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História Lagostins e a Six - Limantha - Diretas Já! (1983)


Escrita por: Opspam2

Notas do Autor


Olá você aí do outro lado da tela.
Chegamos a mais um capítulo com o nosso Lagostins bonito e cheiroso.

Eu fiz uma playlist com as músicas
Link do spotify: https://open.spotify.com/playlist/2YIqFbqXaIVC63ZOG8O14Q?si=02c63cfb73de41f8

É isso, erros gramaticais eu peço perdão (eu escrevo a história no trabalho).

Capítulo 4 - Diretas Já! (1983)


Fanfic / Fanfiction Lagostins e a Six - Limantha - Diretas Já! (1983)

Lica: Eu tinha feito uma promessa para o MB e estava afim de cumprir.
Com a nova formação eles estavam ganhando notoriedade entre as festas universitárias. O Gustavo tinha umas letras boas, “Pobre Paulista” virou um hino, logo foram convidados a tocar foda do estado no Festival do Parque em Pato de Minas.

Eu queria ir, se conseguisse uma boa matéria poderia sair dos Fanzines. A revista Roll tinha acabado de estrear e era meu objetivo.

MB: Tô tranquilão fumando quando aparece a Lica em casa, ela já não tinha mais aquele visual punk, usava uma franja e o cabelo mais comprido, tava um brotinho.

Ai eu falei: “E aí Liquinha, tava com saudades dos beijos do MB aqui?”, ao invés de uma bitoquinha ganhei um tapão.

Ela falou: “Não viaja MB. Aquela matéria sobre sua banda, então eu vou fazer se me levarem para Minas também”.

Vou falar para você, mulher é bom, mas já tínhamos a Keyla e pegar estrada com mais uma… eu reclamei, mas ela deu um bom argumento: ”Se a matéria ficar boa vocês podem sair na Roll”.

Não deu outra, Liquinha entrou para o time.

Gustavo: O circuito das universidades era bom por conta dos contatos que fazíamos, mas ao mesmo tempo arrumamos algumas confusões.

Em 1983 os milicos estavam entregando os pontos e havia uma sensação de liberdade maior. Parte dos estudantes julgavam que nós fazíamos "música imperialista”. Lembro que um pessoal do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) seguir da linha albanesa na época, nos acusava disso. Na visão dessa turma, ainda que cantássemos em português, nosso jeito de tocar era “americano”, “importado”. Nada vê, ainda mais com “Pobre Paulista” sendo ecoado pela galera.

A letra falava, de não querer mais ver aquela gente ignorante e feia, se referindo aos milicos. Pra censura não bater, tínhamos que nos virar.

 Mas claro, esse era um lado da moeda, do outro o pessoal do Diretório Central dos Estudantes (DCE) também militante, promovia festivais de música e nos chamava para tocar. E foram em um dos shows que fizemos no Mackenzie que veio o convite de ir para Minas.

 

O Festival Rock no Parque, na cidade de Patos de Minas, foi um evento patrocinado pela TV Triângulo (da Rede Globo). Esse festival ficou marcado pela atitude abusiva da polícia, que deteve os grupos fora de Minas para averiguações.

 

Gabriel: Viajamos de ônibus regular carregando todos os equipamentos, foram 9 horas de viagem!

Depois de muito torcicolo finalmente estávamos em Minas Gerais, Na época a gente estava com um visual certo, cabelo mais comprido, o Gustavo já cantava e se apresentava como um vocalista mesmo.  Eu e Guto começaram a usar umas camisetas justíssimas. O MB dizia: “Dá para ver os mamilos de vocês com isso aí”.

Guto: Quando chegamos fomos parados pela PM local, eles nos viraram ao avesso, abriram as malas dos instrumentos, tiraram meu teclado da caixa e jogaram no meio daquela terra vermelha.

Keyla: A gente estava em um parque agropecuário onde tudo era terra e lama, o lugar separado para esperamos a nossa vez de subir no palco era o próprio estábulo, junto com os cavalos!

MB: Os cavalos soltavam uns peidos fedidos demais!

Lica: O lugar era péssimo, a estrutura péssima, a polícia truculenta e o público muito louco. Eram mil e quinhentas pessoas ali sem controle da própria vida.

Tinha uma turma de Brasília fazendo uma farofada, um rapaz de óculos reclamava que usaram o nome da banda errada na divulgação. No cartaz dizia “Aborto Elétrico” e a banda dele era a “Legião Urbana”. Ou seja, era tudo bem amador.

