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História Just Another Way - Segunda temporada - Fracassos e livros


Escrita por: 4sevendevils

Capítulo 2 - Fracassos e livros


Fanfic / Fanfiction Just Another Way - Segunda temporada - Fracassos e livros

Meu coração quis sair pela boca. Eu estava uma pilha de nervos naquele camarim; tão nervosa a ponto de ter uma crise de ansiedade ali mesmo, enquanto me vestia com o figurino da abertura. Mas eu me segurei. Não podia chorar e nem me desesperar ali naquela hora, estava tudo pronto, faltava tão pouco para estar de volta aos palcos, eu precisava conter as minhas emoções. Ashley estava ajudando-me a vestir os sapatos enquanto repetia algumas frases de motivação para que eu ficasse calma, mas aposto que ela também estava tensa. Todos nós estávamos. 

 

Bobby parecia apreensivo no celular, e por sua conversa havia algum problema técnico do qual a equipe não estava conseguindo solucionar naquela arena. Eu o observava caminhar de um lado para o outro naquele pequeno corredor entre o meu camarim e o resto dos bastidores, enquanto sentia a minha angustia aumentar por não saber o que estava acontecendo.  Mamãe e papai chegaram, me deram um beijo de boa sorte e se afastaram para dar espaço ao pessoal que finalizava os últimos detalhes de meu cabelo e maquiagem. Eu olhei no relógio da parede atrás de mim e notei que estávamos 40 minutos atrasados. Arregalei os olhos para Bobby e a minha respiração ficou dificultosa. Eu estava com medo de que algo estivesse dando errado, era a noite de estreia, a crítica não me perdoaria.

 

Depois de dar algumas coordenadas via rádio aos seguranças, Bobby se aproximou com um sorriso no rosto dizendo-me que houve uma falha na equalização do áudio, mas que tudo já estava se resolvendo. Eu quis saber mais sobre o ocorrido, porem fomos interrompidos pela minha irmã que entrou no cômodo mostrando-me as fotografias que Alex havia feito dos acentos. Todos estavam cheios de fãs espalhados por todos os cantos entre um palco e outro, aguardando-me. O show na arena Rogers, em Vancouver estava esgotado, como a maioria dos outros shows, e eu só tinha apenas um pensamento em mente, o de que tudo precisava correr bem.

Todos me deram um abraço, fizemos uma oração e eu pedi um momento sozinha, precisava me concentrar e ter certeza de que estava realmente preparada para aquilo. Fechei a porta e me coloquei a frente do espelho na penteadeira. Gosto de olhar para mim mesma e reparar no quanto eu evoluí e cresci durante os últimos acontecimentos de minha carreira. Minha turnê passada não foi lá grandes coisas, eu não atraí público suficiente, não inovei do jeito que eu pensava estar inovando... Alguns dizem até que foi um verdadeiro fracasso, e analisando friamente num comparativo com as turnês anteriores foi mesmo. Mas naquele momento eu queria dar a voltar por cima, queria que todos vissem que eu ainda continuo a mesma e que havia aprendido com os meus erros do passado.

 

Naquela conversa comigo mesma eu puxei o máximo de autoconfiança que tinha e jurei para mim que daria o possível e o impossível para que fosse uma grande performance. Eu estava tão certa de minhas capacidades que nada poderia me abalar. E de fato, nada abalou. As portas se abriram depois de uma contagem regressiva e eu me vi ali naquele palco, rodeada de gente gritando o meu nome loucamente como costumava ser. Eu estava de volta e com uma sensação de liberdade tão grande dentro de mim que a cada verso que eu cantava, era uma maneira de colocar isso para fora.

 

            São 22 músicas, dividas em 6 atos. Agora foi o fim de mais um show, o show de número 7 em São Francisco, para ser mais objetiva. Hoje não tivemos as passarelas porque foi no estádio de AT&T Park, onde o meu amigo e produtor DJ White Shadow fez a abertura. Como de costume, minha equipe está a postos, aguardando-me com copos de água e nebulizadores na porta do backstage. Sento-me na cadeira. Todos dizem que foi um arraso e comemoram com champagne, menos eu, contento-me com a água e suco natural. Contratei uma equipe pessoal de massoterapia e dois fisioterapeutas para me acompanhar durante toda tour; preciso cuidar mais de mim e do meu corpo também. Estou muito feliz, cantar é o que eu mais gosto de fazer na vida e eu não vou deixar que essas dores estraguem tudo. 

