História Judas - Aparentemente Bom Verdadeiramente Ruim

“Eu nunca dançarei de novo

Pés culpados não tem ritmo

Embora seja fácil fingir

Sei que não é um tolo

(...)

Não há conforto na verdade

Dor é tudo que você encontrará”

Caraless Whisper – George Michael.

Naquela manhã de sábado Nova York respirava agitada, tanto dentro quanto fora do estabelecimento em que eu e Yugyeom escolhemos para nos encontrar, as pessoas caminhavam e conversavam eufóricas, com o coração bombeando um sangue fervente por entre suas veias.

Eu como um bom psicólogo sempre tentei entender qual a graça que as pessoas enxergavam na vida, sim, porque a mesma ao meu ver parece mais uma caixinha de frustrações entregue a você no momento de seu nascimento, e um bebê obviamente ungido de toda a inocência a abre e se encanta, porque a primeiro momento a vida parece um pote de vidro cheio de vagalumes brilhantes,  o que não sabemos é que depois estes vagalumes morrerão nos deixando na escuridão tendo de lidar com seus restos mortais sempre que abrimos os olhos, pois estamos presos naquele domo e nossa única saída é aceitar que um dia morreremos e apodreceremos tal como os vagalumes antes cheios de vida.

— Você não mudou nada mesmo Jaebum. — Disse Yugyeom, rindo soprado em seguida.

— Como assim? — Indaguei ainda desconcertado por ter saído repentinamente do meu universo particular.

— Você sempre teve essa mania de encarar grupos de pessoas com cara de tédio. — Explicou Yugyeom.

— Bom, creio que seja por isso que tenha me dado tão bem nesta profissão de psicólogo, é um dom natural. — Disse eu, balançando minhas pernas, pois estava inquieto já que havíamos feito nosso pedido a mais de meia hora e nada.

— Quando Jinyoung me falara sobre o fato de você ter virado um renomado psicólogo eu quase não acreditei, você sempre me surpreende Jaebum. — Disse Yugyeom, sem tirar os olhos de uma moça bonita que havia acabado de entrar no café.

— Jinyoung? Ele falou de mim pra você? — Questionei, arqueando uma de minhas sobrancelhas.

— Jaebum você sabe que as pessoas saem da organização, mas a organização não sai delas. Jinyoung continua monitorando não só você, mas também o nosso querido Wang. — Disse Yugyeom empregando em sua voz ironia ao se referir a Jackson.

— Ah, nem menciona o nome desse idiota, o meu sangue ferve em ódio quando me lembro dele. — Disse eu, levando minhas mãos até os ouvidos, os encobrindo dramaticamente.  

— Sabe o que é curioso? Vocês são inimigos mortais, mas ainda assim a vida dera um jeitinho de colocar os dois na mesma história novamente. — Disse Yugyeom achando minha desgraça algo realmente engraçado, e eu não poderia esperar menos dele.

— O problema não trabalhar no mesmo local em que ele está preso, tampouco em ter que olhar para a cara dele quase todos os dias, o problema é a garota que eu mais desejo estar se envolvendo com ele, é isso que me faz querer arrancar a cabeça daquele maldito fora. — Disse eu, fechando minhas mãos sobre a mesa tamanha raiva que sentia.

— Espera aí que eu me perdi no meio do percurso, o Jackson está metido com a garota que você gosta? Quê? — Indagou Yugyeom, com uma expressão confusa em seu rosto.

Quando eu ia começar a melhor explicar os acontecimentos, a garçonete surgiu na mesa com os nossos pedidos finalmente. Ela se retirou de nossa presença com um sorriso ladino nos lábios logo após me lançar uma piscadela. Eu nada fiz além lhe devolver a atenção com um sorriso doce por pura educação, pois definitivamente eu não me envolvia com aquele tipo de mulher. 

— Olá garoto fofo, me sinto realmente interessada em você, espero que se sinta da mesma forma. — Disse Yugyeom lendo as palavras transcritas no lenço de papel que acompanhara meu café. — Depois destas belas palavras que provam que ela não é analfabeta ela deixou o seu número de celular. — Concluiu me entregando o lenço de papel.