Gustavo: As músicas estavam irritando a polícia. Todas as bandas tinham letras de protesto, não ficamos atrás.

Lica: Quando Os Lagostins subiram no palco o Gustavo soltou um: “Esse PM aí nos capacetes é de Patos de Minas?  Tem lá em Sampa também, vocês são irmãos?”.

Piada ruim é mal de família, mas aquilo não foi bem recebido.

Keyla: Foi tenso, mas divertido. Nosso vocalista puxou “Humanos” como primeira música, ela falava sobre ser livre, até o jeito de cantar era debochado e o Gustavo cantava fazendo continência sempre que possível.

Depois começamos a tocar “Pobre Paulista”, a plateia não gostou muito, mas irritou mesmo os homens de marrom.

Guto: A  polícia continuava intimidando não apenas nós no palco mas os próximos músicos. Começamos a tocar “Noites”, a introdução vinha com uma dobradinha de baixo e bateria bem legal  O Gabriel sempre tocava virado pra mim, fazendo umas caretas: “Olha essa virada que sei fazer”.

Na primeira estrofe: “Não adianta acreditar em heróis/ É tão vulgar/ Não. Não. Não”.  o Gustavo apontava diretamente para os PM’s em clara provocação.

Foi só terminar de toca-la que recebemos voz de prisão.

Lica: A confusão foi armada, o MB começou a incitar o público, os irmãos Romano tentaram dar no pé junto com o Guto e o Gustavo usava o microfone gritando que estavam violando o direito de expressão deles.

A minha matéria ficaria linda.

Guto: Fomos todos para a delegacia, nós e outras bandas, quando resolveram nos liberar não tinha mais ônibus de volta para São Paulo,

O MB acabou ficando amigo do pessoal de Brasília, eles estavam hospedados em um hotel e como éramos “parceiros de prisão” nos chamaram para passar a noite lá.

MB: A galera era meio junkie, era daora.

 

Antes de voltarem para São Paulo, Os Lagostins fizeram apresentações em Belo Horizonte, Asa Sul (Brasilia) e Santos. A viagem de três dias durou um mês.

 

MB: Durante as viagens a bebedeira do Gustavo estava passando um pouco dos limites. Ele caía na farra com a gente, mas, depois que cada um ia para um canto o Guto e Gabriel sumiam, a Keyla arrumava seus carinhas e eu ia pra cama com as meninas, mas o meu irmão ficava acordado bebendo.

No dia seguinte ele sempre estava inteiro, e a coisa toda era uma loucura para todos nós.

Guto: Eu conheço o Gustavo e o MB desde de muito pequeno. E o Gustavo mergulha de cabeça em tudo o que faz. Ele ama com todas as forças, bebe com toda a vontade. Até o jeito como gasta dinheiro, parece que tem os bolsos furados. Foi também por isso que eu sugeri que ele fosse mais devagar com a Camila.

Camila: Enquanto eles estavam em viagem, o Gustavo me ligou todos os dias. Quando ele estava sem moedas, fazia uma ligação a cobrar, e, assim que eu atendia, ele dizia: “Gustavo Borowski ama Camila Martinez”. E desligava antes da ligação começar a ser cobrada (risos). Minha mãe revirava os olhos, mas eu achava graça.

Keyla: Quando finalmente voltamos para casa, logo no primeiro ensaio o MB aparece todo feliz com uma revista em mãos.

Lica: A matéria tinha ficado incrível, como houve briga com a polícia, eu encaminhei para alguns jornais grandes, tipo o Estadão e a Folha, mas ninguém se interessou.

Porém, consegui a Roll, sabia que daria certo. Fiz plantão na casa do editor, o Paulo Ricardo Nery até conseguir fazê-lo ler o que tinha escrito e na edição de Maio estava lá, meia página falando de Pato de Minas com uma foto que eu tirei.

Queria ter mais imagens, mas o filme queimou, depois fiquei sabendo que todo material daquele festival foi perdido. Como eu disse; amadores.

MB: A gente tava na revista! A Lica só citou nossa banda junto com os demais que estavam lá, mas era nosso nome na Roll!

Gabriel: A matéria deu uma impulsão, começamos a tocar em bares melhores, a ganhar cachê e convites para tocar no interior. Nessa época, nós ganhávamos um cachê mínimo de 824.999,85 cruzeiros, algo perto do que hoje seriam uns trezentos reais, para dividir por nós cinco — logo, só viajávamos de ônibus

Fomos tocar no Carbono 14, a casa era extremamente conceituada, tinha um andar só para televisões com clipes, foi lá que descobrimos os Smiths, Morrissey, cantando tresloucadamente com um ramalhete de flores enfiado no ânus.