 

Sigo firme em minha dieta. Não bebo desde a estreia, estou evitando cafeína e tenho praticado exercícios, mesmo após o médico pedir para que eu maneire, já que me exercito o suficiente durante os shows. Apenas os remédios eu precisei mudar. Impossível ter disposição física e mental depois de tomar aquilo, meu corpo entra num estado de relaxamento intenso, o sono aumenta, os olhos quase se fecham sozinhos e sou tomada por uma sensação de moleza incontrolável. Por isso diminui a dosagem pela metade, estou tomando apenas um cumprimento antes de dormir e mantenho o antidepressivo que me dá energia o suficiente. 

 

Natali está em minha frente enquanto Ash me ajuda a tirar a roupa. Ela me conta sobre o público como de costume, diz o quanto os fãs gostaram, como gritaram... Isso é realmente muito gratificante para mim, ter o apoio deles e ver que eles realmente gostaram de meu trabalho é mais importante do que cair no gosto da crítica. Juntamos as coisas e nos preparamos para sair do local pelos fundos. O carro já estava nos esperando, juntamente com o meu segurança para levar-nos de volta ao hotel Omni, um dos mais renomados da cidade. Falo com alguns fãs que encontramos na rua e entro no veículo seguida por Ashley, Natali e meu cunhado que vai na frente. 

 

Mamãe e papai chegaram no hotel primeiro, eles estão me acompanhando durante a turnê norte americana porque a minha mãe sempre quis divulgar a nossa fundação e viu nisso a oportunidade. Nos despedimos no hall de entrada e eles se recolheram. Eu também vou para o meu quarto, junto com Ash e ao chegar lá me jogo na cama, num sinal de cansaço. 

 

– Você está bem? – ela puxa o meu pé – Parece cansada. 

– Estou um pouco – ergo a cabeça – Mas esse cansaço é tão bom, sabe? Todas as noites pós-show eu me sinto feliz, com aquela sensação de trabalho cumprido.

– Mas não deixa de estar cansada! – ela se deita do meu lado – Eu questionei o Bobby sobre a agenda, são muitos shows por semana, Stef, você deveria ter mais tempo.

– Claro que não! – olho para ela com uma expressão de repreensão – Eu posso dar conta Ash. Está duvidando da minha capacidade? Não quero você se metendo nesses assuntos. 

– Não estou duvidando de nada! – ela junta as mãos – A questão é que na minha opinião é muito desgastante para alguém que...

– Ashley por favor! – sento-me – Por acaso você é minha médica para saber o que é desgastante ou o que não é? 

– Não, eu não sou – ela também se senta, cruzando os braços – Mas eu vejo que você está cansada quando você chega, já foram sete shows e ainda não faz nem duas semanas desde que estamos na estrada. 

– E daí? – dou de ombros – Na época da Born This Way eu cheguei a fazer seis shows por semana, Ashley. Eu tinha show todo dia, sem descanso, e adivinha? Eu não morri. 

– Por pouco... Você se lembra daquela época? Porque parece que não – ela fecha a cara – Troy te enchia de remédios, cansei de te ver passar mal e reclamar de dor depois dos shows, não foi à toa que você foi obrigada a terminar a turnê antes da época, depois daquela cirurgia no quadril. E além do mais, você não é mais a mesma.

– Não sou mais a mesma? Acha que eu não tenho mais talento? 

– Meu Deus, eu não disse isso! – ela se aproxima, tocando em meu ombro – Eu quis dizer que o seu corpo não é mais o mesmo, você tem uma doença seria agora, precisa respeitar os seus limites. 

– Eu estou respeitando – aperto a sua mão – Não se preocupe, eu estou bem, estou feliz... Só preciso de um descanso agora. 

– Ok! Eu já pedi o jantar – ela se levanta – Vou preparar o seu banho. 

 

Volto a me deitar depois que Ashley se afasta. Bobby entra sem bater e com tudo em meu quarto, o que me deixa assustada de início. Ele está com algumas revistas em mãos e parece muito animado folheando uma delas. 

