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História Lagostins e a Six - Limantha - A casa cheia, o coração vazio - part 2 (1986)


Escrita por: Opspam2

Notas do Autor


Acharam que eu não colocaria música do Fresnão como referencia? Há!

Hoje temos fortes emoções!
Já adianto pedido de desculpas por possíveis erros (eu faço tudo no trabalho, releva) e bora lá.

Lembrando que tem playlist com as músicas citadas, incluindo as desse capítulo.
https://open.spotify.com/playlist/2YIqFbqXaIVC63ZOG8O14Q?si=94ec5aa1dded4aab&nd=1

Crianças, não usem drogas, isso só é legal em historia

Capítulo 11 - A casa cheia, o coração vazio - part 2 (1986)


Fanfic / Fanfiction Lagostins e a Six - Limantha - A casa cheia, o coração vazio - part 2 (1986)

Gustavo: Depois de um bom tempo as duas voltaram para a edícula, a Samantha estava com os cabelos molhados e então me contou o que tinha feito, e eu disse: “Isso é esquisito, você pegar o maiô dos outros desse jeito”. E ela simplesmente deu de ombros.

Ela falou: “Você queria que eu fizesse o quê, nadasse pelada?”.

Samantha: Peguei os papéis dele e entreguei os meus.

Gustavo: Ela criou toda uma imagem flutuante de insanidade, com hospitais e escuridão.

Samantha: Em termos de estrutura das estrofes, ele tinha se saído melhor que eu. Mas não tinha um refrão legal, e eu achava que tinha feito um. Mostrei a parte da minha letra de que mais tinha gostado e cantei na melodia que ele me passou.

Dava para ver na cara dele que eu estava agradando.

Gustavo: Nós trabalhamos bastante nessa música. Foram horas de conversa, elaborando a melodia na guitarra.

Samantha: Pouca coisa dos primeiros versos ficaram na versão final.

Gustavo: Mas quando nós cantamos — quando trabalhamos a letra de novo e definimos quem ia cantar qual parte, refinamos a melodia dos vocais e acertamos as passagens entre as colaborações de um e do outro —, começamos a tocar juntos para fazer os ajustes finos. E quer saber? Dava para ver que ia ser uma musiquinha bem legal.

Lica: Enquanto eles compunham a letra dava para notar o que um completava no outro. O tema pesadelos foi perfeito, já que a sobriedade era o da Samantha e o vício era o do Gustavo. Isso se refletiu na música que chamaram de “Gravidade”. A criação do último refrão é simplesmente genial.

Samantha: O Anderson apareceu na porta e falou: “Que diabos vocês estão fazendo aqui ainda? Já é quase meia-noite”.

Gustavo: Eu não sabia que já era tão tarde.

Samantha: O And falou: “E você ainda invadiu minha casa e usou o maiô da Tina?”.

Eu falei: “Foi”.

Ele respondeu: “Seria maneiro se não fizesse isso de novo, a Tina já já tá aí e não vai curtir isso”.

Gustavo: Eu já estava me preparando para ir embora, mas aí pensei: Quer saber, vamos mostrar para o Anderson o que nós fizemos. Então pedi para ele sentar no sofá, e nós dois nos acomodamos na frente dele.

Eu falei: “Ainda não é a versão final”, e “A gente acabou de terminar”. Essas coisas.

Lica: A música era boa, mas existia um acordo silencioso para não tocar na questão de que Gustavo precisava da aprovação do Anderson assim como um filho precisa da bênção do pai.

Gustavo: Nós tocamos e, quando terminamos, ele perguntou: “É isso que vocês podem fazer quando trabalham juntos?”.

A gente se olhou, e eu respondi: “É”.

E ele disse: “Bom, então eu sou um gênio”. Ele começou a rir, todo orgulhoso de si mesmo.

Lica: Logo mais a Tina chegou e começou a expulsar a gente dali. Eu resolvi ficar um pouco mais com o casal.

Quando nós três nos sentamos no sofá da edícula, ela me perguntou: “O que achou dos dois juntos?”

Acendi meu cigarro e disse: “Se fizerem mais umas 10 no mesmo nível, vocês vão vender um bilhão. É muito potencial junto, a banda é boa e esses dois… Se não se matarem...”

