesa, A vigilância reconheceu. Não há nem o que pensar...” Sansa não sabia o que responder, tinha esperado o inferno cair na cabeça dela, mais ou menos como na Itália.
Ela olhou para fora tentando entender.
“Eu posso ir embora?” Pensou que se não seria incriminada, poderia finalmente se afastar sem precisar esperar por nada.
“Não... Jon ainda tem sua guarda até seus testes darem okay...” Tudo que Rhaenya dizia era dito com os olhos inquisidores. “Sansa... O que há entre você e meu irmão?”
“Rhaenya!” A voz baritona de Rhaegar assustou a elas duas.
“Papai!” A mulher se transformou numa menina de cinco anos e abraçou o homem de cabelos brancos.
“Você sufoca a senhorita Stark!” Sorriu galante. Entendia por que sua tia se apaixonava por ele todas as vidas. Havia um magnetismo e facilidade de entrosamento do sorriso de Rhaegar que era desconcertante. “Elia a paparica como se ela fosse uma boneca dos tempos antigos! Aegon a observa como se ela fosse um alienígena, você faz perguntas intransigentes e Jon... Bem... Jon tem... sido Jon!” Sorriu de novo.
“Com licença!” Sansa quase fez uma reverência.
“Sansa, um minuto. Eu consegui fazer com que uma pessoa viesse à Lor e assim, possa ajudá-la a superar tudo... nos testes psicológicos... como da última vez.” Ele deu um olhar condescendente a ela. “Consegui localizar Sam Tarly!” E então, Sansa tinha dois pares de olhos inquisidores para ela. Os violetas eram astutos e sagazes e os marrons eram curiosos.
“Quem é esse?” Rhaenya não se conteve.
“Sansa?” Rhaegar incentivou uma resposta.
“Meu antigo terapeuta.” Se limitou a dizer tentando controlar dentro de si a confusão emocional de ter seu parapsicólogo de volta a tratá-la. Pensar em reviver emoções ligadas ao passado e à Jon tiravam-lhe o fôlego. Reviver as partidas, as separações, as misérias vivídas... De que adiantaria? “Com licença.” Dessa vez, atrapalhada, fez uma reverência e saiu para seu quarto.
Oito anos antes, Sansa não conseguia lembrar do que aconteceu na festa dada por Joffrey Lannister Baratheon na Estação Fortaleza Vermelha, sua mãe a levou à Sam Tarly para tentar uma regressão que pudesse dizer como Sansa tinha conseguido as marcas pelo corpo. Tarly a levou não só àquela festa, mas à outras vidas, outros instantes, outros mundos onde ela pôde ver o que a vida lhe guardava.
Amadureceu várias vidas em alguns meses, transformou-se na mulher que era sem passar por todos os augúrios e tinha como única missão: Fugir da morte precoce e fazer com que Jon fosse feliz estando longe dela. Se não seria presa, se não responderia criminalmente, se apenas precisava deixar claro que podia cuidar dela própria, pra quê trazer Sam Tarly até ali? Ela precisava falar com Jon. Quebrando a promessa que fez a si própria. Não podia ficar à mercê daquelas pessoas desconhecidas. Precisava encontrar uma forma de ser independente e só confiava nele.
*
“Você está de acordo com isso?” O irmão perguntou enquanto eles assistiam ao pai falar sobre a abertura da investigação contra os Lannisters e Baelish.
“Não.” Jon passeou por entre os hologramas dos presentes da coletiva que o pai deu na estação central. “Mas tão pouco acho que os Lannisters devem continuar como líderes da Red Keeper e Baelish precisa ter o nome lembrado como molestador. A morte dele foi muito simples.
“Uma morte passional, Jon. Um esfaqueamento, num beco, em terra, por algum drogado do Entroncamento é muito simples? Vindo de papai ou do vovô, eu não estranharia, mas vindo de você, nobre cavaleiro...” Aegon foi interrompido pela carranca de Jon.
“Você não leva nada a sério além da própria imagem?” Jon deixou o escritório e Aegon o seguiu.
“Jon. Se o papai provar que os Lannisters perseguiram Sansa, que sabiam do que Baelish fazia, você tem ideia de que a cabeça deles vai rolar e sua amada Daenerys será eleita líder da Red Keeper. Não se faça de rogado.”
“Daenerys iria conseguir mesmo sem o caso de Sansa.” Eles atravessavam Lor à passos largos até o pavimento da família deles.
“Ela não conseguiria não. Daenerys é a ala plebe dos Targaryens, uma mocinha adotada por vovó num rompante inexplicável de amor ao próximo. Você sabe o que os delegados das estações acham de vira-latas!” Jon se virou para Aegon sem paciência. O irmão sabia ler a política daquele lugar tão bem e de forma tão crua que ao levantar questões que Jon viveu na pele quando requereu a liderança de Winterfell depois da morte dos tios só fez com que sua sabedoria soasse como soberba.
