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História Just Sex - Trinta e seis - Memórias do Passado, parte 6 (FINAL)


Escrita por: AnnieParker

Notas do Autor


Gente, eu tô passando por um processo muito difícil chamado: LUTO INTELECTUAL.
Parece que meu cérebro morreu, não consigo fazer nada direito, inclusive escrever. Esse capítulo ta enorme, muitos podem achar um saco, outros vão amar, inclusive se quiserem pular eu vou dar um resumão no início do próximo capítulo...
A verdade é que eu não tô feliz com esse capítulo, não. Na verdade não tô feliz com mt coisa. Deixei JS esquecida por tempo demais. Isso foi ruim não só pra história quanto pros leitores. Mt gente abandonou pela minha demora e eu entendo completamente, sabe. Mas eu meio que tenho um compromisso com minha consciência e quero pelo menos terminar a primeira parte de JS aqui no site!
Eu creio que os próximos capítulos serão beeeem melhores. Inclusive, vou tentar não escrever tanto.
Obrigada a todos que ainda estão aqui e não desistiram de mim >< Boa leitura!

Capítulo 37 - Trinta e seis - Memórias do Passado, parte 6 (FINAL)


– Lu, tem certeza de que isso é uma boa ideia? – Michelle perguntou, apreensiva.

Respirei fundo, esfregando os braços enquanto andávamos na noite fria e deserta. Eram quase dez horas da noite e aquilo era certamente uma loucura, mas meu instinto imediatista gritava para que eu acabasse com aquela farsa de uma vez por todas esta noite. Agora que realmente aceitei que todo esse tempo eu estive enganando o Sting e a mim mesma, eu não poderia deixar isso para depois. Tinha que ser hoje.

Quando chegamos no ponto de encontro, nos sentamos num banco da praça embaixo de uma árvore e eu finalmente respondi:

– Eu realmente não sei, Mimi. Na verdade, eu não sei o que exatamente estou fazendo da minha vida há muito tempo.

Ela segurou minha mão, me acolhendo em seu ombro.

– Vai dar tudo certo, eu estou com aqui com você.

Balancei a cabeça, querendo acreditar em suas palavras. Como será que ele irá reagir depois do que aconteceu ontem?


 

Algumas horas antes


 

Depois de conversarmos enquanto comíamos rosquinhas e café gelado, Michelle nos deixou sozinhos no observatório e foi para casa de táxi. Ela deliberadamente ignorou meu olhar de desespero, o que eu mais queria era que ela ficasse de vela, porém a desgraçada me jogou de volta para a resolução dos meus próprios problemas. Não que ela estivesse errada, mas, caramba, ela tinha que ser sensata logo agora?

– Muito legal, sua prima. – Disse Sting, balançando levemente nossas mãos entrelaçadas. Estávamos caminhando a esmo no jardim.

– É, ela é sim. – Disse apenas, sem ter mais o que falar. 

Minha mente ia e voltava em suas palavras e em como eu nunca poderia correspondê-las. Uma onda de pânico começava a me invadir e o suor nas mãos demonstrava meu nervosismo, coisa que Sting obviamente percebeu. Como eu iria resolver essa situação?

– Blondie, você está bem? – Perguntou ele, parando de andar. Apenas o olhei apreensiva. Suspirando, ele coçou a cabeça: – Eu sei que o que eu fiz te colocou muita pressão, mas eu quero que você saiba que nada precisa mudar de uma hora pra outra. Podemos continuar devagar, por mim está tudo bem. Eu só… queria dizer tudo o que eu sentia pra você.

Certo, mas precisava fazer um show na frente de todo mundo? Era o que eu queria dizer, mas claro que isso o magoaria. Quando eu continuei calada, ele me deu uma ideia absurda:

– Porque não fugimos?

Arregalei os olhos:

– Tá falando sério? Eu não posso fazer isso com meus pais!

– Então se não fosse pelos seus pais, você iria? – Perguntou ele, com um sorriso presunçoso.

Fiquei encabulada.

– Não é isso...

– Foi só uma coisa que me passou pela cabeça, seria como a primeira vez que saímos, voltaríamos pela manhã e ninguém descobriria. É que eu consegui um lugar bem legal para ficarmos e…

Em certo momento meus ouvidos pararam de escutar e eu apenas observava seus lábios se movendo. Analisei seu queixo, pescoço e peitoral, me lembrando do Natsu e de como eu me senti quando ele me jogou na parede. Sting definitivamente é bonito e atraente, então por que? Qual é o meu problema?

Num súbito momento de loucura, eu o peguei pelo braço, adentrando pelos arbustos até um local mais afastado. Surpreso, ele perguntava o que era, mas eu não queria quebrar o clima que eu havia criado. Será que eu nunca tentei de verdade com ele? Eu me arrependeria se terminasse tudo sem nem ao menos me jogar em alguma loucura?

– Lucy…

Não deixei que ele falasse. O empurrei contra a árvore, o beijando com necessidade. Ele se mostrou relutante, o que era compreensível já que eu nunca havia agido assim antes.

– Fica quieto e me beija.

Foi então que ele tomou as rédeas da situação, me pegando pelos ombros e invertendo as posições. Mordeu o lábio:

– Se continuarmos, eu posso não conseguir me conter.

Com toda coragem que reuni, disse:

– Essa é a intenção.

Me puxando pela nuca, Sting me beijou de uma forma que ele nunca havia feito em todos os nossos nove meses de namoro. De início eu recuei, mas ele parecia disposto a me convencer. Sua língua se movia de forma sensual e sua outra mão livre seguiu até minhas coxas, causando um arrepio gostoso. 

Então era sobre isso que a Michelle estava falando… Simples beijos que causam reações completamente inesperadas. Tudo isso seria ótimo para evoluirmos na relação, até minha mente começar a estragar tudo. Aquelas mãos, aquela boca, eram de Sting, mas por alguma razão insana eu me imaginava com outra pessoa. As nuances de uma íris esverdeada e afiada por baixo de fios ruivos, a pele bronzeada, as mãos grandes e grossas. Até o simples movimento da xícara de café indo até seus lábios, enquanto ele esboçava aquele sorriso debochado que eu odiava me sentir atraída.

Eu estava pensando em Natsu enquanto estava dando uns amassos no irmão dele. E isso era tão errado em diferentes níveis que eu nem sabia como reagir, portanto apenas me deixei levar pelo momento.

Entretanto, o próprio Sting decidiu que os limites estavam sendo extrapolados e parou de repente, encostando a cabeça na minha.

– Isso foi… Inesperado. – Falou, ainda de olhos fechados. Mas quando os abriu, parecia triste. – Blondie, se você tomou essa iniciativa só porque eu…

– Olha pra minha cara e diz se eu sou mulher de me forçar a alguma coisa por causa de quem quer que seja? – Tratei de dizer, o que não era mentira. 

Ele sorriu, me dando um selinho.

– É por isso que eu sou louco por você. Mas… – Enquanto eu tentava me recompor, ele parecia envergonhado. – Acho melhor você pegar um táxi.

Apenas concordei com a cabeça e quando ele me colocou dentro de um carro, perguntou:

– Sobre aquilo, te pego amanhã de noite?

– Claro. – Eu não fazia ideia do que estava fazendo.

Quando ele me deu um selinho e eu fui embora, com a adrenalina passando e eu retomando o raciocínio, caí em mim na merda que eu havia feito.

Divaguei, com as mãos no rosto.

– O que foi que eu fiz…

Desde o fato de ter passado dos limites toleráveis até aceitar ir para qualquer lugar que fosse com ele, a noite e sozinhos, fazer o que ele chamava de estreitar a relação, estava tudo tão detestável que eu comecei a chorar ali mesmo.

– Moça, está tudo bem? – Perguntou o taxista, preocupado.

– Eu simplesmente não sei o que fazer, moço.

Percebi que eu literalmente cheguei ao fundo do poço: Eu estava desabafando com o taxista.



 

***

 

Chegando em casa, apenas minha mãe estava acordada me esperando chegar, mas eu mal falei com a coitada. Quando subi, não consegui dormir e a Michelle já estava no sétimo sono para ficar acordada ouvindo minhas lamentações. Pela manhã, ela tomou um susto quando me viu saindo do banheiro.

– Jesus amado! –  Michelle gritou, se assustando com minhas olheiras de uma noite em claro. – O que aconteceu com você?

– Nada, só me dei conta de que eu sou um lixo de ser humano.

Me joguei na cama, me cobrindo até a cabeça com vontade de sumir da face da terra.

– Levanta daí e me conta o que aconteceu! – Puxou o lençol e eu choraminguei. – Eu saí de lá ontem e vocês estavam bem, apesar de tudo.

– Acontece prima, que eu sou especialista em fazer tudo errado. – Disse e ela fez uma expressão de “Sim, e daí?”, como se isso não fosse surpresa. – Eu simplesmente surtei e me joguei pra cima do garoto, agora piorei tudo e ele acha que eu tô super afim dele quando na verdade eu tava pensando no irmão dele. – Falei tudo de uma, a voz subindo um tom e embargando até que as lágrimas voltassem a cair.