Tina: “Ou transarem.” soltou o And, a Lica até engasgou com a fumaça do próprio cigarro, nisso eu bati nas costas dela alertando:” Eu vi como ficou olhando pra menina e o Gabriel me contou das cartinhas. Olha aqui Lica, eu te proíbo! Fica longe da Samantha”

 O Anderson entrou na onda dizendo: “Juntar a Lica com a Samantha é igual juntar fogo com querosene, não dá não”.

Lica: Os dois começaram a implicar comigo de todas as formas possíveis e o assunto, que era sobre a banda, se tornou sobre mim e meu pseudo caso com a Samantha. Que não existia, eu a via como uma boa história a ser contada. E só.

. Acabei saindo dali por volta das duas da manhã. Enquanto chamava um taxi, me ocorreu uma ideia muito boa.

Samantha: Já estava pronta para dormir quando achei uma das folhas do Gustavo no meio do meu caderno, era mais uma letra melosa sobra a Camila, mas eu continuei lendo e foi surgindo umas ideias. Dava para subverter aquele açúcar todo sobre flores.

Cheirei um pouco só para expandir a mente e então a campainha tocou.

Lica: Ela estava com uma camisola rosa, bem clarinho, que não era muito diferente de alguns vestidos aos quais aparecia nas capas das revistas.

Eu disse: “Vamos pular”.

A Samantha entendeu tudo errado, disse: “Cheirar? Eu devo ter alguns papelotes lá dentro”.

Então eu repeti: “Nada de cheirar, eu disse pular. Vem!”

Tinha deixado o taxista esperando, puxei ela pela mão e fomos até o viaduto da Sumaré. Era um pouco longe, mas como estávamos no meio da madrugada, chegamos rapidinho.

Samantha: Quando a Lica disse “pular” eu não fazia ideia de que era literalmente pular de cabeça, no meio de um viaduto.

Lica: A primeira reação possível para quem passa no meio da noite ou na madrugada pelas avenidas Paulo VI ou Doutor Arnaldo, na altura do Viaduto Sumaré e vê uma galera se jogando da ponte praticando rapel, slackline ou bungee jumping por ali pensa: “Meu Deus, o que esses loucos estão fazendo?”.

Era exatamente o que continuava a me perguntar enquanto a gente vestia o equipamento para se jogar. Já tive algumas ideias estúpidas, mas essa superou todas. Como a Samantha dizia: "Todo mundo tem ideia estúpida quando está chapado".

Samantha: Eu não sabia se era cocaína ou se era adrenalina, ou ainda os dois juntos. Mas meu coração estava tão acelerado que batia mais que o Gabriel na bateria. A Lica estava do meu lado, um pouco mais distante e gritou: “Você confia em mim?”.

Disse a ela que eu era um abismo e do nada estávamos ali, prestes a pular. Aquilo significava algo. Olhei para baixo e vi que os quarenta metros que me separavam do chão pareciam a diferença entre a vida e a morte.

Gritei de volta: “Confio!”.

Lica: Ela disse “confio” e isso bastou. Apenas abri os braços e deixei o corpo cair para frente: o resto foi com a força da gravidade.

Foram rápidos segundos de queda livre, corpo e mente encharcados de adrenalina, sensações que iam do pânico ao êxtase.

Samantha: Foi como uma explosão, eu só queria gritar.

Lica: Eu queria vomitar.

Samantha: Estava tão mexida com tudo aquilo que não conseguia me conter. Quando voltamos pra minha casa eu disse a Lica: "Garota, você é louca mesmo. E olha que de loucura eu entendo".

 

Lica: Misturar bebidas e drogas com uma experiência de quase morrer por uma garota, é… eu diria que era bem louco. 

Mas ela parecia tão feliz.

Eu disse: "A vida sem loucura é bem caretinha e acho que sou muito mais corajosa do que pensava".

Ela me encarou em silêncio, por alguns segundos como se segurasse a risada me falou: "Pensei sobre o que conversamos, e tudo bem Lica. Você quer me conhecer então serei um livro aberto, te contarei tudo.  Eu não sei aonde isso vai dar, mas eu não ligo também".

Samantha:  Eu já estava entrando quando resolvi voltar.

Lica: Estava voltando para o carro quando ela voltou, me puxou e então simplesmente me beijou.

Samantha: Foi um selinho… e eu disse:  "Esse não vou esquecer".

E nunca esqueci.

*

MB: Enquanto o Gustavo escrevia as letras com a Samantha, foi a primeira vez que o resto da banda pôde compor do jeito que queria.

