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História Lagostins e a Six - Limantha - Aurora - part 1 (1986)


Escrita por: Opspam2

Notas do Autor


Olá meus roqueiros, roqueiras e roqueires.

Chegamos a mais um capítulo da nossa ficzinha, finalmente chegamos na gravação de Aurora!
Já adianto pedido de desculpas por possíveis erros (eu faço tudo no trabalho, releva) e bora lá.

Lembrando que tem playlist com as músicas citadas, incluindo as desse capítulo.
https://open.spotify.com/playlist/2YIqFbqXaIVC63ZOG8O14Q?si=94ec5aa1dded4aab&nd=1

Crianças, não usem drogas, isso só é legal em historias.

Capítulo 10 - Aurora - part 1 (1986)


Fanfic / Fanfiction Lagostins e a Six - Limantha - Aurora - part 1 (1986)

Tina: Final de 85 demos férias para a banda. Tínhamos um novo contrato para redigir, entrar em acordos com algumas partes da gravadora e então dar início a tudo amarradinho em janeiro de 86.

Samantha: Nas férias eu fui para os EUA, comemorei meu aniversário lá com a Renata, estava com saudades da minha amiga. Agora ela era pessoa importante. Uma coisa que aprendi é que gringo adora Bossa Nova e a Renata cantava muito bem. Estava fazendo seu nome.

Renata: Quando a Samantha veio me visitar depois da turnê estava empolgadíssima. Estava alto-astral o tempo inteiro. Eu pensei: O que aconteceu com você na estrada? Então ela me contou que faria parte d’Os Lagostins e aquilo me deixou preocupada.

Uma coisa é você curtir uma noite — todas as noites — mas em lugares onde existem pessoas que te conhecem. Uma banda de rock é um ambiente mais pesado. Eu tinha medo que ela perdesse o controle de vez.

Lica: Recebi um postal da Samantha direto dos Estados Unidos, depois um do México e ela simplesmente não parava. Nunca sabia onde ela estaria na semana seguinte. Eu queria me encontrar com ela, mas estava impossível.

Keyla: O dinheiro estava entrando, então resolvi ter meu próprio espaço. O Gabriel também saiu de casa.

Gabriel: Consegui uma casinha na Serra da Cantareira, o Guto veio morar comigo. A gente estava ficando sério — mesmo que quase ninguém soubesse ainda…

Keyla:  Aluguei um apartamento na República e o MB passou a ir lá. A gente fumava um, passava o dia tocando instrumentos e outras coisas.

MB: Sair da casa da minha mãe? Pra que?

Eu ia na Keyla e passávamos o fim de semana doidaços, cheios da grana, tocando juntos, sem dizer para ninguém o que estava rolando entre nós. Era um segredinho nosso. 

As pessoas dizem que a vida segue em frente, mas esquecem de contar que às vezes o tempo congela só para você. Só para você e a sua garota. O mundo deixa de girar e vocês ficam lá, tranquilos. Pelo menos é essa a sensação.

Gustavo: Naqueles dias eu me desliguei de tudo, as únicas pessoas que me importavam eram a Camila e a Julia. Queria brincar com minha filha e fazer churrasco com minha mulher. Nada mais.

Em um desses finais de semana eu fiz uma música para ela. O nome era “Aurora”. Porque Camila… ela era minha aurora. Meu nascer do sol, minha alvorada, meu sol aparecendo no horizonte. Ela era tudo isso.

Era só uma melodia simples no piano àquela altura, mas a letra estava pronta. Então sentei ao piano e toquei para ela.

Camila: Na primeira vez em que ouvi, eu caí no choro. Enfim, você conhece a música. Teria sido impossível para mim não me emocionar com aquelas palavras. Ele já tinha feito outras músicas para mim, mas… aquela… Eu amei, e me senti amada ouvindo aquela letra. E era uma melodia bonita também. Eu teria adorado mesmo se não tivesse sido feita para mim. Era muito boa mesmo.

Gustavo:  Ela ficou toda chorosa, e depois disse: “Você precisa da Samantha nessa música. E sabe disso”.

E quer saber? Sabia mesmo.

Guto: Nós tínhamos uma reunião agendada na gravadora para dia 7 de janeiro. Seria a assinatura do contrato e o início da nova fase da banda.  Foi aí que o Gabriel teve uma ideia ‘brilhante’.

Gabriel: Estávamos curtindo aquele frio da Serra, enquanto folheando algumas revistas e a ideia simplesmente veio; Nós precisávamos ser capa da Bizz.

Guto: A Bizz nos odiava, ela simplesmente detestava a gente. De todos os veículos de imprensa aos quais tinham revés conosco, a Bizz era o pior.  E tudo por conta do nosso maior sucesso até então: os Compactos em inglês. Quando saiu eles nos taxaram como “o poli position dos poseurs tropicais”.

Lica: A maioria dos caras que escreviam para a Bizz tiveram sua formação musical do tropicalismo. Esse pessoal; Gil, Gal, Caetano, todos esses caras buscavam coisas verdadeiramente brasileiras porque era o que o país precisava e o que tinha. Eles tiveram de fazer seus próprios instrumentos, sabe?  Eram os tempos das trevas. E esses caras eram fodas.

Mas os anos 80 era outra coisa. Houve a abertura política que trouxe consigo a globalização da música. O BRock tinha influências gringas, o maior “pecado” de cena.

Gabriel: Então a ideia era pedir para a melhor jornalista — e nossa amiga — escrever uma matéria sobre nós. Mais especificamente sobre nosso novo álbum com a Samantha.

