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História Lagostins e a Six - Limantha - Honeycomb (1985)


Escrita por: Opspam2

Notas do Autor


Olá você aí do outro lado da tela.

Chegamos a mais um capítulo da nossa ficzinha, Lica pelo amor de Deus faça algo !!
Já adianto pedido de desculpas por possíveis erros (eu faço tudo no trabalho, releva) e bora lá.

Lembrando que tem playlist com as músicas citadas, incluindo as desse capítulo.
https://open.spotify.com/playlist/2YIqFbqXaIVC63ZOG8O14Q?si=94ec5aa1dded4aab&nd=1

Crianças, não usem drogas, isso só é legal em historias.

Capítulo 8 - Honeycomb (1985)


Fanfic / Fanfiction Lagostins e a Six - Limantha - Honeycomb (1985)

Benê: Desde que saí de Campinas e vim para São Paulo me mudei para a casa da Lica. É bom ter uma amiga para quando precisar. E a Lica é uma boa amiga.

Mas o apartamento era peculiar.

Lica: A Benê veio morar comigo, ela tinha sido contratada para o Estadão na coluna de cultura. Minha amiga é realmente muito culta.

Mas sabe como é, uma vez punk, sempre punk. Minha casa não era certinha…

Benê: Era tudo muito junkie, como diziam na época. No banheiro tinha um poster enorme do Maluf com rabiscos na cara, a geladeira normalmente só tinha alguma cerveja e se eu saísse fazer alguma cobertura por mais de dois dias apareciam coleções de caixas de pizzas. Sempre ficavam pizzas velhas no meio e mofadas.

Haviam uma constante troca de pessoas no local, Heloisa trazia muitas garotas para a casa, isso me incomodava, pois eram barulhentas e ficava difícil trabalhar de casa, preferia a biblioteca.

Lica: Eram os anos 80, a gente só sabia contestar o sistema, se drogar e transar com quem quer que fosse. Era uma festa sem fim… Era uísque nacional batizado ou cachaça de garrafão, ou vinho de garrafão ou vodca pura que colocávamos goela abaixo, tudo em copos de plástico.

Fora o pó vagabundo, umedecido pelo contato do seu invólucro com a pele, num sutiã, numa calcinha – quando rolava. Se não rolava, tinha benzina à venda em qualquer farmácia.

É como dizia um colega, o Marcelo Rubens Paiva: “Se você tem menos de vinte anos, tem fúria no corpo todo. Se tem mais, tem que fazer alguma coisa para se livrar dela”.

E usei minha raiva na pessoa errada.

Em 85 tive um estalo, como um interruptor ligando uma luz que só faltou sair no soco comigo quando falei merda no Rock in Rio. Aquilo mudou minha vida

Eu não gostava de homens, acho que nunca gostei de me relacionar com os caras, mas até aquela época não tinha externado isso. E ser contracultura é ser contra o casal perfeito da embalagem da Doriana, era tudo falso, o Brasil não estava bem. A gente tinha o Sarney no poder…!

E ela também não estava… Hoje me pergunto se em algum momento daquela época esteve.

Carlos Eduardo (Ex-delegado da 78° DP): Por volta da meia noite recebemos um chamado de que alguém havia invadido a casa 308 na  Rua Dr. Eduardo Amaro. Quando chegamos no local estava a Samantha Lambertini sentada frente a porta.

Usando apenas uma camisola preta com um casaco longo rosa e descalça. Sabia quem ela era por conta das minhas meninas, como era uma artista liguei para a Heloisa Gutierrez.

Samantha: Eu liguei para a Keyla, queria que ela fosse em casa para comemorar sabe?. Mas ela não tinha telefone, precisava ligar no orelhão da rua, só que ninguém atendeu.

Então, nem preciso dizer que ir até a casa que era dos meus pais à meia noite não era uma ideia das mais inteligentes. Mas ninguém tem ideias geniais quando fica chapado. Pulei o portão, escalei a parede pelo condutor da calha, quebrei o vidro da janela e deitei em frente a porta, como na minha última noite ali.

Acordei com policiais parados do meu lado.

Lica: Fiquei aguardando a pop star ser liberada, havia pago a fiança e ela vinha descendo com o Carlão. Ele era o típico policial de filme; bigode, careca, barriga de cerveja. E ela mesmo com a maquiagem borrada, andava como se estivesse em uma passarela e ainda debochava da situação.