Guto: “Aurora” era uma música muito boa, com uma ótima estrutura básica, e foi bem divertido desenvolver a melodia a partir disso. O Gustavo tinha uma tendência a querer um trabalho mais espartano no teclado.

Mas eu queria criar uma atmosfera mais complexa, elaborada. Então, quando começamos a trabalhar em “Aurora”, inseri uns sustenidos e umas quintas. Dei uma quebrada nos acordes melódicos para manter o dinamismo. Mas isso interferia bastante nas notas do baixo. Mudava de staccato para legato.

Como a parte do teclado tinha sido alterada, a Keyla teve que adaptar o trabalho no baixo. É o baixo que faz a gente bater o pé no ritmo, e a guitarra base é o que conduz a melodia.

MB: Eu queria fazer uma coisa mais rápida, com um pouco mais de gás. Estava ouvindo muito Ramones. Queria algo assim. Achava que o Gabriel precisava bater mais forte na bateria, para criar um diálogo de verdade com o baixo. Além disso, tive uma ideia de uma batida para a introdução.

O que a gente fez tinha ficado muito bom.

Gabriel: Quando o Gustavo apareceu no estúdio um dia, disse que queria ouvir o que a gente tinha feito até então com “Aurora”.

MB: Nós tocamos para ele. Tipo, ainda não tinha rolado nada no estúdio. O arranjo não estava gravado. Mas a gente se juntou e tocou para ele.

Gustavo: Eu jamais teria criado o que eles criaram, em hipótese alguma. Não consegui esconder minha reação enquanto ouvia. Estava estranho, desconfortável, tudo errado. Como usar um sapato que não era seu.

Tudo dentro de mim dizia: Isso não sou eu. Não está certo. Preciso consertar essa coisa agora mesmo.

Lica: Cheguei por lá o som já estava rolando. Eles, a banda, estavam curtindo o som e o Gustavo… Estava na cara que ele tinha detestado, era como se houvesse balões de legenda em cima da cabeça dele.

Keyla: Ah, ele detestou (risos). Sem dúvida nenhuma.

Ellen: O clima da casa era muito bom, tanto a banda como os dois compositores, qualquer faísca poderia ruir tudo. Então And puxou o Gustavo de lado e saiu para dar uma volta de carro com ele.

Gustavo: O Anderson me fez entrar no carro dele, e a gente saiu para almoçar, talvez jantar. E eu estava perdido nos meus pensamentos, a cabeça ficava ouvindo sem parar a minha música ser estragada.

Comecei a falar assim que a gente sentou, mas o And levantou a mão para me impedir. Fez questão de pedir a comida primeiro. Pediu praticamente todas as coisas fritas do cardápio. Se fosse empanado, ele comia qualquer coisa.

Quando a garçonete se afastou, ele disse: “Certo, vai em frente”.

Eu falei: “Você acha que ficou bom?”.

E ele respondeu: “Achei, sim”.

Eu perguntei: “Não acha que deveria ser um pouco menos… exagerado?”.

E o Anderson falou: “Eles são músicos talentosos. Assim como você. E podem mostrar coisas que você não consegue ver nas suas composições. Deixe que eles façam os arranjos de todas as músicas. Depois eu e você entramos em cena, cortamos os exageros e amenizamos um pouco a coisa. Se for preciso mandar todo mundo voltar e regravar os instrumentais, podemos fazer isso. Podemos mudar faixa por faixa, pedacinho por pedacinho, se for necessário. Mas, em termos da estrutura da música, sim, eu acho que eles fizeram um ótimo trabalho”.

Eu pensei a respeito. E senti um aperto no peito. Mas falei: “Certo. Eu confio em você”.

E ele falou: “Que bom. Mas pode confiar neles também”.

Ellen: Quando eles voltaram, o Gustavo, veio com umas modificações bem simples. E todas muito boas.

Guto: O Gustavo pediu para a Keyla mudar um oitavo e que eu acompanhasse, mudando um compasso ou outro. Mas, em geral, me apoiou.

Gabriel: A primeira versão dessa música é uma coisa que jamais teria existido se a gente fizesse do jeito do Gustavo. Com todo mundo se envolvendo na composição.

A banda estava evoluindo.

Gustavo: Decidi que, em todas as músicas do disco, só ia opinar quando fosse realmente necessário. Porque eu participaria da mixagem e então um refinamento de verdade poderia ser feito.

