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História Lado Errado - 13 - Fernando


Escrita por: humarojo

Capítulo 14 - 13 - Fernando


Terça.

Quase pego uma chuva daquelas lá fora. Minha filha está descendo as escadas exatamente na hora que chego na sala pousando uma pasta no sofá.

- E ai, pai? - a jovem me cumprimenta com um beijo na bochecha e se senta no sofá, checando alguma coisa no celular. Está vestindo um short de pano antigo e um moletom muito maior que seu corpo, seus cabelos ainda não secaram completamente. Provavelmente acabou de sair do banho - Tudo certo com os novos receptores?

Assinto positivamente enquanto arranco o paletó escuro do corpo e o estico em cima da pasta.

- Graças a Deus as últimas reuniões foram hoje á tarde - simulo um suspiro de alívio e dou a volta na sala, indo em direção á sala de jantar - Você janta comigo hoje?

- Hm... não. Desculpa - ela se vira para me olhar, apoiando o braço no encosto do sofá - Fui almoçar com o João mais cedo e acabei de chegar do barzinho que eu fui com meus amigos. Hoje o jantar é só seu.

- E Cecília?

- Ah! - ela se vira novamente - Cecília vai dormir na casa de outra amiga nossa. Elas vão sair amanhã e acharam mais fácil ficarem juntas.

- Tudo bem, então, sou só eu... - então é isso que acontecem quando as nossas crianças crescem? Nós acabamos jantando sozinhos na terça á noite enquanto eles saem para barzinhos e passam a noite fora? - E Lídia saiu de novo?

Marina reage estranhamente á pergunta simples que fiz. A menina parece preocupada.

- Ai pai... eu tô meio preocupada com a Lídia - me aproximo da garota, curioso.

- Por que?

- Nem eu sei direito o que aconteceu, pai - explica - Ela estava meio estranha, eu não sei se ela tá bem.

- Aconteceu alguma coisa? - pergunto, mais interessado.

- Não sei - Marina dá de ombros - Só sei que ela não parecia nada bem de madrugada e está sozinha no quarto há um tempão. Antes de sair, a Sandra me disse que ela não almoçou e nem tomou café.

Eu fico preocupado com Lídia. Por mais que nossa relação venha passando longe do que possa ser chamado de agradável, eu não posso fingir que não é nada. Me sinto no dever de saber se ela está bem.

- Fica tranquila - me pego tranquilizando minha filha, acho que é hábito - Eu vou ver o que aconteceu.

Dou um beijo na testa da jovem e mudo o meu caminho em direção ao andar de cima da casa. O quarto de Lídia está fechado, assim como eu esperava. Não sei se ela espera que eu venha até aqui ou se acha que só vou seguir minha noite normalmente. Bato levemente na porta duas vezes.

Ela não responde. Resolvo entrar sem bater.

- Lídia? - encontro a mulher sentada na própria cama, com um notebook pousado em seu colo.

Ela vira o rosto pra mim, ajeitando seu casaco largo em volta do corpo. Lídia parecia meio cansada desde que chegou aqui, mas hoje ela está pior. Tem olheiras e está meio pálida, não está sob um jet lag qualquer.

- O que você quer? - sou recepcionado com a "doçura" de sempre.

- Boa noite pra você também - encosto a porta, andando em sua direção. Minha cunhada posiciona o computador ao lado de suas pernas e ergue um pouco o corpo. Por mais que ela não pareça bem, o quarto está perfeitamente organizado - Eu vim aqui saber se você está bem.

Fico impressionado com meu tom polido, mas ao mesmo tempo me sinto mal. A distância machuca, mesmo quando é necessária.

- E por que eu não estaria? - ela provoca, fingindo que não sabe do que estou falando.

- A Marina está preocupada com você. Ela acha que você não está bem - dou passo a frente - Então eu vim saber se você precisa de algo. Eu sou médico.

A mulher ergue o olhar para mim.

- Você é dentista, Fernando.

Dou um passo para trás, irritado. Fico sem dizer nada por poucos segundos e a tensão toma conta do lugar. Metade de mim quer sair desse quarto e deixar essa italiana teimosa aí, mas outra metade não consegue sair do lugar.

- Você não colabora mesmo, não é - disparo antes de poder pensar no que dizer - Eu acho melhor eu sair daqui logo.

- Eu também acho! Eu mesma faço questão de te tirar daqui - ela se levanta muito rápido. Talvez rápido demais, pois acaba se desequilibrando e eu me movo rapidamente, conseguindo agarrá-la pela cintura.

- Ei!... - exclamo divertidamente, como se Lídia fosse uma criança que acaba de tropeçar num brinquedo. Olho dentro daqueles olhos verdes, meio perdidos e respiro fundo para manter a sanidade. Estamos tão próximos que sinto sua respiração quente em minha direção. Porém a proximidade dura pouco tempo, acabando quando a mulher se desvencilha de mim e se senta em sua cama novamente.

Lídia joga uma mecha grande cabelo para trás e me encara por alguns segundos, como se estivesse usando algum código para me mandar sair dali.

- Lídia? - permaneço ali.

- O que é? - ela continua olhando para baixo e nem percebe quando me aproximo.

