Sua vida sempre foi mesclada ao campo de batalha. Era um ninja nato, como seu pai Hatake Sakumo, no qual diziam ter passado suas habilidades a ele. O que talvez fosse verdade, se ele não treinasse e lutasse todos os dias e ainda sim fosse tão bom quanto. E se perguntasse ao garoto se ele trocaria essa vida de batalhas e cicatrizes por uma vida mais casual e pacífica, ele te olharia incrédulo, como se estivesse perguntando algo óbvio, que seria, claro, um "não". Ele não sabia como era viver daquele jeito, sem ter que ficar alerta por inimigos à espreita, ou esperando algum sinal da torre do Hokage para uma nova missão, na qual ele poderia ou não voltar vivo.
Sua cicatriz no lado esquerdo do rosto, era a prova que ele já tinha visto a mais pura crueldade da guerra. Porém, aquilo que estava presenciando naquele instante, de longe, era a coisa mais terrível que já tinha visto; era um caos, uma refrega de gritos e movimentos, e paisagem era uma coloração vermelha e alaranjada por causa do fogo que consumia boa parte da vila. E ao longe, uma enorme sombra de olhos vermelhos e cheios de ódio destruía tudo o que via pela frente. A sombra era nada mais e nada menos que a terrível raposa de nove caudas.
Os uivos e rosnados que ela emitia, fazia seu corpo tremer involuntariamente. O pior, era os barulhos de rasgos, cortes e satisfação voraz do demônio. Que parecia nunca estar satisfeito. O garoto desejou desligar sua audição, mas não podia, e os sons eram como facas perfurando-lhe os tímpanos. Tropeçou sobre um corpo deitado meio dentro e meio fora dos escombros de uma casa, virou-se para ver se alguma ajuda era necessária, e viu que o ninja a seus pés havia sido destroçado do pescoço para cima. Ossos brancos reluziam contra a terra escura e, apesar de ser um ninja e já ter visto coisas assim, ele sentiu-se nauseado. E então alguma coisa o atingiu com força por trás, e ele caiu, deslizando por um declive de lama até um fosso.
O corpo dele não era o único ali. Rolou de costas exatamente quando a pata da raposa se erguia acima dele. O tempo pareceu desacelerar, ele correu, mas sabia que não conseguia fugir daquilo a tempo, e então, algo o agarrou e o puxou bem quando a pata bateu no lugar em que estava segundos antes, destroçando tudo e todos que estavam ali.
O garoto ergueu o olhar acima. Havia um ninja sobre ele. De rosto familiar, com roupas verdes chamativas. O garoto franzia o cenho, com uma expressão de extrema preocupação, misturado com irritação.
— Você está bem, Kakashi? — Perguntou Gai.
Kakashi tentou parecer indiferente para o amigo, mas seu corpo mostrava alívio por ele ter o salvado. O prateado assentiu e começou a se levantar.
— Obrigado. — Resmungou, e começou a se afastar do outro.
Gai agarrou o braço dele com força e o virou sem delicadeza.
— Você não ouviu o que o Hokage-sama disse? — Gritou, apertando a mão envolta do braço do ninja. — Era para nós, da próxima geração, ficarmos protegidos no esconderijo.
O prateado se soltou do aperto do outro com uma expressão raivosa. Ele sabia que deveria ter ficado no abrigo, mas os gritos e os sons de destruição, fizeram com que ele desobedecesse ao Hokage e saísse. Para que ao menos pudesse contribuir para ajudar em algo
— O que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta, Gai. — Respondeu Kakashi, apertando as mãos em forma de punhos. — Eu quero ajudar em algo. E não ficar de braços cruzados, enquanto meu sensei e os outros ninjas arriscam as suas vidas pela vila.
— Então você vai desperdiçar a vida de seu sensei e os outros se matando? — Gai balançou a cabeça. — Por favor, volte ao abrigo. Você é necessário lá.
Kakashi hesitou. Ele olhou ao longe, para os rastros de destruição feito pela raposa; corpos, destroços de casas, gritos e sangue, muito sangue misturado com a terra enlameada, deixando-a com uma aparência repugnante. Finalmente, o garoto disse:
— Tudo bem, eu volto para o abrigo.