E lá fora, fumando um cigarro, estava um cara chamado Anderson Rodrigues com a irmã Ellen Rodrigues.

Ellen Rodrigues (Sócia do Samurai Records): Gustavo Borowski era um astro do rock. Tinha confiança de sobra, sabia envolver o público. Cantava com muita emoção. Se você pegar dez caras e colocar numa fila ao lado do Mick Jagger, mesmo alguém que nunca ouviu falar nos Rolling Stones vai apontar para o Jagger e falar: “Aquele ali é um astro do rock”. Gustavo tinha isso. E a banda fazia um som legal.

Eu e o And achamos que eles eram o que precisávamos para o compor o novo selo, aqueles cinco poderiam ir longe.

Gustavo: Quando o And apareceu para falar com a gente depois daquele show no Carbono… esse foi o divisor de águas.

Ellen: Quando começamos a trabalhar com a banda, tivemos umas ideias. Algumas foram bem recebidas e outras… nem tanto.

MB: And falou para eu cortar metade dos meus solos. Disse que eram interessantes para quem entendia de guitarra, mas para o resto do público eram um porre. Eu falei: “Por que eu tocaria para quem não curte guitarra?”.

Ele respondeu: “Se você quiser fazer sucesso, precisa tocar para todo mundo”.

Gustavo: A Ellen me mandou parar de tentar ser um cara contra o sistema o tempo inteiro. Ele disse: “Não reinventa a roda. Escreve sobre sua namorada, sobre a estrada”. Foi de longe o melhor conselho que já me deram na minha carreira.

Keyla: O Anderson me disse para usar decotes mais abertos, e eu falei “Vai sonhando”. Morreu o assunto.

Gabriel: And começou a descolar shows para nós nas melhores casas de sampa e para todo o sudeste. A gente ia para o Rio de Janeiro!

Guto: Vou contar para você qual é o grande momento da vida de alguém que toca rock ‘n’ roll. Tem gente que acha que é quando chega o sucesso, mas não é. O sucesso traz uma pressão muito grande, e todo mundo fica com altas expectativas.

O bom é quando você pensa que a sua banda está crescendo, quando tudo o que a gente tem é o potencial. Potencial é foda, felicidade pura.

MB: Quanto mais a gente ficava na estrada, mais o pessoal pirava. E o Gustavo não era exatamente… Olha, o meu irmão gostava de atenção. Principalmente das mulheres. Mas, pelo menos nessa época, era só isso mesmo. Só atenção.

Gustavo: Era um monte de coisa para equilibrar. Ter a pessoa que você ama em casa, enquanto se está na estrada. As garotas apareciam no fim dos shows, e era comigo que queriam falar. Eu era… Eu não sabia como um relacionamento deveria funcionar.

            Camila: A gente começou a brigar, Gustavo e eu. Admito que os meus desejos eram inconciliáveis naquela época. Queria que meu namorado fosse um astro do rock, mas que continuasse disponível o tempo todo para mim. E ficava brava quando ele não fazia o que eu queria. Eu era muito nova. Ele também.

Às vezes a coisa ficava feia a ponto de a gente passar uns dias sem se falar. Aí um dos dois ligava pedindo desculpas e as coisas voltavam ao normal. Eu era apaixonada por ele e sabia que meu amor era correspondido. Não era fácil. Mas, como minha mãe sempre me dizia: “Você nunca se interessou por nada que fosse fácil”.

MB: Uma noite, And e eu estávamos em casa, esperando a van para ir para Americana, Ribeirão Preto ou sei lá. Camila apareceu para se despedir. E quando encostou com a van, o Gustavo foi dar tchau para ela. Ele afastou o cabelo do rosto da Camila e encostou a boca na testa dela. Lembro que ele nem beijou ela de verdade. Só deixou a boca parada ali. E eu pensei comigo mesmo: Nunca amei alguém desse jeito na minha vida.

Gustavo: Eu compus “Señora” para Camila, era aquela música que tinha prometido quando nos conhecemos, e juro, as pessoas gostavam muito dessa música. Em pouco tempo, nos nossos melhores shows, levantavam para dançar e cantar junto.