 

– Escuta isso! – ele me mostra o papel e depois o lê – "O show do Super Bowl de Lady Gaga serviu como botão de reinicialização para sua carreira. Ela tirou o máximo proveito disso e nessa turnê dobrou os seus pontos fortes como artista e performer, além de provar sua que sua  voz e sua habilidade para criar um entretenimento grande e inclusivo continua. Vai ser difícil superar esta turnê, mas ela parece aceitar o desafio". Acabaram de sair as primeiras críticas e todas extremamente elogiosas. 

– Deixa eu ver! – faço sinal para ele – E do palco? Eles gostaram? 

– Está tudo aí! – ele me entrega a revista – Você está bem? 

– Ótima! – folheio as páginas – "Gaga colocou tudo o que tinha em cada música, enquanto sua banda ao vivo aumentava os arranjos (...) Definitivamente, sua voz nunca soou tão forte e poderosa no palco.". Isso é incrível, eu fico até emocionada. 

 

Sorrio olhando para o papel. O que leio me faz ter orgulho de mim mesma e me desperta ainda mais vontade de me esforçar para continuar a ter um bom resultado nos palcos. Mas o que Ashley disse a pouco grudou em minha cabeça. Eu venho de dois fracassos: uma turnê não concluída e outra abaixo do esperado. Ash não disse com essas palavras, mas eu sei que foi assim, todo mundo diz que foi e eu não posso arriscar falhar novamente, não é justo com os meus fãs e sinceramente eu tenho medo de que aconteça tudo de novo, então eu preciso aprender a suportar o insuportável até o fim.

 

– Alguma crítica negativa? – pergunto a Bobby.

– Poucas... – ele responde – Alguns reclamaram da quantidade de pausas, de trocas de roupas, mas no geral são todos boas. 

– Trocas de roupas? – solto um riso debochado – É um show pop, precisa de troca de figurino, o que eles queriam? 

– Pois é, eles não sabem de nada – Bobby dá de ombros – Se fosse simples demais diriam que você não é mais a mesma e toda aquela ladainha.   

– Exatamente!

– Nós vamos tomar alguma coisa no bar do hotel, você não quer vir? – ele me convida – Você pode tomar um suco, ou uma outra coisa além de álcool. 

– Ah não, eu vou dar uma relaxada – balanço a cabeça- vou tomar um banho, fumar um e ligar para a Florence.

 

– Ela não quer, mas eu quero, seja lá o que for – Ashley nos interrompe – Aonde vocês vão? 

– No bar do hotel – Bobby a responde num tom desconfiado – Mas de onde vem essa empolgação toda? Você é sempre a primeira a ir para o quarto. 

– Eu estou entediada e sem sono – ela cruza os braços – Eu acostumei com agitação.

– Por acaso isso tem a ver com Isa? – levanto as sobrancelhas – Ela que é agitada... Está com saudades? 

– Não é da sua conta! – ela diz em tom de brincadeira – Eu ando com insônia e... Você vai dormir, não vai? Eu já deixe o seu remédio no jeito, qualquer coisa eu vou estar lá baixo é só me chamar.

 

Aceno com a cabeça e espero até os dois saírem de meu quarto. Levanto-me e vou para o banheiro com o meu celular e um cigarro em mãos. Florence havia me mandado uma foto essa manhã usando um vestido novo que comprou na loja que Irina a indicou, não tive tempo de respondê-la, mas fiquei feliz em saber que elas estão se dado bem; depois da crise de ciúme dela por causa do Bradley, é melhor que ela vire amiga da mulher dele e esqueça isso de uma vez por todas. Nós não temos nos falado muito durante esses dias, eu estou cada dia num lugar diferente, num fuso horário diferente e isso dificulta bastante a nossa comunicação. Geralmente trocamos fotografias, ela me manda mensagens de "bom dia" quando ainda é madrugada por aqui e falamos sobre o que temos feito.

 

Eu sinto muita falta dela e não nego de jeito nenhum. Eu queria que ela estivesse aqui porque seria mais fácil para mim. Eu sei que é egoísmo, mas eu queria, o que posso fazer? Sou nova nessa coisa de compressão e explicar isso para mim mesma é um desafio todas as noites que me deito e ela não está do meu lado. A primeira noite em Vancouver com certeza foi a mais difícil, era a minha estreia, todos estavam lá, menos ela. As pessoas me perguntavam onde estava a minha namorada e eu tinha que repetir dez vezes a mesma coisa para explicar o porquê de sua ausência. 