MB: O Guto e o Gabriel me contaram a ideia, achei ótima.

Guto: Era arriscado

MB: Batemos na casa da Lica.

Lica: Eles apareceram em trio, parecia uma gangue. Estava tranquila fumando um narguilé enquanto a Benê estava no Estadão. Ouvi a ideia de escrever sobre o próximo álbum. Alertei a eles: ”Tá, mas vocês tão ligados que não to escrevendo pra nenhum veiculo”.

Então o MB disse: “Eu sei Liquinha, você já aceitou sua profissão de herdeira profissional, mas a gente tem uma quente;  a Samantha vai entrar n’Os Lagostins em definitivo”.

Fiquei muito surpresa, o Gustavo aceitando ela entrar assim, de boa…

MB: O Gustavo não tinha problemas em dividir os holofotes com a Samanthinha, o problema era outra coisa.  Eu falei: “O cuzão do meu irmão ficou sem opção. E a gente vai ter uma reunião amanhã para formalizar tudo, então cê tá sabendo em primeira mão”.

Guto: A Lica gostou da ideia, até disse: “ Foi bola dentro, a Samantha é uma baita artista, vai fazer bem pra banda”.  A cara de pau, até outro dia dizia que a menina não cantava nada  e isso em revista de circulação nacional, para quem quiser ler.

Lica: Eu não menti, a Samantha tinha se mostrado uma artista de verdade, nada haver com o fato de eu tentar me aproximar dela.

Aí o MB veio me apertando as bochechas tirando com minha cara: “Ih, oh lá, toda gamadinha na Samanthinha.  Ainda trocando cartinhas com ela?”

O Gabriel ficou rindo de mim, era um fofoqueiro mesmo....

Guto: Ficou pra mim explicar onde a gente queria a matéria, que não podia sair em nenhum fanzine.

Disse: “A gente quer que você escreva para a Bizz, os bastidores do álbum, a composição das músicas. Tudo! A gente precisa ganhar a Bizz, temos potencial com a Samantha de ganhar o duplo de platina, mas para isso precisamos sair na revista”.

A Lica fez uma careta, me perguntou que horas eram e simplesmente saiu. Alegou ter uma ideia e que contava para nós depois.

MB: A Lica vazou e deixou a maconha toda pra gente.

Lica: Meu problema de voltar para a grande mídia era o Paulo Ricardo, mas a Bizz também não era fã dele. E eu tinha uma carta boa na manga.

O José Augusto Lemos, era um dos caras importantes na revista e ele tinha uma banda, o Chance e eu sabia onde eles iriam tocar naquela noite. Dava tempo de pegá-los antes da passagem de som.

Todos os jornalistas da Bizz tinham bandas e nenhum deles tocava um sambinha no meio das músicas, mas criticam quem era do mainstream justamente pela falta de ‘brasilidade’. Eram uns hipócritas.

MB: A Lica era uma enciclopédia do rock de sampa, uma vez ela me levou pra ver um grupo de rock progressivo já lendário, O Terço. Ela foi ríspida comigo e disse para eu aprender a tocar guitarra com o Sérgio Hinds!

Lica: Encontrei com o Zé, mas ele não tava querendo falar de trabalho, queria beber um pouco antes do restante da banda chegar.

Mas eu entrei no assunto: “Escuta, tenho uma quente, sabe Os Lagostins? Eles vão oficializar a Samantha Lambertini na banda. Essa é informação nova e de primeira. Eu consigo acompanhar todo o processo do novo disco. Posso fazer uma matéria que vai dar capa pra vocês”.

Os caras realmente odiavam Os Lagostins, o Zé até retrucou rindo: “Mas esses manés aí são chupa cu de gringo. É um desrespeito ao país”.

Essa galera era muito difícil, eles diziam que tudo era medíocre e que todos seriam cópias do estilo feito na Inglaterra. Legião Urbana era cópia do U2 e do The Smiths; Paralamas do Sucesso e Lulu Santos bebiam na fonte do The Police e etc.

O Zé estava irredutível, então tive de usar minha carta na manga.

Disse: “Mas eles terão a Samantha! Pensa no quanto ela vai vender… A maior vendagem da Bizz foi com Madonna na capa, foram 80 mil tiragens. E a Samantha é tipo a Rita Lee dessa geração, veja o quando Os Lagostins venderam porque ela estava lá cantando e estampando a capa do compacto.
            E outra, as revistas semanais bebem demais do sucesso dela. Se colocar a Samantha com o Gustavo vai atrair as meninas e são elas que fazem as vendas  crescerem…”.

Ele deu um longo gole na garrafa de cerveja e apontou pra mim dizendo: “É verdade que cê pichou a sede da Roll?” — Maldito Paulo Ricardo.

Tive de dizer que sim, então ele riu e completou: “Quero o lado podre desses caras, se me conseguir isso  vai ter capa. A gostosinha é uma máquina de dinheiro.”

Quis quebrar aquela garrafa na cabeça dele, mas era isso, eu estava na Bizz e ia escrever sobre a Samantha.

Ellen: Para assinar o novo contrato chamamos todos os envolvidos para um restaurante, comer uma pizza e falar das mudanças. Foram todos, os seis, eu , a Tina e o Anderson.

Em algum momento a Lica chegou também.  Aquilo só podia ser coisa da Tina.

Tina: Estavam todos conversando tranquilamente, o MB e o Gustavo brincando. Nem pareciam que queriam arrancar a cabeça de um ao outro no fim do ano. Eu me levantei e fiz um brinde para a banda

 Acho que eu disse: “Vocês seis estão destinados a crescer cada vez mais”, alguma coisa assim.