Michelle entrou em pânico, acho que ela nunca me viu chorando assim.

Shiu, fala baixo. – Fechou a porta do quarto, vindo me abraçar. – Fica calma, a gente vai pensar em alguma coisa. Você não precisa resolver tudo de uma vez, dê um tempo pra você também.

– Mas o Jorge disse que é melhor cortar o mal pela raiz… – Falei, enquanto deitava e deixava ela me cobrir.

– Quem é Jorge? – Perguntou, mas neste momento eu já estava com os olhos fechados e aproveitando o cafuné. Jorge era o taxista. – Não importa, descansa um pouco. Eu sei que você vai conseguir resolver isso, está bem? Tu é a garota mais determinada que eu conheço, vai ficar tudo bem.

Acabei conseguindo dormir, sendo vencida pelo cansaço. Despertei com o meu celular vibrando, o quarto todo escuro indicava que eu havia desmaiado pela tarde toda e já era de noite.

Literalmente pulei da cama com três mensagens de texto de Sting.

“Não parei de pensar em você desde ontem. Estou terminando de arrumar as coisas, me encontre naquela praça com circuito de skate que a gente foi uma vez, o Orga vai levar a gente.”

“Eu acho incrível como você consegue me deixar nervoso como se estivéssemos no primeiro encontro”

“Blondie, você está aí?”

 

– Puta que pariu! – Soltei um palavrão, coisa que ainda não tinha costume, mas o momento pediu.

Eu só pensava: “E agora?”. Desci as escadas correndo pronta pra seguir socorro pra Michelle, até que encontrei toda a família reunida na sala de jantar.

– Está melhor, filha? – Perguntou meu pai e eu fiquei viajando na maionese.

– Da cólica, prima. – Michelle falou sugestivamente e eu entendi tudo.

– Ah, sim. Mas ainda estou com um pouco de dor de cabeça. – Me sentei à mesa, pegando um prato. – Cadê o Laxus? – Perguntei, sentindo sua falta.

– Ele disse que foi jantar com um amigo. Isso pra mim tem cheiro de garota. – Disse papai e eu e minha prima nos entreolhamos sutilmente. – Então, filha, a Michelle estava nos contando que conheceu o Sting, o que me faz pensar que você nunca o trouxe aqui oficialmente como namorado. – Nesse momento, a comida desceu como um bolo. – Gostaria de saber o motivo.

Como eu ia responder algo que eu mal sabia a resposta? Até sabia, mas eu não ia falar pros meus pais que meu namoro era uma farsa terrível.

– Você sabe que não somos pais comuns. – Disse mamãe. – Te damos uma ampla liberdade e estimulamos a independência, mas isso não significa sermos excluídos da sua vida.

– Não é isso, mãe. – Suspirei. – Nós vamos ver algo sim, eu prometo. – Levantei e dei um abraço nos dois, deixando-os surpresos. Aquilo nada mais era que um pedido de desculpas. – Vou subir por que minha cabeça ainda está me matando, boa noite.

Vi Michelle se levantar para recolher a mesa, mas minha mãe disse:

– Tudo bem meu amor, pode ir.

É claro que minha mãe sabe que eu não tô legal. Michelle chegou logo depois de mim e fechou a porta.

– E aí, o que foi dessa vez? Sua cara te entrega.

– Eu tô simplesmente ferrada! Sting quer me encontrar pra fazermos uma viagem escondidos daqui a… – Olhei no celular, eram oito da noite. – duas horas e eu não sei como sair dessa.

– E você concordou com isso? Lucy, você tem que cancelar!

– Não, eu preciso ir! – Respondi, andando de um lado pro outro ponderando as opções. É agora ou nunca.

– Olha, eu te apoio no que decidir, mas você só pode ter enlouquecido de vez! Eu sei que isso não é o que você quer, então pra quê se afundar nessa história cada vez mais?

Balancei a cabeça.

– Não, Mimi. Eu vou, mas pra acabar tudo de uma vez por todas. Eu concordei com isso no calor no momento pois não queria magoá-lo, mas no final só estarei aumentando as proporções das feridas que isso vai causar em nós dois, principalmente nele. Se eu não seguir essa onda de coragem, não vou conseguir nunca. 

– Então beleza, mas eu vou com você. Não está em condições de ir sozinha e eu tenho medo do que ele pode fazer.

A olhei espantada.

– Você acha que ele me machucaria? – Perguntei, achando meio absurdo mesmo que estivesse com um pé atrás.

– Eu sei que é difícil, mas quando você pega confiança em alguém, é raro duvidar. Só que você já teve um exemplo doloroso disso, então não custa termos um pouco de cuidado, não é?

Concordei, ela estava se referindo ao Natsu.

– Certo, mas você acabou com meus planos. Quem vai nos dar cobertura agora?

– Relaxa, priminha. – Ela piscou um olho. – Nessa parte tenho mais experiência que você.

 

*****

 

Fazia cinco minutos que tínhamos chegado e eu já estava quase surtando.

– Será que já descobriram a gente?

– Relaxa, esse método é quase 100% infalível quando usado pela primeira vez. – Disse ela, se referindo às almofadas que deixamos em baixo dos cobertores. – Eu ainda usei isso umas cinco vezes antes de descobrirem.

Estava tão nervosa que nem me espantei em saber que Michelle também dava suas escapulidas.

De repente, ouvimos um som metálico ao longe e levantamos a cabeça, alarmadas.

– Ouviu isso? – Perguntei, parecia o som de algo sendo chutado com força.

– Pode ter sido algum carro passando por aí… –  Ela olhou no celular. – Chegamos vinte minutos mais cedo, vamos ter calma.

Os vinte minutos se tornaram trinta, quarenta, uma hora. Até que deu meia noite e nem sinal do Sting. Em meu celular havia milhares de chamadas e mensagens não respondidas.

– Lu, eu acho que ele te deu um bolo.

– Não, tem alguma coisa errada. Sting nunca faria isso comigo.

As últimas palavras saíram tremidas, demonstrando minha crescente desconfiança sobre elas. E diante daquela mistura de insegurança e medo, um caminho se abriu em meus pensamentos, me fazendo raciocinar sobre o que eu tinha acabado de falar.

“Sting nunca faria isso comigo”.

Sempre cauteloso, preocupado e amoroso. Não me deixava beber ou correr qualquer tipo de perigo desnecessário. Então… Porque marcar de me encontrar num lugar tão esquisito, tarde de noite? 

Levantei-me de repente, olhando ao redor, a respiração se acelerando.

– Michelle, tem algo muito errado. 

– Pelo amor de Deus, não me assusta com essa cara. O que houve?

– Acho melhor irmos embora. Isso tudo é um grande erro!

– Lu… – Michelle puxou meu braço, apontando para um carro que vinha ao longe, em velocidade baixa e faróis altos. – Será que é ele?

Dei alguns passos à frente, colocando a mão em frente à luz na tentativa de enxergar alguma coisa. Quando o carrou parou a poucos metros de nós, perguntei:

– Sting? É você?

Aos poucos, meus olhos foram se acostumando, mas apenas consegui ver a silhueta de uma picape desconhecida por mim. Foi então que o pânico me invadiu.

– Mimi… – Com a voz trêmula, dei dois passos para trás, onde Michelle segurou minha mão. – Quem está aí?!

Foi quando a dor me atingiu primeiro, em cheio, primeiro na barriga, depois no peito e em seguida o rosto. Desnorteada, apenas depois de alguns segundos eu percebi que aquilo era uma arminha de paintball e estávamos sendo atingidas à queima roupa em vários lugares. E quando eu pensei que tinha acabado, veio um jato tão forte de água que me impedia de ter qualquer reação. Eu e Michelle gritávamos, agoniadas, ora afogando ou tentando nos erguer, mas aquele ataque inesperado não cessava. E mesmo que aquilo tudo tivesse durado menos de um minuto, meu corpo doía como se eu tivesse recebido uma surra por horas.

– Lucy… – Michelle tossia no chão – O que está acontecendo?!

Meu nariz e garganta queimavam e só agora o frio penetrava meus ossos, com a calça jeans e o moletom encharcados e pesados. Com os lábios tremendo e ajoelhada no chão, meus olhos tentaram se acostumar com a mudança de iluminação, que diminuiu consideravelmente. Feixes de luz explodiram à minha frente quando botas negras cravaram no chão com um pulo. Aqueles calçados tão bem conhecidos por mim se aproximaram lentamente e, a cada passo, meu coração falhou uma batida. O raciocínio já havia chegado por completo, mas aquela parte de mim, aquela parte sentimental, se recusava a acreditar naquilo.