 

Definitivamente eu tenho dificuldade em lidar com a distância, ainda mais em momentos importantes de minha vida, como esse, eu tenho medo de fracassar e ter alguém do meu lado me dá mais segurança. Por isso que eu costumo pensar sempre no lado dela, em suas vontades, sua carreira, e guardo essa carência dentro de mim. Nem tudo na vida é do jeito que a gente quer. Ela também vive de música e eu devo esse apoio a ela. Suas coisas em Londres parecem estar caminhando bem, ela me contou que tem ensaiado bastante o que eu lhe ensinei, no piano da casa de sua mãe e sempre que posso eu a ajudo. Emile é quem vai produzir o seu novo álbum, eu o conheço, já saímos algumas vezes e ele é muito amigo de Mark, ela está em boas mãos.

 

Passo alguns minutos observando a sua foto até que decido ligar para ela por chamada de vídeo, pelo horário ela já deve estar acordada. Digito o seu número e posiciono o celular na pia do banheiro para falar com ela enquanto tiro a minha maquiagem. Florence não atende, mas retorna a minha chamada minutos depois. 

 

– Stef? – ela aparece no visor de meu aparelho – Cadê você? 

– Aqui! – olho na direção da câmera – Liguei para dizer que adorei o seu novo vestido.

– Eu também! Irina tem realmente um bom gosto... O que está fazendo? 

– Tirando a maquiagem – esfrego o rosto – Acabei de chegar do show. 

– E como é que foi? 

– Ótimo, o estádio estava lotado – sorrio depois de lavar o rosto – Amanhã viajo para Sacramento e depois Omaha... Mas agora eu vou tomar um banho, você se importa? 

 

Tiro toda a roupa antes que Florence responda e dou risada ao notar que sua pele ficou corada com a cena. Não é engraçado isso? Ela já me viu sem roupa tantas vezes, mas sempre fica com essa cara de boba e desvia o olhar, eu queria muito saber no que ela está pensando, mas perderia a graça se eu perguntasse. Pego o meu telefone, o cigarro e Aproximo-me da banheira, colocando-os no suporte que liga uma borda e outra. Passo as mãos na água, vejo que a temperatura está quente então entro de uma vez. Florence ainda está em silêncio, olhando-me.

 

– Ashley trouxe sais de banho – esfrego os braços – Aquele que você indicou, de alecrim.

– Ah são ótimos relaxantes – ela diz – Aquele óleo que eu passava em você também é de alecrim. 

– Aquele óleo – acendo o baseado – Sinto falta dele... É diferente quando você passa. 

– É porque eu tenho um segredo – ela ri – Eu faço com amor.

– Pior que você faz mesmo! – puxo a fumaça e noto um objeto em sua mão – O que estava fazendo? Lendo? 

– Sim! – ela abre um sorriso – E me lembrei de você... 

– Por que? 

– É um livro sobre... – ela me olha – Sobre um homem que acorda mulher depois de...

 

Ela fica em silêncio e volta a me encarar enquanto mexo-me debaixo da água brincando com a espuma.

 

– O que foi? – pergunto – Você parou de falar do nada. 

– É que... – ela ri – Seus peitos...

– O que tem? -apalpo-me- Achei que você gostasse deles.

– Eu gosto, mas é esse o problema – ela cobre o rosto – Eles me distraem, me deixam desconcentrada, não consigo seguir o meu raciocínio... olhando para eles... 

– Nossa, Flo – dou risada cobrindo-os de espuma – Está melhor assim? 

– Melhorou! – ela me olha diretamente e me mostra a capa do livro – Como eu ia te dizendo, estou relendo "Orlando" de Virgínia Woolf, escute essa parte...

 

Florence passa uma das folhas e lê um dos trechos para mim: 

 

“O amor, ao qual podemos agora voltar, tem duas faces: uma branca, outra negra; dois corpos: um liso, outro peludo. Tem duas mãos, dois pés, duas garras, dois, na verdade, de cada membro, e cada um é o exato oposto do outro. No entanto, estão unidos de modo tão estreito que não se pode separá-los.” 

 

– Eu adoro esse livro – ela o admira – Já li várias vezes. Na verdade, eu adoro a Virginia, estou pensando em colocar uma foto dela em meu livro, ela é tão importante para mim nesse aspecto literário, o que você acha?

– Não sei quanto a foto, mas eu a entendo completamente – puxo a fumaça – Por exemplo, nós duas, somos tão diferentes uma da outra, mas ficar sem você é horrível, meu Deus... A hora de dormir é a pior parte, eu me sinto tão sozinha...