- Qual foi a ultima coisa que você comeu hoje? - faço a pergunta num tom tão descontraído que até eu estranho.

Ela ergue o olhar para mim, esboçando uma expressão mista de sarcasmo e confusão.

- Tomei um copo de whisky há umas duas horas, por que? - sua voz também sai num tom de descontração, e eu encaro-a incrédulo.

- Acho que não é uma opção muito saudável de lanchinho da tarde, querida.

Um sorrisinho aparece no canto dos meus lábios e não consigo contê-lo.

- Vá se foder, Fernando!

- Vem, você vai jantar comigo lá embaixo - ignoro o xingamento.

- Eu não estou com fome. Obrigado.

- Isso não foi um convite, Lídia - minha expressão se torna séria.

- Em que planeta você acha que eu sigo suas ordens?

- É sério Lídia. Por favor - dou um passo para trás, quase desistindo, quando a mulher se levanta e dá um sorriso sarcástico.

- Tudo bem, Doutor Fernando. Eu vou sim - ela caminha lentamente até me ultrapassar e abrir a porta do quarto - Já que você insiste tanto.

Sandra já foi embora, mas deixou algo para o jantar. Aqueço a comida e sirvo a mim e a Lídia, que me observa atenciosamente.

- Não aconteceu nada - ela solta enquanto estamos comendo. Não parece estar disposta a dizer provocações - Eu só tive um sonho ruim e fiquei assustada. É isso.

Esse clima pacífico esquisito que paira sobre nós é bizarro, mas não deixa de ser confortável. Como se tivéssemos voltado no tempo.

- E que sonho foi esse que abalou tanto você a ponto de causar mal-estar?

Ela encara algum ponto fixo do ambiente e exala o ar.

- É um daqueles pesadelos que derrubam a gente o dia todo, sabe? Não quero falar sobre isso.

Eu poderia soltar qualquer piadinha infame sobre "você já passou da idade de se assustar com pesadelos" ou coisa parecida. Mas conheço Lídia. Ela não é do tipo que exagera, não fica mal assim com qualquer coisa.

Nenhuma conversa surge entre uma garfada e outra, porém, uso a refeição para pensar em um assunto que não estava planejando incluir minha cunhada. Mas depois de perceber o quanto Marina se importa com ela, acho que seria uma boa ideia inseri-la nisso.

- Você sabe que o aniversário da Marina é na próxima semana, certo? - pergunto, quebrando o silêncio sem cortar o clima de paz.

- Certíssimo - sorri.

- Então... Eu estou planejando uma festa surpresa pra ela - diminuo o tom de voz, animado - Ela me disse que não está afim de fazer nada por conta das coisas do casamento, mas aceitou fazer um jantarzinho só com os amigos aqui. E é aí que eu surpreendo ela. Estou planejando tudo com o Marcelo e queria saber se você não quer se envolver nisso também...

- É sério? Eu!? - a mulher me atropela com suas palavras e eu me supreendo com sua reação alegre - Eu quero! claro que eu quero. Eu posso ajudar com os vinhos... Posso ajudar na decoração também, você sabe que eu sou ótima com flores.

Sorrio enquanto ela diz todas essas coisas de uma vez. Desde o dia em que Lídia chegou aqui depois desses 20 e tantos anos fora, essa é a primeira vez que a vejo feliz de verdade. Algo dentro de mim se aquece no momento em que percebo (ou que lembro) o quanto Lídia ama minha filha.

- Então combinado - lanço uma piscadinha para a mulher e ela retribui, e nesse momento batemos o recorde de tempo sem ofender ou provocar um ao outro.

- Ah! Fernando... - ela exclama, como se tivesse se lembrado de algo - Você se lembra daquela esfregadinha nas costas que Elena fazia para acalmar as pessoas?

- Claro que lembro...

- Marina fez exatamente isso comigo hoje de madrugada. Você acredita nisso?

- Meu Deus... Como ela sabia daquilo? - faço a pergunta não exatamente direcionada á ninguém. Estou apenas tocado pelo o detalhe que Lídia expos agora.

- Não sei. Parece que foi quase um instinto, sabe?

- Incrível...

Passo uns segundos meio alheio a situação. Apenas me sentindo reconfortado pela pequena conexão que acabara de ser achada bem ali, entre Marina e Elena.

- Sabe de uma coisa, Fernando? - Lídia me arranca dos pensamentos e volto minha atenção á ela - Você me surpreendeu muito. Você foi um ótimo pai pra Marina, ela se tornou uma menina ótima. Parabéns.

O tom sincero das palavras de Lídia me anestesiam por um segundo. Ouvir que fiz a coisa certa depois de todos esses anos tentando fazer o melhor para minha menina é algo extremamente reconfortante. Mesmo vindo de Lídia. A mulher que nos deixou sozinhos e foi viver na itália quando Elena se foi, a unica pessoa que não tem direito nenhum de opinar no jeito que criei minha filha.

- Obrigado, Lídia - não consigo conter a pontinha de amargura em minha voz, é quase automático - Não foi fácil mesmo, mas eu consegui. Tive que aprender na marra, você entende?

E aí vem a tensão novamente...

 



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