Samantha: Todo mundo aplaudiu, a Keyla me abraçou, e eu me senti muito bem recebida, de verdade. Então fiquei de pé enquanto todos conversavam, peguei meu vinho, levantei para fazer um brinde e disse: “Fico feliz por terem me convidado para me juntar a vocês nesse disco”.

Ninguém tinha me falado nada sobre como as coisas iam ser. Eu simplesmente quis saber se estava tudo em pratos limpos. E falei: “Estou entrando oficialmente na banda porque quero ser membro dessa equipe. Um membro importante. Espero que vocês considerem que esse álbum vai ser meu tanto quanto de qualquer um. Do MB ou do Guto, ou do Gabriel,  ou da Key…”.

Keyla: “Ou do Gustavo”, ela continuou. Olhei para ele, para sacar sua reação. Ele estava bebendo refrigerante numa caneca de cerveja.

Gustavo:  Eu pensei: Por que ela precisa começar a criar caso logo de cara?

Samantha: Eu disse: “Vocês me convidaram porque, quando trabalhamos juntos, somos melhores do que separados. Então quero dar minha contribuição para as músicas que vamos lançar. Quero compor esse álbum junto com você, Gustavo”.

O Anderson tinha me falado que eu poderia compor para o meu segundo disco, e senti que aquela era minha chance. Também queria que ficasse claro que eu estava atrás disso. Queria me revelar para o público, como tinha feito quando cantei “Meninos e Meninas” a cappella. Queria cantar músicas que viessem do meu coração para as pessoas que iam me ver.

Guto: O que a Samantha não queria era ver o Gustavo dando chilique toda vez que tentasse contribuir para o grupo. E já estava mostrando qual era a sua posição desde o começo. Provavelmente, era o que todo mundo deveria ter feito lá no início. Se a gente quisesse que nossa opinião fosse ouvida.

Gustavo: Eu falei: “Tudo bem, Samantha. Estamos juntos nessa”.

Lica: Eu estava ali só esperando minha vez e adorando aquela imposição da Samantha pra cima dos meninos.

Guto: Do jeito que o Gustavo falou deu a entender que ali tínhamos uma comunidade hippie, o que não era verdade. Ele era o líder da banda, era o vocalista, o compositor e não deixava margens para nós. Tinha um jeito de fazer as pessoas acharem que estavam loucas só de pensar que as coisas eram injustas dentro da banda quando, na verdade, eram totalmente injustas. Nem sequer percebia que todos giravam ao redor dele.

Tina: Como o Anderson dizia: “Os eleitos nunca percebem que são os eleitos. Pensam que todo mundo tem um tapete vermelho enrolado e prontinho para estender para eles”.

Keyla: Aproveitei a brecha da Sam e falei: “Já que é para pôr as cartas na mesa, vou assumir o controle total das minhas linhas de baixo daqui em diante”.

Guto: Eu disse: “Eu queria participar um pouco mais. Acho que posso ser mais aproveitada nos arranjos das músicas. De repente, pode ter uma música só com teclado e voz”.

MB: Eu queria determinar o que ia tocar. Pelo que todo mundo estava falando, então falei: “Vou compor meus próprios riffs de agora em diante”. E aproveitei para deixar uma coisa bem clara; nós éramos uma banda de rock.

Falei: “Nada contra as meninas e ao Guto querer mais teclado, só que nós somos uma banda de rock. Nada da gente virar um Kid Abelha da vida...”

Gustavo: Eu estava ouvindo desaforo a noite toda. E pensando: O que foi que eu fiz para esse pessoal além de trazer a banda até aqui?

Lica: Estava vendo o momento que o debate fosse virar confusão, mas o Anderson pediu calma ao Gustavo e eu fiquei quietinha comendo minha pizza.

Até que a Keyla aproveitou e quis saber o que eu fazia ali.

Samantha: Eu queria saber como seria creditado minha presença na banda, se seria definitivo ou se seria por um álbum. Não tínhamos pego os contratos ainda.

Tina: Nada estava muito às claras ainda, então o Anderson percebeu que a conversa estava caminhando para um clima de tensão. Tinha ficado em silêncio na maior parte da conversa, mas finalmente interferiu e disse: “ Agora vocês são seis, o nome vai ser Lagostins e a Six”. E ninguém ficou muito contente, mas também não teve ninguém que tenha ficado muito insatisfeito.

O Gabriel perguntou: “O que aconteceu com “os” do nosso nome?’.

Respondi: “Agora são duas mulheres na banda, é interessante tirar o artigo que indicaria um grupo composto por homens”.

Lica: Era necessário tirar o “Os”? Não. Mas entendi o que  a Tina quis fazer. Com os movimentos femininos retomando força no Brasil, foi mais uma bola dentro. “a Six” ganha destaque no título e em uma banda formada majoritariamente por homens, as mulheres se sobressaem.

Então ela continuou entregando os contratos: “Vocês tem o primeiro compromisso daqui dez dias no Mixto Quente, cantarão só uma música. Seria interessante outra do disco além de Honeycomb para mostrar o que podem fazer no novo LP e tem a Lica… Ela vai acompanhar o processo de gravação com vocês para a Bizz”.

Gabriel: Eu sabia que se a gente falasse com a Lica ela ia conseguir a Bizz pra nós.

