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História Lanterna dos Afogados - Ghosts That We Knew


Escrita por: Lovebug

Notas do Autor


HAAAAAAAAAAAAAAAAY SAR GOSTOSA <3
Demorei um pouquinho, mas por boa causa. Tava organizando os últimos capítulos pra fechar sem furo xD
Capítulo pacífico fisicamente atribulado psicologicamente.


"Você viu minha dor, lavada na chuva
Vidros quebrados, viu o sangue correr das minhas veias
Mas você não viu falha, nenhuma rachadura em meu coração
E você se ajoelhou ao lado da minha esperança dilacerada
Mas os fantasmas que conhecíamos vão sumir de vista
E nós viveremos uma vida longa
Então me dê esperança na escuridão que eu verei a luz
Porque, oh, eles me assustaram tanto
Mas eu vou aguentar por quanto tempo você quiser
Só me prometa que nós vamos ficar bem" Mumford and Sons - Ghosts That We Knew.

A saga do photoshop mal feito continua...

Capítulo 93 - Ghosts That We Knew


Fanfic / Fanfiction Lanterna dos Afogados - Ghosts That We Knew

Desconexa.

Essa palavra era a única que conseguia pairar em meu vocabulário para exprimir como me sentia ao acordar. Açoitada por todos os acontecimentos de meu sequestro e a fatídica noite em que fui baleada, minha mente procurava desbravar uma linha de tempo palpável para que eu pudesse me apegar e trazer um pouco de sentido para a confusão mental e emocional que me encontrava.

Aguardei o retorno de Tom com desespero em meu peito, ansiando pelas respostas às minhas perguntas ainda mais desesperadas. Enquanto os minutos se prolongavam e aparentavam horas, Dra. Vivian tentava alcançar minha atenção para uma conversa, porém, sem sucesso. Eu não estava preparada para falar. Não após tudo que acontecera. Dra. Fabiana, no entanto, surpreendendo-me, pediu para que minha psiquiatra não se apressasse tanto e que minha cabeça poderia permanecer em estado de desnorteio por alguns dias; Vivian iniciou um monólogo sobre choque e Transtorno de Estresse Pós-Traumático, enfatizando minha inclinação a tê-lo. Outro transtorno na lista. Ótimo.

Por fim, convenci Vivian descansar por algumas horas e se alimentar. Trícia logo viria para cobrir seu turno e, embora não admitisse, sentia-me como um fardo para Dra. Vivian, retirando-a de Londres e de seus outros pacientes para cuidar de mim em Roma.

— Obrigada por salvar minha vida. -agradeci, quando a sós com Dra. Fabiana. Ela, esboçando um sorriso cortês, voltou seu rosto em minha direção.

— É o meu dever. -sua voz soava pacífica e algo em sua entonação fazia-me sentir relaxada. — Mas não me dê todo o crédito, você foi incrivelmente forte.

— Eu acho que nem Deus e o diabo me queiram. Por isso me mantiveram aqui. -brinquei, porém internamente sincera.

— Católica? -perguntou-me, curiosa.

— Agnóstica. Mas começo a crer que há uma força que adora me ferrar e me mantém viva para não perder a diversão. E... prefere levar as boas pessoas, como Jeremy. -entristeci-me.  

Ela ajeitou os óculos, limpando suas lentes e recolocando-os sobre o nariz.

— Eu lido com a vida e a morte diariamente, Amélia, mas o mistério que há nessas duas ainda parece maior a cada dia. -revelou. — Mas posso admitir, embora também seja agnóstica, que a sua sobrevivência é um milagre.

Aquiesci num riso infeliz.

— Há pessoas que têm prazer de viver e morrem tão cedo. Eu, que considero um fardo viver, continuo aqui. Isso tudo é tão injusto.

— Por que acha um fardo?

— Porque... merdas me seguem. Porque eu sou tão cheia de problemas e sou incapaz de enxergar o mundo com simplicidade e tenho crises existenciais até mesmo quando deveria estar feliz. Porque estou grávida, continuo grávida e sei que vou perdê-lo, assim como perdi o pai dele. Acredite em mim, eu nunca quis ser mãe, mas... agora me sinto culpada. -engoli em seco. — E porque tudo isso magoa uma pessoa que amo e que não deveria estar aqui, comigo, nesse inferno. Ele não faz parte dessa merda, ele é incrível... doce, poético, normal. E eu me sinto responsável por tudo o que acontece.

Dra. Fabiana inspirou em feição de ligeiro espanto, mas acreditava que ela era acostumada a lidar com pacientes em crise após acordarem de um coma.

— Eu conheci o pai do seu bebê e posso dizer com os poucos minutos de conversa que tive que ele se preocupa muito com você. E quanto ao Hiddleston, digo o mesmo. Os dois permaneceram aqui, juntos, lidando um com o medo do outro em perdê-la. Havia dor, angústia, ansiedade e desesperança em ambos, mas não arrependimento. -seus olhos acinzentados bondosos equilibravam a expressão sóbria de seu rosto. Tentei imaginar a situação narrada por ela, incapaz de conseguir relacionar os dois homens que viviam em guerra com os que aguardaram, juntos, por minha situação. — Se eles não a culpam, por que você se culpa?

Era uma das perguntas que eu não conseguia responder.

— Porque eu tento ser o melhor de mim, para eles. E nunca consigo.

— E por que não fala tudo isso para sua psiquiatra? Ela está afoita em busca de uma entrada para sua mente.

— Porque... há outras coisas que me atormentam e ela sabe tirar isso de mim. E eu tenho medo de enfrentá-los.