E tal qual o vi pela primeira vez, Sting apareceu completamente em meu campo de visão, com um sorriso sugestivo nos lábios. Mas agora eu entendia seu significado: era um sorriso diabólico e maldoso. Me sentindo completamente subjugada, o olhei de baixo, a franja pingando sobre meus olhos que não demonstravam nada além de puro ódio.

– E aí, Blondie. Parece que você se sujou um pouquinho. – Disse ele, ironicamente. Seu tom de voz estava completamente diferente do que eu conhecia. Como se achasse pouco, ele me jogou um lenço. – Talvez isso ajude.

– Vai se ferrar, desgraçado! – Michelle veio até mim, me ajudando a levantar. – Como você pôde…

– Michelle. – A interrompi, agora o olhando frente a frente. A raiva estava dando lugar a uma mágoa profunda, entretanto, não deixei que isso abalasse minha voz. Eu precisava entender. – Eu só quero saber uma coisa: por que?

Ele fingiu pensar a respeito.

– Por que? Hum... – A cada expressão que ele fazia, eu só conseguia pensar em como eu fui feita de idiota todo esse tempo. – Porque eu quis, porque era divertido, porque você é uma garota ingênua e burra que se acha fodona e no momento que eu percebi isso eu fiquei excitado para ver até onde eu conseguiria te enganar.

Um bolo se formou na minha garganta e minhas pernas tremiam visivelmente. Minha vontade era de desabar ali mesmo e gritar com todas as minhas forças.

– Sabe o engraçado, Blondie? No começo eu achava que seria muito difícil, mas sabe que foi até bem fácil? Em poucos dias consegui compreender como sua mente funcionava e daí foi fácil achar brechas na sua barreira aparentemente impenetrável. Você é como qualquer outra garota da sua idade: desesperada em ter uma conexão íntima com alguém, mesmo que em seu interior você negue isso incansavelmente. 

– Eu acreditei em você. – Foi a única coisa que eu consegui dizer, a voz já falhando.

– Muitos acreditam, faz parte de quem eu sou de verdade. Mas, olha, uma coisa tenho que admitir, Blondie: Você, apesar de tudo, é dura na queda. – Estreitei os olhos, confusa. Com a mão no queixo, ele continuou, surpreso: – Sabe que eu achei que já teria te levado pra cama há uns meses atrás?

– Filho da puta! – Michelle soltou, mas eu não conseguia falar mais nada.

Ele bateu palmas, me parabenizando.

– Realmente, nesse sentido você me surpreendeu, me fez até perder uma aposta. Não é, maninho?

Foi então que eu olhei para cima e meu coração se despedaçou de vez. Estávamos tão distraídas que não notamos uma segunda presença, que segurava a mangueira de pressão na caçamba do carro. Natsu desceu, vindo até em frente aos faróis, nos olhando como se estivéssemos nos encontrando casualmente pela rua. Meus joelhos falharam e Michelle teve que me segurar. Lágrimas quentes e silenciosas desceram pelo meu rosto gelado, e antes que eu percebesse minha boca se mexeu sozinha.

Natsu…

– Eu disse que ela ia chorar quando te visse, seu idiota! – Sting parecia vibrar com uma suposta vitória. – Passa pra cá.

Sem dizer uma palavra, Natsu passou uma nota de cem para ele. Neste momento, eu não raciocinava mais.

– Vocês dois são grandes pedaços de merda! – Gritou minha prima. – Você, eu sempre estive com um pé atrás – apontou para Sting, que fingiu se render, rindo. – Mas você, Natsu Dragneel, qual a necessidade disso? Infantilidade de mau gosto tardia? Você é o maior babaca filho da puta! Isso tudo porque você não soube o que fazer com seus sentimentos? Projeto de homem! Você não passa de uma criança mimada e manipulada por esse demônio aí. Tenho pena de você!

A essa altura eu já chorava audivelmente, pois meu orgulho já havia ido pro espaço.

– Alguma coisa foi real pra você? – Perguntei, de forma lenta.

– Só a parte que eu queria te levar pra cama. – Sting respondeu, dando de ombros.

EU NÃO ESTOU FALANDO COM VOCÊ! – Gritei, assustando até mesmo a Michelle. Olhei dentro dos olhos de Natsu, esperando ler algum tipo de sentimento, mas nunca em 14 anos da minha vida, eu havia visto seu olhar tão desprovido de vida. – Me responde, seu desgraçado! 

– Era isso que eu queria ver! – Celebrou Sting.

– Cala a boca! – Rebati, fazendo com que ele fizesse uma expressão infantil de medo. – Eu nunca amei você, nem um minuto sequer. Você é um ser vazio de sentimentos e que nunca vai saber como é amado, porque ninguém, nunca, jamais, conseguiria amar alguém como você. Se você acha que foi o único usado, está redondamente enganado.

Ele pôs as mãos no peito, fingindo estar magoado.

– Por que, Natsu?–  Perguntei, mas ele nada respondia. –  Por que? Por que? Por que?

– Lu… – Michelle me abraçou, vendo meu estado de desespero. – Vamos embora.

– Não, Michelle. Eu preciso saber! Por que ele fez isso comigo? Por que? Eu dei tudo o que eu tinha pra ele, TUDO! Mas ele jogou isso fora e me tratou como um verme! Eu preciso entender porquê! 

Foi então que ele abriu a boca e disse, pura e simplesmente:

– Adeus, Lucy.

Quando ele se virou para ir embora, eu desabei, anestesiada por uma dor que achei que era impossível de piorar. Mesmo diante de todas as decepções que eu vinha tendo, eu nunca achei que as coisas chegariam a esse ponto. E lá no fundo, eu tinha sim uma esperança de reconciliação, que obviamente a partir de agora seria terminantemente impossível.

Eu e Natsu acabamos de uma vez por todas.

– A gente se vê por aí, Blondie. – Sting veio se despedir, segurando meu queixo e se aproveitando da minha fraqueza que me impedia até de esquivar.

– Tire suas mãos imundas dela. – Michelle estapeou sua mão para longe, mas ele nem ligou e foi embora, nos deixando sozinhas a mercê do frio e da humilhação.

Eu só queria saber de chorar, e só chorar. Eu sentia a presença de Michelle ali, me consolando em vão, mas a dor era muito grande para suportar. Eu fui feita de idiota, uma marionete manipulada de todas as maneiras possíveis e para quê? Apenas para divertimento alheio? Era só pra isso que eu servia?

Não sei exatamente quanto tempo ficamos ali, deixei meu corpo inerte ser levado pela minha prima, que falava alguma coisa que eu não compreendia, nos arrastando pela calçada na tentativa de voltar para casa. 

Mas se achava eu que aquele inferno havia acabado, eu estava totalmente enganada: aquilo era só o começo.


 

****


 

– Mimi, me perdoa… – Falei ao prantos, a culpa de tê-la arrastado para isso começando a dar seus sinais. – Eu não sabia, me desculpa, você não merecia isso, eu… É tudo minha culpa.

– Ei, ei! – Ela me interrompeu, segurando meu rosto e me olhando nos olhos. Notei que também chorava em meio à tinta. – Você não tem culpa de nada, okay? Eu estou estou bem, não se preocupa comigo. A gente tem que ir pra casa.

Ela me sentou no meio fio, onde eu abracei meus joelhos escondendo meu rosto ali. Ainda estávamos na praça e Michelle tentava chamar um táxi pelo celular.

– Merda, não tem sinal, isso é cúmulo!

De relance, a vi dando passos mais a frente, levantando o celular para o alto. Neste momento, divaguei sobre a situação ridícula em que eu me encontrava. Sofri um ataque extremamente infantil e inesperado de duas pessoas em quem confiava, e o motivo da minha mágoa era puramente a parte em que eu fui feita total e completamente de trouxa. Não sei quando, exatamente, eles começaram a conspirar contra mim, jogando comigo, apostando sobre minhas escolhas e rindo da minha cara pelas costas. 

Mas, tramar esse circo contra mim foi realmente o ápice da falta de noção.

A essa altura, esqueci de entender os motivos pelos quais eles, principalmente o Natsu, fizeram isso comigo. E comecei a rir, muito, descontrolavelmente.

Michelle se virou, me olhando, pasma.

– Ai, prima, você não tá bem.

– Não… É hilário. – Expliquei, entre risos. – Quer dizer, fomos atacada com arminhas de tinta e água! Quantos anos eles têm, sete? – Minha barriga doía de tanto rir e Michelle já me acompanhava. Porque era no mínimo engraçado se parar pra pensar.

– A gente sofreu um trote de duas crianças pirracentas!

– Eu estou me sentindo sofrendo bullying como as protagonistas nerds e introvertidas dos livros e filmes! E o pior! Agora eu entendo por que elas ficavam tão arrasadas!

Rindo e chorando, Michelle e eu estávamos mais unidas do que nunca, na desgraça, na humilhação e na bizarrice. Me senti grata por tê-la ao meu lado, mesmo que, se pudesse, eu faria de tudo para não envolvê-la em toda essa merda.

