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História Keep Close - Capítulo XI


Escrita por: MimizCherry

Capítulo 11 - Capítulo XI


Eu não esperava acordar. Não esperava viver. Estava preparada para meu último suspiro. Estava preparada para a morte. Era assim que deveria ser. Eu deveria estar morta. Deveria estar junto a minha família ou em qualquer outro lugar que minha alma teria. Eu só queria morrer. Queria apagar minha existência, porém estava ali, sentada em uma pedra fria, no meio do nada, olhando para o único motivo de eu ainda estar respirando.

Apesar de estar ali vendo tudo a minha volta, minha mente não consegue associar o que está acontecendo. Me sinto em um corpo estranho, sensações novas, sentidos aflorados. A cada segundo que se passava o cenário começava a tomar o tom vermelho e me mostrava uma terra que eu jamais gostaria de ter como lar.

Eu deveria estar morta.

Sem conseguir me mover, vejo Richard, ou seja lá como ele se chama, se aproximar de mim. Minhas mãos tremem; meu corpo treme. Seus passos ecoam pela minha cabeça como se estivessem dentro de mim. Toc. Toc. Toc. Sua respiração é alta. Seus músculos se contraem e relaxam. Cada movimento. Tudo era amplificado. Tudo me incomodava.

- Você ficará no meu lar até que se acostume com o ambiente.

Ele dizia enquanto me puxava pelo braço com certa rudez para que eu me levantasse e começasse a andar. Atordoada, não consigo mexer meu corpo como gostaria, o que faz com que ele me puxe e me firme entre meus calcanhares com um pouco mais força. Não demorou para que monstros comecem a surgir em nosso caminho e tentarem me cheirar, me assustando.

- Não se assuste com os nossos bichinhos. Eles não são tão ruins quanto aparentam ser.

O conceito de lar era bem diferente do que eu tinha em terra. Não havia cozinha, sala, banheiro. Apenas um quarto e uma cama. Não havia lugar para guardar roupas, para descansar, para se limpar. Era apenas um lugar de dormir com quatro paredes e um teto. É como se pudores não existissem e que todos andassem com as vergonhas a mostra.

Colocada de lado, apenas o observo arrumar um lugar na ‘sala’ como se fosse uma cama.

- Richard... o... o que vou usar? O que vou comer...? Eu... preciso de um banho... não há banheiros aqui e... – Ele ergueu a mão para que eu me calasse. Podia ser um gesto rápido, mas vinha junto a uma força e a uma pressão no ar que me sufocava.

- Você precisa aprender muita coisa antes de começar a pensar em comer. Precisa aprender a se controlar e ficar de boca fechada. Não está em terra para ficar questionando. Sua vida não é a mesma a partir de agora e você terá outras necessidades. As que importam.

Eu o encarei desapontada, mas não surpresa. Claro que ele tinha algo em mente quando me trouxe para cá e, sendo mais forte e experiente do que eu, óbvio que tomaria a frente e mostraria sua real face. A vontade de retrucá-lo era grande, mas nenhum som saia da minha boca. Então, por instantes em que ele desviou sua atenção sobre mim, ele ficou olhando e observando da janela a movimentação do lado de fora. Parecia procurar o melhor momento para continuar seus planos.

- Richard...? – Tento me aproximar, mas ele logo evita o contato ao segurar meu pulso que se aproximava de seu ombro.

- Fique aqui e fique longe das janelas. Preciso resolver algumas coisas. Não saia desta casa.

- Mas...

- Fique!! – Rugiu com seus olhos brilhando em um vermelho carmim. Os olhos raivosos que ele reservava para seus momentos de ação e de morte. A face do demônio.

Concordando, respirei fundo e me sentei naquele amontoado de roupas de cama que ele havia deixado no chão. Eu tinha que esperar, afinal eu não tinha escolhas. Não iria adiantar discutir com ele. Disso eu tinha certeza. Não teria forças para argumentar e seria apenas um atraso de vida, se é que eu posso continuar chamando de vida ou pular para a existência.