— Ela está aqui para lhe ajudar nisso, Amélia. -antes que ela pudesse me retrucar, a porta se abriu e a figura cansada de Tom adentrou. Dra. Fabiana sorriu de lado, piscando cúmplice para mim. — Eu acho que você consegue. -disse, por fim.

Nos deixou sozinhos numa atitude claramente intencional.

Hiddleston irradiava tensão em sua postura perceptivelmente retraída, quase hesitante. Não me foi preciso perguntá-lo o que lhe incomodava, pois já aguardava o que ele tinha a dizer. Era sobre Jay. Era sobre sua ausência no hospital desde que acordara. Tom aproximou-se de mim em passos lentos, reivindicando a poltrona em tempo que direcionava seu par de órbitas dilatadas e ligeiramente escuras em olheiras.

— Está mais calma? -perguntou em um sussurro precavido.

— Não, mas estou me adaptando aos níveis normais de quem acabou de sair de um coma. Cinco dias pode ser considerado coma?

— Eu não faço a mínima ideia.

Mordi os lábios, apreensiva.

— Você pode me contar o que aconteceu.

Tom se remexeu em óbvio desconforto.

— Eu não sei como... falar.

— Apenas fale. Como se tivesse dando o placar de um jogo.

— Ele se entregou à Interpol. -sua voz sobrecarregada se pronunciou. E eu o agradeci por não exaltar minha ansiedade.

Minha garganta se fechou com o impacto da notícia, obrigando-me a cobrir a boca evitando que um sonido próximo ao choro se dissipasse. Fechei os olhos, procurando o ar dificultoso que se achegava rarefeito e meu corpo petrificado se recusava a receber.

— Interpol? -gaguejei.

— O irmão dele tentou fazê-lo fugir quando lhe era possível, mas ele não quis sair daqui sem a certeza que você ficaria bem. -Tom abaixou a cabeça, movendo os dedos em inquietação. — Ele sabia que você iria se sentir culpada por isso, Amélia, e me pediu para dizê-la que a escolha foi dele. Era o plano final que ele havia arquitetado.

— Eu duvido muito que ser preso era o objetivo dele. -soei dura. — Ele... ele iria entregar o infeliz do pai dele para a Ndrangheta. Ainda havia muito a ser feito.

— Planos mudam de acordo com a situação em que nos encontramos. Você sabe que ele é inteligente o bastante para optar pelo melhor caminho, Amélia. -levitou o braço rumo à mesa lateral, apanhando uma caixa verde. Ao abri-la, deparei-me com a carteira e o celular de Jaime. — Ele pediu para que eu a entregasse isso e que dissesse a você que ele sente muito por essa escolha.

Segurei-os, trêmula.

Vestígios do perfume amadeirado surgiam de seus pertences, maltratando meus sentidos com uma vontade anelante de libertar minha aflição. Não chore em frente ao Tom. Não torne isso pior. Soprei ao relento, assentindo repetidamente em silêncio.

— Obrigada por estar com ele quando isso aconteceu. -falei atribulada.

— Eu sinto muito por isso, meu anjo. -lamentou, resvalando seus dedos sobre minhas mãos.

— Martini sendo Martini. Sempre me surpreendo com esse cretino.

— A Interpol publicou uma busca a uma fortuna que desapareceu dos cofres das famílias do território onde agiram. Por que eu acho que ele está envolvido nisso? Talvez ainda nos surpreenda. -um vestígio de humor pairava em si, ligeiramente trêmulo, como se buscasse um sorriso esperançoso meu. Apenas retribui com um balançar.

— Talvez.

 

 

 

 

 

Apertei com veemência o celular de Jay, fitando com nostalgia dolorida a foto de seu papel de parede. A tela trincada aparentava que o aparelho havia sido jogado com bastante força contra alguma superfície dura e eu imaginava perfeitamente qual fora essa situação. Minha garganta apertada sufocava-me por dentro e, por fora, as lágrimas afogavam meu rosto endurecido de curativos. Sequer acumulara coragem o bastante para explorar o que ele me deixara em seu smartphone; minha atenção jazia sobre o meu sorriso cansado na fotografia na tela de bloqueio. Era um sentimento peculiar ser surpreendia por tal recordação, uma vez que jamais pensara que ele guardava todas as minhas fotos enviadas ao decorrer dos anos.

Novembro de 2013. Ele tinha viajado numa conferência em Nova Iorque e passara quase um mês fora de Londres. E numa das noites solitárias, remoendo em saudades, o mandara aquela foto em especial. Martini nunca gostara de mensagens, mas aceitava de bom grado minhas aleatoriedades diárias. Por que você se entregou, seu cretino desgraçado? Você poderia ter fugido. Fui a culpada por sua prisão? Como você acha que eu vou me perdoar depois disso, seu maluco dos infernos?

Solucei engasgada, cobrindo a boca com as mãos para evitar que meu choro fosse ouvido por alguém além do quarto. Particularmente, Tom, que finalmente aceitara retornar ao apartamento e tomar um banho e poderia retornar a qualquer momento.

Ele já gaguejava intensamente ao me contar tudo que acontecera após minha cirurgia e não me era preciso ser mentalmente estável para compreender que ele estava em uma de suas crises de insegurança. Chorar por Jaime diante dele apenas acentuaria mais a situação desagradável que nos encontrava. Já me sentia culpada demais por ter arriscado minha vida ao salvá-lo, sem pensar nas consequências que isso traria a Tom. Não fui capaz de ocultar a agonia que a notícia da prisão de Jay me trouxera, mas preferi aparentar choque silencioso do que choro interminável. Apeguei-me as poucas indiretas que ele me dava a respeito de sua possível prisão futura e que, se isso ocorresse, teria um plano.

Entretanto, ele não fora preso. Ele se entregara. De bom grado.

