História Karma - O Grande Jogo

A poeira subia conforme as jogadoras se espalhavam pelo campo e se posicionavam em suas bases, podia sentir “meu” corpo esquentar conforme eu caminhava no sol da manhã com aquele uniforme quente. Ajeitei melhor o boné azul marinho e semicerrei os olhos enquanto ajeitava melhor a luva em minha mão.

- VAMOS LÁ, STEVENS. – Escuto a treinadora e mordo o lábio inferior.

Quando o apito ecoou pelo campo e eu respirei fundo, olhando fixamente para a garota do outro time se concentrando para tentar rebater a bola que uma menina do nosso time iria lançar. Mesmo tendo milhares de treinos e tendo grande parte das jogadoras “me” cumprimentando pelos corredores do colégio eu ainda conseguia confundir o nome de todas elas, mas ao menos eu sabia que elas eram incríveis jogando.

Eu, uma das piores alunas na educação física daquele ano, estava no meio das melhores jogadoras regionais de softball.

O jogo começou e eu senti “meu” coração acelerar automaticamente, a pressão de ser a capitã do time em um dos jogos mais importantes de todos os tempos, além de não poder decepcionar Lauren e lembrar o tempo todo que eu poderia ficar para sempre naquele corpo, faziam “meu” estomago revirar a todos os instantes.

- JAUREGUI A BOLA ESTÁ VINDO. – A garota a minha direita grita e eu prontamente flexiono um pouco “meus” joelhos e foco o olhar na bola, a vendo em minha direção.

Foi o tempo da bola pousar na minha luva que os gritos da torcida e das meninas do time ficaram ainda mais intensos, eu apenas arregalei os olhos e lancei a bola de qualquer maneira na minha frente, fazendo exatamente como no treino de ontem à noite que eu tive com Chris, esticando minha mão livre para trás para que a garota do outro time não marcasse.

O apito assoou novamente e eu olhei para arquibancada vendo “Lauren” fazendo positivos com as mãos e aplaudindo logo em seguida, assim como todas as outras pessoas. A visão de Lauren era muito melhor que a minha, caso estivesse em meu corpo só conseguiria enxergar desse distancia se estivesse com meus óculos e acho que nem assim.

- JAUREGUI ESSE ARREMESSO FOI HORRÍVEL. – Me viro assustada e encaro a treinadora berrando histérica – JOGA ESSA BOLA DIREITO.

- DESCULPA. – Corro de volta para a minha posição.

- Ei? – Olho para a menina ao meu lado – Relaxa, você sabe como ela é. – Bate a mão livre na mão com a luva – ZOEY ACABA COM ELAS. – Flexiona os joelhos e então fica pronta para a próxima jogada.

Eu fiz um péssimo passe novamente e então a treinadora me colocou no banco, o que de certa forma foi um grande alivio, até que depois de alguns pontos “Lauren” se aproximou e fez um sinal para que eu chegasse perto.

- O que você está fazendo, volta para o jogo! – Rosna e eu arregalo os olhos.

- Ela me tirou!

- Peça para voltar. – Segura na grade – Camila você precisa jogar esse jogo, está me entendendo?! – Assinto nervosa – Mande Lucy ficar mais para a esquerda e diga para Zoey que a menina negra na base dois está um pouco distraída para encobrir a garota do time delas que parece tão distraída quanto você. – Sinto minha respiração pesar.

- Lauren eu não vou cons...

- Você vai, nós treinamos muito. – Sorri de uma maneira carinhosa – Você consegue, Camz. Grite que você quer um tempo e então repasse as informações para o time, seja uma capitã.

Aproximei da treinadora e respirei fundo, cruzando os braços, aquela mulher me deixava nervosa.

- Achei que o seu papo com sua namoradinha estava mais interessante. – Comenta irritada, arrancando o boné da cabeça – Se quando eu te colocar lá de novo você estiver avoada dessa maneira eu juro que tiro você do seu posto, Lauren. – Mordo o lábio inferior.

- Eu preciso falar com Lucy e Zoey. – A treinadora me encara – Agora.

- Eu não vou pedir tempo para você...

- TEMPO. – Grito e todos me olham antes do jogo voltar – TEMPO. – Faço um sinal com as mãos, o mesmo sinal que eu vi em diversos vídeos.

- TEMPO. – Um dos juízes grita.