Lica:  A mesa virou uma bagunça, todo mundo sabia o peso da Bizz. Quem ficou de cara amarrada foi a Samantha, a vi na cadeira mais a frente sibilando um ‘não’ pra mim, até levantei meu copo pra ela. Eu venci aquele joguinho

Samantha: A Lica tanto fez que realmente iria escrever sobre mim, pelo menos era o que ela achava. Em algum momento do jantar fui até ela, com ela se gabando falei: “Não ache que vai ter vida fácil comigo, quando falam que tenho fama de ser difícil é porque fiz por onde”.

Era divertido implicar com ela.

Keyla: Quando a gente foi embora naquela noite, eu pensei: Puta merda. A Sam tinha acabado de entrar na banda e na prática alterado a dinâmica do grupo de um jeito que ninguém havia feito antes.

Guto: Nós viramos uma democracia, em vez de uma autocracia. E a democracia é um ótimo conceito, mas bandas não são países.

 

*

Os Lagostins se apresentaram no programa Mixto Quente da Rede Globo no dia 19 de janeiro de 1986. O programa ao vivo na Praia da Macumba, no Rio de Janeiro. Com o palco em meio a areia foi realizada a primeira apresentação dos Lagostins e a Six cantando “Por que a gente é assim?”, a harmonia das vozes do Gustavo com a Samantha chamou atenção do público que começou a pedir pelo disco da nova formação.

A banda teria até o final de julho para o novo LP estar nas lojas.

           

 

MB: Keyla e eu saímos naquela manhã para ir até o estúdio no Jardins, iríamos compor todo o disco na casa da mãe da Tina e só iríamos para o estúdio da RCA para realmente gravar.

Enquanto a gente fechava a porta, eu falei: “Não dá mesmo para a gente ir no mesmo carro?”.

Ela disse que não queria que as pessoas pensassem que a gente estava dormindo junto.

Eu falei: “Mas a gente está”.

Mesmo assim, fomos em carros separados.

Keyla: Você tem ideia do quanto sua vida pode ficar complicada quando dorme com um cara da sua própria banda?

Guto:  Foi todo mundo chegando, inclusive a Lica, nossa sétima integrante… Ai a Samantha apareceu com uma blusinha fina e um shortinho minúsculo, que não cobriam quase nada. Tudo bem que fazia calor, mas...

Samantha: Eu sinto muito calor, sempre senti. Não vou ficar derretendo de suor só para não constranger os homens. Não é minha responsabilidade controlar o tesão de ninguém. É responsabilidade de cada um não ser um babaca.

Gustavo: Eu tinha composto umas dez ou doze músicas. Todas estavam muito boas. Mas não podia chegar lá dizendo que já tinha um álbum pronto, como fiz nas duas outras vezes. Não dava para fazer isso.

Lica: A Tina deixou a chave da casa com a gente e disse para usarmos com moderação. Não sei o que ela quis dizer com isso. Eu estava ali só para observar e anotar tudo que podia. Foi até engraçado, da verdade, ver o Gustavo fingir que estava interessado na opinião de alguém sobre o álbum.

Tina: Coitado do Gusta, dava para ver que estava se esforçando. Falando devagar, medindo as palavras.

Samantha: Eu estava lá sentada e mostrei meu caderno, dizendo: “Tenho um monte de coisa boa aqui para servir como ponto de partida”. Pensei que todo mundo fosse ler, e depois a gente podia discutir a respeito.

Gustavo: Estava escondendo o jogo sobre minhas doze músicas novas, para ninguém pensar que estava querendo controlar o processo, e a Samantha chega numa banda em que acabou de entrar esperando que todo mundo lesse um diário inteiro, cheio de anotações.

Samantha: Ele nem se deu ao trabalho de folhear.

Gustavo: Se o álbum ia ser composto por mim e pela Samantha, então precisava ser só nós dois. Não dá para seis pessoas mexerem nas letras. Alguém precisa assumir o comando e direcionar o processo.

Eu falei: “Então, eu compus uma música chamada ‘Aurora’. De tudo o que pensei para o novo disco, é a única em que boto fé de verdade. O resto pode ser repensado com a ajuda da banda. Samantha e eu vamos escrever as letras, e todo mundo vai participar dos arranjos. Quando a gente tiver músicas suficientes que agradem a todos, vamos escolher as melhores entre as melhores”.

Keyla: Pode parecer um comentário nostálgico, mas, quando o Gustavo tocou “Aurora”, ficou uma sensação de que um álbum inteiro podia ser criado em torno daquela faixa.

E Todo mundo concordou que “Aurora” era um ótimo ponto de partida

Gabriel: Interesse zero em compor. Deixassem os dois gênios trabalharem que a gente fazia os arranjos.

Guto: A postura do And foi decisiva nesse momento. Ele entregou para o Gustavo a chave da edícula da casa dele e falou: “Vocês podem ir lá para casa, se instalar na edícula e começar a escrever. O resto do pessoal vai ficar trabalhando na música nova”.

Lica: Eu fui acompanhar os compositores. Dava para ver a Samantha putassa que ninguém deu bola para o que ela já tinha e o Gustavo numa sinuca de bico; ou ele ficava e cuidava de uma única música, ou saia e criava todas as outras.

Samantha: O Gustavo foi na frente e quando abri a porta, ele já estava com o caderno prontinho para me mostrar. Não falou nem oi. Foi logo dizendo: “Toma aqui, lê o que eu escrevi”.

Gustavo: Eu abri o jogo e falei: “Tenho letras suficientes para um disco inteiro. Quer dar uma olhada para ver se podemos ajustar algumas coisas juntos? Para ver se tem umas aberturas para colocar coisas novas ou versos que você já escreveu?”.