– Eu sei, meu amor – ela fecha o livro – Eu também sinto a sua falta, mas faltam só algumas semanas, você está ansiosa para ir ao Brasil? Eu estou bastante. 

– Ainda falta um mês, Flo... – mudo de expressão e solto um suspiro – Eu queria que você estivesse aqui. É que as vezes eu tenho medo, sabe?

– Medo do que? 

– De fracassar... tenho medo de dar algo errado, sei lá, eu não posso errar de novo. 

– Ai Stef, isso não vai acontecer – ela balança a cabeça – Você nunca fracassou, de onde tirou isso?

– Claro que fracassei! – olho para ela – E não foi só uma vez. Se você estivesse aqui seria mais fácil de lidar se acontecesse. 

– Não seria não – ela cruza os braços – Você tem que aprender a confiar em você mesma. E outra, “fracasso” é uma palavra muito pesada, nunca aconteceu com você.

– Aconteceu sim, mas eu não vou discutir sobre isso – levanto-me enrolando-me em meu roupão – Quero saber o que você anda fazendo.

– Ah um monte de coisas – ela ri – Daqui a pouco eu vou na casa da Grace, nós estamos organizando uma festa para Bonnie, ela vai fazer um ano daqui duas semanas. O tempo passa rápido demais, não é? Outro dia mesmo a minha irmã estava grávida. 

– Nossa, realmente – pego o aparelho e dirijo-me para o quarto – Ela deve estar enorme!

– Você vai vir para o meu... Para o aniversário dela? 

– Eu não posso prometer isso – sento-me na cama – Você sabe, os shows... Eu preciso ver...

– Claro, eu entendo. Você não está usando o anel, Stef? – ela repara em minha mão – É a segunda vez que eu vejo você sem. 

– Caramba, Flo – solto uma gargalhada – Você presta bastante atenção nisso, heim.

– Eu presto muita atenção em você! – ela levanta a sobrancelha e pergunta de maneira séria – Por que você não está usando?

– Eu não uso durante os shows, por causa dos acessórios, eu tenho medo de perder – continuo a rir – Sem falar de que eu estava tomando banho. Mas eu uso todos os dias, diga ao FBI que não precisa se preocupar.  

 

Ela solta uma gargalhada gostosa e eu rio junto. Em seguida solto um bocejo e me deito enquanto a observo em minha tela. 

 

– Vou desligar – ela diz – Vou deixar você descansar e eu preciso ir lá na Grace.

– Tudo bem... – digo de maneira melosa – Eu vou ficar aqui, no frio da solidão. 

– Não diga isso eu estou sempre com você! – ela me manda um beijo – Até mais tarde!

 

Desligo o celular. Ashley deixou o meu remédio no criado mudo, tomo o comprimido, depois puxo uma das gavetas onde deixei o anel de Florence e o coloco. Adorei saber que ela presta atenção em mim ao ponto de notar quando uso e quando não. Ela parece não ser muito atenta aos detalhes, mas pelo jeito ela presta bastante atenção. Um dos funcionários me traz o jantar no quarto e depois de comer eu  volto a me deitar. Por conta do efeito da medicação, o sono não demora a chegar e eu adormeço.

 

No outro dia, pela manhã, eu acordo com o despertador do celular. Ashley ainda está dormindo profundamente do meu lado, a noite deve ter sido muito boa, pois eu nem vi a hora que ela chegou. Espreguiço-me e me levanto, caminhando até a janela, há alguns fãs lá embaixo, aceno para eles e observo a movimentação dos carros. Depois agacho-me sobre a minha mala e procuro o que vestir, mas não sei onde Ash colocou as minhas roupas. Deixo os meus sapatos caírem no chão e ela acaba por despertar com o barulho. 

 

– Ai... O que está fazendo? – Ashley me indaga com uma voz sonolenta – Suas coisas estão no armário... Meu Deus, que dor de cabeça!

– Você chegou tarde ontem, não? Eu nem vi nada.

– Nem eu – ela cobre o rosto – Nem lembro de.. Que horas são? 

– Dez! – troco-me – Vamos tomar café?

– Vamos! Eu preciso de algo forte!

– Starbucks? – olho para ela – Tem um no outro quarteirão.