Isso me instigava da mesma forma que maltratava.

Por que tudo o que ele me dissera soa como uma mentira, agora? Por que sinto que seu plano final era, desde o início, um término? Ele jamais se entregaria. A Interpol nunca o capturaria se ele não quisesse, Jay era inteligente demais para permitir isso.

Regredi à minhas memórias da clínica, porém a morfina ainda residente em meu sistema parecia confundir meu cérebro. A droga fora administrada para derrubar e manter uma mulher comum em estado de passividade até o fim do repouso, mas, julgava eu, não o suficiente para estabelecer sedação as emoções de uma transtornada. E, naquele momento, agradecia minha resistência à substância. Havia muito para ser chorado, sentido, revivido e refletido. A morte de Jeremy permanecia em meus olhos, fazendo-me paralisar constantemente e suar frio. Sentia-me como se aquele tiro que o matara partira de mim. A prisão, a não entrega de Alero à máfia rival, a expectativa de um aborto iminente e o abalo emocional de Hiddleston corroíam minhas emoções de forma tão intensa e pesada que imaginava não ser capaz de contar tudo a Vivian, mesmo se eu quisesse fazê-lo.

— Você já almoçou? -o timbre grave fez-me torcer o pescoço à porta.

— Se me trouxerem outra gelatina eu pulo por essa janela, Illya. -abaixei o celular, mantendo-o ao lado de meu quadril. Ele percebera, porém, não esboçou interesse. — Já é ruim o suficiente estar incapacitada de sair desse leito. Deveriam ter a decência de me alimentarem com algo comestível e de verdade.  

— Quando conseguir alta, prometo-lhe preparar borsch.

— Isso é algum palavrão?

— Uma sopa russa. -estreitou os olhos, corrigindo-me.

— Nem o eslovaco da minha avó soa tão estranho como a língua de vocês.

— Hiddleston entende russo. Aprenda com ele. -caminhou até mim, acomodando-se na poltrona ao lado de minha cama. Seu corpo enorme parecia reivindicar todos os espaços do móvel, fazendo-o aparentar menor do que a realidade.

— Trícia chegou? -engoli duramente, forçando-me a dissipar o choro. Illya não era igualmente afetado por emoções alheias como o habitual das pessoas que me encontravam diariamente e, embora o achasse estranhamente frio, ter alguém com quem conversar com algo além do atentado que me acontecera e as demais tragédias soava como um bálsamo.

— Eu a convenci sair do hotel com sua psiquiatra e irem para o apartamento do Martini. Avisei-a que viria olhar você enquanto isso.

Aliviei-me por sua ausência em minha crise por Jay.

— Você não tem sotaque. -troquei de assunto abruptamente, evitando retornar ao estado descontrolado que me encontrava.  

— Se me permitisse ter um, não poderia trabalhar no que trabalho. -proferiu com obviedade. — Sempre desconfiam de um cara com sotaque russo.

— Seu cabelo faz a desconfiança parecer maior, não se incomode. -gracejei. — Nunca pensou em pintá-lo?

— Gosto dele. As pessoas costumam perder muito tempo o encarando e esquecem de notar meu rosto. Ele é como um manto de invisibilidade. -justificou. Aquiesci, rindo comigo mesma com a ironia presente em seu relato. — Creio que você precise de uma boa notícia. Bernardo chegou em San Marino em segurança e quando a poeira abaixar, irá para o México.

Alarguei os lábios num sorriso imediato. A única coisa boa que fiz em toda essa merda. Seja feliz, Bernardo. Enfim você pode ser quem é.

— México, hm? Boa escolha de país.

— Se recusou a ir para os Estados Unidos por motivos óbvios. -o desdém em sua face era visível. Ainda em Guerra Fria.

— Você tem alguma notícia de Jay? -prolonguei-me, porém, em seu semblante surgiu uma pequena ruga de preocupação.

— Não. -cruzou os braços, oferecendo-me uma olhadela de nítida instigação. — Por que se martiriza tanto por uma escolha que ele fez?

— Eu não estou me culpando apenas por isso. -surpreendida com a rapidez em me ler, coloquei-me em postura de defesa.

— Sua psiquiatra disse que você está estranhamente quieta desde que acordou. E embora saiba que seu choque é o mínimo que lhe poderia ocorrer, não compreende sua resistência a ajuda psicológica. -havia interesse em suas órbitas verdes.

— Ela não entenderia o que está acontecendo. -limitei.

Illya arqueou uma de suas sobrancelhas pouco visíveis.

— Tente comigo.

Se meu rosto não doesse tanto, também levitaria as sobrancelhas em incredulidade.

— Você tem o emocional tão evoluído quanto o de um cubo de gelo, Illya, não entendo como poderia me ajudar nesse conflito interno que tenho. -hesitei.

— Eu não entendo de sentimentos humanos, mas entendo a situação que você enfrentou. Já vi o sangue que você viu, as armas, as torturas e já senti toda a dor física que você suportou. E, entre todas as pessoas, sou a melhor com qual pode compartilhar o que está sentindo sem temer ferir a moralidade delas. -expôs em voz repleta de sinceridade e, por breves momentos, empatia.

Enxerguei em sua existência intimidadora um pouco da identificação que procura no olhar de todos desde que despertara. A escuridão persistia em seus traços, na forma de aparente perturbação em suas íris, exaltando a atmosfera pesada de um passado de traumas. Sem Jaime por perto, a sensação de ter alguém com quem compartilhar todos os demônios que me atormentavam havia se extinguido. E eles sorviam de minha sanidade.