Camila: Eu não tive coragem de contar para ele que, tecnicamente, eu era uma “señorita”. Tipo, a gente tem que se concentrar naquilo que importa. Enfim, quando eu ouvi… “Let me carry you/ on my back./ The road looks long/ and the night looks black,/ but the two of us are bold explorers,/ me and my gold señora”.*

Eu amei. Amei a música.

 

Durante os shows no interior de São Paulo, Anderson gravou as músicas  e criou uma fita k7 demo ao qual enviou para a Rádio Fluminense 93 FM o que levou Os Lagostins a tocarem no Circo Voador no Rio de Janeiro ao lado de Lobão e os Ronaldos, assim como a banda também paulistana Ira.

 

Ellen: Eles já tinham um setlist quase completo, não tocavam covers e a banda como um todo estava pronta, foi o momento de mostrar o contrato com a gravadora e gravar um disco.

Gabriel: Era nossa noite no Napalm, a casa ficava no centrão e era o point do momento, enquanto tocamos haviam duas televisões transmitindo ao vivo nosso show para quem estivesse no lounge também assistir.

O Guto estava ótimo naquela noite, ele tocou “Louras Geladas” praticamente como uma única mão, fechava os olhos e curtia. Também tinha deixado o cabelo mais baixo e usava uma jaqueta preta, certamente era o mais estiloso — e bonito, entre nós.

Olhei para Key e vi que ela estava se deixando levar totalmente pelo som, sabe?  Estávamos todos tocando com a alma. Aí pensei: Este é o melhor show que já fizemos.

Gustavo: Depois do show, estávamos no mezanino bebendo e curtindo o resto da noite  quando o Anderson apareceu com o Victor Corson, da RCA Records. O cara apertou minha mão e falou que queria um disco nosso.

A banda ficou eufórica, eu saí dali correndo e procurando um orelhão para falar com a Camila, ela era a primeira pessoa que deveria saber da notícia.

Camila: Nós tínhamos dado um tempo na época, namoramos por 7 meses e os últimos eu nem sequer o via se não fosse em um show da banda. Mas confesso, fiquei doente sem ele. Eu estava… mais do que arrependida. Acordava chorando todos os dias. Minha mãe dizia para eu ir atrás dele. Voltar atrás. Mas parecia tarde demais.

Gustavo: Meu coração disparou enquanto o telefone chamava. Coloquei o dedo no pescoço, e dava para sentir as veias pulsarem. Mas, quando Camila atendeu, foi como se eu estivesse deitando na cama depois de um longo dia. Só de ouvir a voz dela já me senti melhor. Eu falei: “Estou morrendo de saudade. Não consigo viver sem você”.

Ela respondeu: “Eu também estou com saudade”.

Eu continuei: “Por que a gente está fazendo isso? Meu lugar é com você”.

Ela respondeu: “É, eu sei”.

Ficamos em silêncio por um tempo, aí perguntei: “Se eu fechasse um contrato com uma gravadora, você casaria comigo?”.

Ela disse: “Quê?”.

Camila: Fiquei feliz demais por ele. Quer dizer, eu não sabia se era verdade. Mas ele tinha trabalhado muito para isso.

Gustavo: Eu repeti: “Se eu fechasse um contrato com uma gravadora, você casaria comigo?”.

Ela falou: “Você arrumou uma gravadora?”.

Foi nesse momento que eu entendi tudo. Camila era mesmo minha alma gêmea. Ela estava mais feliz pelo contrato do que por qualquer outra coisa.

Eu insisti: “Você não respondeu à minha pergunta”.

Ela perguntou: “Você assinou o contrato, sim ou não?”.

Eu rebati: “Você casaria comigo, sim ou não?”.

Ela ficou em silêncio por um tempo, aí respondeu: “Sim”.

E só então eu disse: “Sim”.

Ela começou a gritar, toda feliz. Eu falei: “Vamos colocar logo essas alianças no dedo”.

 

No decorrer do segundo semestre de 1983 Os Lagostins entraram em estúdio na sede da RCA Records em São Paulo. No Estúdio 3 onde Anderson e Tina iriam cuidar da mixagem do LP de estreia intitulado “Os Lagostins”

 

Keyla: Eu fiquei feliz pelo casal do ano. Mas mais feliz por nós, uma banda de menos de um ano de estrada já iria gravar um LP em uma gravadora grande!

Ficamos no Estúdio 3, era pequeno, mas tinha os instrumentos e tudo que precisávamos. Na produção ficou o Anderson e a Tina, namorada dele.

MB: Foi uma época bem agitada. Gustavo estava sempre compondo. E o resto do pessoal sempre trabalhando nas músicas. Passando um tempão no estúdio, até dormindo lá às vezes.