Samantha: Não deveria ter ficado surpresa. As coisas nunca iam ser fáceis com ele, né? Acho que peguei um vinho que encontrei no balcão da cozinha, abri, me joguei no sofá e comecei a beber. Eu falei: “É ótimo que você já tenha escrito várias letras. Eu também fiz isso. Mas nós vamos compor as músicas desse disco juntos”.

Gustavo: A mulher já estava bebendo vinho antes mesmo da hora do almoço e ainda queria me dar sermão sobre como as coisas tinham que ser feitas. E nem tinha lido minhas letras ainda. Entreguei meus papéis para ela e falei: “Leia primeiro antes de me dizer que é melhor jogar tudo fora”.

Samantha: Eu disse: “Então, tá”. E empurrei meu caderno para ele. Dava para ver que ele não estava a fim de ler. Mas sabia que era obrigado a fazer isso.

Lica: O clima entre os dois era perfeito — pra mim né. O pessoal da Bizz queria brigas, rusgas e em menos de duas horas naquela casa já tinha material pra escrever. Mas aquilo ainda ficaria melhor.

Gustavo: Li as coisas dela e não achei ruins, mas na minha opinião não combinavam com a banda. Ela era cheia de metáforas bíblicas, algumas coisas pesadas. Então, quando pediu minha opinião, foi isso que eu disse. Eu falei: “A gente pode usar as minhas letras como base. E refinar as músicas juntos”.

A Samantha estava sentada no sofá com os pés na mesinha de centro, isso me irritou. E respondeu: “Eu não vou cantar um disco inteiro sobre a sua mulher”.

Samantha: Eu gostava muito da Camila. Mas “Señora” era sobre ela. “Honeycomb” era sobre ela. “Aurora” era sobre ela. Tédio total.

Gustavo: Eu falei: “Você também só tem um tema. Nós dois sabemos que todos os versos desse caderno são sobre a mesma coisa”. Aí ela se irritou. Ficou toda indignada, pôs as mãos na cintura e questionou: “Do que você está falando?”.

E eu respondi: “Todas as letras aqui têm a ver com esses comprimidos que você leva nos bolsos”.

Samantha: Ele tinha uma expressão pretensiosa estampada no rosto — como se soubesse mais que todo mundo. Juro que já tive até pesadelos com essa cara dele. Eu falei: “Você acha que tudo tem a ver com drogas só porque não pode usar”.

E ele respondeu: “Então continua tomando esses comprimidos e escrevendo músicas sobre isso. Vê até onde você consegue chegar assim”.

Joguei os papéis com as letras compostas por ele em cima dele.

Eu disse: “Desculpa aí se nem todo mundo pode ficar sóbrio e escrever letras tão tediosas quanto comprar papel de parede. Ah, olha aqui, uma música sobre o quanto eu amo a minha mulher. E mais outra! E mais outra!”.

Ele tentou me contestar, mas eu falei: “Todas essas letras são sobre a Camila. Você não pode continuar fazendo músicas para limpar a barra com a sua mulher e forçar uma banda inteira a tocar só isso”.

Gustavo: A coisa passou totalmente dos limites.

Lica: Aquilo era magnífico! Era puro rock n roll! Estava pensando em até fazer uma pipoca e abrir uma lata de cerveja para acompanhar a treta.

Samantha: Eu disse: “Que bom que você encontrou outra coisa para se viciar. Mas isso não é problema meu nem da banda, e ninguém quer ficar ouvindo isso”. Dava para ver na cara dele. O Gustavo sabia que eu tinha razão.

Gustavo: Ela ficou se achando um gênio por ter percebido que eu tinha substituído meus vícios. Como se eu já não soubesse que me agarrava à minha família para conseguir continuar sóbrio.

Eu falei: “Sabe qual é o seu problema? Você se acha uma poeta, mas não tem nada para dizer que não seja sobre ficar doidona”.

Lica: A Samantha detesta que a rotulem ou a limitem de certa forma. — aprendi isso com umas revistadas na cabeça. Então claro que aquilo a deixou irritada, ela era mais do que as merdas que tomava.

Aí ela simplesmente disse: “Eu não sou obrigada a ficar ouvindo esse tipo de merda”. E foi embora.

Samantha: Fui pegar meu carro pra cair fora — e estava ficando mais furiosa a cada passo que dava. Eu tinha um Escort XR3 conversível amarelo na época. Adorava aquele carro, mas acabei destruindo sem querer, deixando o câmbio desengatado numa vez que estacionei numa ladeira.

Enfim, naquele dia com o Gustavo, estava indo para meu Escort, já com a chave na mão, para ficar o mais longe possível, mas percebi que, se fizesse isso, ele ia escrever todas as letras do disco sozinho. Aí eu me virei de volta e falei:

“Ah, não vai, não, seu cretino”.

Gustavo: Eu fiquei bem surpreso por ela ter voltado.

Lica: Não, não foi surpresa nenhuma ela ter voltado. Música era a paixão da Samantha, onde ela colocava todo o seu trabalho de corpo e alma. Ela não deixaria o Gustavo fazer tudo sozinho.

Samantha: Voltei para a edícula, sentei no sofá e falei: “Não vou abrir mão da chance de fazer um disco legal só por sua causa. Então, vamos fazer o seguinte: você odiou minhas letras, eu odiei as suas. Por isso, vamos descartar tudo e começar do zero”.

Ele falou: “Eu não vou abrir mão de ‘Aurora’. Essa vai entrar no disco”.

Eu respondi: “Tudo bem”. Depois, peguei as folhas que tinha jogado no chão, sacudi na cara dele e disse: “Mas essa merda toda não”.