Pude notar a treinadora ficar possessa de raiva com a minha atitude, mas então ela relaxou quando eu comecei a repetir a mesma coisa que “Lauren” havia me dito instantes atrás, outras garotas do time prontamente complementaram minhas observações e então a Sra. Bailey prontamente começou a fazer algumas substituições.

Novas meninas entraram, eu sendo uma delas, não consegui prender o gemido de reprovação ao imaginar tudo o que eu teria que fazer. Foi então que vi “Lauren” agarrada na grade com um olhar aflito. Jauregui havia passado noites em claro para estudar e tirar uma excelente nota na prova, da mesma maneira que estava sendo durona o bastante para enfrentar as pessoas que mais me apavoravam, eu devia uma para ela.

Fechei “meus” olhos e implorei para todos os deuses que eu conseguisse ser boa até o final da partida daquele dia, implorei para que meu modo desastrado não penetrasse no corpo de Lauren, implorei para que eu conseguisse finalmente me entrosar com o time e implorei baixinho que todas as jogaras do time adversário ficassem tão ruins quanto eu ficava em todas as aulas de educação física do ano.

No meio do jogo me desliguei completamente de tudo ao meu redor e foquei completamente naquele bendito jogo. Antes da partida acabar a treinadora Bailey pediu tempo novamente e então todas formamos um círculo.

- Nós não vamos conseguir. – Michaela solta um gemido.

- Com a Jauregui morrendo na base não vamos mesmo. – Beatrice revira os olhos e eu trinco meu maxilar.

- Faça melhor, Miller. – A encaro irritada.

- É nossa última jogada. – A treinadora me interrompe – Temos que entrar nesse campeonato, então façam o seu melhor ao invés de culparem apenas uma pessoa. – Encara Beatrice – Eu quero ver união nesse time, agora voltem lá e acabem com elas.

Depois de um grito de guerra todas aplaudiram e começaram a se separar, foi então que eu senti um esbarrão em meu ombro.

- Andar com a Cabello está te deixando retardada como ela. – Ri se afastando – Se continuar assim além de perder a popularidade vai perder o posto no time, babaca. – Fica de costas e corre em direção a sua posição.

Senti tudo a minha volta ficar em câmera lenta, eu jamais havia conversado com Lauren sobre aquilo, sobre como ela se sentia em relação a ter a minha amizade e sempre ser vista comigo. Será que todos a tratariam mal conforme ficássemos mais e mais amigas? Será que ela poderia realmente perder o posto de capitã no time por minha causa?

Me aproximei da base e abaixei o capacete com uma mão enquanto apertava o taco leve com a outra mão. Eu havia treinado aquilo um milhão de vezes, com e sem Lauren. Iria mostrar para Beatrice quem era a babaca naquele dia, não podia deixar aquela garota entrar mais uma vez em minha cabeça com suas palavras maldosas.

Irritada e com muita vontade de bater em algo com força mexi “meus” pés no chão afastando um pouco da terra e flexionei os joelhos, ergui o taco e foquei o olhar na direção da garota que iria lançar a bola, respirei fundo.

Eu não podia decepcionar Lauren.

A bola estava no ar e vindo e minha direção, lembrei das palavras de Beatrice e das de Lauren, então com toda a força que consegui acertei o taco contra a bola, vendo a mesma ir muito longe enquanto a torcida berrava loucamente atrás de mim. Então eu corri. Corri como se minha vida dependesse daquilo ou como se alguém fosse jogar ovos em mim.

“Meu” pé tocou a última base branca e então diversos corpos se chocaram contra o meu enquanto todos da arquibancada ainda gritavam animados. Eu tinha conseguido lançar a bola para fora, o que nos garantiu os quatro últimos pontos e consequentemente a grande vitória daquele dia.

Conforme caminhava pelo campo recebendo tapinhas nas costas olhei Beatrice me encarando como se pudesse me fazer desaparecer através de seu olhar.

- Antes babaca do que uma pessoa que necessita dizer merda para outras pessoas para se sentir bem consigo mesma. – Sussurro exibindo um sorriso na direção de Beatrice, que me encara trincando o maxilar – Obrigada pelo estimulo, imaginei que era sua cabeça no lugar da bola.

- Você fica se doendo porque eu fico falando da merdinha da sua amiguinha esquisita. – Cece a puxa para longe de mim e eu respiro pesadamente.