Eu e a Key ficamos várias noites acordados até o sol nascer, criando um riff ou uma melodia.

Guto: A gravação de um álbum, principalmente um disco de estreia, consome muito a gente. Mas talvez Gustavo tenha ficado meio obcecado. Acho que foi por isso — apesar de todo mundo cheirar um pouco quando estava no estúdio, para mim foi por isso que ele começou a usar cocaína todo dia.

Ele estava sempre pilhado.

Gustavo: Eu estava tentando fazer com que aquele disco fosse o melhor álbum já gravado na história da humanidade (risos). Digamos que naquela época eu não era muito bom em dosar minha expectativa.

Keyla: Nós tivemos um enorme problema com a música “Pobre Paulista”, os meninos queriam gravar, o And dizia: “Não! Se vocês quiserem cantar só para paulistas até o fim da vida, vão gravar, mas se quiserem cantar para todo mundo não vamos gravar.”

O MB ficou doido, era a música que eles não conseguiram tocar no festival do Sesc e a que mais levantava a galera nas festas universitárias. Então o Anderson subiu na cadeira e gritou com eles: ”Essa música é problemática, se vocês não veem o problema e querem gravar, que gravem sozinhos” e deu no pé.

Guto: Foi desesperador. O Gustavo saiu correndo atrás do Anderson no meio da chuva e praticamente implorou para ele voltar.

MB: Pô a música era boa, frescura não querer gravar. Depois daquele dia meu irmão assumiu o controle de muita coisa nesse álbum. E o Anderson deixou. O Gustavo escrevia as letras e compunha o que quase todo mundo ia tocar. Quando ele aparecia, já sabia como iam ser as guitarras e o teclado, e fazia questão de mostrar o que queria que fosse feito na bateria.

Só não interferia muito no que a Keyla fazia, deixava uma margem de manobra um pouco maior para ela. Mas, para o resto de nós, ele ditava como o som ia ser, e a gente obedecia. Eu ficava só olhando para o resto do pessoal, esperando para ver se alguém ia falar alguma coisa. Mas ninguém falava nada.

A banda era minha! E parecia que a opinião dele era a única que contava. E, quando alguém ficava hesitante, o And apoiava as ideias dele.

Keyla: Uma vez estávamos gravando as linhas de  bateria e baixo de “Porque a gente é assim?”, o Gabriel tocava encarando o Guto o tempo inteiro. Até que ele levantou da cadeira irritado e foi embora.

Aqueles dois viviam se bicando.

Gabriel: Antes de começar a gravação, enquanto a gente pegava um café naquelas garrafas térmicas eu disse que havia visto-o na noite anterior no Roleta. Ele ficou pálido, deixou cair até o copo de plástico. Talvez aquilo fosse segredo ainda, mas eu frequentava lá também.

Guto: O Gabriel sabe ser inconveniente. Mas a Keyla e o MB viviam se estranhando também.

O MB forçava demais as brincadeiras, uma hora eu falei pra ele: ”Cara desiste, não vai rolar”.

Gustavo: O Anderson me disse uma vez: “Esse seu som é uma sensação. Esse é o lance. E isso vale mais do que qualquer outra coisa”. E eu lembro de ter perguntado: “E que sensação é essa?”.

Eu escrevia letras sobre amor, sobre esperança e cantava com uma voz áspera. Nós tínhamos umas guitarras pesadas e uma linha de baixo influenciada pelo blues. Então pensei que ele fosse dizer uma coisa divertida, talvez meio perigosa.

Mas o que ele falou foi: “É uma sensação indefinível. Se eu soubesse descrever direitinho, perderia toda a graça”. Isso reverberou fundo em mim.

Keyla: Era o máximo gravar um disco num estúdio de verdade. Tinha equipamentos de sobra para deixar tudo afinadinho, todo dia tinha uma mesa posta para o lanche, que acabava virando nosso jantar.

Teve uma vez que, no meio da gravação, um cara apareceu com um pratão de brigadeiros. Eu falei: “Aqui já tem doces de sobra”.

E o cara falou: “Deste tipo aqui não tem, não”. Eram brigadeiros de maconha. Até hoje não sei quem mandou aquilo para nós.

MB: “Pomar” foi composta e gravada num dia que mandaram para nós um monte de brisadeiros. A música foi criada quase toda pelo Gustavo com a minha ajuda, parece ser sobre ficar hipnotizado por uma garota .