Fitei o bilhete em minhas mãos e não pude evitar achar graça da situação. “Garoto fofo”, as pessoas tendem a se enganar facilmente por minha aparência bonita e suave, por minha voz terna e por meus óculos fora de moda. Esta é outra característica ridícula do ser humano, sempre são atraídos pela aparência deixando de lado o direito da dúvida; será que ele não é um psicopata? Um assassino? É por isso que vez ou outra surgem notícias de pessoas que acabaram mortas por pura burrice, e aquela garçonete é uma forte candidata a qualquer dia desses estampar o caderno policial do jornal.

— Sabe o que eu acho engraçado? As pessoas te acham tão fofinho, mas eu sei que você pode ser pior que o próprio satanás às vezes. — Disse Yugyeom, após dar um gole em seu café.

— É por isso que eu sou praticamente imbatível Yugyeom, além da inteligência eu fui abençoado com uma boa aparência e um dom especial para a foda. — Disse eu, pintando os meus lábios com um sorriso regado a malícia em seguida. 

— Tem razão, os céus te deram tudo menos modéstia. — Disse Yugyeom, gargalhando em seguida.

— Certo, certo, chega de palhaçada, vamos partir para o que interessa. — Disse eu retirando do bolso da jaqueta de couro preta que eu vestia uma foto e a colocando sobre a mesa.

— Moça bonita, é ela? É ela que está se envolvendo com Jackson? — Questionou Yugyeom ao pegar a foto sobre a mesa e observa-la com o olhar clínico que sempre tivera.

— Sim é ela. Em primeiro lugar quero que descubra absolutamente tudo sobre a vida pessoal dela, família, amigos, gato, cachorro, papagaio, tudo; pois ultimamente notei que apesar de dividir com ela aquele apartamento por mais de dois anos e eu tecnicamente não sei muito sobre essa garota. — Disse eu, expondo a primeira parte do plano.

— Jaebum, você sabe que isso para mim é moleza. — Disse o convencido Yugyeom.

— Talvez não seja tão simples, a família dela mora em outro país, ela não é norte americana. — Ponderei.

— Isso só prolongará minhas horas de trabalho, mas não torna a missão menos fácil. — Disse o outro, enquanto alternava o olhar entre mim e a garota bonita que estava sentada próximo ao balcão, ato este que me deixara um pouco irritado.

— Kim Yugyeom! Isso não é uma brincadeira, isso é sério e de extrema importância para mim, mas para você também. Eu não sei se você sabe, mas ela será uma futura jornalista, já imaginou se o Jackson em um de seus devaneios de paixão resolve contar para ela sobre a organização? Nós estaremos fudidos, então, por favor, preste atenção no que está fazendo. — Repreendi o outro com um olhar ameaçador.

— Perdão Jaebum, eu prometo que cumprirei meu trabalho perfeitamente. — Disse Yugyeom, abaixando a cabeça para mim como sempre fizera.

— Ótimo você sabe que eu gosto de trabalho bem feito, é por isso que sempre contato você quando preciso de algo. — Disse eu, a fim de acalmar os ânimos.

— Mas então, é só isso? — Questionou Yugyeom acerca do plano que eu arquitetado.

— Por enquanto sim, estamos caminhando em um terreno cheio de lodo, qualquer descuido poderemos escorregar e nos quebrar feio, por isso precisamos executar tudo com muita calma.

— Entendo perfeitamente. Bom, sendo assim acho que nossa conversa acaba aqui, agora eu preciso falar com aquela garota, pois tenho impressão que se não o fizer não conseguirei dormir a noite. — Disse Yugyeom, deixando alguns dólares sobre a mesa e indo até a tal garota que havia capturado sua atenção.

— Idiota. — Murmurei, antes de pagar a conta e retirar-me do local.

XXX

Voltei para casa apenas no fim da tarde, exaurido após um longo dia de pendências importantes a resolver. Assim que as portas do elevador se abriram ouvi um som alto invadir os meus ouvidos, som este que aparentemente ecoava do apartamento em que eu morava.

