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História Lado Errado - 41 - Marina


Escrita por: humarojo

Capítulo 42 - 41 - Marina


Quarta, 26 de abril.

As coisas estão estranhas há um tempo, isso já me aconteceu antes, durante meu tempo de relacionamento com João. Mas dessa vez parece mais real, e real demais até. Na verdade descobrirei o quão real isso é assim que eu ler o exame que recebi hoje.

Fiz o exame de gravidez ontem, numa clínica perto da casa de Cecília, achei que seria mais prático e seguro que fazer um teste caseiro. Não avisei ninguém, e acho até que nem eu mesma estava muito presente na situação.

Hoje, o dia que descobrirei o resultado, por coincidência – ou algo mais forte, talvez – é o dia vinte e seis de abril, o vigésimo quinto aniversário da morte da minha mãe. O dia em que, quase tradicionalmente, meu pai vai até o túmulo da falecida esposa levar para ela um diferente arranjo de flores. Acredito que até hoje ele já tenha dado espécies de flores diferentes o suficiente para montar grandes jardins. Observo-o fazer isso desde pequena e não me lembro de nenhuma vez em que não tenha o feito.

- Tem certeza que não quer ir, filha? – doutor Fernando não parece nada convencido ao gritar isso para mim de outro cômodo.

- Tenho!! – grito de volta de dentro da cozinha, onde bebo um copo de água gelada. Diminuo o tom de voz quando saio do cômodo e vou até onde meu pai está, me recostando delicadamente na porta. Estou completamente ansiosa há cerca de três dias, mas a presença do meu pai me acalma consideravelmente, como sempre fez – Eu não tô muito bem hoje, pai. Desculpa eu não ir...

- O que você tem? – ele deixa de fazer o que quer que seja para me encarar ali na porta. Dou um sorriso desajeitado e gesticulo um “joinha” quando ele me olha desconfiado.

Remexo o bolso do moletom com as mãos e sinto o exame lá dentro. Sei que é ridículo estar carregando o objeto comigo, mas não me senti segura em deixá-lo espalhado por aí.

- Nada importante – uso o tom mais descontraído que consigo e checo o horário no celular, apenas para ter algo pra olhar – Devo ter comido alguma coisa errada. Vou aproveitar que entro mais tarde na empresa e descansar um pouco.

- Eu posso te liberar hoje, se quiser – ele passa pela porta me dando um beijo na testa e colocando o celular no bolso. Está vestido  casualmente e tem o cheiro inesquecível e acolhedor que eu reconheceria em qualquer lugar.

- Não precisa! – digo de passagem, caminhando até as escadas.

- Tem certeza, Mari? – ele pergunta, ainda desconfiado.

Olho para papai com impaciência e resmungo um “Tenho certeza, pai”. Não pareceu suficiente para ele, mas pelo menos encerrou o assunto. Antes que ele vá embora, decido expor de uma vez a sugestão na qual vinha pensando a manhã toda.

- Pai... – chamo sua atenção antes que ele saia – Você não devia ir sozinho...

Ele me interrompe, pegando o guarda chuva num suporte perto da porta.

- Não vou chamar o Marcelo, Marina – ele corta – Sabe que a impaciência dele me irrita.

- Eu ia sugerir que você chamasse a Lídia – ele muda um pouco a expressão. Fica um pouco mais sério, talvez mais focado – Levar essas flores pode ser importante pra ela também.

Ele pigarreia nervosamente, desviando o olhar de mim como se desconsiderasse a sugestão imediatamente. Fico frustrada ao observar.

- Sua tia vai rir na minha cara se eu for procurá-la pra isso – ele aponta as flores pra mim como se eu fosse um criança.

Continuo a olhar para ele com seriedade e ele parece me dar mais crédito após alguns segundos.

- Você sabe que não vai – tento persuadi-lo com o olhar mas não pareço ser muito eficiente, apelo para um último artifício e deixo que meu pai vá embora, sem me dar resposta certa – Não custa nada!!

Solto um suspiro longo quando ouço a porta bater. Subo de vez as escadas e passo indeterminados minutos sentada no chão do quarto, ao lado da janela, ouvindo o barulho da chuva até que ele parasse, passando os olhos por aquelas letras que pareceram perder todo o  significado diante de mim. Poderiam estar escritas em qualquer outra língua ou até ser um código indecifrável. Mas eu não posso estar grávida. Não agora. E principalmente, não com o imbecil do João Paulo sendo o pai.

Um redemoinho confuso de pensamentos se forma, como nesses pesadelos em que algo extremamente inesperado acontece: As contas das últimas vez em que João e eu ficamos juntos. O número de celular dele. O que vou dizer pra ele? O que vou dizer ao meu pai? E a Cecília? Onde Cecília está agora? Onde eu vou agora? Como vou criar um filho? Eu nem pensava em ter filhos... Eu nem sequer tive uma mãe...

E até engraçado como as coisas tomam um rumo completamente diferente exatamente quando pensamos estar botando tudo nos eixos. Eu até riria, se conseguisse.