- Se você diz. – Sinto alguém pular nas minhas costas.

- CARA MELHOR REBATIDA QUE EU JÁ VI. – Dinah me agarra e eu rio.

- VOCÊ FOI FODA. – Normani entra na frente de Beatrice e me abraça também.

- FODA PRA CARALHO. – “Lauren” grita e eu rio, negando com a cabeça – Er... quer dizer, incrível, você foi incrível. – Me abraça e eu a abraço de volta, respirando fundo – Obrigada por isso.

- Estamos quites. – Sussurro em “seu” ouvido.

- Adorei o jogo, Laur. – Ally me abraça e eu sorrio.

- AI ESTÁ A MINHA GAROTA! – Mike entra e me abraça, me fazendo rir.

Antes que eu pudesse me afastar direito do pai de Lauren senti mãos segurarem “minhas” pernas e então me erguerem do chão, o que me fez soltar um gritinho assustado enquanto “Lauren” ria divertia e aplaudia junto com todas as outras pessoas. Eu não havia a decepcionado, isso era ótimo.

Fui levada até o vestiário e a comemoração continuava lá dentro, todas estavam extasiadas por finalmente entrarem no campeonato, agora era só chegar até as finais e eu iria agradecer imensamente se não fosse eu a fazer aquilo.

Juntei tudo dentro da bolsa do time e sai atrás do pessoal, encontrando meu pai Alejandro conversando com Mike e Clara, as meninas conversavam e riam entre si, quando me viram prontamente me parabenizaram mais uma vez e começaram a comentar sobre os hambúrgueres que iriamos comer no almoço, pude notar a felicidade do meu pai ao receber o convite do almoço.

Meus pais não tinham muitos amigos em Miami, ele trabalhava bastante, chegava exausto a noite e nos finais de semana descansava, já a minha mãe tinha turnos estranhos no hospital e por esse motivo não era sempre que estava disponível. Ver ele aceitar o convite e ligar para a minha mãe logo em seguida me deixou muito feliz, talvez eles conseguissem novos amigos, como eu havia conseguido.

- Lauren você foi incrível! – A mãe de Normani me abraça.

Depois do jogo fomos para a casa dos Jauregui e assim que sai do banho encontrei todos os convidados do almoço no quintal.

- Obrigada, Sra. Hamilton. – A mulher ri e beija minha cabeça.

- Quem vê você falando assim nem imagina que assalta minha geladeira e ainda pergunta se eu quero algo. – Sinto minhas bochechas ficarem vermelhas, não acredito que Lauren fazia isso.

- Deixe a menina, Andrea. – O pai de Normani estica a mão e eu bato na mesma – Ela só quer brincar com você, como sempre. – Pisca – Leve esses hambúrgueres para as meninas. – Estende o prato.

- Parabéns pelo jogo, Lauren. – Abro um largo sorriso ao notar minha mãe ali.

- Obrigada, Sra. Cabello. – Ela sorri gentil e eu sorrio de volta.

Era tão estranho não poder chama-la de mãe.

- LOLO. – Sofia corre em minha direção e agarra “minha” cintura, me fazendo rir e abraça-la com uma mão enquanto a outra equilibrava o prato com os hambúrgueres.

- Hey, Boo. – Ela sobe o olhar e sorri – Como você está?

- Não me levaram para ver você jogar.

- Oh... – Começamos a andar – Tenho certeza que Camila irá te levar para me assistir no próximo jogo, não é?! – “Lauren” me encara e sorri.

- É claro que sim, agora venha aqui Sofi. – Minha irmã corre e ocupa o lugar vago ao lado de “Lauren”, que é uma das primeiras a atacar os hambúrgueres.

Dinah realmente competiu com Taylor para ver quem comia mais hambúrgueres enquanto Chris e um amigo faziam a mesma coisa. Os pais das meninas e os meus estavam todos na outra ponta da mesa gigante rindo, bebendo e comendo como nós. No meu segundo hambúrguer me senti bem satisfeita e optei por ficar no delicioso suco que Clara havia preparado, me limitando a conversar com Ally sobre qualquer besteira.

Lá pelas três Normani deu uma carona para Ally e Dinah, os pais de Normani saíram logo em seguida e restou apenas os Cabello’s e Jauregui’s, o que me deixou ansiosa e tensa por alguns instantes. Isso era bom, certo?!