Mas para a meu mais puro desgosto, eu estava prestes a presenciar nossa união também no desespero iminente da morte. Foi o tipo de sentimento premonitório que percorreu minha espinha antes mesmo de eu perceber o que estava acontecendo. 

Ainda estávamos tendo um ataque de riso quando vi alguém chegar por trás de Michelle. Uma figura masculina, esguia e irreconhecível. Meus pelos se eriçaram e eu me levantei devagar, com o raciocínio ainda lento. Quando abri a boca para gritar, era tarde demais.

– Michelle!

Ela se assustou, se virando para trás. E a última coisa que vi, foi o homem que a afugentou com um saco preto na cabeça, antes de acontecer o mesmo comigo. Caí com tudo no chão, urrando de dor, para logo em seguida sufocar com o aperto no pescoço. Eu ouvia os gritos de Michelle, enquanto era arrastada pelo chão, a pele ralando no asfalto, sendo enforcada em meus próprios gritos. Eu tentava me soltar, em vão, daquele desespero sem fim que queimava minha garganta.

Ouvindo os risos de prazer e as vozes, eu afastei a possibilidade de Natsu e Sting terem chegado tão longe, mas isso incrivelmente não me deixou aliviada.

– Calma, gatinha, vai acabar rápido.

Ele parou de me arrastar pelo pescoço e me segurou pela cintura, e antes mesmo que eu pudesse recuperar o fôlego, consegui chutá-lo. Me afastei para longe, só então descobrindo a cabeça e puxando o ar que entrava em meus pulmões como brasa. 

– Ei, você não pode tocar nessa aí. – Gritou o outro ao longe, segurando Michelle ajoelhada no chão pelos cabelos. Sua roupa estava rasgada e seu sutiã à mostra. Foi só aí que eu entendi o que estava acontecendo.

– Porra, ela me chutou na cara. Quebrou meu nariz! – Dizia ele, com a mão no rosto.

Eu só olhava para Michelle em total desespero, enquanto a via chorar copiosamente. 

– Se tocarmos nela, estamos ferrados. Mas… – Eu não estava entendendo o que ele dizia, mas vê-lo jogar Michelle no chão e rasgá-la por inteiro me fez agir. – Podemos fazer o que quiser com essa aqui.

Tentei correr até ela, mas o outro me socou no olho, apertando meu pescoço com o braço em seguida. Me debati e gritei, completamente em vão. A insanidade percorrendo pelas minhas veias ao ver a minha prima prestes a ser estuprada.

Shiii. – Ele sussurrou no meu ouvido. – Se você não se comportar, mais ele vai demorar com ela. Apesar de que, quanto mais longo for, melhor para você.

Eu não conseguia desviar o olhos. Michelle lutou, recebeu um soco no rosto, a cabeça jogada contra o chão e um chute no estômago, que a desfaleceu, mesmo que ainda estivesse consciente. Gritei por baixo da mão que me tapava a boca, coloquei toda a força que tinha para me soltar, mas ambos eram muitos mais fortes e maiores que nós. 

O olhar de pânico dela se focou nos meus e eu desejei com todas as minhas forças que trocássemos de lugar. O homem abaixou as calças e eu odiei Deus ou qualquer que fosse a coisa que existia sobre nós por deixar que aquilo acontecesse conosco. Mas acima de tudo isso, eu odiei Sting. Odiei Natsu. E odiei a mim mesma por ter me deixado cair nesse jogo idiota que nos levou até ali naquela noite. Até uma traição que culminou a este momento de terror.

Porém, eu parei de me questionar ou me culpar. E toda aquela raiva e desespero dentro de mim deram lugar a um estado profundo de calma. Era como se o meu corpo agisse sozinho, e eu apenas observasse de longe, de algum lugar profundo de minha própria mente. Com apenas um movimento consegui soltar o aperto o suficiente para atingí-lo nos olhos. Os gritos chegavam abafados aos meus ouvidos e eu só tinha um objetivo em mente. Todo meu corpo parecia agir especialmente para cumpri-lo, e só então assim, eu teria paz.

A pedra no chão já estava nos meus planos antes mesmo que eu me levantasse. Ao segurá-la, eu senti naquele objeto inanimado uma extensão de poder que me engrandeceu de tal forma que me senti inebriada. E quando eu desferi o primeiro golpe, pareceu que finalmente tudo estava certo. Nem mesmo quando ele caiu, eu parei. Continuei investindo, me manchando de sangue, com gritos ao longe. 

O corpo não mais se mexia, mesmo assim eu não parei. Mas aquele sentimento de poder estava dando lugar à raiva e ao medo. Medo que se devia única e exclusivamente ao fato de estar gostando de praticar aquele ato repugnante. Mas, era meu direito de vingança e justiça.

Eu não podia parar. Não queria.

Apenas quando fui abraçada de modo trêmulo eu me senti oca, vazia. Era como se eu tivesse perdido a minha alma naquele momento. Assim como os olhos sem vida do homem que eu acabara de tirar a vida. Olhos que que não consegui desviar até apagar por completo, me entregando à escuridão que parecia dançar ao meu redor, me chamando lentamente para um mar profundo e turvo. 

E eu mergulhei, abraçando completamente aquele lado meu lado obscuro e recém aflorado. Aceitando que aquilo era parte do que eu sou agora.

Ou do que eu sempre fui.

 

***

 

Acordei atordoada, ouvindo um som de sirena. A luz que incidia no meu rosto me deixava mais confusa e eu não conseguia focar a visão. Tentei me levantar algumas vezes, mas alguém me impediu. Virei a cabeça e vi Michelle enrolada num manto, machucada e chorando, enquanto segurava minha mão com força. Percebi que estávamos numa ambulância quando desceram a maca. Me empurraram para dentro do hospital e aquela imensidão branca me deixou ainda mais agitada. Gritos, correria, alguém jogando luz nos olhos, que logo afastei abruptamente com um grunhido.

– Não, eu quero ficar com ela! – Ouvi Michelle gritar. Me virei de lado, vendo a levarem embora numa cadeira de rodas. – Lucy!

Mesmo que àquela altura eu soubesse que estávamos no hospital, eu não me sentia segura. Consegui me sentar, olhando para minhas mãos embebidas em sangue e tudo o que aconteceu veio na minha mente de uma vez. Comecei a ofegar, a respiração pesada, coração acelerado e eu só tinha uma coisa em mente: Eu havia matado um homem.

– Lucy, não é? – Alguém me chamou e eu olhei pra frente, em pânico, encarando um médico. – Eu sou médico, tudo bem? Não vou machucar você, só quero te examinar.

Olhei ao redor, vendo as enfermeiras me encararem. Pulei da maca, caindo no chão sem forças, mas não deixei que ninguém me ajudasse, esperneando, gritando. Quando o médico tentou se aproximar novamente, eu o chutei e corri, causando um alvoroço. 

Entrei e saí pelos corredores, desesperada, com uma necessidade latente de fugir, entretanto, mesmo que eu corresse muito, eu sentia que não conseguiria. Derrubei pessoas e carrinhos, pulei pelos balcões, fugindo dos seguranças que tentavam me pegar. Na minha cabeça eu sabia que não estava numa situação como a de antes, só que mesmo assim eu não conseguia parar. Eu queria fugir de mim mesma.

Achando finalmente a saída empurrei as portas, sendo logo agarrada fortemente. Ergui as pernas, chutando o ar, mas eu não conseguia sair. Alguém gritava. Mordi seu braço com toda a minha força, mas ele não soltou.

Foi aí que minha mãe apareceu no meu campo de visão. Não parei de imediato e acabei a atingindo, mas ela não desistiu e se ajoelhou comigo, segurando meu rosto e falando repetidamente alguma coisa que eu ainda não conseguia entender.

Senti um cheiro familiar e olhei para o relógio no pulso daquele braço que me segurava tão forte. 

– Estamos aqui, filha. – Meu pai dizia, com a voz embargada. – Está tudo bem.

– Você está segura, meu amor. – Mamãe acariciava meu rosto, chorando copiosamente. – Você está segura.

Então eu parei, ficando imóvel quando os dois me abraçaram, sentindo logo em seguida mais uma pessoa, provavelmente meu irmão. Minha família estava ali, tudo aquilo havia acabado e eu não sentia nada além de um vazio e medo inominável.

Sem falar nada, continuamos daquele jeito por bastante tempo e, mesmo que eu quisesse muito chorar, eu não conseguia. E não conseguiria por muitos anos a frente.

 

****


 

Depois de toda aquela cena, conseguiram me levar para um quarto, mas eu atacava qualquer homem que tentasse se aproximar e não deixava que mais ninguém me tocasse, exceto minha família. Meu pai e meu irmão estavam no canto do quarto e minha mãe segurava minha mão, enquanto eu estava deitada na cama depois que ela me convenceu a fazê-lo. A única coisa que eu fazia era olhar para o nada, a cena se repetindo várias e várias vezes na minha cabeça. Agora ela tentava me convencer a tomar banho, depois de eu ter recusado a chutes quatro enfermeiras e uma médica.