A voz dela ecoava: “Alguma vez varreram esse lugar? O mofo já virou decoração, parecem obras modernistas”.

O Carlão entregou um envelope com as coisas dela e a mandou descer, mas ela continuava: “Tinha um baseado na minha carteira, espero que ainda esteja lá, as pílulas do meu casaco se foram. Ah, se vocês tiverem cocaína, fazemos uma festa aqui e agora, que tal?”

Mas ali, na ponta da escada ela me viu e mudou completamente o semblante.

Samantha: Achei que tivesse sido alguém da gravadora que tinha pago minha fiança, jamais imaginaria a Heloisa Gutierrez. Ela estava com uma franja maior e um casaco verde musgo, combinava com a cor da pele dela — não que eu tivesse reparado.

Lica: A Samantha é alguém completamente imprevisível, novamente achei que ela fosse dizer algo contra mim, mas estava mais focada em debochar da polícia.

Ela disse em voz alta para ser ouvida por todos ali: “Então foi você que pagou minha fiança…?  Tem uns cruzeiros trocados? Preciso de alguns para chamar o táxi, acho que não aceitam erva como pagamento”.

E completou mantendo o tom de deboche, dessa vez direcionado a mim: “Depois me passa um telegrama com os valores que faço um cheque”.

Samantha: Estava sem minhas pílulas, achei que fosse me livrar da Heloisa rápido e ir para casa tomá-las, mas ela me arrastou para fora da delegacia dizendo: “Te mando o valor sim, junto com uns cartões de advogados, caso precise de ajuda para achar um”.

Fiquei confusa e falei: “Advogados? Espere. Por que eu preciso de ajuda para encontrar um advogado?”

Ela continuava: “Você foi presa. Prisão implica em tribunal e advogado”.

Aquilo não fazia sentido, eu estava saindo na mesma noite em que fui presa, Enquanto caminhávamos para um ponto de táxi continuei argumentando: “Sai sob fiança na mesma noite. Quase não aconteceu…”

Ela parou mais incrédula do que eu: “Mas aconteceu…”.

Bati na mesma tecla: “Foi rapidinho, pouquinho tempo.”.

Ela terminou chamando um táxi: “Um conselho? Seja sua própria advogada, eles vão te adorar.”.

Foi entrando no carro  dizendo que já eram cinco horas e que iríamos tomar café da manhã. Fui junto, mas avisando que teria de ser um lugar próximo a minha casa. Precisava das minhas pílulas.

Lica: Enquanto olhava o cardápio da padoca ela me perguntou como eu sabia onde ela estava, se estava a perseguindo ou coisa do tipo.

Respondi sem tirar o olho das folhas: “Consegui bolsa para as filhas do Carlão no colégio do meu pai, que tecnicamente é meu também. E o velho Edgar adora ter esse tipo de gente ao seu redor. Enquanto eu tenho informações privilegiadas”.

Ela riu da minha cara: “Oras então a punk anti sistema caminha junto da policia?”.

Enquanto chamava a atendente respondi: ”Eu sou contra o sistema, mas não burra. Faço ele trabalhar pra mim”.

E então ela pediu seu conhecido café com champanhe.

Samantha: Heloísa tinha pago minha fiança e estava tomando café da manhã comigo. Aquilo não estava certo, então resolvi encurtar o encontro.

Disse: “Vai, cadê a câmera, o gravador, a caderneta? O que precisa para vender a notícia Heloisa?”.

Mas a Lica só levantou as mãos indicando que não estava com nada daquilo, que não queria aquela notícia.

Lica: Não tinha a menor intenção de escrever ou vender uma notícia de que a grande desvairada Lambertini foi presa por invadir a casa que antes foi dos seus verdadeiros pais. Não… aquilo era cruel demais.

Falei para ela: “Primeiro, me chama de Lica. Segundo… eu não vim aqui para escrever sobre hoje, eu sei de quem é aquela casa Samantha. E não posso imaginar como deva estar para ter ido até lá”.

Samantha: Fui pega de surpresa, foi como se todas as muralhas que eu construí ao longo dos anos desmoronassem. Em poucos minutos me vi sem escudos frente a minha inimiga, que talvez não fosse tão minha inimiga assim.

Lica: A Samantha é bastante expressiva, talvez fossem as sobrancelhas grossas ou a constante inquietação, mas naquele momento ela abaixou o olhar e se retraiu. Pela primeira vez eu vi Samantha Lambertini recuar.