...
Iruka nunca sentira tanto frio. Nem quando nadou no rio no começo de inverno em Konoha, ou quando ele passou a noite fora para acampar com seus amigos, sem levar nenhum tipo de agasalho. E apesar do fogo em todos os lados, seu corpo tremia sem parar.
Tinha fugido do abrigo para encontrar seus pais, que tinham ido lutar contra a raposa demônio. Suas esperanças de que seus pais voltassem vivos daquele inferno ia diminuindo a cada corpo destroçado que que encontrava naquelas ruas destruídas. A sombra da besta se encontrava longe dali, mas mesmo assim, era uma área totalmente de risco.
Iruka descobriu que não sentia mais vontade de chorar. A pressão no fundo dos olhos havia desaparecido e sido substituída por uma sensação entorpecida de desespero. Seus pés doíam como todo o corpo por causa de toda aquela procurar pelos pais. Percebeu então, que deveria encontrar algum lugar e se esconder para descansar. Ele olhou em volta e viu uma pequena casa de madeira alguns metros longe. O garoto correu rapidamente até ela, pois sabia que estaria abandonada por causa da evacuação.
Ele chegou até a porta da casa quase sem folego; não tinha percebido o quão cansado estava. Abriu a porta sem nenhuma resistência de cadeados ou outros meios de trancas. Como previsto, a casa estava vazia. Iruka andou até o que parecia ser, um pequeno quarto de uma garota, com papel de parede florido e escassamente mobiliado — uma mesa de pinho com um tecido de renda branca em cima e uma cama estreita de lençóis brancos. Ao lado da cama, havia um criado mudo, que tinha em cima dele, uma garrafa de vidro com água pela metade.
Os gritos faziam o sangue de Iruka congelar. Abriu a boca para chamar a mãe, mas fechou ao se lembrar que ela não estava ao seu lado para acolhe-lo, como sempre fazia quando tinha algum pesadelo de madrugada. O que ele mais desejava que fosse tudo aquilo. Um simples pesadelo, onde quando acordasse, tudo aquilo sumiria; os gritos, o choro, o cheiro de queimado, os uivos da criatura...
Um barulho a suas costas o fez girar. Iruka andou apressadamente até a sala, onde ficava a porta principal. A maçaneta da porta da casa estava rodando, girando de um lado para o outro como se a pessoa do outro lado estivesse com dificuldade de abrir. O garoto engoliu o seco. Já havia escutado histórias onde pessoas sequestravam crianças órfãs durante as tragédias, para trabalharem forçados nos campos ou com prostituição. Órfã? Eu já me considero assim? Pensou, enquanto colocava a mão sob o peito, como se o ar tivesse sido roubado dentro de si.
O barulho da porta tentando ser aberta rompeu seus pensamentos, deixando-o alerta novamente. Não, pensou, não irei ceder para que eles me sequestrem. Iruka correu até o quarto de papel florido novamente, pegou a garrafa de água do criado mudo e rapidamente foi para o lado da porta de entrada. Segurava a garrafa com tanta força que seus dedos ficaram embranquecidos.
A maçaneta girou; a porta se abriu. Sob a luz fraca, tudo o que Iruka podia ver eram as sombras enquanto alguém entrava na casa. Avançou, atirando a garrafa com toda a força...
A figura sombria se moveu, rápida como um gato, mas não o bastante; a garrafa acertou o braço esticado da criatura ao voar das mãos de Iruka, antes de bater na parede oposta. Vidro quebrada choveu no chão quando o estranho gritou. O grito era inegavelmente masculino. Assim como a enxurrada de palavrões que se seguiu. Ele recuou e então correu para a porta — porém, um aperto firme em seu braço fez ele parar. Iruka girou para tentar acertar novamente o estranho. Ele piscou para tirar as lágrimas dos olhos — e congelou.
Havia um menino diante dele. Era com certeza mais velho do que ele — 17, ou possivelmente 18 anos. Trajava o que pareciam uniforme padrão de um jounin — um colete verde musgo, calças escuras, e uma bandana inclinada no olho esquerdo. Suas mãos continham luvas pretas; a direita segurava Iruka pelo braço. A outra mão, sangrava na parte de cima graças ao rasgo provocado pela garrafa.
