Respirei fundo, olhando o salão cheio de pessoas. Todos da empresa estava aqui, já que era junho e nós fechávamos o segundo ano de atividade, tendo um sucesso e podíamos dizer que estávamos em ascensão no ramo. Acho que não falei sobre o que eu e Bruno trabalhávamos. Teoricamente, minha participação era apenas uma ocasionalidade, eu tinha um emprego na Cosmos, uma linha de roupa. Eu, Ana e Isa trabalhávamos juntas, eu desenhava as peças, Ana confeccionava e Isa era modelo. Ia fazer um ano que estávamos contratadas e eu lançaria uma nova linha em agosto. Bruno e Gabriel trabalhavam juntos, eles eram os verdadeiros dono do negócio: Um estúdio que desse apenas suporte e estrutura para artistas novos e pequenos, para que tenham material profissional para apresentar ao público. Bruno, formado em música, ajuda na produção das faixas e Gabriel, formado em cinema, ajudava nas filmagens dos videoclipes. Nesse ramo, os dois se ajudava, mas Gadiol também dava aulas de como usar os equipamentos para formar produtores e músicos com experiência em gravação de áudio e mixagem, sem falar nas aulas que ele dava. Calamari produzia curtas, ajudando atores menores e ensinando jovens cineastas, ajudava a produzir roteiros e ensina pequenos interessados no ramo. A Produtora M&S (Mercury & Spielberg) só subia no rank de empresas com maiores crescimentos por ano.
Me forcei a sorrir, Bruno estava ao meu lado me olhando com o cenho franzido. Gabriel estava conversando com os funcionários, sorrindo e dizendo como estava empolgado que a empresa que fazia o projeto do novo prédio que iríamos usar no ano que vem. Falava sobre a nova contratação do grupo de arquitetos, que a pessoa que viria comandar o projeto era uma arquiteta em ascensão, acabando de vir da França. Íamos fazer uma reunião com essa pessoa na próxima semana, mais precisamente na quinta. Mesmo não participando ativamente, Bruno pediu minhas presenças nessas decisões por achar que daria mais certo se pensássemos em tudo juntos, e esse plano nunca falhou antes.
— Gi? — Bruno chamou, se aproximando, com uma garrafa de água. Ele me conhecia tão bem. — O que houve?
— A música, Bru. — Peguei a garrafa, dando um longo gole. Ele sabia que eu não estava bem. — Em casa falamos disso, não quero estragar a festa. — Sorri, dessa vez sem forçar. — Amo você, ursinho. — Falei, dando um selinho em seus lábios. Não que fizessemos mais que isso quando estávamos sozinhos.
Eu e o Bruno estávamos casado mais por questões profissionais do que por amor romantico. Acho que casar foi mais como um ingresso para a vida adulta. Não precisávamos mais ouvir os parentes falando sobre, tínhamos desculpa para não querer ir no rolê, e mais: eu morava com meu melhor amigo, e sendo casados, estávamos sempre disponível um para o outro. Bruno se tornou porto seguro, abrigo, um lugar para descansar em dias difíceis. Ele nunca enjoou das minhas comédias românticas repetidas nem das minhas animações infantis que eu chorava até o outro dia. Bruno foi a melhor decisão que eu tomei na minha vida. As coisas com ele eram sempre mais fáceis do que parecia e depois do dia de hoje, eu só queria o seu cafuné e ele cantando a música de sempre, numa versão só dele, lentinha e gostosa a acapella, que ele cantava balançando o pé. Eu tinha aprendido todas as manias dele com três anos de casada.
Gabriel estava lá, conversando com nosso estagiário de edição de imagem. Gabriel nunca casou, nem sei se namorou. Ele parecia ser bastante sozinho e quando não tinha serviço para o feriado se enfiava no meio do mato em suas trilhas. Ele era dono da maior paz de espírito que eu conhecia, tão tranquilo e tão… sério. O tempo tinha sido cura para todos nós de diferentes formas. Eu via algo diferente em Gabriel, em Bruno, em Ana, em Isa, em Vinícius. Não, não, não, não, não! Não vou pensar no quanto ela mudou com todo esse tempo. Você chorou as lembranças junto com as lágrimas, Giovanna, você não vai reabrir essa ferida.