Samantha: Fui até o estúdio para ouvir a banda tocar “Aurora” pela primeira vez e fiquei boquiaberta. Animadíssima. Nós brincamos um pouco com os vocais e encontramos um equilíbrio bem bacana.

Ellen: Decidiram mudar os planos, montamos o estúdio dentro da casa e refizemos o posicionamento de tudo várias vezes para deixar redondo. Keyla e MB de um lado, Guto e Gabriel mais atrás, com o Gustavo e a Samantha nas cabines com isolamento acústico, mas de um jeito que podiam ver todo mundo.

Sentei do lado do meu irmão na mesa de controle. Quando todo mundo estava posicionado, eu falei: “Muito bem. ‘Aurora’, tomada um. Alguém faça a contagem”.

Lica: Vê-los todos juntos como banda era como lapidar uma pedra preciosa. E a Samantha, ela flutuava na cabine.

Samantha: Tocamos a música toda até o fim. Todo mundo junto. Um monte de vezes. Como uma banda. Uma banda de verdade.

Olhei para a Lica e ela me fez um sinal de positivo e eu pensei: Está acontecendo de verdade. Eu estava na banda. Fazia parte daquilo. Nós seis, fazendo um som.

Gustavo: Enquanto a Samantha e eu cantávamos, eu precisava fazer algumas tomadas para aquecer, mas ela acertava logo de cara. Ela era mesmo… Tinha um talento natural. Se você quiser confrontar alguém como a Samantha, vai ter motivo de sobra para se irritar. Mas se ela estiver do seu lado… uau. Era uma potência.

Ellen: Eu ainda estava entendendo como ia ser o som daquele disco. As primeiras tomadas ainda não tinham muita amplitude, e era nisso que eu estava concentrado. No início do trabalho de gravação de um álbum, com pessoas e sons diferentes, num estúdio novo e tudo mais… é preciso ajustar os comandos, equalizar os microfones.  Uma coisa eu sabia, teria distorções, esse seria um dos nossos diferenciais e honestamente era obcecada por esse tipo de coisa. Enquanto o som não saísse tudo certinho, eu não queria saber de mais nada.

Mas, mesmo sabendo que eu era assim, olhando para trás, não consigo acreditar que nem cheguei a desconfiar. A gente estava fazendo um disco que seria um sucesso monstruoso. E eu não fazia a menor ideia.

Samantha: Eu sabia que a gente ia estourar. De verdade, acho que já sabia desde o começo.

Gustavo: Voltamos para a edícula da Tina e então a Samantha me mostrou “Pétalas”, que eu tinha escrito durante o verão. Era uma letra simples e direta. Mas quando ela me devolveu, tinha anotações à caneta na folha inteira, e mal dava para ler. Estava praticamente ilegível. Peguei o papel na mão e perguntei: “O que você fez com a minha música?”.

Samantha: Eu falei que, na verdade, a música era legal. E completei: “Só precisava de um clima mais sombrio, sabe?”.

Gustavo: Eu respondi: “Entendo o que você está me dizendo, mas não consigo ler o que está escrito aqui”. Ela se irritou e arrancou o papel da minha mão.

Samantha: Eu ia ter que ler em voz alta para ele. Comecei a ler a primeira estrofe, mas aí percebi que era perda de tempo. Eu pedi: “Toca a música da maneira como você compôs”.

Gustavo: Peguei a guitarra e comecei a cantar a letra como tinha escrito.

Samantha: Eu interrompi quando peguei a melodia.

Gustavo: Ela pôs a mão no braço da guitarra para me interromper. E falou: “Já entendi como é. Começa de novo e me escuta”.

Samantha: Eu cantei a música para ele, dessa vez com as minhas alterações.

Lica: Existe outra pessoa que conseguiria escrever e cantar sobre flores como ela? Daquele jeito, com aquela metáfora? Impossível.

Gustavo: De uma música sobre boas lembranças passou a ser sobre as coisas que são esquecidas, sobre morte. Fui obrigado a admitir que ficou mais complexa. Dava muita abertura para interpretações.

Era melhor do que aquilo que consegui colocar no papel, para ser bem sincero.

Samantha: Quando terminei o Gustavo ficou todo empolgado e me perguntou como consegui escrever sobre aquilo. Ter feito bungee jump foi como destravar várias partes do cérebro. 