O tempo passou e nada dele retornar. Parecia que a eternidade seria pior do que meus instintos estavam me revelando, mas não teria como voltar atrás. Cansada de esperar, decidi mexer cuidadosamente em suas coisas para me distrair e tentar encontrar respostas sobre ele. Mexi nos lençóis, debaixo da cama e entre os móveis. Nada. Então algo me chamou a atenção. Um pequeno criado-mudo jogado de lado num canto escuro. Me surpreendi ao ver um a cruz. O que diabos uma cruz estaria ali, no inferno, na cômoda de um demônio?

Receosa em ser pega, apenas a devolvi ao seu devido lugar e voltei para o amontoado. Fiquei ali olhando para o teto e imaginando quanto tempo teria que passar ali até que ele retornasse para seu lar. Ambiente desagradável.

 

 

A porta foi aberta bruscamente me assustando e fazendo com que eu me sentasse. Era como quando minha mãe vinha furiosa comigo e com Thonny. Um pequeno sorriso apareceu com a lembrança. Um sorriso amargo. Sentimentos amargos.

Eu deveria estar morta.

Richard estava com um vestido por entre os braços. Parecia sinuoso, de tecido nobre e brilhoso. Não era como os que eu tinha. Os vestidos que minha mãe fazia para mim. O erguendo para mim, pude ver que ele tinha uma fenda em uma das laterais, era caído pelos ombros, lembrando um decote canoa, e extremamente justo na cintura e nos seios.

- Os banheiros ficam perto dos fundos da casa. Tome um banho, já que deseja tanto o fazer, e vista isso.

Caminhei até ele e peguei o vestido sem recusar suas ordens. Mas, para minha surpresa, aquilo que encontrei não era um banheiro. Era algo aberto, sem pudores e sem qualquer nível de privacidade. Eu podia ser uma garota do campo, mas aquilo já era demais para mim.

- Não há nada que possa... – Mais uma vez ele ergueu a mão e o ar se tornou pesado.

- Terá de aprender a perder suas vergonhas de agora em diante. Agora você está no inferno e terá de aprender a viver aqui. Pense que são seus irmãos ou tente encontrar uma ideia melhor. Você é carne nova, então não chame a atenção mais do que o necessário e não se assuste com algumas formas que pode encontrar por aqui. Agora ande e tome logo o banho. Temos muito trabalho a fazer.

Contrariada e afrontada, segui batendo os pés com o tal vestido em mãos. Minha mente não parava de questionar sobre ele ter me escolhido e ainda dito que era um presente. Quais seriam seus reais motivos? O que ele havia visto em mim?

Se tornar um demônio não era uma tarefa simples. Era isso que eu tinha em mente quando tudo começou e simplesmente se concretizou com o tempo. Não chegava nem perto de tudo que eu havia aprendido com a pouca educação religiosa que tive. Fui obrigada a quebrar muitos preceitos, muita da minha criação e toda a educação e a relação de certo e errado.

Minha primeira noite havia passado em claro, assim como as seguintes. Por mais que Richard tivesse sido um rude quase que o tempo todo, ele me ofereceu a cama para que eu me deitasse e descansasse enquanto ele dormiria no amontoado de cobertores e roupas de cama. Eu rodei por horas e mais horas até que algo iluminasse os tecidos que cobriam as janelas. Meu corpo pulava em agitação e em energia. De algum modo precisava encontrar uma forma de dispersar tudo isso, ficar cansada e finalmente dormir ou talvez eu enlouqueceria.

As noites seguintes fizeram com que eu caminhasse por horas pensando em algo para fazer. O local era insuportável e os animais eram horrendos. Não sabia como iria conseguir aguentar isso, mas teria que dar um jeito para suportar isso até arranjar um trabalho. Precisava buscar de um motivo para lutar. Não iria satisfazer apenas malditos mimados. Queria ao menos ter uma causa para poder fazer o que for necessário para impor a justiça.

Tive que aprender a usar minhas habilidades, minha força, meus poderes e meu corpo. Mudar as formas, encontrar a minha forma. Ser persuasiva, sensual, manipuladora, observadora e estar sempre passos à frente de qualquer um que entrasse em meu caminho. Usar corpo e mente para conseguir o que queira, essa era a regra.