— Eu... matei pessoas. -gaguejei e, por mais que minha voz soasse como um engasgo pesaroso, prossegui. — O primeiro... tentou estuprar Bernardo e eu o salvei. Não senti remorso por isso. Ao menos pensei que não. O segundo caçava o grupo com qual fugi do cárcere e eu fui sua isca para permitir que os outros fugissem. Eu atirei com mais raiva e medo do que preocupação. Não hesitei. Mas agora isso me corrói, pesa em minha sanidade, tira meus poucos segundos de ar, sufoca, perturba. E eu não... eu não... quero me sentir culpada por ter matado criminosos e ter protegido aquelas pessoas ao fazê-lo.

— Tirar uma vida nunca é fácil, mesmo que essa vida seja de uma pessoa ruim. Há uma carga emocional e moral por trás de cada alvo e, por mais que tentemos não assumir, um pouco de nossa humanidade se desfaz a cada morte. A vida passa a fazer menos sentido, soa frágil e fútil. Tudo se torna frio. -piscou sequencialmente em ligeiro atordoamento. — Em um momento qualquer podemos morrer. Ou matar. E essa interligação com qual somos obrigados a perceber permanece conosco até o fim, não há psiquiatra que nos faça esquecer o que ocorreu.

Ofeguei.

— Então... como lidar?

— Se soubesse, eu seria uma pessoa mais fácil. -inclinou-se levemente. — Mas é uma boa ideia balancear as perdas e os ganhos. Quantas vidas salvou ao tirar uma.

— Eu não sou um juiz para decidir quem vive ou quem morre. -relutei. Illya inspirou.

— O que os juízes que sentenciam os outros à morte tem de diferente de você para que os julgue como capacitados? Eles não saem de suas vidas de prestígio, de seus fóruns e certamente nunca viram uma morte com os próprios olhos. O jogo da vida é como um videogame para eles, Amélia. Você esteve em campo, você enfrentou a morte. Você assistiu o pior de cada ser humano que conheceu e viu o que eles conseguem fazer quando se unem. A quantidade de vidas que ferram, torturam e matam. E diante disso, você só tinha uma escolha: deixar com que eles fizessem o mesmo com você e seus companheiros, ou fazer algo a respeito disso.

Engoli em seco, permitindo-me ponderar diante de seus argumentos. A morte era uma questão muito acima de mim para que eu a dissecasse e estudasse; compreender o seu efeito em mim, muito menos. Apenas era capaz de sentir o quanto tirar a vida dos homens terríveis que tentavam nos maltratar tornava minha pouca moralidade sôfrega e minha sanidade ainda mais questionável. Talvez aquilo transformasse minha percepção do mundo para sempre. Talvez me tornasse fria, distante, indiferente. Ou o contrário.

Naquele instante, a única coisa com qual recebia alguma certeza era que me sentia tão suja quanto eles.

— Pelo menos em todo esse inferno eu consegui salvar Bernardo.

Ele concordou.

— Finalmente poderá ser quem é. -acrescentou.

— Você não me parece alguém que apoia a causa LGBTQ. -observei.

— Porque sou assexual? -indagou.

 — Assexuais não fazem parte da sigla?

— Sim. Não que a comunidade leve isso em consideração… 

— As siglas principais adoram invalidar as outras. Sou bi, eu entendo. Mas, não, não é porque você é assexual, é porque você me parece um típico russo mal-humorado e tradicional.

— Mal humorado, sim, babaca não. É fato científico que pessoas que desaprovam o comportamento humano de se apaixonar além de questões padronizadas pela sociedade são acéfalos indignos do ar que respiram. Há homossexuais no reino animal e a única espécie que é idiota o suficiente para lidar com isso como algo anormal é o ser humano. Animais consideram suas espécies como igualitárias, sem preconceitos e ignorância entre gêneros. Seres humanos têm preconceitos entre cor de pele, raças, línguas e subordina mulheres a merdas ilógicas. Isso mostra as ironias da evolução. -seu monólogo era, além de acalentador e surpreendente, estranhamente agradável de ouvir. Sua voz rouca era o típico exemplo de timbre perfeito para longas conversas, incapaz de soar tediosa ou irritante. — E é por isso que eu prefiro manter distância de pessoas, Amélia.

— Você é igualmente sinistro e racional. Pelo menos não é um mercenário psicopata que apenas mata por dinheiro. -grunhi.

— Eu nunca matei só por dinheiro, tenho boas condições financeiras e um emprego normal. -revelou. — Descanse. Você não vai sair daqui enquanto não deixar sua cabeça alheia aos problemas ao redor.

Assenti.

— O que você faz quando não está em seus negócios... ilegais?

— Doutor em física e fã compulsivo de ficção científica.

Franzi o cenho, incrédula.

— Eu sou a única academicamente fodida nesse grupo? Como você...

— Eu tenho a cabeça muito boa para cálculos e ciências. Talvez isso venha com o pacote de ter sido criado para não ter muita inteligência emocional. -gracejou. — Outro motivo para descansar: se recupere e volte para a faculdade.

Julguei-me ainda mais insana ao ouvir conselhos de um mercenário, contudo, diante de sua visão simplificada do inferno que era seu conflito moral, senti-me menos letal do que imaginara ser ao me culpabilizar pelo fim dos criminosos. Por mais que tal pensamento fosse errôneo, preferi apegar-me a ele do que enfrentar os sequenciais golpes que minha mente aplicava em mim. Perpetuei nossa conversa através da tarde monótona do hospital, negando-me a abraçar minha crise emocional. Illya tinha uma maneira questionável de prender uma conversação por longos minutos e, embora odiasse falar, senti que com o passar do tempo, ele enxergava em mim a mesma identificação que os transtornados sentiam quando próximos um do outro. Encarei-o e evitei julgá-lo por sua lista de baixas passada. Não podia acusá-lo, uma vez que Jay também mantinha uma e, agora, eu.