Eu disse: “Agradeça a Lica, ela acabou me dando a ideia”.

Lica:  Ela olhou para mim, a gente sorriu, O Gustavo pegou o papel da mão da Samantha e brincou comigo: “Achei que estivesse aqui só para observar, mas seja lá o que fez, foi muito bom”.

Ele pegou uma caneta e começou a reordenar algumas coisas.

Gustavo: Tocamos para o pessoal lá no estúdio. Só ela e eu, com o acompanhamento da guitarra, na sala de descanso onde ficavam os sofás.

MB: Eu disse para o meu irmão: “Ficou bom, já vou começar a trabalhar na minha parte”.

E ele falou: “Bom, sua parte já está feita. É só gravar a guitarra do jeito como eu toquei”.

Eu disse: “Eu vou elaborar um pouco mais”.

Ele respondeu: “Não tem nada o que elaborar. Samantha e eu já trabalhamos um tempão nessa música. Estou dizendo, é só tocar como eu toquei”.

Eu falei: “Não quero tocar como você tocou”.

Aí ele me deu um tapinha nas costas e falou: “Está tudo certo. É só tocar como eu toquei”.

Gustavo: A guitarra da música já estava pronta. Mas eu falei: “Beleza, cara. Vai lá e vê o que você faz”. Quando a gente gravou, foi exatamente do jeito como eu tinha tocado pela primeira vez.

É frustrante você saber como a coisa deve ser feita, mas precisar fingir que outra pessoa teve uma ideia boa, mesmo sabendo que no fim o seu ponto de vista vai prevalecer.

Gabriel: Enquanto a gente trabalhava naquela música, “Flores”, a Samantha chegou até mim e sugeriu que eu fizesse uma paradinha na bateria entre a primeira parte e a segunda, e eu pensei um pouco e falei: “É, gostei da ideia”.

Eu adorava trabalhar com a Sam nesse sentido. Acho que nós éramos as duas únicas pessoas da banda que conseguiam deixar o ego de lado na hora de conversar um com o outro.

Uma vez falei pra ela cantar “Gravidade” como se estivesse numa roda de samba de em um churrasco, ela respondeu: “Isso é bem legal. Acho que já sei o que fazer”. Simples assim.

Samantha: No fim daquele dia, antes de ir para casa, o Gustavo falou: “Obrigado pelo que você fez com essa música”.

E eu falei alguma coisa do tipo: “Claro, imagina”.

Mas aí ele deteve o passo e pôs a mão no meu braço. Fez questão de dizer: “É sério. A música ficou melhor por sua causa”.

E eu… Isso foi muito importante para mim. Muito mesmo. Talvez até demais.

Gustavo: Eu estava começando a entender, como o Anderson vinha insistindo tanto, que às vezes é possível criar coisas mais complexas em termos artísticos quando se tem mais gente envolvida. Isso nem sempre é verdade. Mas no meu caso com a Samantha… era verdade.

Trabalhar com ela era muito bom, principalmente quando estava ligeiramente sóbria. Suas unhas sempre tinham o esmalte descascado e no dia seguinte ela aparecia com outra cor. Preto, vermelho, verde. Ela estava tentando se controlar.

Saí da edícula naquela noite e fui correndo para casa, porque era tarde, e eu estava com peso na consciência, de novo. Quando entrei, a Camila estava sentada vendo TV com a Julia dormindo ao seu lado.

Ela virou para mim. Comecei a pedir desculpas, e ela perguntou: “Você está sóbrio, né?”.

E eu respondi: “Sim, claro. Estou. É que eu estava compondo uma música nova e perdi a noção do tempo”.

Ela disse: “Então me conta tudo, quero saber como foi”.

Durante semanas, a Samantha e eu trabalhamos na composição das músicas, até a hora em que estivesse tudo pronto. Nós ficávamos trabalhando o tempo que fosse necessário. E todas as noites, quando chegava em casa, Camila estava naquele sofá. Aí ela levantava, eu sentava, e ela vinha sentar no meu colo. Ela deitava a cabeça no meu peito e perguntava: “Como foi seu dia?”.

E quer saber… aplauso nenhum e capa de revista nenhuma eram capazes de fazer com que eu me sentisse mais importante do que quando estava com a Camila.