 

Ash concorda, eu a aguardo se arrumar e descemos até o térreo. Distribuo alguns autógrafos, tiro fotos com os fãs que me aguardavam e entramos no carro, onde peço para o meu segurança nos levar até a loja. O pedido dela é o mesmo de sempre, o meu não, peço um chá gelado porque até o café eu precisei diminuir. Nos sentamos em uma das poltronas mais ao fundo, onde é possível ver, pelo vidro, um entre e sai de pessoas da livraria City Lights, aquilo me chama atenção, porém, Ashley atrapalha os meus pensamentos, puxando conversa:

 

– Não sei como você conseguiu parar de fumar – ela coça a testa – Vi todo mundo fumando e não resisti ontem. Fracassei! Sonja deve estar decepcionada.

– Bobagem! É só tentar de novo.

– Queria te perguntar uma coisa...

– Sobre o cigarro? Sabe que eu sou a favor de trocar nicotina pela maconha, dá super certo.

– Não é sobre isso... – ela parece séria – Lembra de quando você viu a Florence com o ex namorado dela naquele clube?

– O que tem? – indago-a.

– Você considerou aquilo traição?

– Eu nã... Ai Ashley, que pergunta, isso é passado – desconverso – Não gosto de ficar lembrando disso.

– Mas você considerou ou não? – ela insiste – Vocês não tinham nada concreto, não é uma traição, quando não existe um compromisso, ou é?

– Bem, a questão é que a gente tinha transado no banheiro minutos antes, foi isso que me chateou – respondo-a – Tecnicamente ela estava traindo ele comigo, então... Sei lá, não me interessa mais isso. Por que?

– Nada! – ela balança a cabeça – Bobby estava me contando sobre um lance com o assessor do Bradley... Mas falando nisso, e ela? Como está?

– Florence? Falei com ela ontem – lhe conto – Inclusive pode me lembrar de que preciso passar numa loja de brinquedos? A sobrinha dela faz aniversário daqui... NOSSA, eu já ia me esquecendo!

– O que?   

– Florence faz aniversário daqui duas semanas, junto com a sobrinha, acredita? É no mesmo dia. Ela me contou sobre a festa da menina e eu nem me toquei.

– Ao menos você não esqueceu – ela ri – Eu odiaria se você fizesse isso comigo!

– O que acha que ela gostaria de ganhar? – olho no sentido da livraria – Livros?

– Com toda certeza! – Ashley debocha – Nada mais original do que dar um livro para uma escritora de nada mais, nada a menos do que LIVROS, você é impressionante!

– Ah, qual é? – levanto-me – Não custa nada ir lá, olhar... Quem sabe?

 

Voltamos para o carro e eu peço ao motorista que de a volta na rua da City Lights. Entramos na loja e observamos as pessoas, todos cultos demais para me reconhecer. O lugar tem dois andares: o primeiro onde estão os best sellers e os mais procurados da semana; e o segundo, de onde todas as pessoas parecem sair. Ashley e eu andamos entre algumas prateleiras e olhamos as categorias de infanto-juvenil, autoajuda, literatura erótica... Tudo muito interessante, mas nada a cara de Florence.

 

– E se levássemos um desse? – mostro um livro qualquer a Ashley – A capa é bonita e custa só cinco dólares.

– Stefani, me poupe! – ela faz um cara estranha – Já não basta você querer dar livros para ela, vai dar um de cinco dólares?

– Florence não liga para valores de dinheiro – dou risada – Ela agrega mais o emocional.

– E qual o valor emocional desse livro? – ela o pega – Você acabou de achar! Ai desiste disso, compra outra coisa.

 

Olho no sentido da escada, um grupo de mulheres desce de lá, todas estão encantadas e isso me causa curiosidade, deve ter algo lá em cima. Noto que Ash se distraiu olhando a prateleira em que estamos e decido subir para averiguar o que tem de tão interessante naquele andar.

 

– Oi! – toco no ombro de uma das funcionárias, já no piso superior – Por que está tão cheio? É sempre assim?

– Ah não... É que temos uma convidada – ela aponta para o fundo – Patti Smith está aqui para uma manhã de autógrafos de seu último lançamento “Devoção”.

 

Eu conheço esse nome. Florence já me falou sobre Patti. Sei que ela gosta bastante de seus livros e se eu não me engano é uma de suas escritoras favoritas. Eu aposto que ela adoraria se eu comprasse os livros de Patti e pedisse para que ela autografasse em seu nome, seria um presente maravilhoso que ela jamais esqueceria.