Talvez eu devesse retornar à clínica quando saísse da Itália.

Pedi para um enfermeiro aumentar a morfina ao primeiro sinal de dor e, atordoada com minhas emoções e o cansaço de lidar com elas, adormeci por algumas horas até o fim da tarde.

 

 

 

 

 

 

A noite se anunciou com uma nevasca amigável. Através dos visores de meu quarto, assisti a dança dos flocos de gelo despencar em sincronia, tornando o horizonte pálido e levemente melancólico; a velha Roma fazia-me sentir num romance trágico do século passado, esse enfatizado pela arquitetura secular. Não pude evitar de imaginar a quantidade de histórias que passaram pelo solo em que me encontrava, quantos grandes inventores, pintores, escritores e filósofos já não haviam revolucionado o mundo em que vivíamos. Hiddleston voltara ao hospital em sincronia ao meu despertar e, para minha aprazida surpresa, trouxera uma edição de Romeu e Julieta e uma sacola decorada detalhadamente que, mesmo à distância, aparentava vir de um local elegante. E como se lesse meus pensamentos, ela provinha de uma loja de chocolates.

— Imagino que esse seja o livro perfeito para lermos em Roma, não acha? A intensidade de nossa criatividade ao remontar as cenas se multiplicará nesse cenário perfeito. -achegou-se vistoso, descortinando sua postura cortês. — Pedi permissão à sua médica, pode comer sem medo. E falei para Trícia fazer companhia a Vivian, para que pudéssemos ter um momento a sós. -repousou uma caixa dourada sobre minhas pernas, evidenciando os delicados doces decorados. Meu estômago reclamou em fome e desejo.

— Você é a melhor pessoa do mundo, Shakespeare. -agradeci, comovida. Ele traçou meu rosto com os dedos, agraciando-me com um beijo na testa. Pude sentir o perfume cítrico irromper de seu cachecol cinza diretamente em minhas narinas, tocando-me sutilmente com a fragrância frutífera que tanto se assemelhava a tangerinas.

Se a ideia não me parecesse impossível antes, Tom quebrara as leis da física e aparentava ainda mais bonito com sua nova escolha de roupas escuras. A calça jeans de uma tonalidade próxima preta em junção à sua camisa de mangas longas de caxemira numa nuance um pouco mais fechada alongava sua altura e cobria seu corpo com elegância sombria. O casaco verde escuro muito neutro contrastava diretamente com o mesmo cachecol perfumado. Os óculos de armação quadrada emolduravam seu rosto angelical com distinção. Loki sentiria orgulho.

— Você está encarando. -sibilou de expressão divertida.

— O quanto você é bonito. -adicionei em voz alta, sem dar-me conta da ação. Tom ressonou um riso.

— Fico honrado que a visão a agrade. -reverenciou, provocativo.

— Você faz de propósito. Eu acabei de levar um tiro, Tom Hiddleston, tenha piedade de mim!

— Creio que me arrumar para ver minha garota seja algo bom, não um atentado contra a saúde dela. -pontuou ainda zombeteiro, suscitando-me um sorriso.

— Não quando você é gostoso o bastante para me fazer enfartar.

— Está começando a soar como minhas fãs. -alertou-me.

— Eu compreendo a dor delas. -expirei. — Eu pensei que nunca mais o veria, Shakespeare, e a cada vez que olho pra você me lembro que sobrevivi.  

— Sim, sobreviveu. Vamos comemorar.

Hiddleston se acomodou na poltrona, desfazendo-se do nó do cachecol; corrigiu os óculos sobre o nariz levemente rosado de frio e dedilhou o pescoço, como habitualmente fazia. Eu não fazia ideia se minha excessiva atenção sobre ele era uma reação ao desespero anterior de partir sem vê-lo ou se a morfina equilibrava meus conflitos para que minha visão romântica se desprendesse. De uma forma ou de outra, a mera presença de Tom foi capaz de aquecer meu peito angustiado. Vê-lo torrencialmente menos tenso em minha companhia facilitava minha jornada de culpa sobre sua ansiedade.

— Como você está se sentindo? -perguntou-me pela terceira vez no dia.

— Embargada. Há muito o que... digerir. -fitei o verde azulado de suas íris gentis, encontrando-as ligeiramente mais descansadas em relação à primeira vez que as vira quando acordara.

— Eu estou aqui para ajudá-la nisso. -ofereceu-se pacificamente, encobrindo minha mão com sua enorme palma. E a cada vez que repetia esse movimento, sorria.

— Não duvidei disso um segundo sequer, inglesinho. -rodeei seus dedos, sentindo o toque de sua pele cálida. — E... obrigada por ter sido sincera comigo em relação ao que aconteceu com Jay.

Tom aquiesceu lentamente, franzindo o cenho em contrição.

— Me levou um tempo para enfrentá-la com tudo o que ocorreu, mas, talvez pela primeira vez em minha vida, não permiti que minha insegurança atrapalhasse nossa comunicação. -admitiu.

Não me era preciso ser uma analista para visualizar que, apesar de sua atuação extraordinária, Hiddleston ainda se comportava retraído, como se algo lhe incomodasse. Receava que Jaime lhe dissera algo grosseiro antes de partir. Algo relacionado a mim. Mesmo que Tom afirmasse que Jay fora mais empático do que jamais demonstrara ser e que lhe confiara seus pertences para me entregar, sentia que ele responsável de alguma forma pelo jeito com qual Shakespeare me olhava.

Havia ansiedade em suas órbitas.