Mas, na verdade, era sobre ter comido toda a parada e querer mais um brigadeiros daqueles.

Gabriel: Foi bem divertido. A gente se divertiu muito nessa época.

Gustavo: Tinha mesmo aquela sensação… de saber que está vivendo uma puta coisa legal e que vai lembrar daquilo pelo resto da vida.

Guto: Já era novembro e estávamos terminando o LP, na parte de mixagem onde só o Anderson, o Gustavo e a Ellen participavam. Quando um pessoal da USP veio falar com a gente, estavam organizando um comício pelas Diretas na praça Charles Miller e queriam a gente tocando lá em cima.

Gustavo: Tem certas coisas que não se deixa passar, nós como banda já tínhamos passado duas vezes pelas agressões do governo. Nós íamos tocar sim.

Lica: É domingo, o MB me liga do orelhão mandando ir para o Pacaembu, eu disse: “Mas hoje não tem jogo do Corinthians”.

Ele responde do outro lado: “Não, mas vai ter algo bem melhor, traz sua câmera”. Eu corri para lá. Timidamente iniciava a campanha pelas diretas em um comício para 15 mil pessoas na praça frente ao Pacaembu,

Do alto do caminhão pelo microfone escuto “Vamos mostrar a serenidade e o calor do apoio dos paulistanos ao objetivo que hoje simboliza o prosseguimento da abertura democrática!”

E sem delongas, o som da bateria do Gabriel surge, junto com a guitarra do MB, acompanhado do baixo da Keyla e o teclado do Guto, só então a voz do Gustavo ganha força.

Ele começou a cantar o que seria a terceira música do LP, “Dia Eterno”, e ela casava com o momento “Você sabe/ Que não temos tempo/ Dia eterno/ Noite Escura a dentro”. Falava justamente para combater a escuridão do governo militar.

Gustavo: Pra mim era impossível ver o fim daquele mar de gente, só sentia que estávamos fazendo algo incrível.

Lica: Depois da música é anunciada no microfone às 17h30 a morte do senador Teotônio Brandão Vilela, líder da campanha da anistia.

De repente, toda aquela gente se faz silêncio e comoção. Após o minuto de silêncio, o Gustavo toma o microfone — certamente não era para fazê-lo. Ele começa: “Vamos cantar um hino e esse hino é para ele!”

E ele sozinho com a guitarra limpa, sem nenhuma distorção, começou a cantar: “Quem é esse viajante?/ Quem é esse menestrel que espalha esperança e transforma sal em mel? / Quem é esse saltimbanco falando em rebelião como quem fala de amores para a moça do portão?”

A banda veio atrás. Eu vi um jornalista ao lado, também empunhando sua câmera e falei para ele com certo orgulho: “São Os Lagostins, pode fotografar que tudo que está acontecendo hoje é historia!”.

Guto: Do nada o Gustavo puxou “Menestrel das Alagoas”, nunca tínhamos tocado ela, muito menos combinado aquilo. Depois da primeira estrofe comecei a acompanhar,

Ali no palco eu busquei o Gabriel, ele também me procurou e sorriu pra mim. A gente sabia, lá no fundo todos sabíamos, estávamos fazendo e vivendo a história.

 


Notas Finais


Señora: E eu te carrego / nas costas./ A estrada parece longa / e a noite parece negra, / mas nós dois somos exploradores corajosos, / eu e minha señora dourada.
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Notas de rodapé:

O festival em Patos de Minas foi a primeira apresentação da Legião Urbana como Legião, mas ainda sem o Negrete e sem o Dado. Não existe um registro desse show praticamente e realmente foram todos para a prisão após ele. Os meninos da Peble Rude tiveram de esperar os pais chegarem pq eram de menores e dormiram no lugar do show pq não tinham onde ficar.

A passeata pelas Diretas em frente ao Pacaembu foi a primeira grande reunião de diversas frentes em pro da Diretas, com presença do Lula e nem se quer foi noticiado pelos veículos grandes. Ela precedeu o que viria ser em janeiro na praça da Sé com vários shows, mais de 25 mil pessoas e a globo noticiando como um festival de música :)
Ah o Corinthians ganhou o Paulistão de 83 com a camiseta estampando Diretas Já s2

O Paulo Ricardo Nery da Roll é aquele Paulo Ricardo que viria a ser o vocalista do RPM, ele foi reporter e depois editor chefe da revista.

Se há uma lição nessa história é: Não usem drogas crianças.
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O que acharam do capitulo? Semana que vem tem Limantha, cyaaa


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