Gustavo: Foi aí que entendi, ela estava disposta a mergulhar naquele trabalho de cabeça, tanto quanto eu. Por mais que eu tentasse dificultar as coisas.

Então estendi a mão e disse: “Certo”. E a gente fechou o acordo com um aperto de mãos.

Samantha:  A Renata vivia dizendo que usar drogas envelhece as pessoas, mas, quando apertei a mão do Gustavo — vendo as rugas nos cantos dos olhos dele, a pele toda cheia de manchas —, percebi que ele parecia bem acabado. Eu pensei: Não são as drogas que envelhecem as pessoas, é largar tudo e ficar sóbrio.

Gustavo: Não foi nada fácil encarar a ideia de trabalhar com ela depois de a gente ter falado tudo aquilo um para o outro.

Samantha: Taquei uma almofada na Lica e falei para os dois que, antes de qualquer coisa, eu queria almoçar. Não dava para encarar a dor de cabeça que seria tentar escrever junto com ele sem um beirute primeiro. Então disse para a gente ir até o Favos

Gustavo: Peguei a chave da mão da Samantha quando ela ia entrar no carro e disse que ela não estava em condições de dirigir para lugar nenhum. Ela já tinha tomado uns bons goles a essa altura.

Falei para elas: “Vamos no Ponto Chic”.

E a Samantha respondeu pegando a chave de volta: “Eu vou comer no Favos. Você pode ir no Ponto Chic sozinho, se quiser”.

A Lica ainda completou: “Eu vou com ela”.

Não dava para acreditar no quanto ela era difícil e a Lica ainda apoiava. Tirei a chave do meu Monza do bolso e alertei: “A gente vai no Favos então, mas eu dirijo… Vocês duas são impossíveis”.

Lica: Enquanto estávamos a caminho do Favos, fui olhando minhas anotações e os dois nos bancos da frente brigando com o rádio. Um não queria uma música, outro não queria a outra. Eles precisavam ser sempre do contra.

Até que o Gustavo colocou a fita do Brisa pra tocar com Natasha, a Samantha começou a rir perguntando se gostávamos daquela música.

Samantha: Eu falei: “Vocês não sabem nada sobre essa música!”.

O Gustavo indagou: “Como assim?”. Ele sabia que era uma composição do Jhonny Silvestre, claro. Mas não conhecia o resto da história.

Eu disse: “Eu namorei o Jhonny Silvestre. Essa música é inteiramente minha, ele só colocou o ‘turu turu’”.

Lica: Fiquei chocada, a música era muito boa. Melhor que todas as outras composições do Brisa, precisamos pontuar. Então lembrei que na noite que conheci a Samantha era dia do show do Brisa.

Gustavo: Se eu escrevesse uma música tão boa assim e outra pessoa agisse como se tivesse feito tudo sozinha, ia ficar bem puto. Comecei a entender a Samantha melhor depois disso. E, para ser sincero, estava ficando cada vez mais difícil convencer a mim mesmo de que ela não tinha talento. Porque claramente tinha. Foi o momento em que caí na real. Quando aquela vozinha que fica no fundo da mente falou: Você está sendo um babaca.

Lica: Chegamos no Favos, o bar/restaurante tinha um balcão de fórmica, banquetas vermelhas e ladrilhos amarelos. Era o melhor lugar para comer beirute ou sanduíches de pão sírio, só perdia para o Bambi.

A Samantha fez o pedido para nós três...

Samantha: Só queria baixar um pouco a bola do Gustavo. Para ele se acostumar um pouco comigo tomando decisões.

Mas ele não deu o braço a torcer, claro, tanto que disse: “Eu ia pedir esse mesmo”.  Devo ter deslocado meu globo ocular de tanto que revirei os olhos.

Gustavo: Eu vi que a Lica ainda fazia anotações e decidi perguntar: “O que já tem da gente ai?”

Sem tirar os olhos do bloquinho ela me falou: “Que vocês dois tem cinco anos cada… Ôh, podem ler: ‘Gustavo e Samantha brigam como se tivessem cinco anos””.

Por mais incomodado que tivesse ficado, ela não mentiu. E ainda riu das nossas caras, A Samantha não se incomodou, aproveitou e pediu uma cerveja para ela.

Então decidi fazer um joguinho, já que tínhamos cinco anos...Falei pra Samantha: “Que tal eu te fazer uma pergunta, e aí você me faz uma pergunta? Ninguém pode fugir da resposta”.

Samantha: Eu disse que era um livro aberto.

Gustavo: Eu perguntei: “Quantos comprimidos você toma por dia?”.

Ela olhou ao redor e ficou remexendo o copo. Aí se virou para mim e disse: “Ninguém pode fugir da resposta?”.

E eu falei: “A gente precisa aprender a falar a verdade um para o outro, com toda a sinceridade. Caso contrário, como vamos conseguir escrever alguma coisa?”.

Samantha: Ele estava aberto à ideia de escrever comigo. Foi isso o que tirei daquilo tudo.

Gustavo: Eu fiz a pergunta de novo: “Quantos comprimidos você toma por dia?”.

Ela baixou os olhos, mas em seguida se virou para mim de novo e falou: “Sei lá”. Fiquei meio irritado, mas ela levantou as mãos e disse: “Não, é sério. A verdade é essa. Eu não sei. Não fico contando”.

Eu falei: “Você não acha que isso é um problema?”.

Ela disse: “Agora é a minha vez, né?”.

Samantha: Eu perguntei: “O que Camila tem de tão especial que você não consegue escrever sobre nada além dela?”.

Ele ficou em silêncio por um tempão.