— Eu quero fazer um drink! — Gabriel sorriu, com uma felicidade que só ele sabia ter. — A Mercury & Spielberg! Essa empresa maravilhosa que me faz amar o meu trabalho! Bruno, Gi, obrigado por terem essa ideia incrível e de terem me chamado para o projeto! Sem vocês, eu provavelmente estaria ainda gravando comercial político! — Ele riu, erguendo seu corpo. Ergui minha garrafinha de água para o acompanhar. Se algum dia ele quiser brindar pelo chão limpo, eu iria o acompanhar. Gabriel era uma das coisas mais preciosas da minha vida. Se eu pudesse me casar com três pessoas, seria com Bruno, ele e Vinícius. Os meninos da minha vida. Ah, e é claro, na lista de “meninos da minha vida” eu não podia esquecer de Pedro, mas ele é história para outra hora.
— Um brinde à você, meu amor! — Gritei, me aproximando e beijando sua bochecha, estralado.
— Um brinde à você, meu amor! — Repetiu Bruno, fazendo o mesmo na outra bochecha de Calamari, que riu, aberto, feliz. Eu preciso dizer que gosto de enfatizar quando ele está feliz, porque ele realmente é um garoto bastante sozinho e introvertido. Gosto de fazê-lo sorrir ao máximo quando estou com ele, e sempre o chamo para ir lá em casa. Depois de tanto tempo, desisti de tentar fazê-lo conhecer uma garota legal.
A empresa gritou alto, se divertindo com a gente, “os chefes mais legais do mundo”, como chamavam. Depois de tudo, fomos para casa. Eu morava num apartamento na Barra da Tijuca, no quinto andar por ser o que eu consegui equilibrar entre ter uma vista legal e aguentar os lances de escadas. Depois de todos os anos, o pânico de elevador continua. Bruno subia junto comigo, nunca reclamou dos 10 lances de escadas com 16 degraus cada, cantarolava alguma música. Chegamos ao apartamento e ele abriu a porta enquanto eu pegava minha carteira separando o dinheiro da babá. Lembra que falei que Pedro era uma história para outra hora? Então, acho que chegou essa hora.
— Oi, Lena! — Sorri, vendo a garota sentada no sofá com Pedro e Anna estavam ao lado dela, assistindo algum dos DVDs da Xuxa Só Para Baixinhos.
— Chegou cedo, Tia Gi! — Ela falou, sorrindo. — Eu já ia colocá-los na cama. 20:30h, como a senhora pediu.
— Não me chame de senhora, faz eu me sentir uma idosa de 40 anos. — Sorri, tirando o blazer e o entregando para Bruno, tínhamos um roteiro dele sempre tomar banho primeiro a noite. — Quantos que a gente combinou para hoje mesmo?
— Oitenta. — Ela falou, se levantando com Pedrinho no colo, que já estava com os olhinhos fechados dormindo, pesado. Ele sempre dorme mais rápido.
— Aqui, então, Helena. — Entreguei uma nota de cem para ela. — Fique com a gorjeta, porque pelo que estou vendo aqui você ainda deu banho neles, e isso não estava no nosso combinado. Aconteceu alguma coisa?
— Ah, bem lembrado. É algo bobo, mas o Pedro estava enjoadinho hoje, acho que ele pode estar ficando doentinho, não tava querendo comer e então eu dei um banhozinho quente nele para ele se acalmar um pouco. Ele ficou tranquilo depois. — Ela disse me entregando ele e pegando a nota. — Obrigada, Tia Gi, você é demais. — Ela pegou Anna e nós começamos a subir as escadas para colocar os dois na cama.
— E ela? Notou alguma coisa? Eles são meio sincronizados com isso. — Perguntei.
— Ela estava bem, mas não comeu todo o mingau, o que é novidade. — Ela contou, ao chegarmos no quartinho deles, os coloquei no colchão. O quarto deles era no estilo montessoriano: tudo no alcance deles.
— Vou ficar de olho, Lena, obrigada, eu não sei o que seria de mim sem você! — Falei, depois que deixamos os dois dormindo. — Amanhã é dia de folga, e o Bruno não pretendemos sair, mas se a gente for fazer algo eu aviso você.
— Lena! — Bruno saiu do banho, usando pijama e secando o cabelo. O celular estava na mão. — A empresa que estava contratando a nova arquiteta que ia assumir o projeto da reforma confirmou que ela topou, Gabriel disse que semana que vem teremos a reunião com ela e a diretora da empresa para analisar certinho o que queremos e tudo mais. Acho que vamos precisar da Super-Lena. — Ele sorriu.