“Aegon... Sabemos do porquê eu não fui eleito, o porquê Daenerys não foi eleita e o porquê você ainda não foi promovido a juiz federal: Idade. Enquanto nos verem como jovens de 30 anos, nós nunca vamos dar o próximo passo.” Jon juntou aquela verdade à soberba do irmão.
“Falando em sua Dany...” Aegon apontava para uma tela no grande salão que antecedia os apartamentos que ficavam daquele lado da estação. As pessoas sorriam para a imagem dela em terra, cercada de pessoas moradoras do entorno do núcleo. Sem nenhuma proteção, apenas com seu sorriso e vontade de ser reconhecida como alguém destemida. “Espero que ela tenha feito pelo menos uma hora de descontaminação.”
Aegon foi sarcástico e Jon o deixou falando com os transeuntes no salão que provavelmente falariam de Daenerys, do pai dele e das eleições.
“... Eu aprendi a amá-lo, na verdade.” A voz de Elia no vão da sala ecoou antes que Jon fosse anunciado e ele olhou para o chão.
Jon parecia ter quebrado um momento entre a madrasta e Sansa. Elas estavam descalças sentadas no chão. Sansa estava vestida com trajes usados nas estações, uma mistura de tecido mantado e uniforme comum que todos levavam no dia a dia exceto em eventos sociais. A madrasta tinha alguns bonecos de madeira polida ao redor dela, - Jon sabia o que eram eles e pensou no que Elia conseguiu extrair de Sansa. Como sempre, os cabelos vermelhos se fecharam numa cortina ao redor do rosto dela.
“Jon. Que bom vê-lo todos os dias, duas vezes e até mais ao dia, aqui! Eu precisava caçá-lo antes, se eu quisesse que ele passasse quinze minutos conosco.” Elia piscou para Sansa que sorriu um sorriso pequeno.
“Não é verdade. Estive muito envolvido com os estudos de desativação do núcleo. Você sabe.” Ele declarou sua desculpa favorita para não socializar. “Você está melhor?” Ele não pode se conter quando viu Sansa levantar em sua roupa diáfana e delicada e cabelo solto e selvagem. Ela em nada lembrava a mulher que chegou na estação quase um mês atrás. Ainda havia uma postura defensiva, mas ela era quase a Sansa que ele imaginava que ela deveria ser. Quase.
“Com licença.” Ela deu as costas e rumou para o quarto. Elia manteve-se calada até ouvir o baque ao longe da porta fechando.
“Ela está garantindo que o estado a reconheça como capaz de ser independente. Sinto que ela está prestes a transbordar de tanto se segurar.” Ele a ajudou a sentar-se. Elia era uma mulher frágil. Erguer-se do chão parecia uma tarefa difícil para os pulmões editados recentemente. Ela estava esbaforida.
“Conseguiu alguma coisa?” Ele apontou para os bonecos.
“Ela tem uma fala muito confusa sobre as pessoas. Mas veja, esse é você.” Ela mostrou um boneco cuja pintura da roupa era preta. “Pedi para ela atribuir para cada um deles uma pessoa que está atualmente à volta dela. Para você é o que sorri, para mim também, para seu pai e irmãos, os que não têm expressão. Isso é bom.” – Elias apontou para os inúmeros bonecos. Alguns com expressões tristes, outros alegres.
“Como você consegue entender isso?” Pegou o boneco de suas mãos.
“Eu não sou apenas uma bandeira para seu pai apresentar na política, Jon! Eu já fui uma renomada psicóloga infantil!” Elia ralhou com ele. “Deixar que ela identifique que você é um rapaz sorridente, abre brechas para que você conquiste a confiança dela... Já Aegon e Rhaenya, estão em stand by!” A madrasta riu.
“Rhaenya tem feito ela falar sobre o que aconteceu... Sansa não gosta de ser colocada contra a parede.” Ele lembrava o quão caprichosa Sansa podia ser e da indignação que ela sentia ao ser pressionada a fazer o que não queria.
“Conheço Rhaenya e seu pai, eles não vão parar até esmiuçarem essa história toda... Mas Sansa tem cooperado com os depoimentos, tem feito o acompanhamento, tem estado presente nas conversas e sendo gentil e aberta, mas sei que ela está fazendo tudo isso para mostrar que ela é funcional...”
“Jon...” A E.D. dele ecoou pela sala com a voz de Daenerys. De alguma forma ela sempre derrubava os blocks que a mantinham silenciada.
“Dany. Já chegou?” Ele ligou a tela e viu o cenário reconhecido de seu apartamento.
“Estou descendo.” O sorriso dela era encantador, mas a inconveniência martelava a relação deles.