Lica: As noites nunca tinham fim para a Samantha, nunca! Ela só dormia quando estava mesmo esgotada, ou quando usava os comprimidos certos para dormir. Gostava de passar o tempo com ela e passamos todos os dias e noites juntas. Todas as baladas, todas as festas e todas as histórias, quanto mais sabia sobre ela, mas me fascinava.

O quarto dela era repleto de pilhas e pilhas de livros, rabiscados e marcados. Tinha um closet mais caro que o da minha mãe. E, claro, as drogas. Muitas drogas.  Há várias maneiras de interpretar aqueles dias.

A vida dela era como se fosse um set de filmagens e ao apagar das luzes todos iam para casa, mas ela não, a Samantha continuava vivendo aquilo. Eu só não conseguia ver isso, pois estava com ela mesmo quando as luzes se apagavam.

Tina: A banda estava gravando “Tigresa”. Eles estavam trabalhando desde cedo, e na parte da tarde não iam mais precisar da Samantha, então ela foi para casa.

A Lica ficou com a gente para acompanhar alguns detalhes, junto com o Gustavo e a Keyla.

Samantha: Decidi convidar um pessoal para ir até em casa. Umas amigas atrizes e uns caras do Rose. A gente ia ficar um pouco na piscina, nada demais.

Tina: Eu tinha pedido para a Samantha voltar mais tarde. A gente ia gravar os vocais dela e do Gustavo naquela noite. Eu deveria ter feito melhor o meu trabalho e deixado mais claro para os músicos quando eles estavam trabalhando e quando não estavam. A gente não estabelecia horários, na verdade. Cada um meio que fazia o que queria.

Mas ela precisava voltar às nove.

Gustavo: A Keyla e eu estávamos trabalhando nuns fraseados de guitarra, umas ideias de baixo. Tocando e repassando algumas coisas para ver do que a gente gostava mais.

Samantha: A noite foi passando, e por algum motivo Roberto Bataglin apareceu. A gente se conheceu no Hippo lá no Rio quando gravava Partido Alto, ele era o galã da época, sempre tinha um monte de meninas ao redor dele.

Com ele por perto, era bem fácil uma festa sair do controle.

Tina:  O Gustavo e a Keyla terminaram o que estavam fazendo, e a Keyla foi embora lá pelas oito. Então, a Lica, o Gustavo e eu resolvemos sair para jantar. Voltamos logo depois das nove, e a Samantha não estava lá.

Samantha: Quando fui ver, o lugar estava lotado. o Roberto tinha convidado praticamente todo mundo que conhecia. Brotaram garrafas e garrafas de bebidas.

Eu perdi a noção da hora. Esqueci o que tinha que fazer. Estava muito louca de sei lá o quê. Lembro de ter bebido champanhe e cheirado. Estava rolando meio que uma festinha particular. Essas festas são as melhores. Champanhe, pó, biquínis, piscina e ninguém se dando conta de que as drogas estavam acabando com a gente e que o sexo também ia cobrar seu preço.

Gustavo: A gente esperou uma hora sem maiores preocupações. Porque, sabe como é, Samantha aparecer na hora certa é uma coisa que só acontece se for por acaso.

Guto: A Samantha tinha me chamado para passar mais tarde na casa dela, iria chamar umas amigas pra beber. Ela queria fofocar e eu realmente queria contar pra ela sobre meu namoro com o Gabriel, longe da banda seria uma boa oportunidade. Cheguei lá umas dez horas. E o lugar estava lotado. Roberto Bataglin estava lá, beijando umas garotas que não deviam ter mais de dezesseis anos.  E a Samantha estava deitada numa cadeira de piscina com um biquíni branco, usando óculos escuros como se estivesse tomando sol, apesar de já ser noite.

Samantha: Acho que uns 90% daquela noite é um completo breu pra mim.

Lica: Eu virei pra Tina e falei:” Ela não é disso, não com a música”. Então a Tina se levantou pegando as chaves do seu carro e falando: “Ela é minha responsabilidade".

Guto: Eu tentei. Falei: “Sam, chega por hoje”. Mas ao que parece ela nem me ouviu. Sentou na cadeira, olhou para mim e falou: “Eu já mostrei a túnica que o pessoal da Thea Porter me mandou?”.

E eu respondi: “Não”.

