História Lado Errado - 7 - Lídia.

- Você tem alguém na Itália? – estou no fim da primeira taça de vinho quando ele me pergunta isso e tenho certeza de que haverá uma segunda – Ou teve, talvez?

Pouso a taça na mesinha antes de responder.

- Hm... não tive nada sério – ele olha fixamente para sua taça – Você sabe que eu não tenho paciência para essas relações que duram muito.

Ele franze a testa e ergue o olhar pra mim. No que ele está pensando?.

- Por que você não me perguntou o mesmo? – estranha. Eu solto uma risada abafada e torno a beber o vinho.

- Eu sei que você não ficou com ninguém, Fernando. Você é romântico demais pra isso.

- Eu posso muito bem ter tido alguém – rebate.

- Mas não teve. Eu te conheço.

O homem bufa, conformado. Ele sabe que eu estou certa. Tiro uma mecha de cabelo da frente do rosto e me levanto para abastecer novamente a minha taça.

- Como foi a vida na Itália? Você sabe... no começo? – Fernando muda de assunto quando eu me sento novamente, seu tom está mais sério agora que entrou em um assunto mais profundo. Fecho a expressão e olho diretamente para ele.

- Bem... – exalo o ar com força para demonstrar surpresa – Foi difícil me adaptar no começo, óbvio. Mas então quando olhei novamente aquela já era minha vida. A Itália me acolheu assim como minha mãe me acolhia, sabe? Eu já não podia mais voltar para o Brasil.

É mentira. Eu não conseguia.

 - Porra Lídia! – exclama o homem e eu me assusto. Sinceramente não esperava essa reação dele – Você não sente nada mesmo!? Você não podia mais voltar? Em que mundo alguém acha justo dizer uma coisa dessas? Quando é que você vai parar de fingir que nada aconteceu?

Fernando já está de pé, caminhando em círculos lentamente, quando me levanto para respondê-lo.

- Sabe uma coisa? Você é quem tem que superar muita coisa, Fernando – já estou parada bem a sua frente, capturei sua atenção novamente. Ele se aproxima. Sua expressão está fechada de raiva, sinto como se estivesse de volta á noite do dia 26. Minhas pernas tremem. E ele ainda tem o mesmo cheiro.

- Olha Lídia... Não me interessa se o seu sentimento de culpa esteja te impedindo de lembrar da sua irmã, mas eu nunca vou “superar” o que aconteceu.

Eu. Não. Acredito. Sinto meus músculos contraírem de raiva. Junto cada fiozinho de energia do meu corpo e dou um tapa no seu rosto.

O barulho que faz e a dor que causa na minha mão me anestesiam e só consigo olhar diretamente em seus olhos depois de alguns segundos. Recupero o fôlego e finalmente consigo falar.

- Você não ouse falar de qualquer coisa que eu sinta em relação a minha irmã – minha voz treme, mas recupera a força ao longo do tempo – Você não estava naquela casa, você não sabe de nada.

Caminho para fora da sala fazendo um barulho forte com o meu salto. Olho de relance para a mesa de madeira perto da entrada e então vejo o único porta retratos que a enfeita. Eu tirei aquela foto.  
Minha

cabeça dói, minhas mãos doem, tudo dói. Eu ainda não consegui dormir nessa casa – não durmo direito desde que comprei as passagens para o Brasil, aliás – e agora eu mal consigo pensar. Meus problemas com o sono tinham melhorado por um tempo e eu até conseguia dormir uma noite toda. Mas na noite em que recebi aquele e-mail de Marina me convidando para vir, os pesadelos voltaram. E em seguida todos os pensamentos que me impediam de dormir, minha mente funcionando a todo vapor a noite inteira. Mas hoje não. Hoje eu não consigo. Tiro toda a roupa que visto no momento, tomo os dois únicos comprimidos para dormir que eu trouxe – talvez eu ainda tivesse esperança de conseguir dormir quando coloquei-os na mala – e caio num sono pesado, escuro e sem espaço para os sonhos e muito menos para os pensamentos.