– Eu entro no chuveiro com você. –  Ela dizia, mas não surtiu efeito algum. – Jude…

Ela olhava para o meu pai, aos prantos, mas ele apenas balançou a cabeça. Laxus começou a andar freneticamente de um lado para o outro.

– Eu vou descobrir quem fez isso e vou matar o desgraçado.

– Chega de morte. – A voz de Michelle se fez presente no quarto e só então eu desviei minha atenção para ela. – Lucy…

– Desculpem, ela insistiu muito em vir. – Disse uma enfermeira que a acompanhava.

A olhei profundamente nos olhos, esperando que ela entendesse o quanto eu estava triste por tudo aquilo ter acontecido com ela. Porém, eu nada disse, e virei o rosto, o que a fez recuar. Eu não conseguia mais encará-la. 

– Michelle, minha sobrinha. – Ouvi mamãe falar, acho que estavam se abraçando. – Eu sinto tanto, tanto! Deus sabe o quanto eu queria trocar de lugar com vocês.

Quase esbocei uma reação de riso. “Deus”.

– Porque ela não quer falar comigo? – Michelle sussurrou, baixo.

– Ela está em choque. – Explicou a enfermeira. – Logo ela irá melhorar.

– Ei, Lulu. – Ela me chamou, mas não a olhei. – Eu estou bem, tá legal? – Notei o quanto ela se esforçava para deixar sua voz normal. – Você não tem culpa de nada, você é minha heroína.

Heroína e assassina. Completei na minha mente.

– Com licença. – Escutei a voz de um homem e apertei o lençol com força. – Os responsáveis por Lucy Heartfilia precisam me acompanhar.

– Senhor policial, eu vou pedir que se retire e exija ao seu chefe que troque toda a sua equipe predominantemente masculina para funcionários do sexo feminino, inclusive o delegado que cuidará do caso. – Ouvi a voz altiva da enfermeira. – Temos duas garotas que sofreram um grave abuso e isto é o mínimo que deve ser feito.

A porta se fechou alguns segundos depois e todos continuaram em silêncio, exceto por Michelle que chorava baixinho no colo da minha mãe.

– A Michelle precisa descansar agora, e a Lucy precisa de um banho para realizar os exames virais.

– Mas… 

– Não se preocupe, senhora Heartfilia, eu cuidarei bem dela. – Interrompeu minha mãe, que estava claramente insegura depois de todo o vexame que fiquei dando dentro do quarto quando alguém tentava se aproximar.

Laxus tentou se aproximar de mim, mas meu pai o puxou e logo estávamos sozinhas no quarto. Eu e a enfermeira mandona.

Ela puxou uma cadeira e se sentou do meu lado.

– Você precisa tomar banho, Lucy.

Silêncio.

– Não vou encostar em você se não quiser, pois sei que você consegue fazer isso sozinha. Eu só não posso te deixar sozinha.

Quando eu continuei sem falar nada, ela olhou pro pulso e disse:

– Eu sei que você perdeu a noção do tempo, mas você sabia que já são quatro da tarde?

Inclinei o rosto em sua direção, a encarando pela primeira vez. Ela usava óculos de grau e tinha uma aparência comum.

– Finalmente olhou pra mim. Sei que um desconhecido é a última pessoa que você quer ver, mas sabe a vantagem? Não somos íntimas, então eu posso dizer isso pra você: Se erga. Porquê você já reagiu. 

Ela se levantou e ficou me olhando, esperando que eu fizesse o mesmo. Ela parecia muito segura de que suas poucas e duras palavras fossem surtir efeito em mim.

Desde que eu cheguei, ninguém havia falado comigo de um jeito tão… Normal e sincero. Parecia que todo mundo tinha aquele tom de pena e me tratavam como se eu fosse de vidro. 

Você acha que eu vou me matar? – Quando falei pela primeira vez em horas, minha garganta doeu. – Acho que você deveria começar a se preocupar consigo mesma.

– Eu não tenho medo de você. – Respondeu ela, entendendo a minha ameaça vazia. – Mas você tem.

A olhei sem entender.

Você tem medo de si mesma. – Explicou, sem papas na língua. Ela se aproximou segurando a minha mão, onde me esquivei agressivamente, mas ela pegou minha mão à força novamente, sem nem se importar. – Olhe para essas mãos e pense que elas salvaram você. E a Michelle.

Observei minhas mãos com sangue seco, se eu fechasse os olhos ainda podia ouvir o som da pedra quebrando os ossos.

– Aceite que o que você fez precisava ser feito.

Se eu não estivesse ainda tão confusa, acharia que ela estava orgulhosa do que fiz, pelo tom de sua voz. Levantei devagar, colocando os pés descalços no chão. Ela se afastou levemente, abrindo caminho para a porta do banheiro já aberta. Enquanto caminhava até lá, me senti fraca, e ao mesmo tempo, forte. Chegando no balcão da pia, me olhei no espelho, gravando aquela imagem na minha mente. Cabelo desgrenhado, rosto sujo de tinta e sangue, olho inchado e pescoço marcado. Jurei a mim mesma que eu nunca mais deixaria ninguém fazer isso comigo novamente.

Ao entrar no box e começar a tirar as roupas, ela perguntou:

– Precisa da minha ajuda?

Peguei o sabonete e estendi a sua frente.

– Você poderia lavar meu cabelo?


 

***

 

Gostei da enfermeira, pois em certos momentos parecia que ela nem estava ali. Dispensando maqueiros e qualquer contato desnecessário, passamos o resto dia andando pra cima e pra baixo. Me levou para o exame incômodo de corpo e delito, ela mesma recolheu meu sangue, me deu antivirais, fez curativos no meu corpo e me forçou a comer, me convencendo com uma única frase:

Sei que não tem fome, você pode ficar sem comer por dois dias, mas depois disso, teremos que te dar soro e se você resistir, vamos ter que te apagar.

Comi cinco colheres de sopa e nada mais entrava.

Apenas vi meus pais no dia seguinte, eles entraram logo de manhã cedo enquanto eu olhava pela janela a luz do sol que vi nascer.

– Filha… – Minha mãe entrou, fazendo menção de me abraçar, porém me olhando como se pedisse permissão. Eu estendi a mão pra ela, que logo me abraçou apertado. Passei a noite toda pensando que não posso mais preocupar meus pais, mesmo que eu não sentisse nada com suas demonstrações de afeto. – Eu amo tanto você!

– Querida. – Disse meu pai e ela entendeu que deveria me soltar, ficando sem jeito. Ele apenas apertou meu pé por baixo do lençol, agora eu estava limpa e apresentável. Notei que seu braço estava enfaixado pela minha mordida.

– Seu irmão não veio pois estava muito nervoso. – Disse ela, tentando iniciar um diálogo. – Mas ele queria muito estar aqui.

– Tudo bem.

Foi só o que eu soube dizer. Eles pareceram ter ficados feliz com minha simples frase, pois era a primeira coisa que eles me viram falar desde que tudo aconteceu. Ficamos em silêncio por longos minutos, até que meu pai falou:

– Lucy, minha filha. – Ele se aproximou, passando a mão no meu cabelo. – Temos que conversar com um investigador, para você dar seu depoimento. A Michelle ainda não o fez, pois não está pronta. Você também não precisa…

– Eu estou pronta. – O interrompi, com convicção. Ele me encarou e repeti: – Eu estou pronta.

As palavras daquela enfermeira insensível me fizeram ver uma coisa: é melhor acabar tudo pela de uma vez como um curativo, dói, mas passa mais rápido.

– Podemos ir agora, se você quiser. – Disse ele. – Precisamos de toda a informação possível para pegar o outro cretino.

– Como assim?

– Ele fugiu. – Disse mamãe e eu me recostei na cama, me sentindo apreensiva. – Mas você está segura, meu amor.

– Aos seu olhos não está visível, mas tem muita gente te protegendo. – Disse meu pai, como se ele próprio tivesse se certificado disso. 

Mas eu não prestei muita atenção. E se ele voltasse? Pra terminar o que começou, para se vingar? De repente, quis ver Michelle. E foi nesse momento que meu quarto foi invadido com violência.

– John. – Perguntou mamãe, surpresa, e me dei conta de que aquele era meu tio. Pai de Michelle.

Está feliz, Jude? – Perguntou ele, transtornado. Meu pai apertou o queixo, como se já esperasse este momento. – Como se não bastasse arrastar a minha irmã para essa vida de merda, envolveu também a minha filha. Você não tem o mínimo de decência?

– John, por favor, pare! – Minha mãe o empurrava, em vão.

– Pai! – Michelle surgiu, acompanhada da enfermeira insensível. – O que está fazendo? Será possível que você não simplesmente se preocupar comigo sem fazer um caso? Ninguém teve culpa de nada!

– Foi um erro ter deixado você vir pra cá.

– Ah, agora você se preocupa? Ou isso tudo é sua rivalidade infantil e sem fim pelo tio Jude?