Ela levantou e foi correndo para dentro, que estava cheio de gente fazendo só Deus sabe o quê. Ninguém deu a menor bola para ela. Entramos no quarto e tinha dois caras se beijando na cama. Era como se a casa não fosse dela. Ela passou por eles, abriu a porta do closet e pegou o vestido, a túnica. Tinha tons de dourado, rosa, verde-petróleo e cinza. Era lindo. De cortar o coração de tão lindo. De veludo com bordados, chiffon e seda.

Eu falei: “É deslumbrante”.

Aí ela tirou o biquíni na frente de todo mundo, virei de costas, tentei me esconder, mas todos ali estavam assistindo a ela.

E eu perguntei: “O que você está fazendo?”.

Ela pôs a roupa, deu uma voltinha e falou: “Fico me sentindo incrível com ele. Como se fosse uma ninfa do mar”.

E depois… Não sei nem como falar. Num instante ela estava lá e, no minuto seguinte, tinha passado por mim e voltado correndo para a piscina e entrado na água, um passo de cada vez, vestindo aquela túnica maravilhosa. Me deu vontade de matar a Samantha. Aquele vestido era uma obra de arte.

Quando cheguei, ela estava boiando sozinha na piscina, com um monte de gente olhando. Não sei quem tirou a foto. Mas é minha foto favorita dela, eu acho. É simplesmente a cara dela. Estava de noite, mas a piscina era iluminada, então o corpo dela e a túnica aparecem em destaque. E tem também o olhar no rosto dela, sorrindo para a câmera. Fico encantado toda vez que vejo.

Gustavo: A Samantha adorava esse trabalho de gravar um álbum. Eu sabia disso. Estava vendo. Ela só perderia a oportunidade de gravar uma música sua se estivesse drogada a ponto de perder a noção do tempo e do espaço.

É difícil se preocupar com uma pessoa que não se preocupa consigo mesma. E eu posso falar isso a partir dos dois pontos de vista.

Lica: A Tina acelerava o carro correndo na direção da casa da Samantha, precisei até me segurar nos ganchos da porta.

Chegamos lá e começamos a procurar, a casa estava revirada, lotada de gente e começamos a perguntar onde ela estava. No fim, alguém falou para a gente ir procurar na piscina.

E, quando a gente chegou lá, Samantha estava sentada num trampolim com um vestido rosa, toda ensopada. O cabelo estava jogado para trás, e o vestido todo colado no corpo.

A Tina correu até lá, falando não sei o quê, mas, assim que bateu os olhos nela, deu para ver que ela caiu em si. Só lembrou de onde deveria estar quando ela apareceu. Era exatamente o que a gente pensava. Ela estava completamente fora de si.

Gustavo: A única coisa que vinha na frente da música para ela eram as drogas. Enquanto as duas conversavam, a Tina apontou para mim, e quando os olhos da Samantha se voltaram para mim… ela pareceu triste. Por me ver lá. Olhando para ela naquele estado.

Tinha um cara do meu lado que parecia ser um velhote, mas provavelmente tinha uns quarenta anos. Dava para sentir o cheiro do uísque no copo dele, aquele aroma amadeirado e antisséptico. Para mim o gatilho sempre foi o cheiro. De tequila, de cerveja. Até de cocaína. O cheiro de qualquer coisa. Isso me trazia de volta a sensação de que a noite estava começando e que ia ser boa. No começo era tão bom.

E então ouvi a voz de novo, dizendo que eu não ia conseguir continuar sóbrio pelo resto da vida. De que adianta parar de beber se eu sei que não dá para ficar assim para sempre? Se eu sei que algum dia tudo vai por água abaixo? Por que não me jogar logo de uma vez? Desistir de mim mesmo? Poupar a Camila e a Julia da decepção no futuro e admitir quem eu realmente sou.

Olhei para Samantha, que estava descendo do trampolim. O copo que estava na mão dela caiu do lado da piscina. Vi quando ela pisou no vidro quebrado, sem nem perceber que estava machucando os pés.

Guto: Os pés da Samantha começaram a sangrar.

Lica: Tinha sangue misturado com água da piscina no chão. E a Samantha nem percebeu. Eu queria pegar ela no colo e tirar daquele lugar a força, mas ela continuou andando e conversando.

Samantha: Eu não senti os cortes no pé. Não estava em condições de sentir muita coisa, acho.

Tina: Nesse momento, eu pensei: Essa menina vai sangrar até a morte usando esse vestido lindo.

Me senti… perdida, triste, deprimida, abalada. Me senti sem esperança, mas não podia me dar ao luxo de desistir. Eu precisava lutar por ela — e contra ela. Aquela garota não tinha ninguém.