 

– Pode me ajudar numa coisa? – peço a atendente – Eu quero todos os livros que você tiver dela, independente do preço, pode me trazer.

– Claro! Só um instante.

 

Ela se afasta e eu me aproximo da fila, para olhar a escritora de perto. Patti é uma mulher alta, de cabelos ondulados, longos e grisalhos, seu rosto tem fortes linhas de expressão por conta da idade e ela parece esbanjar simpatia através de um sorriso amarelado. Há dois homens de meia idade em minha frente e ambos estão numa conversa ansiosa para conhecê-la, escuto-os:

– Eu me lembro de ir aos shows dela quando jovem, eu deveria ter os meus 15 anos...

– Se nossos filhos conhecessem o movimento punk daquela época – o outro continua – A música americana não estaria do jeito que está!

 

A funcionária volta, trazendo-me uma série de livros de nomes interessantes “Linha M”, “Só garotos”, “Babel”. Eu a agradeço e quando ela toma distância, viro um deles, para ler a sua pequena biografia. “Patricia Lee Smith, poetisa, cantora, fotografa e escritora norte-americana (...)”, ela deve ser alguém muito importante. Entro-me na fila e começo a prestar atenção na conversa das pessoas, até que chega a vez do rapaz em minha frente. Apesar da pouca idade ele parece conhecer Patti como ninguém e isso a impressiona. Os dois trocam ideias interessantes e o jovem se rasga de elogios para ela.

 

 – Minha apresentação favorita é sem dúvida aquela da Cerimonial de entrega do Prêmio Nobel – ele recorda – A música do Bob Dylan ficou perfeita na sua voz.

– Aquilo foi um fracasso, não foi? – ela solta um riso – Não sei o que houve, mas eu tive um verdadeiro lapso de memória, meu jovem. A primeira estrofe da canção correu perfeitamente bem, mas a segunda... Eu esqueci a letra, talvez tenha sido emoção demais.

– Por isso é tão especial para mim – ele responde maravilhado – Meu nome é Joseph, pode autografar?

 

A cena é peculiar. É difícil você ver um artista falar de suas próprias falhas, dessa maneira despojada, mas Patti parece não ver problema nenhum. Quando chega a minha vez eu fico um pouco envergonhada, não conheço muita coisa dela, e se ela me perguntar algo? Ela repara que eu não estou apenas com um exemplar de seu último lançamento e me joga uma pergunta, diretamente:

 

– Por acaso acabou de me conhecer?

– Ah não... Esses não são para mim – entrego os livros – É para minha namorada... Mas eu tenho uma curiosidade, como é que você faz para lidar com isso? Digo... Com os seus próprios fracassos?

– Está falando sobre o Nobel? – ela abre um sorrio – Querida, somos humanos, falhamos, a gente tem que pedir desculpas e seguir a vida.

– Eu não consigo fazer isso – abaixo a voz – Meus fracassos viram fantasmas que me assombram o tempo todo e eu fico com medo de fracassar de novo.

– Precisa trabalhar nisso. Fracassos são invitáveis, sempre vão acontecer – ela me olha diretamente e sem piscar – Se não fosse o fracasso não existiria a vitória, assim como não há alegria sem tristezas, ódio sem amor, é o equilíbrio da vida!

 

Passo alguns segundos em silêncio, pensando no que ela dissera.

 

– Qual é o nome dela? – Patti abre um dos livros – Vou autografar todos para você!

– Ah muito obrigada! – sorrio – É Florence, ela é uma grande fã.

– “Para a minha grande fã Florence, com carinho” – ela escreve – É um nome muito bonito.

– É sim! – sorrio de canto – Obrigada pelas palavras...

– Não há de que – ela me entrega os livros – Felicidades!

 

Recolho os exemplares e desço as escadas ainda refletindo no que Patti disse. Agora entendo porque Florence gosta tanto dela, conseguiu me atingir profundamente em poucas palavras que me disse. Junto-me a Ashley que já me procurara e deixamos a loja depois de acertarmos o pagamento.  

       


Notas Finais


Patti Smith - A Hard Rain's A-Gonna Fall (cerimonia Nobel 2016) https://www.youtube.com/watch?time_continue=335&v=DVXQaOhpfJU


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