Continuei dizendo: “Imagino que ninguém, ou quase ninguém, saiba quem morou lá. Você estava certa, eu não te conheço Samantha”.

Eu quis pegar nas mãos dela, que ficaram estáticas na mesa, mas me contive e então continuei: “Quero te conhecer, quero saber quem você realmente é, o que existe por baixo das joias, dos vestidos e da fama. E quero que o mundo também saiba… Quero escrever algo sim, mas não sobre essa noite, sobre quem é a verdadeira Lambertini”.

Achei que poderia ter tocado ela de alguma forma com o que disse. Ela deu um breve sorriso como um estalo da língua e me encarou entre a xícara de café preto e o gole no champanhe.

Samantha: Aquilo…(pausa) Alguém queria parar para me ouvir…

Era demais para uma única noite. Perguntei se ela tinha algum comprimido fácil ali. Podia sentir que já estava ficando sóbria e era tudo o que não precisava no momento.

Lica: Ela queria drogas, essa foi a resposta: drogas.

Avisei que só tinha nicotina e que ela deveria pegar mais leve. Mas entrou por um ouvido e saiu por outro.

No fim ela cruzou os braços e me acusou: “Por que eu deveria confiar a minha história em alguém que fala tanta merda como no Rock in Rio?”

Samantha: A descarada me respondeu: ”Eu só queria saber se você era parecida comigo, se era lésbica também”.

Lica: Ela ficou muito irritada (risada), o rosto dela começou a ficar vermelho e praticamente berrou na mesa: “Eu não sou nada parecida com você! Garota, qual o seu problema!?”

Respondi com a maior sinceridade do mundo: “Meu pai. Meu pai sempre foi meu problema…”

Ela se jogou para trás da cadeira encobrindo o rosto de nervoso, enquanto pedi desculpas sinceras pelo que ocorreu no Rio, continuei com tranquilidade: “O seu problema é o país, é quem o governa. Samantha, nós somos parecidas, somos o mesmo lado da moeda. Me deixa te conhecer”.

Ela me encarou séria e logo se levantou com tudo. Também me levantei.

Samantha: Eu queria ir embora, precisava dos comprimidos, dos vermelhos ou dos azuis. Eu só precisava ir embora.

Mas ela ficou na minha frente, me impedindo de sair. Foram poucos segundos, porém… Na minha lembrança era como se tivesse passado muito tempo nós duas ali, frente a frente. Ela com os olhos presos nos meus, como se quisesse ver através de mim e eu…

Lica:  Ela me beijou, no rosto, pegando o canto da boca. Provocativa como sempre. E no fim apenas disse: “Não”.

Tina: Eu não era empresária da Samantha na época, então tinha outras coisas de outros músicos para resolver, meu maior foco sempre foi a gravadora. Mas me importava sim com ela e às vezes me pergunto se teria feito diferença ter me preocupado um pouco a mais.

Mas a gente não tem controle sabe. Devemos monitorar o uso de drogas ou não? Isso era da minha conta? Se a imagem deles é a da gravadora também, então sim, eu deveria. Mas como saber o que era mesmo exagero?

Conversamos uns dias depois, ela estava com uma regata fininha preta e tinha diversos cortes no antebraço. Eu perguntei: “O que é isso?”.

Parecia que era a primeira vez que ela estava vendo o machucado. Respondeu: “Não faço ideia”. E depois começou a falar sobre outra coisa. E aí, do nada, uns dez minutos depois disse: “Ah! Deve ter sido quando quebrei a janela para entrar na casa onde morava com meus pais”.

Eu falei: “Sam, está tudo bem com você?”.

Ela respondeu: “Está sim, por quê?”.

 

*

O primeiro show d’Os Lagostins com abertura da Samantha Lambertini ocorreu em 10 de Agosto no Canecão - Rio de Janeiro.  “Honeycomb” figurava entre as dez músicas mais tocadas pela revista Bizz.

 

Gustavo:  Começamos a fazer os shows fora de São Paulo e pedi para a gravadora nos colocar em aviões e não mais em ônibus, queria voltar para casa o mais rápido possível. E nossas vendagens eram boas o bastante, já tínhamos o disco de platina e com os compactos as vendas só cresciam. Camila e Julia nos acompanharam no primeiro final de semana no Rio de Janeiro.

Samantha: Eu estava animada com a ideia de cair na estrada. Nunca tinha feito uma turnê antes. Meu disco estava indo bem. Eu chamava a atenção e “Honeycomb” estava dando gás nas vendas do meu LP também.

