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História Lado Errado - 32 - Lídia


Escrita por: humarojo

Capítulo 33 - 32 - Lídia


Domingo.

Nossos corpos nus estão colados um no outros em meio aos lençóis cor de neve, a luz esbranquiçada invade o quarto pela varanda que não fica muito longe de nós. Observamos as luzes da manhã de domingo chegarem lentamente, em silêncio. Tudo num ar extremamente poético. Nossas mãos estão entrelaçadas e sinto sua barba roçar de leve em minha nuca enquanto olho preguiçosamente para a parede iluminada.

- Por que eu nunca aceitei um convite seu para jantar antes, hã? – a voz rouca de Fernando sussurra em meu ouvido, tirando uma risadinha leve de mim.

Giro meu corpo lentamente até estar de frente para ele dou uma olhada completa em sua expressão, gostando dessa ideia de simplesmente estar ali ao lado dele, vivendo cada segundo como deve ser vivido.

- Foi por que eu nunca te convidei antes – dessa vez é ele quem ri, olhando fundo nos meus olhos como se nunca fosse se cansar de encará-los.

- Hum... – ele assente, fingindo de conformar com uma ofensa. Sela nossos lábios rapidamente antes de continuar – E o que foi que eu fiz pra merecer essa conquista?

Rio mais alto dessa vez. O quarto de hotel já está começando a ter um ar diurno novamente.

- Eu quem foi que disse que você conquistou alguma coisa? – passo minha mão pelos seus cabelos, sentindo uma satisfação imensa ao fazer isso.

- Ah... eu definitivamente conquistei alguma coisa nesse jantar – ele apalpa minha bunda ao dizer isso e eu reviro os olhos antes de rir.

- Você parece uma criança, sabia?

- Pareço? É? – ele deposita beijos pelo meu pescoço meu causando arrepios e me fazendo rir sem parar, até chegar no seio, onde depositou beijos lentos e molhados fazendo minha respiração acelerar. Agarro seu pescoço com uma das mãos e puxo seu rosto para perto do meu, dando-lhe um beijo avassalador.

- Vamos sair daqui logo – digo ofegante, encarando o homem fixamente após o beijo – Antes que a Marina note sua falta.

Ele agarra minha cintura com força e cola nossos corpos.

- Devem ser umas seis da manhã, Lídia - reclama.

- Você vai andar logo ou quer que eu te deixe aí? – provoco – Não vai ser o primeiro homem que eu abandono em um quarto de hotel no dia seguinte...

- Você não presta... – ele começa a levantar da cama.

- E você é um santo – ironizo.

Observo com prazer Fernando se mover pelo quarto antes de entrar no banheiro e me deixar sozinha com meus pensamentos em cima da cama bagunçada. Me esforço para lembrar onde deixei minha roupa íntima enquanto levanto para tomar um remédio para dor de cabeça na minha bolsa. Um barulhinho irritante e constante de vibração me irrita profundamente e procuro meu celular naquele instante. Nenhuma ligação.

Olho para a tela de Fernando acesa em um canto próximo dali. Pego o aparelho imaginando ser Marina e ajusto minha visão para entender quem está ligando, mas a ligação para por não ter sido atendida, e logo começa de novo. É João Pedro quem está ligando. Atendo na hora.

- Ah!! – ele solta num misto de alívio e irritação – Finalmente, Fernando!! Eu precisa muito falar com você, de verdade...

- Você acorda muito cedo nos fins de semana, menino – o jovem fica confuso ao ouvir minha voz no telefone. Consigo sentir toda sua frustração quando sussurra um “Quem é?” e logo percebe que sou eu quem está falando.

- Lídia!? – meu nome vibra na voz do rapaz, que me diverte com sua confusão – O que...

- Eu sei que você quer falar com o Fernando. Mas infelizmente ele está meio ocupado, você teria algum recado?

- Olha... eu não sei qual é a merda que você tá fazendo dessa vez, mas eu preciso falar de um assunto sério com ele, Ok? Então se você puder facilitar...

- E como você pretende conversar com ele? – diminuo o tom de voz para que Fernando não me ouça – "Bom dia, Doutor Fernando, acho que nós dois precisamos falar sobre como eu agredi sua filha na noite de sexta"

João Pedro bufa do outro lado da linha e solta um palavrão que não consigo ouvir. Tenta usar um tom polido, mesmo estando no limite da impaciência.

- O Fernando não sabe desse mal entendido – sinto vontade de socar a cara dele ao ouvi-lo dizer “mal entendido”. Não pensei que esse menino fosse doente o suficiente para bater na cara de alguém e chamar de mal entendido logo depois.

- Mas eu sei – me repreendo ao exclamar e volto ao meu tom sussurrado logo em seguida – E é bom que você nunca mais se aproxime da minha sobrinha, ou eu dou um jeito de matar você com as minhas próprias mãos, entendeu bem?

Ele pigarreia entediado do outro lado da linha e sinto vontade de chacoalhar seu corpo com força.

- Parabéns!! Você fez um ótimo trabalho me assustando, Dona Lídia – ele me enoja com um falso tom simpático – Por que eu morro de pavor de velhas amargas e infelizes que usam o sarcasmo como mecanismo de defesa.

- Ah! Obrigado querido! São seus olhos – o tom sínico e irônico que uso supera sua falsa simpatia – Eu posso te ajudar com alguma coisa ou você só precisa reafirmar o seu ego mais um pouquinho?

- Você é patética.

- Era o que eu imaginava... Bom dia, querido! E antes que eu me esqueça: Vá se foder, garoto!! – finalizo a ligação e bloqueio o número de João Pedro na agenda de Fernando.

O idiotinha tem razão. Eu sou patética. Tão patética que nem consigo descrever. Estou no meio de uma bagunça, simplesmente fingindo naturalidade quando eu ainda consigo ouvir os gritos de minha irmã, presa no banheiro de uma casa em chamas, gritando pela vida sua filha. Estou fingindo que não guardei cada palavra que Fernando me disse depois daquele incêndio. Eu deixei minha irmã morrer. Eu não cuidei da sua filha, e agora estou parada no quarto onde fiz sexo com seu marido durante toda a noite.

Eu não só falhei com Elena, eu desrespeitei completamente sua memória. Sou tudo o que João disse e mais um pouco. Uma egoísta que não se importa com nada nem ninguém. Não posso achar uma descrição melhor que essa, atribuída a mim especialmente por Fernando há vinte e quatro atrás, na noite em que perdi a última pessoa que me amava de verdade na terra.

Você é patética. Você é patética. Você é patética. Você é patética.

As coisas ficam rodando na minha cabeça – como o pesadelo que não tive nessa noite – enquanto me visto, depois enquanto ando até o elevador, e também quando desço para a recepção do hotel. E continuam a rodar durante toda a caminhada que eu faço pela rua com meu cabelo bagunçado, minha roupa amarrotada e meus saltos barulhentos, mas sem uma lágrima sequer no rosto. Tenho anos de experiência em parecer plena quando sinto vontade de morrer por dentro.

Minha mente ainda não se esvaziou horas depois, quando finalmente desci do táxi e caminhei lentamente até o túmulo da minha irmã pela primeira vez em mais de vinte anos. E ali naquele túmulo eu simplesmente desabo, desejando – como fiz em todos esses anos - que fosse eu presa naquele banheiro, e não ela. 



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