Pego o celular e ligo para Cecília, que atende surpresa.

- Eu estou trabalhando, Nina – ela diz baixinho e eu concordo com a cabeça, como se pudesse ser vista. Ela parece ficar nervosa ao não me ouvir – Aconteceu alguma coisa?

- Tá tudo bem, amor – disparo num surto de consciência – Preciso falar com você... É importante.

Ela aumenta um pouco o tom de voz.

- Importante tipo um caso de vida ou morte, ou...

- Importante, importante, Maria Cecília! – interrompo.

- Pelo amor de Deus, Marina – ela diz preocupada – Não aconteceu nada mesmo, né?

Solto um misto de soluço e riso. Sinto uma lágrima escorrer ao tentar dizer o que aconteceu.

- Quando sair me liga. Na hora – peço e ela concorda. A mulher pede para que eu diga por telefone, mas insisto em conversar pessoalmente.

As próximas horas passam carregadas de decisões, pensamentos, planos e pequenos desesperos que nunca chegavam em lugar nenhum. Tentei até completar uma ligação para meu ex-noivo, mas desisti na metade. No final de tudo acabei não comparecendo na empresa. Acabei ficando em casa, rodeada por todas as coisas que teria que fazer, ruminando ideias e medos na cabeça até a hora em que finalmente dirigi até a casa de Cecília, onde ela me esperava quase tão apreensiva quanto eu.

- Porra, Marina!! – minha namorada me abraça forte, acalmando uma grande parte de mim que tremia desde ontem – Eu achei que alguém tinha morrido... 
Solto um riso engasgado e aperto-a novamente quando ela ameaça desfazer o abraço. Respiro lentamente enquanto sinto o cheiro da mulher que aguarda confusa qualquer reação minha.

- To grávida – solto de uma vez, sem dizer mais nada e nem sair dos braços de Ciça. A morena solta uma risada descontraída e me dá um nó no estômago.

- De mim? – ela continua a rir e eu me desvencilho dela para fazê-la entender.

- Do seu primo – sua expressão congela como se tivesse recebido uma injeção para isso, seus olhos passam por todo o meu corpo e eu acompanho o movimento.

- É sério?

Assinto, quase desacreditando em mim mesma. Cecília ainda não parece ter entendido o que eu disse, apenas me olha esperando que eu diga que estou brincando.

- Fiz um exame ontem – depois dessa frase passamos longos segundos apenas a nos encarar, as duas encostadas em paredes diferente da entrada pequena e mal iluminada do apartamento de Cecília. Trocamos naquele momento, olhares que também serviram como conversa e abriram espaço para o dialogo.

Ambas nos arrastamos lentamente até o sofá da sala, num silêncio nervoso que vinha de todos os cantos.

- E agora? – pergunto quase sem saber quantos significados coloquei só nessa questão. Ciça para pra pensar um pouco e por apenas alguns segundos sinto medo de que ela tenha ficado magoada com a notícia.

- E agora eu vou estar com você como sempre estive – ela segura uma das minhas mãos – E vou ter que te ajudar a contar isso para o escroto do meu primo, também...

- E ainda tem meu pai – suspiro meio elétrica, correndo meus olhos por toda a expressão da jovem.

- Seu pai é o de menos, na verdade – ela considera. 
Recosto meu corpo no dela naturalmente, nossos corpos se encaixam numa posição confortável bem rápido.

- Seria, se ele não fosse a última pessoa a saber de tudo o que acontece na minha vida nos últimos meses – explico – Imagina a lição de moral que ele vai me dar...

Ciça balança a cabeça em reprovação. Acaricia meu cabelo quase involuntariamente enquanto fala.

- Você tem vinte e oito anos, Nina. Já passou da idade de levar lição de moral – ela diz e eu apenas concordo, fechando os olhos para sentir seu toque.

- Diz isso pra ele então – ergo os olhos para encará-la, observando-a dar de ombros.

- Não importa quantas lições de moral você levar – ela brinca concentrada com meus fios de cabelo emaranhados – Eu ainda vou estar aqui depois delas...

Estico minha mão até a dela e entrelaço as duas, olhando sem parar para o gesto. Encosto o encaixe de mãos em meu corpo e solto um suspiro.

- Eu não te mereço, sabia? – quando Cecília ouve a frase, posso senti-la se encostar mais em mim, inalando o cheiro dos meus cabelos e me fazendo arrepiar todo o corpo. Toda a ideia de trazer uma pessoa a mais ao mundo, de ter a enorme responsabilidade de criar alguém e não ter a mínima noção de como fazer isso parece até mais leve com a presença de Ciça ao meu lado. Tenho a impressão de estar me sentindo mais capaz. Mais suficiente. Tenho a sensação de que é possível encarar o futuro sem medo das situações imprevisíveis, o desconhecido parece até divertido.

Mas o medo ainda está ali. E sei que vou ter que aprender a conviver com ele, mesmo quando minha namorada sussurra em meu ouvido “Vai dar tudo certo”. Pois eu sei que vai dar tudo certo, só não tenho a certeza de que vai ser pra todo mundo.



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