Gabriel: todo mundo ficou feliz de ter a Samantha com a gente. Ela levava as coisas numa boa, era uma garota muito bacana.

A gente estava naquela fase de participar de programas de rádio e fazer sessões de fotos para revistas. A música subia nas paradas e o nosso primeiro disco começou a vender muito bem puxado pelos dois compactos. As pessoas começaram a nos conhecer na rua. Claro que já conheciam o Gustavo, ele era o vocalista, e até o MB por ser irmão dele e guitarrista, mas paravam a mim, a Key e o Guto também.

Gustavo: O Rio era nossa segunda casa, era sempre bom tocar por lá e quis que a Samantha se sentisse bem. Abrimos muitos shows e sei como é ser banda de abertura e sempre nos tratam super bem, então era meu dever tratá-la também.

Samantha: No hotel, eu recebi um telegrama da Heloísa, ela me desejando boa sorte no show junto com alguns cartões de advogados (risadas). Depois de ler o telegrama eu comecei a compor alguns versos que dariam vida a “Meninos e Meninas”.

 Eu já tinha pedido para o Mata cuidar do lance dos advogados pra mim, a gente tinha voltado. A banda dele não ia para frente e quando ele soube que sairia em turnê se voluntariou para ser meu empresário. Eu não gostava de ficar sozinha e precisava de alguém para cuidar das coisas chatas que a Tina não podia cuidar e nem a gravadora.

Keyla: A gente estava no camarim para o primeiro show antes da Sam entrar no palco. E ela estava cheirando umas carreiras. O Guto fazia massagem no Gabriel.  O Gustavo tinha se isolado em algum canto, e eu conversava com o MB.

Acho que foi nesse show… O MB tinha feito a barba deixado somente as costeletas bem marcadas e dava para ver como ele era bonito.

Ai do nada bateram na porta, e Camila e Julia entraram. Tinham ido dar boa noite ao Gustavo.

Assim que a Samantha as viu, escondeu o pó na gaveta, limpou o nariz e largou o copo com qualquer que fosse a bebida alcoólica que tinha lá. Foi a primeira vez que vi esse tipo de preocupação por parte dela. Foi fofo. Ela cumprimentou Camila e acenou para a Julia, acho que fez alguma gracinha para ela rir.

Então chegou a hora da Samantha ir para o palco, e ela falou: “Me desejem sorte!”.

Estava todo mundo entretido demais nas próprias coisas para prestar atenção nela, mas a Camila não, ela desejou boa sorte com toda sinceridade do mundo.

Camila: Quando vi Samantha Lambertini pela primeira vez fiquei sem saber o que pensar. O Gustavo não gostava dela, mas era picuinha besta pela mudança em “Honeycomb”. Ela parecia ser bem doidinha, mas sabia ser meiga também.  Uma coisa não dava para negar: ela era linda. Tão bonita quanto nas revistas, talvez até mais.

Samantha: Eu entrei no palco  primeiro, para   abrir   aquele show no Canecão,  e  estava nervosa. Geralmente não fico muito ansiosa, mas naquele dia dava para sentir a tensão no meu  corpo, nos meus nervos. E talvez eu tivesse cheirado demais. Fui para o palco esperando encontrar uma plateia que era fã d’Os Lagostins  Mas uma parte do  pessoal ficou  bem  animada  quando eu apareci.  Tinha  gente  que  tinha  ido  lá para me ver também.

Eu estava usando um vestido preto sem mangas, pulseiras e brincos de argola dourados. Fora os ensaios, era a primeira vez que eu entrava no palco sozinha, só com a banda  de  apoio  que o Mata montou. Foi  a primeira  vez  que  ouvi  uma  plateia vibrar ao me ver.        

Toda aquela gente gritando junta, como se fosse uma coisa só. Uma coisa viva, explosiva, barulhenta, festiva. Depois de sentir isso pela primeira vez, queria voltar a sentir o tempo todo.

Guto: A Sam fez um bom show. A voz dela era ótima, e o repertório não era ruim. Ela sabia como esquentar a plateia. Quando entramos no palco, o pessoal já estava animado. As pessoas já estavam se divertindo.

Samantha: Quando voltei para os bastidores vi a Camila do outro lado ela fez um sinal de positivo pra mim, como se dissesse que eu tinha arrasado no show. Aquilo foi tão confortante. Estava mesmo feliz.