Mas não foi isso que o fez parar. E sim, por causa da tatuagem espiral visível — graças ao rasgo da blusa escura— do mesmo. Ele era um Anbu. Iruka deu novamente uma olhada da cabeça aos pés do outro. Nunca imaginou que iria encontrar um Anbu sem sua máscara. Apesar de nunca os ter imaginado xingando-o enquanto sacudiam a mão sangrenta de forma acusatória. Ele pareceu notar que ele o encarava, porque os xingamentos pararam, e o aperto de seu braço desapareceu, quando o mesmo o soltou.
— Você me cortou. — Disse, analisando a mão rapidamente. — Ninguém te ensinou que é feio jogar garrafas nas pessoas?
Iruka o olhou com olhos arregalados.
— Você é um sequestrador de crianças?
Ele inclinou a mão para o lado. Sangue escorreu por ela, salpicando o chão.
— Sequestrador? — Ele pareceu ligeiramente surpreso com a veemência dele. — Você achou que eu era um sequestrador?
— Eu... — Iruka olhou para os lados. — Pensei que sim.
— Bem, de qualquer forma, você tem uma mão forte. Vai ser um ótimo ninja. — O garoto pareceu se divertir. — Aliás, qual é o seu nome?
Iruka o olhou, incrédulo.
— Qual é o meu nome?
— Você não sabe?
— Você parece que me perseguiu até essa casa, quase me mata de susto e agora pergunta meu nome? Qual é o seu nome? Quem é você, aliás?
— Meu nome é Hatake. — Disse o garoto alegremente. — Hatake Kakashi, sou um jounin de Konoha. E não, não vim te sequestrar, mas concordo que te persegui quando te vi correndo sozinho até essa casa. Pois pensei que estava perdido.
— Eu não estou perdido. — Interrompeu Iruka. — Estou procurando meus pais.
Kakashi balançou a cabeça.
— É suicídio fazer isso, acredite. — Suas palavras saíram gentis, cautelosas. Ele olhou em direção a porta semi aberta, que emitia o brilho alaranjado do fogo. — Veja, meu amigo está esperando eu para irmos ao abrigo. Eu acho que você deve ir junto com a gente.
— Que se dane o que você acha. — Rebateu Iruka, irritado. Estava cansado dos outros o levando ou empurrando como se fosse um saco de batata. Ele queria procurar seus pais, saber se estavam vivos, e tirar aquele enorme peso da ansiedade.
O outro pareceu franzir o cenho. Ele esticou o braço até a blusa de Iruka e o puxou até que ficasse centímetros de seu rosto.
— Olha só, moleque. — Disse Kakashi, parecia estar se segurando para não soltar outro xingamento. — Se você quiser morrer indo até lá, pode dizer que eu mesmo faço isso aqui. Pois assim já deixo seu corpo na pilha dos outros mortos, facilitando o trabalho da pessoa que irá fazer isso quando toda essa merda acabar.
Iruka sentiu as bochechas queimarem e ficou impressionado, dadas as circunstâncias, por ainda ter a capacidade de ficar constrangido com a proximidade de Kakashi, do que com o sermão do mesmo. O aperto de afrouxou, e ele se libertou, se afastando rapidamente do prateado, que já tinha voltado com sua expressão de tédio novamente.
O prateado abriu totalmente a porta, fazendo uma careta no processo, e olhou pesarosamente para a mão ferida.
— Terei que cuidar disto mais tarde. Agora temos que ir... — Ele lançou um olhar questionador.
— Iruka — Disse Iruka fracamente. — Umino Iruka.
— Iruka. — Repetiu ele. — Vamos, então, Iruka. — Ele deu um passo para o lado, para que ele passasse.
— Mas e meus pais? — Começou Iruka.
— Iruka. — Disse Kakashi. — Ele falava com o mesmo tom calmo de antes, mas seu olhar, apesar de ainda gentil, estava penetrante como alfinete. — Depois que tudo isso acabar, prometo procurar seus pais.