— Acho que assim vai ficar fácil de conseguir o dinheiro para o seu intercâmbio. — Falei, sorrindo para ela.
— Me mandem mensagem com tudo certinho, mas já vou deixar minha agenda reservada para o casal mais legal do mundo. — Helena sorriu, descendo as escadas. — Preciso ir agora, tchau Bruno, tchau Gi!
Pedro Augusto e Anna Louise são meus filhos. Gêmeos. E adotados. Eu e Bruno o encontramos com muita sorte em outubro do ano passado, levamos imediatamente para um hospital e descobrimos que os pequenos tinham menos de uma semana de vida. É uma longa história para ser contada, mas estamos agilizando a papelada para oficializar isso. Levamos eles para um abrigo e conseguimos a guarda no início de Janeiro. Porém, ainda não eram legalmente meus filhos. Eu iria assinar os papéis no mês seguinte comprovando tudo, já que passamos seis meses com a guarda temporária deles enquanto eu e Bruno fazíamos todo o processo necessário. Bruno e eu já havíamos feito entrevistas e provado ter estabilidade emocional e financeira para cuidar de duas crianças, apesar dele não estar tão empolgado assim em assumir a paternidade. Era algo que tínhamos que conversar, mas em outra hora.
Pedro era energético, agitado, mas tinha sono pesado. Os cabelos castanhos ficavam entre o liso e o enrolados e os olhos eram de um azul acinzentado. Ele adorava ver desenhos com muitas cores e brinquedos que fazia barulho. Anna já tem os fios um pouco mais escuros, mais cacheados, os olhos num tom mais escuro de azul. Não gostava tanto de ver desenho, era curiosa de um jeito quieto. Enquanto Pedro fazia muito barulho descobrindo algo novo no baú de brinquedos, Anna conseguia explorar a casa num silêncio quase que absoluto. Ela gostava de se esconder, era a brincadeira favorita dela. Pedro preferia brincar de pega-pega. Perfeitos opostos. Helena era uma menina de 17 anos que morava no apartamento de baixo com o avô, Antônio, eu a conheci ano passado quando ela estava pendurando o panfleto de que trabalhava como babá no período da tarde e não comprava tão caro. No panfleto também dizia que o dinheiro era para pagar os medicamentos do Antônio e comprar um piano, ela queria ser pianista e tinha aula uma vez na semana com o Bruno no projeto gratuito da empresa. Ela era uma garota incrível e eu não pensei duas vezes eu chama-la para me ajudar com os gêmeos, já que ela já tinha experiência com babá e eu havia me tornado mãe de uma hora para outra. Ainda é estranho dizer que sou mãe, e faz 8 meses que eu os encontrei. Faz oito meses que preciso me acostumar com essa ideia, mas ainda era estranho.
O meu andar do meu tinha dois apartamentos duplex. O dono do prédio permitia animais, porém até no máximo o quinto andar. Eu e Bruno preferimos ele, também, por que as janelas e a sacada já vinha com tela, o que era ótimo, já que tínhamos duas crianças que em breve explorariam cada canto dessa casa. Os pais de Helena eram donos do apartamento do andar de baixo, mas com a morte dos dois num acidente, tudo passou para o nome dela, e sendo ela menor de idade tudo foi para o nome de Antônio. O dinheiro tá aposentadoria dava para pagar as contas, mas não sobrava muito para outras coisas. Helena teve que pagar os exames - e agora os remédios - quando seu avô começou a ficar doente: Alzheimer. Era difícil para ela, mas ela já havia se acostumado. Fazia bicos em todo o bairro como babá e soube que estava entregando currículo para tentar pegar um emprego fixo pela manhã numa cafeteria 24 horas do bairro. Ela tava vendo de trabalhar das 5 às 7h de segunda a sexta, já que as aulas dela começavam 7:15h e ela demorava 10 minutos de bicicleta da cafeteria até o colégio. Helena era a garota mais dedicada que eu conhecia.
— Estou indo fazer o jantar. — Disse Bruno, passando por mim secando os cabelos curtos. — Macarronada?
— Com muito molho?
— E vinho?
— Olha só, parece que alguém aqui me conhece muito bem. — Sorri, dando um beijo na sua bochecha e entrando no banheiro.