Como se aguardasse que eu falasse algo de exímia importância a qualquer momento. Era o olhar que me acompanhara durante seu momento de coragem pela manhã, onde me detalhara o que ocorrera e aguardava que eu surtasse, novamente. E por causa disso, ao notá-lo, forcei todo o pouco autocontrole que adquirira no sequestro para esconder minha fragilidade e ocultara minha ânsia de gritar, chorar, entregar-me à aflição que carregava.

Apanhei um dos pequenos chocolates, direcionando-o aos lábios finos de Tom. Ele entortou um sorriso, envolvendo o doce com a boca e mastigando-o paulatinamente; um grunhido aprazido brotou de sua garganta e se espalhou em forma de prazer em seu rosto, descortinando o bom sabor que provara. Pesquei outro, quebrando-o com os dentes. O chocolate explodiu em meu paladar, acentuado por um toque amargo que tanto gostava. O recheio contradizia e acrescentava curiosidade na iguaria, esse com um tom de laranja.

— Eu acho que esse é o melhor chocolate que eu já comi. -elogiei e, em resposta, Tom sequestrara outro da caixa.

— Faço das suas palavras as minhas. -piscou.

Hiddleston os comia como uma criança compulsiva. Sorri da rapidez com qual os mastigava, tão semelhante as minhas crises de pânico onde descontava em comida. O que, embora involuntariamente, embasou minha perspectiva que Tom sofria de ansiedade quando próximo de mim. Camuflei o descontentamento. Estou fodendo com a vida desse homem. Como sempre faço com todos. Por que ele continua comigo?

— Você falou com Luke? -questionei, volteando aos chocolates. Tom maneou a cabeça positivamente.

— Ele lhe desejou melhoras.

— Você não contou a verdade do que aconteceu, não é? -arrisquei.

— Eu tive que contar. -pausou, fitando-me com hesitação. — Ele me conhece o suficiente para saber quando estou mentindo. E não acreditariam em qualquer desculpa que conseguisse montar.

Engoli em seco.

— Como ele lidou?

— Ele já desconfiava do passado do Martini. Connan o conhece desde a faculdade. -soprou. — Só não contei que me meti na história para ajudá-lo, ou ele enviaria toda a Scotland Yard para me levar à força para Londres. Ele apenas sabe que saí às pressas das filmagens de Kong ao saber que você estava no hospital.

— Você não vai ter problemas com o diretor por isso? -preocupei-me.

— Eu disse a ele que minha namorada estava internada após reagir a um assalto e ser baleada. -seu timbre revelava pouca confiança, como se receasse me revelar.

— Namorada? -repliquei em humor, surpresa.

— Ele não entenderia o que nós temos. -justificou.

— É uma honra ser a sua namorada aos olhos do diretor.

Tom reivindicou outro bombom.

— Ninguém acreditou que tenho uma namorada. -motejou.

— Por quê? Você é tão difícil de se conquistar assim, Hid? -retruquei tanto em humor como em curiosidade.

— Sou conhecido por não me entregar a ninguém. Bem, não é muito fácil ser solteiro aos 35 anos no mundo da mídia. Começam a especular que você é gay ou, no pior dos casos, que é uma pessoa difícil de se relacionar. Ou um mulherengo incapaz de seriedade.

— Tom Hiddleston, o lobo solitário. Eu conheci esse cara. -brinquei, permitindo-me sentir nostálgica com nosso primeiro encontro. — “Rosas são vermelhas, violetas são azuis, vodca custa menos que um jantar para dois”.

Ele gargalhou.

— Você ainda se recorda dessa frase infame que lhe disse? -questionou em descrença.

— Nada mais me surpreendeu desde Shakesbeer.

— Bem, então deixe-me entretê-la com um pouco de Shakesbeer, se me permite. -posicionou o livro nas mãos, encarando-me derradeiramente sobre as lentes dos óculos. — Fique à vontade para acrescentar visões e interpretações. Ficaria lisonjeado se discutíssemos nossos pontos de vistas em relação ao Bardo.

— Você faz uma leitura noturna soar como a bancada do meu TCC de Literatura Inglesa.

Hiddleston iniciou o primeiro Ato com a voz tranquila, narrando pacificamente os acontecimentos ao decorrer das páginas, porém incapaz de não incorporar cada personagem em seu timbre atuante. Era como ter um espetáculo discreto e íntimo de um ator shakespeariano premiado ao lado de minha cama e, relembrando-me que de fato ele era, sentia-me ainda mais honrada e encantada. E com o passar das cenas, aprofundando-me na melancolia do amor proibido de Romeu e Julieta, visualizei minha própria angústia diante dos homens que amava e, sem ser capaz de escolher, magoava ambos. Me magoava.

Entretanto, em imediato o timbre delicioso da voz de Tom me retirava de meus devaneios, fazendo-me perder em suas nuances e adaptações a cada emoção descrita. Às vezes, pegando-o de surpresa, recitava algumas falas de Julieta para ele, suscitando-lhe um olhar lisonjeiro e admirado. Quando entrávamos em sincronia, ele abaixava o livro, nos entreolhávamos como se buscássemos mergulhar um na íris do outro e falávamos em conjunto. Ele, como Romeu. Eu, Julieta. Entre nossa interação espontânea, secretava-o algumas modificações da tradução para o português e como isso afetava o entendimento de algumas cenas. Hiddleston demonstrara interesse na extensão de minha linguagem.

— Português é como uma dançarina de humor volátil e apaixonada demais. Não é fixa e direta como o inglês. Você consegue arranjar dezenas de significados para cada frase dita e cada vírgula fora do lugar. -detalhei.

— Vou adicionar em minha lista de desejos a se cumprir antes da morte aprender português e ler a obra completa de Shakespeare na versão de vocês. -reafirmou.

Ele teria um longo trabalho.