Ele assentiu, e seguiu o prateado para fora da casa. Em frente, esperando por eles, um menino de sobrancelhas grossas e péssimo gosto para roupas, encarava eles com uma certa impaciência. Parecia ter a mesma idade de Kakashi, apesar de aparentar ter uma personalidade um pouco excêntrica para ser amigo do mesmo, que tudo indicava ser mais fechado.
— Então é esse o pirralho que você viu correndo até aqui? — Perguntou o garoto estranho.
— Sim, Gai. — Respondeu Kakashi. — Agora, se não for pedi muito, podemos ir logo ir embora daqui?
O garoto, Gai, assentiu, dando meia volta e colocando os braços para trás, pronto para começar a correr. Quando de repente, uma forte luz apareceu do nada, cegando Iruka, que colocou instintivamente as mãos sobre o rosto. E depois, um terrível som como de uma enorme bomba explodindo acima deles, preencheu o local. Iruka sentiu algo o empurrar para bem longe, como um forte vento. Ele gritou, enquanto sentia o que parecia ser os pedaços da casa, caindo sobre ele.
Após alguns minutos de silêncio, Iruka abriu os olhos e tentou se levantar. Mas os escombros da casa o impedia de tal coisa. Ele observou a sua volta, enquanto a densa poeira se abaixava. Parecia ter sido um dos ataques da raposa, que mesmo longe, podia causar tal destruição.
— Droga. — Gritou, o que parecia ser a voz de Gai. — Kakashi, você está bem?
Iruka virou seu rosto em direção a voz, e viu o amigo de Kakashi se levantando dos escombros. Seus cabelos negros estavam sujos da poeira grossa, que havia se abaixado agora. — Kakashi? — Repetiu Gai, com mais força.
Um resmungo do que parecia ser de Kakashi foi o suficiente para o outro, que relaxou os ombros. Ele andou até uma parte não visível por Iruka, graças ao enorme pedaço ainda em pé da parede da ex-casa. Depois de alguns instantes, o prateado aparece em seu campo de visão, com um semblante preocupado. Suas roupas estavam do mesmo jeito, com apenas com algumas manchas de sujeira nova, mas do resto, estava bem melhor que o outro, apesar do corte do pulso feito pela garrafa de vidro.
— Você está bem?
Iruka abriu a boca para falar que estava, quando sentiu uma forte dor em seu braço. Ele olhou rapidamente para ele, arregalando os olhos ao fazer; havia um pedaço de madeira fino de 30 centímetros, enterrado um pouco abaixo de seu cotovelo. Tinha muito sangue escorrendo ali. O garoto se perguntou porque ele não havia percebido aquilo ali antes. Será que foi por causa da adrenalina do momento?
Ele olhou de volta para Kakashi. Os cabelos prateados dele pareciam uma auréola na escuridão. Ou podia ser o fato de que estava perdendo a visão. Luz também circulava no céu vermelho vinho e fumacento. Ele estava falando, mas as palavras saíram borradas, perdidas, como se conversasse embaixo d’água.
— ...ninja médico. — Falava ele. — Gai, me ajuda a tira-lo dai sem machuca-lo mais... — A voz dele falhou, e voltou. Ele lutou para se concentrar — Precisamos ir...
— ir... — Repetiu ele e, por um instante, o rosto de Kakashi ficou claro outra vez, as linhas do esforço em volta da boca e a agitação de nervosismo em sua expressão.
Iruka sentiu uma forte vontade de fechar os olhos, como se tivesse fazendo um grande esforço mantendo-os aberto. Mas Kakashi não o deixou fechar os olhos. Ele falava alto para que ele se mantivesse acordado, enquanto tirava — com ajuda do Gai — os escombros da casa em cima dele. Com os braços sob os dele, levantou-o e em seguida o carregou, o braço bom de Iruka jogado por cima do pescoço dele. Uma forte dor aguda se estalou novamente em seu braço, que percorreu pelo seu corpo todo. A última coisa que viu antes de fechar os olhos foi a voz de Kakashi, que dizia que tudo iria ficar bem. Depois, tudo ficou escuro.