Abri o chuveiro já sem o peso da roupa social e formal da festa. Fechei os olhos e entrei, um costume. Quase um ritual para lavar a energia pesada da vida adulta. Mas aí veio o choque, quase como um balde de água fria. Okay, era praticamente um balde água fria. Apertei os olhos, com o susto e ergui o rosto pelo frio nas costas, a água caiu no meu rosto. Por um breve segundo, me senti dentro do banheiro do apartamento de Manoela, quando eu bebi demais e ela me fez tomar uma ducha fria. Me afastei do chuveiro, ainda de olhos fechados. Uma parte de mim tinha medo de abrir os olhos e vê-la ali, me encarando com cara de brava - e a outra tinha medo não ver ninguém.
Encostei a cabeça na parede a minha frente. Bruno havia esquecido de colocar a temperatura de volta no quente porque eu não alcançava. Desliguei o chuveiro e me enrolei na toalha, pensei em chamá-lo, mas mudei de ideia. Peguei a embalagem de shampoo e bati até conseguir mover o regulador de temperatura. Respirei fundo. Eu estava inerte a um mar de lembranças que eu achava ter esquecido. Eram coisas que eu jurei ter deixado para trás. Pensando na sensação da água caindo, lembrei da vez da cachoeira. Droga, eu não quero lembrar disso agora. Eu não quero voltar a comer cereal e lembrar que o favorito dela era Crunch mas ela gostava de comer Sucrilhos (mas só o de chocolate) sem leite. Não queria lembrar que ela gostava de Bruno Mars e que adorava usar jaquetas porque se sentia maneira. Eu não quero lembrar dela. Eu nem queria que ela fosse só uma lembrança. Droga, estou pensando demais.
Pensando demais em coisas que já pensei demais. Eu nunca conseguia colocar um ponto final nessa maldita história. Era como uma batalha interminável, quando eu jurava que tinha convencido que as coisas aconteceram como deveriam acontecer, algo trás tudo a tona e eu me vejo chorando em um campo de guerra e eu fico tão fraca para lidar com as memórias, com as dúvidas, com tudo. Aqui está minha verdade: Eu sou como a Supergirl e Manoela é a maldita kriptonita. Droga, essa é uma metáfora que ela faria. Bufei, sentindo a água molha meu corpo e não levar esse sufoco junto para o ralo no chão.
— Gi? — Bruno chamou na porta.
— Oi. — Respondi.
— O jantar já tá quase pronto, só para avisar.
— Okay, já estou saindo. — Abri os olhos. A quanto tempo eu estava nesse banheiro? Eu tenho um sério problemas com flashbacks em banheiros.
Desci, vestindo um pijama velho. Bruno havia arrumado a mesa, os pratos já estavam servidos (ele provavelmente me ouviu descer as escadas) e as taças no lugar. Ele me esperava, sentadinho olhando o queijo ralado e o orégano na mesa, checando se não havia esquecido nada. Ele era um príncipe, e nessa altura do campeonato eu não imaginava minha vida sem ele. Conseguimos uma empresa bem sucedida, juntado duas famílias que se adoravam. Em partes, nosso casamento era sem foco romântico. Óbvio, um beijinho aqui e lá pela casa já rolaram, mas em momentos divertidos, e eu nunca me imaginava passando de um selinho com ele. Bruno era bonito, atraente, mas… basicamente, meu melhor amigo. E mais, eu o conhecia a tanto tempo que seria impossível fazer algo assim com ele, a gente praticamente nasceu ao mesmo tempo e fomos criados como gêmeos. Mas ainda assim, ele era o melhor marido do mundo. Me sentei para comermos.
O dia havia sido cheio.