“Não venha, eu estou indo.” Ele desligou.
“Jon. Quem desses é você junto a Daenerys?” Elia ergueu três bonecos. outro com rosto alegre, outro com rosto neutro e outro com rosto triste. Jon se demorou pensando aonde ela queria chegar e então percebeu que fixou o olhar no boneco de rosto triste. “Eu ainda sou uma renomada psicóloga!” Piscou para ele e saiu abrindo a própria E.D. e lidando com sua equipe de comunicação.
Precisava conversar com Daenerys aquela conversa inadiável.
“Amor!” Ela circundou o pescoço dele cheia de efusividade e sorriso.
“Como foi lá embaixo?” Ele a abraçou sem lhe dar chances de beijá-lo.
“Oh... Você tem que ver como todos estão ansiosos para a conclusão do estudo da SnowCo. Você me viu no Entrocamento? Meu Deus! Todas aquelas pessoas Jon, vivendo aglomeradas ao redor do calor daquele monstro.” Ela discursou pela sala minimalista dele e Jon se sentou numa poltrona frente a ela.
“Eles não têm escolha! Onde eles morariam? Nos lixões? Nas áreas contaminadas? Resta pouco território sem comprometimento na terra.” Ele cruzou as pernas, sem paciência.
“Eu sei!” Ela revirou os olhos. “Mas lá não é o mais seguro! O núcleo está lá!” levantou as mãos na defensiva.
“Daenerys se o núcleo explodir, toda Westeros receberá radiação. Nenhum lugar é seguro.” Jon estava perdendo a conversa que queria ter.
“Odeio quando você me chama de Daenerys.” Ela se sentou em seu colo, tentando se ajeitar, mas ele não cedeu.
“Precisamos conversar...” Olhou diretamente nos olhos violetas.
“Odeio ter que conversar...” Ela se levantou e foi para longe. Resolvendo observar através da claraboia como se pudesse se distrair. Jon foi até ela e se encostou no vidro de quase um metro de espessura.
“Eu... Eu não tenho como levar isso a diante...”. Disse de uma vez só.
“Você me prometeu...” Ela não mexeu um centímetro. E nem olhou para ele. Apenas continuou a observar o azul lá embaixo.
“Pensar. E eu pensei.” Ele segurou o queixo dela.
“Não... Eu vejo nos seus olhos que você não quer isso.” Os olhos de Daenerys era a coisa que ele achava mais bonito nela. Eram expressivos, cheios de vida, amor, fogo e excitação.
“Eu não quero mais. Não faz mais sentido.” Mas não havia como amar apenas porque nos olhos dela havia promessas de sexo e paixão.
“Fazia sentido quando eu saí daqui.”
“Você disse que voltaria em uma semana e ficou quatro... Daenerys você gosta disso. Eu não. Você gosta de ser vista, fazer seu trabalho para as câmeras, eu não. Você quer conquistar o mundo, eu não.” Precisava fazê-la enxergar que ambos queriam coisas diferentes da vida.
“Você queria...” Sussurrou
“Eu nunca quis... Eu queria você. Eu queria nós dois juntos.” Ele queria uma vida quieta e segura. Algo que não fizesse as câmeras estarem dentro da casa dele o tempo todo.
“Agora não quer mais.” O rosto dela visivelmente se transformava em uma carranca.
“Eu não quero mais nós.” Foi sincero.
Daenerys foi se afastando dele e negando aquilo de um jeito que ele sabia o que vinha por diante. Ela escolheu um vaso de cristal para extravasar sua raiva, seu rosto era de quem lutava bravamente para controlar a raiva. Daenerys tinha uma pequena parte Targaryen, mas as vezes ela se assemelhava à passionalidade da família de seu pai como ninguém.
“Existe alguém.” Acusou.
Jon suspirou sabendo que aquilo podia surgir. Não respondeu.
“Nós temos um contrato!” Ela lembrou.
“Um acordo pré nupcial que será integralmente pago.” Jon se decepcionou por aquele assunto surgir como se fosse um contrato de uma de suas empresas.
“Vai... Vai pagar. Por que eu vou provar que você me traiu e eu vou fazer você sentir que foi passado para trás como eu estou me sentindo.” Ela gritava e outro jarro de decoração que ela própria comprou foi ao chão.
“Eu não trai você. Eu nunca trairia você.” Ele suspirou profundamente. Incomodado com a acusação, sabendo que não era verdade, mas sentindo que no fundo...
As portas do elevador que ligava a casa dele a do pai se abriram.
“Sansa...” Ele se afetou com a imagem dela. Os olhos cristalinos, a juba vermelha, a pele de porcelana, as pernas longas e os lábios vermelhos e como um animal assustado, ela estancou na entrada.
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