Eu falei: “Ah, cara, você me obrigou a responder. Não pode pular fora”.

Ele disse: “Espera um pouco, beleza? Não estou pulando fora coisa nenhuma. Só tentando pensar numa resposta”.

Depois de um minuto ou dois, ele falou: “Acho que eu não sou a pessoa que Camila acredita que sou. Mas quero muito ser. E se eu ficar com ela, se me esforçar todos os dias para ser esse cara que ela vê, acho que tenho chance de chegar perto disso”.

Gustavo:  A Samantha me olhou e disse: “Ah, vai para a puta que pariu”.

E eu perguntei: “O que eu fiz para te irritar agora?”.

E ela disse: “Eu tenho a mesma quantidade de motivos para te detestar e para gostar de você. E isso é irritante”.

Samantha: Aí ele falou: “Minha vez”. E eu disse: “Vai em frente”.

Gustavo: “Quando você vai largar os comprimidos?”.

Samantha: Eu disse: “Porra, por que você está tão obcecado com esses comprimidos?”.

Lica: Eu sabia, o Gustavo sabia, todos da RCA e da Banda, enfim, o Brasil inteiro sabia que as drogas eram um problema pra Samantha. Um problema que ela não via e nem se quer se importava, aquela rotina; comprimidos, drogas, bebidas eram parte do que ela era. 

E por isso o Gustavo abriu o jogo, ele falou: “Meu pai era um trambiqueiro bêbado que abandonou a nossa família. E essa era uma coisa que jurei que nunca seria. Mas a primeira coisa que fiz depois que virei pai foi foder tudo com essas porcarias que você está usando — e éter também, confesso. Deixei minha filha na mão. Perdi até o parto. Me tornei exatamente o que sempre odiei. Se não fosse pela Camila, acho que ainda estaria nessa. Meus maiores pesadelos teriam virado realidade. Esse sou eu”.

Samantha: Eu entendi que estava pagando o preço pelas coisas de que ele não gostava nele mesmo.

Falei: “Às vezes parece que alguns de nós estão correndo atrás de nossos pesadelos da mesma forma que as outras pessoas correm atrás dos seus sonhos”.

Ele respondeu: “Está aí um bom tema para uma música”.

Gustavo: Não era um assunto superado. Meu vício. Eu tinha esperança de que fosse, mas seria sempre a cruz que carrego na lombar. Me virei para a Lica e perguntei o que ela achava.

Ela se inclinou na mesa e debochando disse: “Que vocês cresceram, tão bonitinhos, já sabem conversar...”

Nisso a Samantha deu um tapa na mesa e se levantou.

Samantha: Deixei o dinheiro dos lanches na mesa e levantei para ir embora. O Gustavo perguntou: “O que você está fazendo?”. E eu falei: “Nós vamos voltar para a casa da Tina. E escrever aquela música sobre os nossos pesadelos”.

Gustavo: Peguei a chave do carro e fui atrás dela.

Samantha: Enquanto estávamos no carro contei da ideia da música parecer um diálogo, uma conversa.  O Gustavo começou a batucar alguma coisa, dizendo que dava para fazer com uma pegada de jazz, mpb.. Algo assim.

Gustavo: Já estava pensando lá na frente, uma forma bem humorada de tratar o tema, mais colorida, com compassos em 4/5. propositalmente sendo irônico ao tema.

Samantha: Ele falou: “Você consegue pensar em alguma coisa a partir disso?”.

Eu respondi que conseguia trabalhar a partir de qualquer coisa. Então, quando a gente voltou para a edícula da Tina, comecei a anotar umas ideias. E ele também. Depois de meia hora, eu já tinha umas coisas para mostrar, mas ele precisava de mais tempo. Então fiquei por lá, esperando que ele terminasse.

Gustavo: Ela começou a andar de um lado para o outro, querendo me mostrar o que tinha escrito, além de ficar de papo com a Lica. No fim, acabei tendo que falar: “Ô caralho, por que vocês não saem um pouco daqui?”.

Precisava de silêncio. E eu… como já tinha sido bem grosseiro com ela antes, percebi que precisava explicar que era a mesma coisa que eu diria para o MB ou a Keyla, sabe? Aí falei: “Por favor, cai fora daqui um pouco. Vai comer alguma coisa”.

Ela respondeu: “Eu já comi um lanche hoje”. Foi quando descobri que a Samantha só fazia uma refeição por dia.

Lica: Nós fomos para fora. A casa era enorme com uma piscina bem na nossa frente. Então a Samantha resolveu entrar na casa, vasculhar as coisas e pegar um biquíni qualquer.  Só porque estava afim de nadar.

Samantha: Arrombei a fechadura da casa e peguei umas coisas da Tina, ou da irmã dela, não sei de quem eram ao certo. Só um maiô e uma toalha, para tomar um banho de piscina. Entrei na água para matar o tempo.

Lica: Fiquei sentada na beira da piscina fumando um cigarro enquanto ela boiava na água. Comecei a puxar um assunto qualquer. Escrever sobre a composição do disco, sobre a banda era legal. Mas eu queria era a história da Samantha

Falei brincando: “Invadir a casa dos outros é tipo um hobbie? Não vou te tirar da cadeia de novo”.

Ela abaixou os óculos e falou: “A Tina me deixou a chave, então tecnicamente não invadi coisa nenhuma”

Novamente instiguei: "Costumava fazer isso quando pequena? Entrar onde não podia?

Samantha: A Lica achava que eu falaria sobre minha vida assim, fácil daquele jeito. Já tinha respondido várias vezes que não, ela não escreveria sobre mim. Foca no álbum e me deixa.