Keyla: Assim que pisamos no palco, deu para ver que o pessoal que estava lá… O público era diferente em relação à primeira turnê. Tinha muito mais gente, para começo de conversa. Os fãs antigos ainda estavam lá, mas agora tinha também adolescentes acompanhados dos pais, e um monte de mulheres.

MB: Dava para sentir cheiro de maconha por toda parte. Meio que só dava para ver a parte da frente da plateia, por causa da fumaça.

Gustavo: Eu me vi na frente daquela gente toda, totalmente sóbrio, sentindo aquela empolgação, sabendo que “Honeycomb” estava prestes a entrar no top 10. E sabia que aquelas pessoas estavam na minha mão. Sabia que elas queriam gostar do show. Porque já gostavam de nós. Não precisaria me esforçar para conquistar ninguém. Era só subir no palco e… a plateia já estava ganha.

No final do show eu falei: “Que tal a gente chamar a Samantha de volta para cantar ‘Honeycomb’ para vocês?”.

Samanha: A plateia enlouqueceu. O lugar inteiro começou a tremer.

Gustavo: Dava para sentir o microfone vibrar quando as pessoas começaram a bater os pés no chão, e eu pensei: Puta merda, nós viramos astros do rock.

Ellen: O primeiro show no Rio foi um estouro, além da procura pelo disco, também vendemos camisetas e essas bobagens para os fãs. No dia seguinte eles iriam tocar no Metrópoles, mas para se ter uma ideia do sucesso que a dobradinha estava fazendo, tivemos que agendar mais cinco  apresentações no mesmo mês, para dar vazão à procura de ingressos. Apresentamo-nos nos dias 11, 15, 16 e 17.

Gustavo: O segundo final de semana a Camila e a Julia não nós acompanharam, foram minhas primeiras noites sem elas e foi difícil. Lembro de ter sentado na varanda do hotel depois do show, ouvindo todo o caos do lado de fora, querendo participar daquilo. Tinha uma voz na minha cabeça dizendo: Você não consegue fazer isso, não vai conseguir ficar sóbrio por muito tempo.

Acabei ligando para o Anderson em plena madrugada. Inventei um motivo para querer falar com ele (risos). Lembro que acabamos conversando sobre a relação dele com a Tina, se os dois deveriam casar. Antes de desligar, ele me perguntou: “Está se sentindo melhor agora, Gustavo?”. E eu respondi: “Estou, sim”.

Depois dessa primeira noite, comecei a melhorar de verdade. Criei uma rotina. Ficava longe das festas. Quando o show terminava, eu ia direto para o hotel e ouvia música, ou ia até uma lanchonete para jantar e tomar um café descafeinado. Às vezes, o Guto ou o MB iam me fazer companhia. Mas, na maior parte do tempo, o MB estava atrás da Keyla. Eu continuei fazendo as coisas do mesmo jeito de quando Camila e Julia estavam comigo. Me mantendo na linha.

MB: Foi a mesma coisa com Camila por perto e sem a presença dela. O Gustavo acompanhava a banda na hora de trabalhar. E a Samantha acompanhava a gente na hora da farra. Era como se os dois vivessem em mundos separados, tentando não se encontrar.

Guto: Era impressionante como a Samantha conhecia todo mundo. Todas as casas, todas danceterias, todos os famosos e os paparazzi também. Uma vez fingimos ser um casal só para tirar sarro com os fotógrafos.

Keyla: Nós éramos um quarteto na noite; Guto, Gabriel, eu e a Samantha. Tinha o Mata também, mas ninguém ia com a cara dele, a forma com que ele a tratava como se fosse um troféu era de embrulhar o estômago.

Samantha: O Mata virou o intermédio entre eu e a gravadora. Os shows viviam lotados, fazíamos apresentações extras e boa parte era porque eu estava lá.  Os Lagostins tinham um disco e dois compactos, eu queria lançar meu novo LP!

Mas o Mata insistia que eu deveria ter calma, era como se me cozinhasse dizendo que tratava o melhor momento com a gravadora. Duvido.

Nosso relacionamento não estava lá essas coisas. Eu jamais deveria ter me envolvido com um cara como ele. Tem uma coisa que ninguém diz quando o assunto é ficar longe das drogas. Ninguém diz: “Você vai acabar indo para a cama com um bando de idiotas”. Mas deveria.