Ao me aproximar da porta logo reconheci a balada romântica típica dos anos 80 que a S\n tanto amava, mesmo sem abrir a porta eu poderia vê-la com um cabo de vassoura em mãos que funcionava como seu microfone, rasgando sua garganta enquanto acompanhava George Michael e sua voz sofrida que ecoava do auto falante da televisão.

Coloquei minha chave na fechadura e a girei, destrancando assim a porta e confirmando o que eu já imaginara segundos atrás. S\n cantava Careless Whisper em alto e bom som, enquanto passava o aspirador de pó na sala. Creio que uma voz que consiga sobressair ao som irritante do aspirador de pó não seja das mais convidativas a se ouvir, mas, se era ela quem estava a cantar então estava tudo bem para mim.

Fechei a porta atrás de mim com força o suficiente para chamar a atenção de s\n, que logo correra até a televisão e pausara sua amada música. Ela me encarava com um olhar que misturava vergonha e humor, e a única coisa que eu pude fazer fora lhe sorrir para mostrar-lhe que ela não precisava se sentir desconfortável por eu tê-la ouvido cantar, afinal eu já havia ouvido sua voz um tanto quanto peculiar inúmeras vezes.

— Não há conforto na verdade, dor é tudo que você encontrará. — Disse eu, a fim de concertar o silêncio desconcertante que se instalará na sala.

— O quê? — Questionou s\n, em um fio de voz.

— Eu estava apenas a repetir um trecho de sua amada música. — Disse eu, deixando com que meu corpo desabasse sobre o sofá.

— Sim eu sei que é um trecho da música, mas você falou com tanta verdade, uma verdade que parecia sua. — Disse ela me encarando com um olhar que poderia me queimar vivo.

— Sabe s/n você tem agido de um jeito tão estranho desde que transamos aquela noite, parece até que nos tornamos desconhecidos. — Disse eu tratando de mudar o assunto rapidamente, afinal não poderia dar brechas para que s\n desconfiasse de mim.

— Já ouviu falar que se envolver com o amigo pode estragar a amizade? Então, acho que isso meio que está acontecendo com a gente. — Disse ela.

— Meio que não está acontecendo nada com a gente, nada mudou. — Disse eu em um tom de voz um pouco mais alto do que eu gostaria, fazendo com que seu nome desse um pequeno pulo por conta do susto que levara.

— O que eu quis dizer é que para mim nada mudou você continua sendo aquela minha amiga maluca a qual eu tanto amo. — Disse eu, me aproximando de si, fazendo um breve afago em suas bochechas.  

— Você está realmente certo disso senhor Im Jaebum? Porque eu estou realmente com medo de perder essa intimidade gostosa que a gente tem. — Disse ela olhando em meus olhos como se dentro deles fosse encontrar algum tipo de resposta para as suas dúvidas.

— Eu tenho absoluta certeza meu bem, você pode desconfiar de todas as pessoas do mundo, menos de mim. — Disse eu, a puxando para um abraço logo em seguida para que ela não mais pudesse encarar meus olhos que não mais eram capazes de esconder certas verdades sobre mim.

— É muito bom ouvir isso Jae. — Disse ela, se desfazendo do abraço me lançando um sorriso animado em seguida.

Ela confiava em mim mais do que confiava em seus próprios pais, e isso aquele patife inútil jamais de mim poderia roubar, a não ser que ele resolva contar a s\n sobre a parte de seu passado que me envolve até o pescoço, mas eu seria consideravelmente mais rápido do que ele como eu sempre fora, eu virarei o jogo ao meu favor, farei com a s\n o odeie de forma intensa, farei com ela sinta nojo do Wang e o encare como encara uma barata asquerosa, farei com ela amaldiçoe o dia que Wang nascera.  

O destino pode até me odiar, mas parecia odiar mais ainda Jackson Wang por sempre fazer com que seu caminho cruze com o meu em uma sintonia absurda, afinal sua sina era perder, perder para mim, seja no jogo, seja no amor, porque enquanto a vida de Wang estiver ligada a minha ele pode se considerar em constante queda livre, pois eu não paro e nunca irei parar.