Gustavo: Eu não podia ficar lá. Porque, quando olhei para a Samantha, toda molhada, sangrando e se mantendo de pé sei lá como, eu não pensei: Graças a Deus que parei com isso.

Eu pensei: Essa aí sabe se divertir.

Lica: Quando estava indo pegar uma toalha para a Samantha se secar, vi que o Gustavo virou as costas e foi embora. A gente tinha ido até lá no mesmo carro, então não entendi direito o que ele estava fazendo. Tentei chamar a atenção dele, mas ele só me viu no último instante, quando já estava quase lá fora. Ele fez só um aceno de cabeça. E eu entendi tudo.

Tina: Fiquei feliz de o Gustavo estar lá conosco no meio do incêndio e não se queimar.  Ele sabia se cuidar, e era isso que estava fazendo. Era um a menos para a gente carregar.

Samantha: Eu não lembro de ter visto o Gustavo por lá. Nem a Tina. Mas lembro do Guto... e também da Lica.

Guto: Nós três começamos a mandar todo mundo embora, Tina estava com a Samantha e eu e a Lica estávamos esvaziando a casa. 

Lica: No final falei pro Guto ir pra casa e a Tina também.  Eu decidi ficar.

Samantha: Não sei como fui parar na cama, mas a Lica estava comigo, sentei e a vi arrumar as coisas que estavam no chão, como se soubesse onde cada coisa deveria estar.

Ela virou pra mim e falou: “Deveria descansar, amanhã a ressaca promete ser forte''.

Meu cabelo estava todo molhado, a cama estava molhada, um desastre. Falei: “Todo mundo se foi… você não, por que?”

Lica: A Samantha parecia estar mais em terra firme, o que era um alívio, tinha baixado um pouco o efeito das drogas.

Me sentei do lado dessa e respondi: “Por que não ficaria?”

Samantha: Ela queria saber como eu estava, se me sentia bem, se meu pé estava doendo. Essas coisas… Ela queria saber de mim.

A casa estava vazia, até mesmo em silêncio. Acho que tocava algo na vitrola, algum barulhinho bem baixinho.

E a Lica ficou... É, ela ficou.

Naquela noite... Tem uma música que saiu no mesmo ano do nosso álbum e eu queria muito ter escrito ela.

Lica: Ela me olhou daquele jeito… O jeito que faz o mundo parar e apagar tudo que há ao redor. Quando aqueles olhos caem nos seus, nada mais importa.

Ela me disse: “Eu não queria que você fosse embora, gosto do seu rosto. Do desenho do seu nariz, da sua voz, da sua boca”.

Então nos beijamos, um beijo de verdade, intenso com desejo.

Samantha: "Aquele gosto amargo do teu corpo, ficou na minha boca por mais tempo. De amargo então, salgado ficou doce, assim que o teu cheio forte e lento (...)"

Lica: Foi um beijo longo, certo e errado. Eu não sabia se devia, mas não queria parar. Sentia o gosto da pele do pescoço dela. A força que aqueles longos dedos tinham em me apertar.

A respiração compassada no meu ouvido...

Samantha: “Fez casa nos meus braços, ainda leve forte, certo e tenso. Que ainda era muito e muito pouco (...)”

Lica: Os lençóis molhados e nós nos enrolando entre eles em uma mistura de emoções, sensações e uma epifania...

Samantha: “(...) Teu corpo é meu espelho e em ti navego. E eu sei que a tua correnteza não tem direção”.

Lica: Eu não queria soltá-la nunca mais.

Samantha: Queria ter escrito essa música naquela noite.

 


Notas Finais


Vamos para as notas de rodapé

Roberto Bataglin era um jovem galã da globo nos anos 80, seu último sucesso foi em A Viagem nos anos 90.

O salto de Bungy Jump é meio que uma licença poética, não sei a quanto tempo rola no viaduto do Sumaré isso, informações desencontradas, mas faz de conta que existe desde os anos 80.

A música cantada pela Sam é Daniel na Cova dos Leões, música que o Dado Vila Lobos classificou como a mais gay de todo repertorio da Legião.
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Limantha veio ai, mas será que o Anderson tá certo que elas duas não é boa coisa?
Me contem o que acharam,
até mais!

PS: Quando terminarem de gravar* Aurora coloco as músicas na playlist.


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