Náusea e dor iam e vinham em redemoinhos cada vez mais contraídos. Iruka via apenas um borrão de cores ao redor: estava consciente de que Kakashi o carregava, cada um dos passos dele penetrando seu crânio como um martelo sobre o prego. Tinha consciência de que estava agarrado a ele, e que a força dos braços de Kakashi era um conforto — de que era bizarro o fato de alguma coisa naquele garoto de personalidade fria ser reconfortante, e que ele parecia tomar cuidado para não sacudi-lo muito enquanto andava. Iruka tentou ouvir os sons da raposa demônio, mas não conseguiu. Apesar dos gritos e o choro ainda estarem ali, apesar de parecerem distantes agora.
Então tudo silenciou. Por um instante, ele achou que fosse o fim: tinha morrido, morto pela raposa, como a maioria dos ninjas dali. Depois sentiu outra queimação aguda na parte interna do braço, e uma explosão do que parecia gelo pelas veias. Fechou os olhos com força de novo por conta da dor, mas o frio do que quer que Kakashi tivesse feito foi como um copo de água no rosto. Lentamente, o mundo parou de girar, os redemoinhos de náusea e dor diminuindo até se tornarem breves ondas na maré de seu sangue. Pôde voltar a respirar.
Arquejando, abriu os olhos.
Estava escuro o local em que estava. Parecia estar deitado em um colchão fino. Ele estendeu os braços doloridos. Ele podia ver, mesmo com a pouca luz emitida de algum lugar, as ataduras em seu braço machucado. Respirou fundo, finalmente. Não estava mais aquele ar empoeirado e pesado de antes. Ele podia ouvir o som do vento forte, os murmúrios de pessoas ao longe, e...
Kakashi. Escutou uma risada baixa e percebeu que não estava só naquele lugar. Iruka podia ver a sombra do ninja a frente ao lado do colchão dele, parecia estar sentando em uma cadeira. De repente a sombra se moveu, e uma onda da luz de lamparina preencheu o local, revelando onde estava; era uma barraca médica improvisada. Ao lado esquerdo direito dele, tinha uma bandeja com um jarro de água e alguns comprimidos. Do outro, uma cadeira, agora vazia.
O garoto olhou em direção a luz, que estava sendo segurada por Kakashi, que riu outra vez; ele estava sem seu colete e o cinto de bolsos que carregava armas e outros equipamentos ninjas. Vestia apenas sua blusa e as calças pretas. Porém, a bandana em sua testa continuava intacta inclinada no lado esquerdo do olho. O prateado o estudou com divertimento enquanto ele puxava a coberta para se cobrir.
— Que bom que você é baixinho — Disse ele. — Se fosse mais alto ou gordo, carregá-lo teria sido extremamente inconveniente.
Ele manteve a voz firme, com esforço.
— Onde estamos?
— Em uma das improvisadas barracas médicas. — Disse ele. — Ela está montada alguns metros longe da vila.
— E por que está aqui dentro?
— Como você é direto. — Ele esfregou as mãos enluvadas, como se estivesse tentando aquecê-las. — Eu só queria ver se estava tudo bem. Não é como se eu estivesse passado a noite toda te vigiando.
Ele engoliu em seco e olhou para o próprio braço. O ferimento ainda doía, mas parecia uma lembrança antiga, não como se ele tivesse se machucado horas atrás.
De repente, Iruka se lembrou o porquê dele estar ali naquela hora. O motivo por ter corrido e gritado no meio daquele caos todo, se esgotando a ponto de encontrar algum lugar para descansar. Fazendo com que ele conhecesse Kakashi.
— Meus pais. — Disse Iruka, tão baixo que saiu mais como sussurro. — Você sabe se eles vieram me procurar?
A expressão divertida de Kakashi desapareceu, tomando o lugar de um semblante sério. Ele colocou a lamparina que segurava em cima da cadeira, perto do colchão de Iruka, e voltou-se para ele.
— Iruka. — Disse o prateado. — Eu procurei saber dos seus pais e... — Ele parou, e o encarou por alguns instantes antes de continuar. — Eu sinto muito.
— Não... — Sussurrou o garoto.