Então alcançamos o Ato II, cena I, a passagem de Mercúcio e seus conselhos questionáveis. Tom tornou a voz mais rouca, avançando entre o Ato com maestria e simplicidade.  

“If love be blind, love cannot hit the mark

(Se o amor é cego, nunca acerta no alvo)

Now will he sit under a medlar tree

(Agora vai sentar-se sob a fronde de um nespereiro)

And wish his mistress were that kind of fruit

(A desejar que a amada fosse a fruta)

As maids call medlars when they laugh alone

(Que as jovens chamam de nêspera, quando riem sozinhas)

O Romeo, that she were! Oh, that she were

(Ó Romeu! Se ela fosse)

An open arse, and thou a poperin pear

(Um "et cetera" aberto, e tu, pêra açucarada)

 

Uma risada sobrepôs sua voz e, compreendendo a quebra de sua concentração, explorei sua oscilação.

— O que foi? -interroguei.

Suas bochechas levemente coradas se arquearam em outro sorriso, porém obstinadamente travesso.

— Você percebeu a ambiguidade que Shakespeare deixou implícito nessa passagem de Mercúcio? -replicou.

Mordi os lábios, camuflando um riso.

— Algo além do 'open arse'?

— Algo que explica essa expressão.

Estreitei os olhos.

— Eu tenho uma ideia, mas nada me deixaria mais satisfeita que assistir Tom Hiddleston expor sua análise sobre esse diálogo. -virei-me dificultosamente, apoiando meu rosto no travesseiro para observá-lo melhor.

— Você é uma libertina sem cura. -acusou em tom humorado.

— Me explique, professor Hiddleston. -insisti, incapaz de ocultar minha expectativa quanto ao que viria a seguir. Era como realizar o maior fetiche literário da história da minha vida. Tom dissecando Shakespeare. Não somente isso, mas como um dos trechos mais teorizados do livro.

Tom remexeu os óculos, atiçando-me. Era visível seu divertimento em entrar no personagem.

— Volte ao estreito em que Mercúcio pede a Romeu se sentar próximo a um nespereiro.

— Estou lá, senhor. –sibilei. A impossibilidade de encaixar a malícia em minhas palavras o fez arfar libidinoso.

— Há algo curioso implantado pelo Bardo nessa passagem. Para os Elisabetanos, o fruto do nespereiro esboça um formato peculiar que remete a uma certa parte do corpo feminino. -iniciou sua análise, induzindo-me a grunhir.

— É o que estou pensando, professor Hiddleston?

— Eis que alcançamos sua observação sobre o 'open-arse', srta. Novak. Shakespeare, como pai de um terço de nossa linguagem, não pôde deixar de criar uma expressão poética para se referir à intimidade feminina. Foi então que conhecemos o que hoje chamamos de 'arse’. -a forma com qual seu sotaque pronunciava, explicando a origem da palavra ‘bunda’ era estranhamente erótica.

— Certo, então o Bardo criou a palavra bunda. -até então Hiddleston dissera apenas o significado literal da expressão, porém ao embasar com o período elisabetano, explicava-me coisas que nem mesmo em minha faculdade aprendera. Mal podia aguardar até onde sua linha de pensamento iria.

— Precisamente. -tentou se mantiver sério, porém as extremidades arrebitadas de seus lábios o traíam. — Aproveitando esse embarque na etimologia das palavras, volte ao termo 'poperin pear'.

— Desmembre esse significado para mim, senhor.

— Então nosso idolatrado Bardo adicionou propositalmente essa expressão para soar, sem dúvidas alguma, como 'pop-her-in’. O que hoje, significa...

— Foder. -respondi.

— Diga-me o total significado do que Mercúcio quis dizer. -estendeu a mão para mim, dando-me o momento de fala. Segurando o riso, prossegui.

— Ele, com a lábia cortês de um lorde shakesperiano, professor, mandou Romeu foder a bunda da gostosa.

O sonido da gargalhada de Tom preencheu o quarto, ecoando seu ‘ehehehe’ em tempo que seus ombros balançavam em humor. A cabeça erguida, a boca aberta e os dentes à amostra davam-no uma expressão de divertimento infantil que, definitivamente, era um dos momentos onde ele se tornava ainda mais irresistível.

— Você traduziu de uma forma mais rude do que eu imaginava. Como sempre, nunca me desaponta. -elogiou. Gabei-me.

— Posso dizer que sou a única pessoa que ouviu Tom Hiddleston dar uma aula sobre o contexto depravado de Shakespeare. A bala não me matou, inglesinho, mas certamente me levou ao céu da literatura.

Tom fechou o livro, dedicando-me uma olhada ainda de teor humorado.

— É um tipo de presente divino ter alguém como você para discutir essas trivialidades shakespearianas. -disse. Um calor percorreu meu rosto e desceu ao estômago, revivendo minhas borboletas poéticas. O frio na barriga me fez rir.

— A recíproca é duplamente verdadeira. -ergui as sobrancelhas. — Devo arriscar, também, que a preferência dos amantes do Bardo por traseiros é notável.

Tom entreabriu os lábios em falso espanto, apontando para si próprio.

— Perdão, isso foi uma indireta?

— Tão direta quanto um tijolo na cabeça, inglesinho. -afirmei.

— Para minha defesa, sua bunda deixaria Mercúcio abalado e eu a tive em minha cama. Um marco histórico, de fato.

Foi a minha vez de gargalhar.

— Eu acho que esse foi o melhor elogio que já recebi!

— Ver esse sorriso em sua boca é eternamente gratificante.

Encarei-o, guardando para mim sua pequena, porém tão significativa declaração.

— Obrigada por isso. Por me fazer rir depois de tanta merda.

Seus dedos se entrelaçaram nos meus.