Lica: Ela nadou até a ponta da piscina, no raso, e ficou me encarando pelas lentes escuras e braços cruzados na borda, disse: ”Não vou falar de mim. Eu sei o que você quer... aquilo que todos querem”.

Retruquei: “É tão difícil assim acreditar que quero realmente te conhecer?”

Ela veio até mim tirando o cigarro da minha mão e falou: “Ninguém quer me conhecer. As pessoas só querem me foder…” E naquela fração de segundos me encarando, tragou o cigarro e soltou ao lado, completando: “Nos dois sentidos.”.

Mantive meu auto controle — por mais difícil que fosse —  e peguei o cigarro de volta.

Samantha: Ela me falou: “Mas eu disse que iria escrever sobre você e realmente vou.”

E eu respondi: "Você vai escrever sobre o disco, não sobre mim”.

Então ela retrucou: “Na verdade, se você colocar a si naquele papel, será sobre você. Mas qual o mistério de falar sobre si afinal? Do que tem tanto medo?”.

Lica era extremamente insistente e tinha um bom ponto.

Lica: Ela voltou a nadar de costas, parecia devanear olhando o céu até que me respondeu: “Sabe... a Renata, a Tina, a Keyla até o Gustavo dizem que preciso ficar sóbria, mas quando o barato passa vem tudo de uma vez, como uma paulada. As pílulas são paz encapsuladas...”.

Era aquele momento de reflexão que queria instigar, tanto que respondi: “Talvez a paz que procure não venha das químicas que ingere. O que seria essa paulada que tenta encobrir?”.

Ela saiu da água e veio até mim: “Não, eu já disse não...Você só quer me foder... ainda é o inimigo, esqueceu?”

Seis meses trocando cartas e tendo tirado ela da prisão para ainda me chamar de inimiga? Conseguir a confiança dela tava difícil. Eu fui bem direta: "Você diz tanto que quero te foder, mas foi você que me beijou”.

Samantha: Eu não lembrava de ter beijado a Lica, Disse: “Se eu fiz mesmo, não lembro, mas para você lembrar é que deve ter sido bom e ainda quer mais... Agora te saquei Heloisa Gutierrez”.

Lica: A Samantha era… impossível. É essa a palavra, tanto que disse exatamente isso a ela E ela continuou rindo da minha cara falando: “Sempre dizem que sou impossível ou difícil. E sabe mais o que falam? Que tudo que se ouve sobre mim é verdade. Por tanto…”.

Acendi outro cigarro e disse bem calmamente sem cair na provocação: "Já tive uma banda e era bem ruim, mas escrevi uma música que é assim; ‘Não sei porque insiste em fugir, esse seu olhar meu mistério. Me diz quem está aí? Suas cores mudam hoje é inverno. Quem é você?’ Talvez ela seja sobre você, antes mesmo da gente se conhecer…”

Samantha: Era recorrente a forma que a Lica conseguia me desestabilizar. Talvez fosse a forma que ela me olhava, sempre direto. Dava aquele arrepiozinho. Ou talvez fosse somente o vento.

Falei da forma mais sincera que conseguia: ”Eu não estou fugindo, Só que você não vai querer me conhecer de verdade.  Sou um abismo Lica…”

Lica: “Então me deixa pular”.


Notas Finais


Notas de rodapé:

A primeira leva da Bizz era composta por jornalistas que tinham bandas e todos do underground. As gravadoras patrocinavam a revista com anúncios e etc, mas havia um senso de que quem escrevia teria liberdade para colocar o que pensasse. Mas essa tal liberdade era na critica acida aos artistas mais mainstream. Isso gerava briga, mas muita briga do tipo siarem na mão em festa com copos voando e etc. Mas toda essa treta fazia bem para a revista, imagina q hoje com a internet jornalistas x artistas brigam em redes sociais, naquela época era dando alfinetada através de outro veiculo. E sim quando as meninas decidiam comprar a revista a tiragem dobrava. A Bizz teve média de 60 mil exemplares por mês nos anos 80, com picos de 110 mil. Era muita coisa para algo de nicho.

O Mixto Quente era um programa de verão da Globo onde os artistas se apresentavam tocando uma ou duas músicas ao vivo no meio da praia do Pepino, em São Conrado e da Macumba. O nome faz alusão a palavra "misto" de mistura que referencia todas as bandas que passariam por ali sem um critério. Era rock, mpb, samba, tudo junto. O "x" faz referencia a forma do carioca de dizer "misto".

Ponto Chic é um restaurante famoso aqui em SP, criador do lanche Bauru. Curiosamente o Ponto Chic se tornou maior que seu lanche, já que é uma lanchonete ainda de pé há mais de 60 anos e se tornou uma referencia.
O Favos era famoso pelo Beirute, inclusive o Beirute é criação paulistana também, uma versão do Bauru com pão sírio criado no restaurante Bambi, onde o Favos replicou. Os dois fecharam suas portas e em meados de 2017 tentaram reabrir mas não foi para frente. Já o Beirute paulistano é vendido como 'comida árabe' no Habibs de todo país.

As mulheres perderam praticamente qualquer direito durante a ditadura, foi em 1985, que ocorreu a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), buscando políticas antidiscriminatórias contra a mulher e assegurá-las participação na cultura. que passaria a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, e passou a ter status ministerial como Secretaria de Política para as Mulheres.

A música que a Lica fala no fim é composição minha chamada Dias de Inverno que infelizmente nunca irão ouvir kkkkk
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Fim do capitulo de hoje, o que acharam?????
Nós vemos na próxima, até mais!


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