Ele se levantou e saiu da tenda. Pensou que Kakashi iria para-lo, mas ele não se moveu em nenhum instante. Iruka olhou para os lados; haviam barracas espalhadas por todos os lados, e mesmo assim, não eram o bastante para suportar a quantidade de feridos, que estavam dormindo em camas improvisas nos chãos em frente de outras barracas.
O garoto suspirou pesadamente enquanto passava por todas elas, fazendo seu coração saltar ao não ver seus pais em nenhuma dela. Ele deu meia volta, e correu em direção a vila, seguindo os rastros de destruição deixado pelo demônio. A dor de seu braço não parecia mais incomodar, pois a dor da ansiedade era maior do que a física.
— Mãe! Pai! — Gritou. Olhando para cada rosto dos corpos carbonizados ou estraçalhados, torcendo para que não os encontrasse ali.
Ele correu até sentir alguém o agarrar pelo colocarinho, fazendo-o com que gritasse e pedisse para solta-lo.
— Iruka! — A voz firme e familiar fez ele parar de se debater. Kakashi havia o seguido até ali, numa rapidez impressionante, e apesar de ter corrido até ali, ele não ofegava ou mostrava algum sinal de cansaço. Diferente dele, que parecia estar prestes a desmaiar. — Iruka. — Repetiu Kakashi, colocando a outra mão sobre o ombro do moreno. — Por favor, pare, vai abrir seu ferimento.
— Me solta. — Disse Iruka entre os dentes. — E pare de me seguir, seu idiota. — Ele fez um movimento irritado, tentando morder o braço que o segurava, ao ver que o mesmo não iria solta-lo. — Eu disse para me soltar!
Iruka empurrou Kakashi, que fez um movimento rápido, derrubando-o, fazendo com que ele caísse e o prateado ficasse em cima dele. Ele levantou o joelho, acertando-o na barriga, mas foi como chutar um tronco de uma árvore. Kakashi agarrou as mãos dele, forçando-as nas laterais do corpo.
— Por favor, pare e me ouça. — Iruka congelou. E não pelo pedido do outro, mas sim por causa da voz trêmula dele. Era a primeira vez que tinha visto aquele garoto frio soar desesperado. — Seus pais deram a vida para proteger essa vila, para proteger você. E é assim que vai honrar a memória deles? Morrendo por causa de sua teimosia.
Iruka virou a cabeça. Por mais que ele detestasse aquele garoto, ele estava certo. Sabia que a vida de um ninja era curta e cheia de perigos. Ele já tinha se preparado em diversas vezes para não reencontrá-los a cada missão que eles ia. Mas aquilo foi tão de repente que Iruka não conseguiu se preparar, e achava que nenhuma das vezes ele tinha feito tal coisa, pois aquela dor forte em seu peito era doloroso demais para se preparar. Seus olhos ardiam, anunciando as lágrimas, mas ele as conteve à força, furioso consigo mesmo e com tudo mais.
O prateado se aproximou dele, mas Iruka o afastou. Ele se levantou um pouco zonzo e olhou para as ataduras de seu braço, que estavam manchadas de sangue, por causa dos movimentos bruscos que tinham feito, bem como aquele garoto havia o prevenido.
Tinha começado a tremer violentamente ao se colocar de pé. Iruka nunca foi forte como seus colegas, mas mesmo assim, ele estava se aguentando o máximo para não chorar na frente daquele garoto. Entretanto, tudo aquilo era demais para ele; a destruição da vila, os corpos, a morte de seus pais. Ele se ajoelhou, curvando-se sobre si, e abraçou o próprio corpo. Estava se segurando com força, como se pudesse se quebrar se soltasse.
De repente, Iruka sentiu algo o envolver. Ele percebeu, surpreso, que era Kakashi o abraçando, e sentiu novamente aquele conforto estranho de antes quando estava sendo carregado pelo mesmo. Iruka se permitiu fechar os olhos e enterrar o rosto no pescoço de dele. Pensou que Kakashi o afastaria, mas não o afastou. Em vez disso, o aperto em torno das suas costas ficou mais forte, como se ele jamais fosse solta-lo novamente.
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