E eu deixei que o Mata interferisse em todos os aspectos da minha vida, achava que era isso que o empresário devia fazer. Foi ele que contratou minha banda inteira, todo o dinheiro que eu ganhava passava pelas mãos dele. E ele dormia comigo na mesma cama.

Ellen: O roteiro da banda seguia afiado, mesmo com as restrições d’Os Lagostins de no máximo dois shows por final de semana e uso de avião para locomoção.  Fizemos no Rio Grande do Sul, em outubro de 85, no ginásio do Instituto Petropolitano Adventista de Ensino, em Porto Alegre, nos dias 13 e 14; e no ginásio da Sociedade Ginástica de Novo Hamburgo, a 42km da capital gaúcha, no dia 15.

Gabriel: A gente sempre viajava de classe econômica, nunca tínhamos avião próprio e essas coisas. Estavam viajando somente nós, nossos instrumentos, a Ellen e um ou dois roadies.

Keyla: Foi uma viagem interessante. Acho que foi quando o MB levou um bofetão da comissária. Eu só ouvi a pancada, não vi o tapa.

MB: Eu perguntei se ela era ruiva lá embaixo também. Foi uma lição aprendida. As mulheres não acham graça nenhuma nisso.

Samantha: Eu viajei com a banda, o Mata foi um pouco antes com um avião particular com a banda de apoio, mas eu preferia ficar com meu quarteto.

Keyla: A gente  pegou duas pontas; eu com a Samantha em uma, o Guto e o Gabriel do outro lado. Ficamos conversando o tempo todo. Até que reparei em vários telegramas que ela guardava no meio do diário e perguntei: “Quem é o novo admirador secreto?”.

Ela respondeu terminando de escrever alguma coisa: “Não tem admirador nenhum. São da insuportável da Heloisa, ela me manda um novo sempre que saímos para um show. Sebastião é um santo?”

 Achei curiosa a pergunta e pedi um drink para nós, continuei puxando assunto: “Acho que sim. Voltando, o Mata sabe dessa troca de cartas?”.

Samantha: O Mata podia ter acesso a boa parte da minha vida, mas jamais passou perto dos meus diários e anotações. Eram minhas músicas e eu não era burra de deixar isso perto dele.

Keyla: A Sam debochou de mim, já virando seu copo: “Ta com ciúmes Key? Sabe que tem Samantha para todo mundo… E você e o MB? O loirão só falta babar quando você passa”.

Eu só conseguia rir, eu sabia que o MB queria ter algo, quase rolou quando cheiramos cocaína estragada no Lona Cultural, mas ela continuava: “Já sei! É por isso que não foi mais na minha casa, foi por causa dele. Que feio me trocando por homem”. E continuou brincando de eu tê-la trocado por algum carinha, quando era ela que estava namorando um encosto. Eu e a Samantha… digamos apenas que eram os anos 80.

Enquanto a conversa seguia de forma descontraída, lembro de ter visto a Sam pegar uma caixa de remédios e tomar dois comprimidos junto com um gole da bebida. Ela usava um monte de pulseiras na época, ia enfiando no braço uma atrás da outra até não caber mais. Quando se mexia, aquelas coisas tilintavam sem parar.

Então, assim guardou a caixa de volta no bolso, as pulseiras começaram a tilintar, e eu falei brincando que aquilo parecia um instrumento de percussão corporal. E ela gostou da ideia. Pegou uma caneta e anotou na mão.

Quando guardou a caneta de volta, pegou a caixa de remédios de novo e enfiou mais dois comprimidos na boca.

Eu falei: “Sam, você acabou de tomar dois desses”.

Ela perguntou: “Ah, é?”.

Eu disse: “É”.

Mas ela deu de ombros e engoliu mesmo assim.

Eu falei: “Olha lá, não vai cair nessa”.

Samantha: Aquilo me irritou. Coloquei a caixa de comprimidos na mão dela e falei: “Pode tirar os remédios de mim se está assim tão preocupada. Eu não preciso mesmo”.

Keyla: Ela simplesmente me entregou os comprimidos.

Samantha: Só que, assim que entreguei a caixa para a Keyla e vi que ela colocou no bolso, comecei a entrar em pânico. A dexedrina era uma coisa. Não tinha problema. Eu podia cheirar pó em vez de tomar anfetamina. Mas eu não conseguia dormir sem seconal.

Keyla: Fiquei surpresa com a facilidade com que ela fez isso. Entregar tudo assim e parar de tomar.