xxx
Sábado, no dia da reunião, eu tive que ir depois de Bruno, já que tive um imprevisto: Pedro manteve os sintomas e tive que levá-lo ao hospital, aproveitei e levei Helena para fazer o exame de vista, porque ela nunca tive tempo e dinheiro sobrando para bancar a ida ao centro. Depois disso, deixei ela em casa para cuidar dos gêmeos. Aparentemente alguém estava se mudando para o apartamento ao lado do meu e estava uma barulheira, mas Lena disse que ela conseguia controlar os dois. Anna não deu trabalho no caminho, estava focada em tentar encaixar duas pecinhas que eu tinha a dado a ela hoje cedo, a caixa dizia de dois a três anos, mas as fábricas com certeza não conheciam a curiosidade imensa de Anna. A ida ao médico tinha sido tranquilo: Os primeiros dentinhos de Pedro estavam nascendo e por isso ela estava chatinho. Não era a primeira vez que Helena ia cuidar de bebês com os primeiros dentinhos, então já me avisou para comprar dois mordedores, porque os de Anna provavelmente daria sinais em breve. A dona da empresa, Karina, havia avisado que a arquiteta havia pedido para irmos com roupas casuais, porque queria ter uma relação de amizade com a gente e não simplesmente algo formal. Nós, obviamente, concordamos. Então, cheguei na empresa levemente atrasada, vestindo jeans, all star, camisa lisa e jaqueta jeans. Não desci a bolsa do carro, cumprimentei o nosso secretário e comecei a subir as escadas para o terceiro andar, onde ficava o escritório. Como de costume enchi um copo de água e me preparei para entrar, mas ao me virar, Gabriel estava ali, pálido como se tivesse visto um fantasma.
— Ei, você chegou.
— Atrasada sempre, ausente nunca, este é meu lema. — Brinquei.
— Sabe, acho que na real você nem precisa participar da reunião, sabia? — Ele riu, nervoso. — Vai ser super chato, a arquiteta está fazendo uma lista sobre qual o objetivo do prédio, do que precisamos, você vai se sentir total por fora.
— É, mas eu gosto de participar. Bruno diz que sou ótima em negócios, que sei pechinchar bem. — Ri, tentando ignorar o comportamento estranho dele.
— Acho que nem vamos falar de preços hoje, você real pode ir para casa… O Pedro não estava doente?
— É só o dentinho nascendo, a Lena está lá cuidando de tudo e ela é bem mais experiente que eu.
— Certeza? — Gabriel estava bem no corredor, bloqueando minha passagem. Tinha algo muito errado. — A Anna vai começar a ficar chatinha também, talvez a Lena precisa de ajuda.
— Porque eu tenho a impressão que você não quer que eu entre lá? — Semi-cerrei os olhos.
— O que? Não! — Ele riu, sem graça. — É só que eu sei que odeia reuniões e…
— Gabe. — Falei, me aproximando. — Eu agradeço todo o carinho e cuidado, mas o Bruno disse que queria minha presença aqui hoje para decidirmos todos juntos, então eu vou ficar.
Nisso, passei por ele. O clima estava diferente. Caminhei até a porta do escritório, e ao me aproximar uma sensação estranha atingia meu estômago. Quando cheguei até a porta e toquei a maçaneta, me senti tonta. O que estava acontecendo comigo? Abri a porta. Nesse segundo, ao olhar para dentro da sala, eu achei que fosse desmaiar. Eu achei que o mundo iria explodir diante dos meus olhos. Eu achei que tudo fosse se desfazer, ou então que era naquele momento que eu caia da cama. Era naquele momento que eu acordava. Por favor, me belisque. Não pode ser real.
No outro lado da sala, sentada a mesa de reuniões, vestindo uma camisa de botão branca estava ela. Ela, a dona da camisa do The Smiths que eu achei no fundo do guarda roupa. A pessoa que me deu o colar de pedra do sol. A minha frente estava o motivo das minhas incertezas, das minhas dúvidas, dos meus mais cruéis “e se…”s. A minha frente estava Manoela Aliperti. A garota que me tirou o sono por tanto tempo. A garota que me fez chorar em banheiros de festa. A garota que eu expulsei da minha vida. Eu achei que fosse desmaiar. Seus olhos ainda eram exatamente como me lembrava. O rosto parecia o mesmo. Ela parecia um filme, soava como uma música. Cheirava como se nunca tivesse perdido o encanto dos seus 18 anos. O cabelo preso em coque revelavam que agora não existia mais franjinha, mas ainda era ela. Eu reconhecia os olhos felinos e os lábios de frutas vermelhas. Eu reconhecia os traços delicados feito em mármore de Michelangelo em seu rosto e as cores de Da Vinci. Eu reconhecia a subjetividade de Van Gogh naquela confusão que agora se mostrava presente em sua feição perfeita. Ela não tinha abrido a boca, mas eu lembrava de sua voz tom de C maior de Pachelbel. De repente, o jeito que ela falava as coisas me veio à tona, o exato timbre da sua fala.
— Manoela? — Falei, com um fio de voz.
— Giovanna?
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