Ai. Meu. Deus. Do. Céu.
Estou parada, encarando meu próprio reflexo no espelho do banheiro. Finalmente seca e aquecida depois de um banho quente e lotado de pensamentos que não me abandonavam por um minuto sequer. O que aconteceu ali? Como é que isso foi acontecer? E por que eu senti tudo isso?
- O que é que está acontecendo com você, Lídia? – pergunto á mim mesma, me apoiando no mármore da pia. A essa altura da minha noite, já posso dizer que estou me apoiando para não cair.
Nessa noite, minha insônia tem um motivo adicional e eu fico horas divagando antes de cair num sono leve, repleto de sonhos confusos.
Sexta.
Saio de manhã, antes de qualquer outra pessoa da casa e passo um bom tempo encomendando e comprando alguns detalhes da festa de Marina. Mas infelizmente, nem o primeiro aniversário da minha sobrinha do qual participo em mais de vinte anos foi o suficiente para me manter distraída.
E foi no meio dessas tarefas matinais que percebi o verdadeiro motivo do fatídico acontecimento de ontem á tarde: Fernando se confundiu. Só isso. É normal isso acontecer quando uma gêmea se vai e outra fica. Ele só estava tentando alcançar Elena de alguma maneira; E eu entendo isso.
Aquilo não foi nada. O coração batendo mais forte, os arrepios ao sentir o toque. Cada sentimento ali foi um engano.
Em uma hora, me pego subindo o elevador da empresa do meu cunhado. Preciso esclarecer a situação rápido e sei que ele também precisa. Conheço Fernando muito bem, e nesse ponto do dia já deve ter pedido perdão a Elena mentalmente milhares de vezes. Caminho rapidamente até a recepção daquele andar e me preparo para falar com o jovem sentado de costas para mim. Porém, quando o rapaz se vira para mim ele dá um pulinho e leva a mão ao lado esquerdo do peito.
- Bom dia – digo estranhando o comportamento do jovem – Onde fica a sala do Fernando?.
Meu tom é tão firme na pergunta que até eu me surpreendo.
- A senhora... – ele começa, lentamente. Está branco feito papel. Começo a ficar preocupada – A senhora é a mulher da foto...
- Bem... depende da foto – solto a frase ainda num tom firme – E a sala?
- Todo mundo sabe que aquela mulher morreu... – ele diz, talvez falando consigo mesmo – Ela é mãe da dona Marina.
- É... – estou pronta para repetir a pergunta sobre a sala quando finalmente entendo a quê o menino se refere. Ele pensa que eu sou Elena.
- Como a senhora entrou aqui? – ele pergunta confuso e eu resolvo entrar na confusão dele para sair dali mais rápido.
Dou um sorriso e caminho pra mais perto do balcão.
- Fantasmas não precisam de crachá – dou uma piscadinha e ele arregala os olhos – Você não vai me dizer onde fica a sala, querido?
O rapaz pálido aponta para a esquerda, onde começa um corredor.
- É a ultima porta desse corredor – ele engole seco.
- Obrigado – sorrio e disparo a andar na direção do corredor.
Entro na sala de Fernando feito um furacão. Felizmente o homem está sozinho lendo alguns papeis empilhados.
- Você devia compartilhar mais informações com seus funcionários – exclamo antes que ele possa dizer qualquer coisa – O rapaz ali acha que eu sou um espírito.
- Lídia! – exclama assustado.
- Acertou! – pouso minha bolsa numa poltrona aparentemente inútil no canto da sala e caminho lentamente até estar na frente da mesa de meu cunhado.
- Como você conseguiu entrar? – ele pergunta, provavelmente questionando a qualidade da segurança de sua empresa.
- Não é difícil entrar numa empresa sendo tia da única herdeira – explico – Eu disse que vinha buscar umas coisas pra Marina.
Fernando elogia minha performance e então decido ir direto ao ponto.
- Precisamos esclarecer o que aconteceu ontem – disparo e ele reage com uma expressão frustrada. O homem levanta e se prepara pra começar a falar.
- Lídia, eu não...
- Eu não vou fingir que não entendo você, por que você sabe que entendo – interrompo, deixando o homem confuso – Mas espero que você entenda que isso é errado. Eu não sou a Elena, Fernando. Minha irmã se foi.
Ele engole seco e abaixa a cabeça. Parte de mim quer se aproximar e consolá-lo.
- Você acha mesmo que em algum momento da minha vida eu consigo esquecer que Elena morreu? – a frase me atinge como um soco.
- Isso não justifica você me confundir com ela – rebato – Isso não é saudável, Fernando.
- Eu não confundi você com ninguém, Lídia – a convicção da afirmação dele me assusta. Mas logo seu tom de voz vacila – Quer dizer...
- Não tem problema – dou um passo a frente – Eu não julgo você. Desde que isso nunca mais aconteça.
Não sei se ele fica intrigado com minha solidariedade ou com outra coisa, mas me olha de um jeito esquisito.
- Temos um acordo? – estico minha mão em sua direção.
Ele sai do transe e repete o gesto.
- Tudo bem. Nunca aconteceu – ele dá um sorriso ao apertar minha mão, como se tivéssemos assinado um contrato – E nem vai acontecer de novo.
- Nunca mais... – diminuo um pouco o tom de voz. Tudo na sala parece acontecer numa velocidade reduzida. É como se cada movimento do meu corpo dependesse dos movimentos dele.
- Nunca mais – ele repete, me encarando fixamente. Olhando tão fundo nos meus olhos que eu poderia afirmar que ele encontrou algo lá. Algo que ninguém nunca conseguiu achar.
Sinto Fernando puxar meu pulso e transformar nosso aperto de mão num beijo. Acontece numa velocidade incrível, e claramente já não é um beijo confuso como o de ontem. É um beijo decidido e forte.
É um beijo que sabe muito bem o que está fazendo.
Suas mãos passeiam livremente pelo meu corpo, que se arrepia frequentemente durante seus toques. Não é como se eu estivesses presa ao beijo, como se não pudesse sair daquilo. Eu queria estar ali, eu não conseguia ir embora. E já podia sentir onde aqueles beijos iam parar.
Foi aí que a onda de consciência me consumiu e afastei com força o corpo de Fernando do meu.
- Lídia... – tem algo no jeito como me olha que me faz ter vontade de voltar a beijá-lo e não parar nunca mais. Uso todas as forças do meu corpo para evitar esse impulso e corro até minha bolsa.
- Você é louco, Fernando! – elevo meu tom de voz, nervosa – Vá procurar um médico!!
Bato forte a porta da sala e ando rapidamente até o elevador, sem dizer uma única palavra ao jovem que acredita que sou a alma da minha irmã.
Tenho coisas mais importantes para pensar agora. Ah se tenho!.
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