– Ele não é seu tio!

– Michelle, você precisa descansar, meu anjo – A enfermeira a acalentou, abafando seu choro em seu ombro, me fazendo estranhar sua atitude. – Esta criança não precisa de mais sofrimento, senhores. Peço que se resolvam em outro lugar. 

Entendi então que ela tratava Michelle de uma forma completamente diferente. Ela era um gênio, ou apenas falsa.

Quando as duas saíram, tio John se esquivou da minha mãe, ainda tendo o que falar:

– Estou decepcionado com você, Layla.

– Culpe a mim. – Falei, mesmo que fosse em vão. Ele me olhou, parecendo me enxergar pela primeira vez desde que entrou. – Foi minha causa que a Michelle estava lá.

Tio John pareceu quase chorar, olhando para mim com uma expressão incrédula, mas nada me respondeu. Ao invés disso, cuspiu na cara do meu pai.

– Como você pode fazer isso com sua própria filha?

E como em raras vezes na minha vida, eu vi meu pai se enfurecer genuinamente. Ele avançou em cima do meu tio, o socando com toda força.

– Jude!

Meu pai saiu batendo portas e em seguida minha mãe, que ajudava meu tio a se erguer. Ela sussurrou um “Desculpe, meu amor”, e eu fiquei sozinha, sem entender o que tinha acontecido naquela sala.

Apenas horas depois meus pais voltaram e eu recebi alta. Perguntei por Michelle e soube que ela ficaria mais tempo devido aos seus machucados e estado emocional, porém não quis vê-la. Fomos para a delegacia sem ninguém falar uma só palavra.
 

Na delegacia, tentei não me ater aos olhares, especialmente masculinos, quando entrei. Mesmo sem ver as notícias, ouvi cochichos e eu era uma celebridade criminal: A garota de 14 anos que matou um estuprador a pedradas. Meu pai me segurava pelo ombro enquanto andávamos pelos corredores, até chegarmos numa daquelas salinhas que vemos nos seriados policiais. Fiquei aliviada em ver que o investigador na verdade era uma “investigadora”. 

– Lucy, eu sou a Karen. – Estendeu a mão, mas não a apertei. Ela recolheu com compreensão. – Você prefere conversar comigo a sós, ou seu pai pode ficar? – Questionou e eu olhei para ele, pedindo que saísse. Eu não queria que ele ouvisse os detalhes sórdidos da alma podre da filha que havia se sentindo bem em trucidar um cérebro humano.

– Eu estou lá fora, okay? – Disse e saiu, se juntando a minha mãe que estava abalada demais para ficar em pé.

Eu sabia que ela ficava chorando o dia todo pelas olheiras que ela estava exibindo, mas claro que ela não fazia isso na minha frente.

Sentei na cadeira, só agora notando as roupas que vestia, pelo espelho largo à minha frente. Calças e um cardigan, mas nos meus pés haviam chinelos, uma coisa fácil de se vestir diante do meu atual estado de apatia. Encarei meu reflexo de morta-viva, sabendo que haviam pessoas por trás daquele vidro espelhado, ouvindo o depoimento que eu estava prestes a dar.

– Eu vou gravar nossa conversa, você pode começar quando quiser.

Respirei fundo e comecei a contar tudo, do começo, pois quando eu falei que eu e Michelle estávamos na praça tarde da noite, ela perguntou o motivo. Então falei do Sting, do Natsu, do “trote”, um resumo. Toda ordem cronológica, até o momento que tudo aconteceu. E na hora de falar sobre o homicídio, que ela fazia questão de enfatizar que havia sido legítima defesa, eu apenas falei:

– … Então peguei a pedra e o matei.

Ela me olhou atônita, deixando claro a surpresa diante da minha frieza, coisa que ela estava tentando esconder a cada palavra que eu dizia.

– E como… – Ela suspirou. – Como exatamente isso aconteceu, consegue se lembrar?

Eu o matei. – Disse, pausadamente.

– Diante do choque, as vezes nossa mente apaga alguns detalhes, então é normal…

Me irritei, porque não era verdade. Eu lembrava de todos os detalhes, cada gesto ou ação, e o que me atormentava é que eu nunca ia me esquecer daquilo, mesmo que eu quisesse muito. E o pior, é que nos momentos de tensão, como este agora, eu pegava lembrando da sensação do sangue nas mãos, como uma forma macabra de alívio mental.

– Eu não estou em choque! – Bati na mesa, elevando a voz. – Eu simplesmente o matei, porque ele ia estuprar a minha prima e queria que eu assistisse!

– Tudo bem, tudo bem. – Ela se levantou, gesticulando com as mãos. – Está tudo bem.

– Você é idiota? Como pode estar tudo bem? Você não me ouviu? Eu o matei.

– Eu também já matei, Lucy.

– É diferente. – Disse, arrastando a cadeira e indo para a porta.

– Porque seria diferente?

Então virei para ela, e perguntei:

– O que te deixa sem dormir a noite é ter tirado um vida, ou fato de que você gostou de fazer isso?

Saí sem me importar se isso poderia se virar contra mim, me fazendo ser presa por homicídio ou algo do tipo. Mas transpor meus pensamentos em palavras, justamente para um desconhecido, me trouxe um alívio sem culpa que fez com que eu me sentisse um pouco melhor. Até eu ver alguém inesperado no corredor.

Sting saía da sala, provavelmente tendo sido chamado para depoimento. Franzi as sobrancelha quando ele me olhou e deu uma piscadinha, como se estivesse flertando comigo ao me encontrar casualmente num shopping. Mas estávamos numa delegacia, e eu tinha matado um homem. Porque ele me chamou até lá.

Meu sangue gelou e eu analisei as opções, me sentindo com a mente lenta, mesmo que eu tivesse agido depressa. Uma pessoa passou por mim, com uma caneta presa no bolso da camisa, que logo peguei e corri em direção a ele, que parecia esperar o ataque. Mas minha visão ficou turva e eu apaguei,  retomando a mim apenas quando me seguraram por trás, Sting caído no caído no chão e meu dedos segurando com força a caneta ensanguentada com a qual tentei cegá-lo.

O zumbido no meu ouvido diminuiu e eu escutei a gritaria ao redor, um mar de policiais nos rodeavam naquela situação. Não era meu pai que me segurava, era Karen.

– Me solta! Eu vou matar ele! É tudo culpa dele!

O ajudaram a se erguer do chão, seu olho sangrava, mas infelizmente eu havia errado alguns centímetros e atingido apenas sua sobrancelha, que exibia um corte profundo.

Igneel apareceu de repente, segurando o filho pelo ombro. 

– Oh, Lucy. – Disse ele, me olhando em desespero. – Eu sinto muito…

De repente duas mulheres abriram caminho e quando as vi vestidas de branco, soube quem eram. Parecia que elas já estavam ali, a postos caso algo do tipo acontecesse, como se já tivessem esperando por isso. Uma delas ajudou a me segurar, enquanto a outra exibia uma seringa nas mãos.

– O que vocês vão fazer comigo? Me soltem!

– Me desculpa, Lucy. – Disse Karen.

– Não, não! – Eu não queria ser apagada, mas eu nada podia fazer naquela situação. Tentei puxar o braço, em vão. Meus pais me olhavam de longe, chorando, enquanto aos poucos eu esmorecia nos braços de Karen. 

Ainda conseguindo andar, fui sendo levada, observando a todos que me viam nessa situação. Até que parei o passo ao ver Natsu, abraçado com a mãe, chorando sem tirar os olhos de mim. Que direito ele tinha de chorar?

Diferente de Igneel, a mãe dele não disse nada, mas seu olhar quase podia falar um pedido de desculpas. Mas eu não precisava de nada disso. Num ato impensado e com um último gesto de força, cuspi nele, que me olhou horrorizado. 

Apaguei completamente antes de conseguirem me colocar na cadeira de rodas.


 

***

 

Quando acordei, depois de dormir por quase dois dias, estava internada num hospital psiquiátrico, na ala dos pacientes perigosos. No meu quarto, não havia nenhum objeto perigoso e eu não tinha contato com nenhum outro paciente. Meus pais e meu irmão vinham me ver todos os dias, em horários específicos e por um curto período de tempo. Não que fizesse diferença, pois estava com raiva demais deles para conversar alguma coisa que não fosse jogar respostas ácidas. Eu tinha crises de fúria, me recusava a tomar os remédios e sempre tentava agredir alguma enfermeira boazinha que queria ser minha amiga. Estava prestes a enlouquecer quando um dia, uma mulher com uma estatura de uma criança entrou no meu quarto. Não saí de cima da mesa, por onde olhava pela janela o jardim horroroso e vazio do hospital, minha única comunicação com o mundo lá fora.

– Olá, Lucy. Eu sou a Mavis.