Só entramos na casa quando Sofia implorou para que “eu” a levasse para conhecer “meu” quarto, então nós subimos e eu mostrei as coisas mais legais do quarto de Lauren, isso incluía o seu painel incrível de fotos. Não pude evitar de sentir minhas bochechas corarem quando Taylor sugeriu para que nós quatro tirássemos uma nova foto para que ela pudesse ir até o mural, sem esperar a aprovação de alguém ela foi para o seu quarto e voltou com a câmera polaroid para tirar a bendita foto.

Na primeira foto todas nós nos esprememos e sorrimos, foi então que “Lauren” deu a ideia de que fizéssemos caretas na segunda foto, me dando certeza absoluta que ela estava confortável com a ideia daquelas fotos irem para o seu mural. Tiramos as fotos e pedi para que “Lauren” as colocasse na mesinha ao lado da cama, ela decidiria o que iria fazer com as fotos depois.

- Sofi, venha, quero te mostrar minha coleção de filmes. – Nossas irmãs saem do quarto e “Lauren” me encara com um pequeno sorriso.

- Obrigada pelo dia de hoje, Camila. – Assinto, com um pequeno sorriso.

- Foi um dia agradável, jamais achei que um time inteiro iria me agradecer por fazer algo por eles! – Ela solta uma gargalhada e eu dou de ombros – Fico feliz que tudo tenha dado certo.

- Bom, quase tudo... – Mordo o lábio inferior, bufando ao lembrar que não havíamos trocado ainda - Sabe... – A encaro – Se eu tivesse que ficar no corpo de alguém para sempre, seria uma grande honra ficar no seu, Cabello.

A encaro surpresa com a sua confissão, então abro um largo sorriso.

- Digo o mesmo, Jauregui. – Sorri de canto - Obrigada por tornar tudo isso menos difícil.

- Obrigada por ser quem é. – Se curva e olha no fundo dos “meus” olhos, fazendo meu coração acelerar.

“Lauren” estava perto. Perto demais. O quão estranho seria se nós nos beijássemos? Eu estaria me beijando e ela se beijando, isso parece errado. O quão complicado tudo ficaria caso algo a mais rolasse entre nós? Provavelmente muito. O quanto Lauren poderia passar a sofrer caso ficasse mais e mais próxima de mim? Muito, iriam viver irritando ela, provavelmente mais do que me irritavam, simplesmente por saber que ela –diferente de mim- aguenta as provocações.

Sinto nossas respirações se misturarem ainda mais. Ela iria me beijar, podia sentir isso. Foi então que o arrepio cortou “meu” corpo, me fazendo estremecer e abrir os olhos assustada, parecia que eu havia levado um choque. Foi então que eu senti uma vontade imensurável de gritar para que todos tivessem conhecimento da minha felicidade naquele momento.

- NÓS TROCAMOS. – Gritamos juntas.

- AI MEU DEUS. – Lauren solta uma gargalhada alta e gostosa, me fazendo rir – SIM, NÓS TROCAMOS, NÓS FINALMENTE TROCAMOS. – Se levanta e começa a pular na cama.

- OLHA, É A MINHA MÃO E NÃO É A SUA! – Ergo ambas mãos para cima e Lauren ri, me puxando para cima.

- EU NÃO ACREDITO, FINALMENTE. – Me abraça e eu congelo.

- Sim, finalmente. – A abraço apertado.

- Por que vocês estavam gritando? – Nos viramos assustadas, encarando nossas irmãs.

- O time que eu queria que perdesse, perdeu hoje, não vamos precisar enfrenta-los. – Lauren mente enquanto se sentava, ainda com um largo sorriso – Tay eu te amo. – Corre e abraça a irmã – E você é a melhor irmã do mundo todo. – A caçula dos Jauregui fazia uma cara confusa.

- Uh... então tá, né?! – Abraça de volta – Você também, Laur.

- A melhor irmã de todas é a Mila. – Sofia corre em minha direção e me abraça, fazendo meu coração acelerar em felicidade – Ela assiste Frozen comigo e sempre me compra pizza. – Lauren ri e assente.

- Eu sei que sim, Boo. – Sofia sorri, ainda abraçada comigo.

Acredito que jamais havia sentido tanta vontade de voltar para casa e passar um tempo com a minha família, eu finalmente era uma Cabello novamente.