Claro que contratos não poderiam ser a única forma de me alimentar. A parte mais difícil era entender a pureza das almas, o sabor, o valor. Foi difícil pensar e cometer certos atos. Atos dos quais me arrependeria pelo resto da minha existência. Então vinham as guerras, as batalhas e as crises. Ali se tornava mais fácil. Era como se eu desse um pouco de paz a aquelas almas. Era como se eu pudesse punir quem estava ali, no comando do caos.

O tempo me fez entender mais como tudo ali girava e como era a vida naquele meio. As batalhas irracionais humanas sempre tinham por trás batalhas sobrenaturais. Fosse para recolher almas ou para a destruição, dois a três tipos de classes sobrenaturais surgiam em meio ao campo. Os anjos, os demônios e os shinigamis ou anjos da morte. Talvez essa fosse a melhor definição apesar da igreja sempre incutir em seus fiéis que anjos e seres celestiais viriam lhes buscar e que eles deveriam comprar seu pedacinho no céu.

Shinigamis e demônios tinham uma guerra travada desde a existência do mundo, mas eu não iria me colocar e nem absorver as dores de um lado. Era perceptível que cada lado estava fazendo o que sua natureza exigia e era escolha de cada um, principalmente dos demônios. Se preciso de vantagens, irei conquistá-las da maneira que for impossível.

Se sou um demônio, não tenho regras. Eu mesma as crio.

Nós escolhíamos nossas vítimas, encurtávamos sua passagem pelo mundo e nos alimentávamos delas. Os shinigamis eram apenas coletores. Quando o tempo de alguém terminava, lá estava um deles para coletar sua alma e ver sua vida. Efetuar a passagem. Algumas almas tinham a chance de voltar a vida como shinigamis ou demônios, e muitas descansavam em paz.

 

 

Meus primeiros contratos e trabalhos foram finalizados em tempo recorde para uma novata. Eu havia conquistado muito mais do que almas de baixo escalão. Eu crescia, ficava mais forte e, mesmo que eu estivesse levando algumas poucas almas justas, isso alimentava o meu bem-estar e um melhor social para aqueles que essas almas se doavam. Era justo. Era menos doloroso.

Então, além de crescer, consegui me aproximar de Richard e entender suas verdadeiras faces. Eu aprendia e me destacava. Ele crescia comigo. Pensávamos em mais, em nos juntarmos oficialmente e seguirmos com nossos objetivos. Conversávamos sobre o passado e imaginávamos o futuro. Um futuro próspero. Mas era tudo parte de uma linda ilusão. Mais uma em minha vida.

Certa noite, já desconfiada, finalizei mais um serviço, me alimentei e segui para a casa de Richard com um sentimento amargo. Eu queria pegá-lo de surpresa e ter a certeza de sua fidelidade a mim. A nós.

Era tarde da noite e o inferno estava agitado, mas minha audição não me enganaria a esse ponto. Quando cheguei perto da casa, o som começava a se fundir a suspiros e alguns outros sons que eu jamais confundiria de quem era. Eu tentei me enganar por breves minutos ao pensar que ele apenas estava se divertindo sozinho, mas seria tolice da minha parte ignorar a realidade. Encarei a porta por longo segundo até escutar uma voz feminina. Foi como sentir meu coração parar. Aquele repentino susto e desapontamento. Era o fim para mim.

Caminhei de um lado ao outro da porta tentando criar coragem para abri-la. Eu precisava confirmar. Então, mesmo com um nó no estomago, virei a maçaneta e abri a porta abruptamente. A diaba logo virou seus olhos na minha direção e se assustou com o que via. Acredito que meus olhos estavam tão vivos que nem uma fogueira de execução de bruxas ganhava. Richard só se tocou um pouco depois e, como qualquer canalha, veio com aquela velha frase de não é o que você está pensando. Foi ridículo da parte dele ao acreditar que era uma idiota.

A partir daquele momento eu sumi de sua vida. Ele tentou ir atrás de mim, mas eu aprendi a sumir de um jeito que ninguém pudesse encontrar. Esse foi o começo de tudo. Sumi do mapa e construí minha primeira base para sustentar meu cargo.



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