Samantha: Quando a gente chegou ao hotel, o Mata já estava no meu quarto. Eu falei: “Estou sem comprimidos vermelhos”. Ele simplesmente balançou a cabeça e pegou o telefone. Depois da ligação ele simplesmente saiu do quarto e me falou para esperar.

Era até deprimente o quanto era fácil descolar aquelas coisas. Claro, eu queria os remédios. Mas era uma coisa tediosa, repetitiva. Eu podia ter as drogas que quisesse a qualquer hora, ninguém fazia nada para me impedir.

Gustavo: Estava passando pelo corredor indo para meu quarto quando passei em frente ao da Samantha. Ela estava parada na porta, parecia nervosa e agitada. Conhecia aquela tremedeira, já tinha passado muito por ela.

Perguntei: “Está tudo bem? Precisa que chame alguém?”

Ela disse: “Não precisa não Gustavo, Está tudo em ordem. Está tudo bem. Estou só esperando o Mata chegar”.

Samantha só queria me dispensar rápido, mas eu já estive naquela situação e queria que alguém tivesse me alertado, então tentei aconselhar. Falei: ”Ele foi buscar  artane, ou cloridrato de triexifenidila? Se ele é o tipo de cara que busca esse tipo de comprimido para você, é melhor terminar. E o mais rápido possivel”.

Ela só ficou me olhando. A expressão dela… Era como a de alguém que sabia que estava cruzando todos os limites possíveis e não sabia como voltar disso.

Naquele silêncio eu decidi continuar meu caminho, mas deixei claro que se ela precisasse podia me contar comigo.

Samantha: Quando fui dormir naquela noite — acho que segurando uma taça de conhaque —, eu me ouvi dizer: “Mata, eu não quero mais continuar com você”.

Cheguei até a pensar que tinha outra mulher no quarto dizendo aquelas palavras, mas aí percebi que fui eu quem tinha dito. Ele me mandou ir dormir. E eu senti como se estivesse desaparecendo quando peguei no sono.

Quando acordei de manhã, lembrei do que tinha acontecido. Estava meio envergonhada, mas também era um alívio ter conseguido verbalizar aquilo.  Eu falei: “A gente precisa conversar sobre o que eu disse ontem à noite”.

E ele respondeu: “Você não disse nada ontem à noite”.

Eu falei: “Eu disse que não quero mais continuar com você”.

Ele deu de ombros e disse: “Sim, mas você fala esse tipo de coisa o tempo todo antes de dormir”.

Eu não fazia a menor ideia disso.

*

Os Lagostins ainda passaram por Brasília, em meio ao fechamento  da capital e cumpriram compromissos no Rio de Janeiro com participação no Globo de Ouro  incluindo a presença da Samantha Lambertini para o playback de “Honeycomb”, onde ela ganhou o disco de platina. Já Os Lagostins se aproximavam do platina duplo com a estratégia da gravadora de vender os compactos apenas junto do LP.  O último show  do ano seria no Morro da Urca.

 

Guto: Ninguém mais aguentava o Mata, o cara era insuportável, se metia onde não era chamado e só por ser um Matarazzo se achava acima de todos. Fora que ele se aproveitava da Samantha como podia.

A gente já tinha falado para ela dispensar o cara e contratar a Ellen.

Ellen: Eu não era necessariamente empresária d’Os Lagostins, era algo híbrido, como eles foram nossa primeira banda, fiquei como gerente de carreira deles, então recebia uma porcentagem deles e outra pela gravadora. Mas meio que já cuidava das coisas da Samantha, só faltava formalizar.

Recebemos uma solicitação do Estadão querendo fazer a capa do caderno de Cultura com a banda e a Tina tinha sido incisiva comigo que devíamos  incluí-la. Então aquela noite no Morro da Urca era importante.

Samantha: Eu fui burra. Arrumei uma briga com o Mata logo depois da passagem de som naquele dia.

Keyla:  O MB tinha batido na porta do meu quarto naquela tarde para trazer uma das minhas malas. De alguma forma, minhas coisas sempre acabavam se misturando com as dele. Ele estava parado na frente da minha porta, segurando a bolsa em que eu levava minhas calcinhas e sutiãs. Ele falou: “Acho que isso é seu”.

Peguei a bolsa da mão dele e revirei os olhos. E falei: “Ah, aposto que você adora pegar nas minhas calcinhas”. Estava só brincando, na verdade. Mas ele sacudiu a cabeça e respondeu: “Se for para eu pegar as suas calcinhas, prefiro conseguir isso à moda antiga”.