– Você veio fazer uma pesquisa de satisfação? – Ironizei, olhando suas roupas formais demais. – Olha, a comida é péssima e te tratam com uma falsidade tão grande que você quase acredita que é genuína! E ah, se você se recusa a tomar os remédios, eles te enfiam uma agulha na bunda.

– Se você não tomar os remédios, se sente melhor? – Ela perguntou, entrando na conversa sem dificuldades. Entendi qual era a dela.

– Já sei, você é a psicóloga sobre quem o psiquiatra falou.

– Sim, você está certa. 

– Ótimo. – Desci da mesa, me sentando na cama. Ela apenas me observava. – Eu vou chorar e dizer algumas coisas, depois vou ficar emocionada demais para continuar, daí você volta no outro dia e aos poucos vou dizendo que estou me sentindo melhor, então eu recebo alta. Não é assim que funciona?

– Não, não é assim que funciona. E eu sei que você sabe muito bem que contar esse seu plano já o fez falhar antes mesmo que você pudesse pôr em prática.

– Eu vou acabar enlouquecendo de verdade aqui dentro. – Disse, de repente. 

– Eu te dou alta, se você conversar comigo. – Propôs. – Uma conversa sincera, não esses insultos amargos, e acredite, eu percebo também quando as pessoas fingem.

Dito isso, ela se dirigiu para a porta e eu fiquei sem entender.

– Onde você vai?

– Vou embora, sei que hoje nada que sair da sua boca vai ser o que você realmente sente.

Aquilo me deixou com tanta raiva que naquela noite acabei tomando os remédios sem reclamar, pois queria dormir de uma vez. Mavis não voltou no dia seguinte, nem no próximo. Se passaram três dias para ela vir de novo e na minha cabeça aquilo era uma tortura proposital. Quando ela entrou no meu quarto, eu não disse uma palavra.

– Você está me castigando? – Ela perguntou e obviamente, eu não respondi. – Tudo bem, eu não tenho pressa.

E nisso um dia sim, um dia não, Mavis vinha para o meu quarto, se sentava na poltrona e lia um livro. Sem dizer uma palavra. Sempre que vinha, trazia um livro diferente e o colocava na beirada da cama, enquanto lia outro. Eu sabia que aquilo era uma estratégia de interação, então não me permiti cair naquele truque. Mas os dias eram monótonos, cheios de pensamentos negativos e lembranças ruins. E eu gostava de ler. 

Um dia, peguei o livro, observando sua reação, mas não houve nenhuma. No início, eu não dava nada por ele, ficando incrivelmente surpresa por ser um livro de terror, pois eu tinha quase certeza de que era um desses livros de autoajuda. Fiquei tão imersa na leitura que nem percebi quando ela foi embora e me deixou sozinha. Naquele mesmo dia, perguntei se podia dispensar o remédio para dormir e tentar fazer isso do jeito normal.

Mas no primeiro cochilo eu sonhei com aquela noite e depois não consegui mais pregar os olhos, sentindo um pânico crescente que me sufocava. Acender as luzes de madrugada num hospital psiquiátrico era mais que suficiente para que as enfermeiras viessem ver o que estava havendo. Então, sem dignidade, pedi o remédio para dormir, pois quando o tomava, nunca sonhava.

No dia seguinte, Mavis apareceu logo após o almoço que obviamente eu quase não toquei, como sempre.

Ela me cumprimentou e se sentou na cadeira, abrindo seu livro. Não consegui me segurar e perguntei, tirando o livro de baixo do travesseiro.

– Porque deixou o livro comigo? – Ninguém podia deixar nada de fora com os pacientes. Nem mesmo roupas.

– Você parecia estar gostando, não vi nada demais em deixá-lo com você.

– Sabia que com papel, água e sabão, é possível fazer uma arma afiada? 

Ela tirou os olhos do livro e me encarou, o fechando em seguida.

– Isso eu não sabia.

– Vi num documentário sobre presídio… – Dei de ombros. – As mulheres desse livro são todas burras. – Falei, mudando de assunto abruptamente. – Por que nas histórias de terror, quando tem alguma personagem que não seja fútil ou esnobe, ela é incrivelmente ingênua?

– Você a achou ingênua por ter confiado na amiga?

– Sim, porque ela sempre tinha dado todos os sinais! Não era como se ela não soubesse que a amiga era uma traidora, não com todas as vezes que ela a passou para trás ou a humilhou de forma velada.

Mavis nada falou.

– Mesmo com tudo na sua cara as pessoas não enxergam… Será que eu já tive esses sinais e não percebi?

– Sobre o que você está falando.

– Natsu Dragneel. – Disse, rindo amargamente. – E Sting Eucliffe.

Quando eu me dei conta, já estava falando.

– Você acha que a culpa foi deles?

– Sim, mas eu também sei que isso não tira minha culpa.

– Acha que eles tinham como saber até onde as consequências de uma brincadeira de mal gosto iam levar?

Está me dizendo que eu devo aceitar o fato de que isso tudo foi ao acaso e ninguém tem culpa de nada? – Perguntei, com indignação.

– Estou dizendo que culpar alguém, seja eles ou você, é um canalizador para sua dor. O cérebro humano tende a culpar alguém ou alguma coisa para sentir que alguma coisa faz sentido.

– Então eu devo simplesmente perdoá-los?!

– Eu não disse isso. O perdão não pode ser imposto por ninguém além de si mesma, e se não quiser perdoá-los pelo resto da sua vida, você tem todo o direito. O que não pode acontecer é deixar que isso paralise a sua vida. 

– Eu nunca mais vou deixar que ninguém faça isso comigo.

– Então pegue essa raiva e use como combustível. Sei que você nunca mais vai ser a mesma, Lucy. Mas não se permita a ser menos do que você merece.

Eu não falei mais nada e depois de um tempo Mavis foi embora. No dia seguinte recebi alta. 

Descobri que Michelle já havia ido embora há dias, o que era de se esperar. Quando peguei meu celular, havia uma mensagem dela, que só consegui responder meses depois e voltaríamos a nos falar esporadicamente, mesmo que não como antes. Nunca tocamos no assunto daquela noite.

A volta para casa foi um alívio, mesmo com a tensão da minha família. Eu não podia mais trancar a porta do quarto e tinha um horário rígido de medicação. Meu próximo desafio era tentar dormir sem o remédio, mas sempre que tentava, eu acordava gritando no meio da noite. Finalmente meus amigos vieram me ver e foi difícil fingir que estava bem. Eu simplesmente não conseguia socializar com ninguém, mas mesmo assim eles não paravam de vir, se revezando e sempre se preocupando em não vir todos de uma vez. Comecei a fazer terapia semanalmente com Mavis em seu consultório particular, onde eu simplesmente exprimia minha raiva e compartilhava de alguns pensamentos invasivos que me assombravam. Sobre a escola, eu estava em regime especial e estudava em casa, mesmo que mal pegasse nos livros. 

Cansada da mesmice, dei ouvido à Mavis, que dizia que a atividade física era uma ótima forma de canalizar as emoções, para alegria do meu pai e meu irmão, apesar de que comer se tornou uma tarefa difícil. Treinando com Laxus, ele acabou sendo a pessoa com quem eu mais conversava durante o dia, o que entristecia minha mãe que queria que eu compartilhasse minhas dores com ela. Eu estava começando a ter resultados positivos, especialmente no sono, quando no meu aniversário de quinze anos, eu surtei.

Não houve comemoração além de uma abraço da minha família e mensagens de texto dos meus amigos, mas naquele dia eu sempre ficava mais sensível a uma pessoa em especial. Num ato desesperado, juntei tudo que eu tivesse recebido de Sting ou Natsu e coloquei numa caixa e desci até a cozinha. Era de madrugada e eu procurava álcool e fósforo para tocar fogo em toda aquela porcaria desnecessária. Quando abri um dos armários, achei uma garrafa de uísque. Eu poderia ter feito fogo com aquilo mas optei por beber escondida no quintal, sentada nos degraus. Estava no verão e fazia calor, por isso eu só vestia um pijama leve. Depois de alguns goles eu não estava mais em mim. Há dias que ele invadia minha mente, me perturbando com memórias felizes e falsas. Eu sabia que com os remédios que eu estava tomando, álcool era a última coisa que eu podia me aproximar. Mas naquele momento eu só queria sentir alguma coisa diferente daquele vazio que se tornou habitual.

Quando notei já tinha pego as chaves do carro do meu pai em cima da cristaleira e só tinha um caminho em mente. Eu já sabia dirigir desde os doze anos, mas nunca havia andado mais que duas quadras e com meu pai ao lado. Sóbria o suficiente para chegar até lá, logo eu estava em frente aos portões. Dei mais um gole no uísque e pisei fundo no acelerador, arrombando a entrada.

O alarme da casa soou alto e atordoada pela batida, saí do carro, começando a gritar:

– Dragneel, seu desgraçado! – Bebi o que sobrou do uísque, jogando a garrafa dura demais para quebrar quando atingiu a porta da frente. – Eu vim aqui pra te fazer pagar tudo o que fez comigo!