Eu dei risada e falei: “Cai fora daqui”.

E ele disse: “Sim, senhorita”.

E voltou para o quarto dele. Mas quando fechei a porta, eu… sei lá.

Lica: A Benê ia cobrir o último show do ano d’Os Lagostins e resolvi dar aquele apoio moral para minha amiga e de quebra ver a Samantha.

Tinha me desligado da Roll desde o Rock in Rio, eles me mandaram embora e eu mandei eles tomarem no cu — entre outras coisas, como pichar a sede da revista. Mas isso não é muito inteligente quando seu ex-chefe se torna o vocalista de uma das maiores bandas do ano, o RPM. Então estava meio difícil conseguir algo fixo e a Benê tem ouvidos muito sensíveis, ela até tentou trocar a pauta, Fui realmente ajudá-la naquele dia.

Samantha: Resolvi terminar com o Mata quando estávamos os dois sozinhos no meu quarto no hotel. Ele estava me abraçando, e eu não aguentava mais aquilo.

Fiquei esbravejando, e ele me perguntou qual era o problema, então falei: “Acho que está na hora de cada um seguir o próprio caminho”. O Mata tentou me ignorar, dizendo que eu não sabia do que estava falando. Então resolvi ser bem clara: “Eduardo Matarazzo você está demitido. Agora vai embora daqui”.

Bom, dessa vez ele não teve como não escutar.

Lica: Dessa vez eu pensei em entregar o telegrama pessoalmente, como eu conhecia todo mundo da banda, entrei no hotel e fui direto nos quartos.

Samantha: O Mata partiu para cima de mim. Estava muito puto, e chegou tão perto de mim que, enquanto falava, sentia o cuspe dele respingando no meu ombro. Ele disse: “Você ainda estaria dando para um monte de roqueiros se não fosse por mim”.

Eu não respondi, e ele me encurralou num canto do quarto. Não sabia o que ele iria fazer. Acho que nem ele sabia exatamente o que ia fazer. Quando você está numa situação como essa, sendo ameaçada por um homem, é como se tudo o que você fez para chegar até aquele momento — em que você se vê sozinha com um cara em quem não confia — passasse diante dos seus olhos.

Alguma coisa me diz que não é isso o que acontece com os homens. Eu endireitei bem o meu corpo — me sentindo totalmente sóbria, para minha surpresa — e estendi os braços na minha frente, para manter o espaço que ainda existia entre mim e ele.

Mas, então, ele deu um murro na parede e saiu do quarto,

Lica: Eu cheguei em frente ao quarto dela, a porta estava aberta e vi o final daquela cena. O Filho da puta ameaçando a Samantha, eu já estava pronta para pegar meu soco inglês no bolso da jaqueta — nunca sai sem ele. Quando ele simplesmente se virou para sair e se assustou comigo ali.

Eu falei, provocando mesmo: “Hey, você não é o Matarazzo que fracassou com a banda Zig Zag e nunca teve a música ‘mão direita’ lançada?”

Ele ficou a um palmo do meu rosto exalando ódio. 


Notas Finais


Notas de rodapé:

Marcelo Rubens Paiva é um escritor e importante figura do punk paulistano nos anos 80, inclusive ele cita os remédios: artane, cloridrato de triexifenidila e benzina, como as formas mais fáceis de quem queria se drogar mas não tinha como conseguir as drogas nos anos 80.

Em 85 José Sarney assumia depois da morte do Tancredo e já articulava para ficar cinco anos no mandato, o que de fato ocorreu em 88, ele ficou no poder de 85 até 90. Para todos que lutavam pela liberdade do voto isso foi uma tremenda facada.

O Paulo Ricardo, aquele do RPM, era editor da revista Roll antes de deslanchar com o RPM. Curiosidade que a revista foi ter seu fim justamente quando ele saiu e a revista Bizz foi lançada pela Abril.

O Mata (o nosso Supla desse universo paralelo) realmente teve a música "mão direita" censurada por falar de masturbação. Não encontrei muitas informações sobre, mas aprece que foi esse o motivo que fez a banda trocar o nome Zig Zag para Tokyo e não ficar visada pelo órgão regulador.


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Agora, assim Gustavo não confio em quem toma café descafeinado, só isso.
E a Lica é uma punk, chegou peitando o bostão do Mata, mata ele Lica, mata kkkkkk

Me contem, o que acharam do capitulo? Até a próxima!


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