Logo as luzes se acenderam e os funcionários começaram a aparecer. Talvez por me reconhecerem, não fizeram nada. Comecei a pegar os anões de jardim e vasos, jogando um por um na varanda.

Parei quando a porta se abriu e de lá saiu Polyuscha, a quem eu também chamava de vovó. Ela já havia ido me ver, outro dia.

– Lucinha! – Ela se agarrou ao seu robe, chocada ao me ver. – O que você está fazendo, meu amor?

– Eu vim matar seu neto. 

Como num passe de mágica, logo em seguida ele apareceu, com a maior cara de sono. Isso em enfureceu.

– Não é justo, você dormir, enquanto eu, não consigo fazer isso sem tomar a porcaria de um remédio!

Eu estava bêbada e cambaleando, que vim a cair no chão.

– Senhorita Lucy! – Caprico me amparou, mas eu tentava afastá-lo em vão.

– Eu odeio você, Dragneel! Eu nunca vou te perdoar. 

Nesse momento meus pais chegaram no carro de Laxus. Minha mãe parecia completamente desesperada, mas eu me sentia muita lenta para fazer algo além de balbuciar xingamentos. Enquanto era arrastada de volta para o carro, que mamãe teve que dirigir para que meu pai ficasse e resolvesse o estrago que eu havia feito, vi que alguns vizinhos saíram de casa para observar a confusão. Eu apaguei no carro com o choro e o sermão da minha mãe, grata por não ter tido pesadelos, mesmo com a dor de cabeça infernal do dia seguinte. Tive que comparecer a delegacia, não por denúncia dos Dragneels, mas sim dos vizinhos que tiveram sua paz perturbada e outros moradores cujo as cercas e arbustos eu atropelei no caminho.

Descobri que mesmo que eu não tivesse sido acusada de homicídio e minha identidade tivesse sido ocultada para a mídia por eu ser menor de idade, isso não tirava dos meus registros os atos criminosos que eu vinha acumulando ao longo do tempo.

Foi difícil fazer pra minha família se acostumar com essa nova versão de mim e, mesmo que eles se esforçassem bastante, isso não diminuiu a rigidez da minha criação. O que me deixava feliz, pois eles nunca me trataram como se eu fosse de vidro. A única coisa que realmente pesou foi meu profundo distanciamento sentimental e consequentemente, físico. Com meus amigos foi mais fácil, talvez por sermos jovens. Voltei à escola logo no primeiro ano do ensino médio e quase que não conseguia passar nos testes. Passei a me dedicar mais e mais nas atividades físicas, especialmente porque todo santo dia eu tinha que encarar na nova escola os dois desgraçados que destruíram a minha vida. Não sei se foi a terapia ou tempo, mas aos poucos foi ficando mais fácil ter que conviver com eles. Eu me metia em muitas brigas escolares e estava sempre na boca dos professores, até que conheci a Aquarius. Ela me convenceu de que o esporte era o que colocava na linha os alunos delinquentes, coisa que eu definitivamente era, segundo a própria. Mesmo que amássemos nos odiar, Aquarius acabou se tornando uma confidente, sempre deixando claro que sabia de tudo sobre o meu passado e que estaria sempre de olho em mim.

Certo dia, quando cheguei em casa, havia duas garotas, uma delas desconhecida. A outra, eu já havia visto com meu irmão no shopping. Conheci Mirajanne, que se apresentou finalmente como namorada do Laxus, a quem já gostei de cara, mesmo que não demonstrasse. O que não pude dizer o mesmo de sua irmã, Lissana, que fez um comentário indiscreto quando ficamos sozinhas.

– Lucy, você deveria procurar vestir coisas mais femininas. Favoreceria sua beleza… excêntrica.

Eu nunca fui do tipo de garota que chora quando é chamada de feia, mas fiquei pasma com a falta de noção, levando em conta que acabamos de nos conhecer. Entretanto, me senti grata por ter razão em desconfiar daquele sorriso angelical.

Por que você não pega sua opinião e enfia no seu cu?

Ela ficou chocada e eu saí de perto, antes que partisse pra agressão.

No dia seguinte, estava no horário livre, me exercitando ao correr pelo colégio. E me deparei com Dragneel se pegando com ninguém mais, ninguém menos que a Lissana, que tinha acabado de se matricular na escola. Eu já havia visto ele em situações parecidas com outras garotas da escola, aparentemente ele tinha crescido e se tornado um verdadeiro galinha. Não que eu me importasse, mas aquilo era irritante.

– Ah, eu não acredito nisso. – Falei, sem conseguir me segurar. Eles pararam ao me ver. – Lissana, desde ontem notei que você não prestava, mas se meter com esse aí é ruim até pra você.

– Vocês se conhecem? – Ela perguntou, surpresa.

– Infelizmente. – Falei, já me virando para ir embora, porém o desgraçado me deu ar desagradável de sua voz. Muito grave por sinal.

– Fiquei sabendo que vocês são cunhadas agora. Isso soa familiar, já que também fomos cunhados. – Apertei os olhos com força, sentindo o sangue ferver. – Não é, Heartfilia?

Nesses meses, ele mal me dirigia a palavra, mas isso estava ficando mais frequente. Lógico que isso só acontecia para soltar farpas. Natsu não parecia, e nunca pareceu, se sentir culpado de alguma forma. Ele tinha se tornado apenas esnobe, exibido e cretino.

– Por favor, não me lembre desse grande desprazer que vivenciei.

– Não parecia, na época.

– É como dizem: Eu estava louca na droga.

– Espera, não estou entendendo nada. – Disse Lissana.

Revirei os olhos.

– Não esperava mesmo que entendesse com esse seu cérebro minúsculo de galinha.

– Do que você me chamou? – Perguntou, dando chilique.

– Além de tudo é surda.

– O que vocês estão fazendo aí?! – Aquarius apareceu de repente, aos gritos. – Circulando! Lucy, cala a boca e volte a correr. Natsu, pelo amor de Deus será possível que você tem que beijar todas as garotas da escola, a novata acabou de chegar! 

– Todas as garotas, não. – Rebati, me sentindo ofendida.

– Tem certeza que você é uma garota? – Perguntou Lissana de modo sarcástico, olhando para minhas roupas extremamente… masculinas. O que nada significava, claro, além de eu não gostar que olhassem meu corpo em desenvolvimento.

Lhe mostrei o dedo do meio e ela fez cara de nojo, saindo na frente. Percebi meu cadarço desamarrado e me abaixei para ajustar.

– Senhor Dragneel, por que está sem camisa? Vista-se logo e venha.

Num gesto automático, levantei a cabeça para olhar, pois não havia notado. Aquarius saiu andando e Natsu, rindo, andou em minha direção, mesmo que eu não fosse o alvo. Ele passou direto, pegando sua camisa do chão e eu não pude controlar meus olhos, analisando o quanto ele havia ficado incrivelmente másculo e encorpado, com um abdômen definido que me fez ficar em choque.

Parecendo notar meu estado de transe, ele riu, tocando na gola da minha camisa, perto demais do meu colo.

– Tá sujo aqui.

Olhei para baixo, não vendo nada.

– É a sua saliva, Loirinha. 

– Vai se fuder, idiota. – Respondi, entendendo o que ele quis dizer.

– É, você é realmente uma garota. Só não sei até quando não será parte de “todas”.

Senti meu sangue ferver de raiva, eu nem mesmo tive reação para torcer seu dedo. E ainda havia mais uma coisa fervendo. O local onde ele me tocou. Desde que fiz terapia, aprendi a entender mais sobre minhas emoções e caí em mim que desde antes, esse sentimento não foi embora, mesmo com todas as merdas que aconteceram.

Eu ainda sentia algum tipo de atração física inexplicável por Natsu Dragneel.

 
































 


Notas Finais


Já disse que odiei praticamente tudo o que escrevi aí? É, é foda mas é verdade. Isso quase nunca acontece comigo, mas to realmente desanimadíssima com o que escrevi. Parece que falta algo, sei lá. Mt gente vai me culpar, dizer que foi pq eu demorei e é verdade mesmo. Teve leitores que já vieram me xingar por MP dizendo que eu não tinha respeito por vocês, que eu não esperasse que alguém fosse acompanhar mais e etc... O que não é verdade, vocês são o motivo da minha alegria, você nem imaginam quantas vezes meu dia foi salvo por um simples comentário!]
Enfim, não vou ficar aqui chorando as pitangas. Espero voltar no próximo capítulo como se nada tivesse acontecido hueheuehue.
QUERO RESPONDER OS COMENTÁRIOOOOOOS. Vou fazer isso aos pouquinhos, li todos, as vezes venho e leio novamente de tão babona que eu sou kkk. Mas responder demora pq eu não dizer simplesmente um "obrigada". Fazer o quê.
Espero que tenham gostado e que eu não tenha decepcionado vocês de alguma forma com a revelação do que aconteceu no passado, FINALMENTE.
Beijos da Annie <3


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