— Tudo por você. -piscou, cúmplice.

— Posso pedir mais uma coisa? -perguntei, receosa.

— Tudo o que quiser.

— Volte para seu trabalho. Eu amo tê-lo aqui, comigo, Shakespeare, mas sei que estou atrasando suas filmagens. Mal posso imaginar o quão encrencado você deve estar por minha culpa. Sei que conversou com o diretor, mas sei que há eventos públicos de High Rise e The Night Manager, também. Eles estreiam próximo mês!

— Não pense nisso. Você realmente acredita que eu seria capaz de enfrentar repórteres ou entrar em qualquer personagem enquanto minha mente continua aqui, com você?

Estendi a mão à gola de sua camisa, retirando uma migalha de chocolate presa em tempo que friccionava as pontas dos dedos em seu pescoço.

— Você não vai saber se não tentar. -rebati, atraindo seu olhar. — Eu estou bem, Tom. Estou me recuperando e logo poderei retornar à Londres. Vivian e Trícia estão cuidando de mim. Eu quero que você volte a sua rotina e cumpra seus deveres. Nada me deixaria mais feliz que ver meu Hiddleston em ação.

Um sorriso iluminou sua face.

Seu Hiddleston?

— Meu e de mais milhares de fãs. E não é justo eu tê-lo apenas para mim. -balbuciei, esforçando-me ao máximo para não esboçar minha culpa por fazê-lo correr à Itália.

— Você tem certeza que quer que eu vá? -indagou.

— Assistir sua carreira decolar é o melhor remédio que eu poderia receber agora. -confirmei.

Tom, apesar de transparecer frustração, assentiu. Ele sabia que precisava ir.

— Agendarei um voo para amanhã à noite. Prometa-me uma vídeo chamada todos os dias e fotos da sua recuperação. -pediu.

— Prometa-me uma vídeo chamada vestido de Loki.

Ele arfou em gracejo.

— Estou filmando apenas Kong por enquanto. Thor apenas em agosto. -informou, obrigando-me a grunhir em desapontamento. — Mas quando agosto chegar, prometo atividades mais interessantes que uma vídeo chamada.

— Eu sempre sonhei em transar com você vestido como ele. -assumi sem hesitação e culpabilizei o sedativo. Tom ofereceu-me um semblante lascivo.

— Deveras interessante essa nova descoberta, senhorita. Preciso saber de algo mais? -provocou, tentado.

— Com o elmo. Eu quero segurar seus chifres enquanto você...

— Não me faça imaginar e ter uma ereção em pleno hospital. -interrompeu.

— Estou fazendo uma lista para cumprirmos quando eu melhorar. Espero que tenha energias para mim quando esse dia chegar, inglesinho. -admiti o que planejei, embora a ideia me parecesse tão distante após tudo o que ocorrera.  

— Considere feito.

— Aguardarei.

— É bom ver que sua libido continua intocável, libertina. -havia um alívio ao dizê-lo. Não pude deixar de me entristecer ao imaginar quais situações passaram por sua mente enquanto eu estava desacordada.

— Não é uma desfeita ter você por perto e não aproveitar? -repliquei.

— Mantenha sua excitação para nossas conversas à distância, porque certamente precisarei disso para enfrentar o cotidiano anormal da Austrália. -requisitou.

— O que te preocupa?

— Bichos e insetos enormes. Aranhas gigantes. Criaturas que parecem Pokemóns. -listou.

— Você vai enfrentar o Kong, querido, insetos não deveriam lhe incomodar. -gracejei.

— Você não vale nada. -resmungou, fazendo-me rir. Hiddleston fitou o relógio de pulso, sustentando uma feição assustada.

— Já é madrugada e você está acordada. Dra. Fabiana vai comer meu fígado. -levantou-se, reivindicando a caixa vazia de bombons de minha perna; marchou até uma pequena lixeira de metal no lado oposto do quarto e jogou-a. Pousou o livro sobre a pequena mesa de apoio ao lado de meu leito, juntamente à carteira que Jay me deixara. Apalpei seu celular ao lado de meu quadril, prometendo vasculhá-lo quando reunisse coragem o suficiente.

Tom se sentou no pequeno espaço livre ao meu lado, direcionando sua grande palma sobre as laterais de meu rosto. Fitei-o, numa mistura de encanto e felicidade pela chance de vê-lo novamente. A ideia de morrer sem despedir-me dele ainda me assombrava.

—  Eu acho que você vai ser a loira pelo qual Kong se apaixonará. -sussurrei e, em reação, Shakespeare fechou os olhos num riso contido.

— Essa loira é compromissada. -beijou-me a testa, novamente. Circundei seu pescoço com delicadeza, desviando sua atenção até mim. Seu nariz tocou no meu, em conjunto ao ar quente de sua respiração compassada. Notei que suas pupilas oscilaram por breves segundos até que se estreitassem em reflexo as minhas.

— Diga-me o que está incomodando você. -murmurei.

— Nada. -negou simplesmente. — Tente descansar. Você precisa repor suas forças.

Seus lábios roçaram os meus demoradamente, mas sem aprofundar o beijo. Não era capaz de acreditar em sua negação, mas sabia que não podia arrancar o que ele ocultara dentro de si. Apenas o tempo me responderia. E, ciente desse aspecto de sua personalidade complexa, apenas me conformei. Roguei para que não fosse diretamente culpada em seu retraimento e que meu pedido para que ele retornasse ao trabalho lhe magoara. Tantas possibilidades me machucaram a mente que, por fim, quem se tornou incomodada, fui eu. 


Notas Finais


Shakespeare foi mais libertino do que cês pensam. Até sobre sexo pelas portas traseiras o cara escreveu.
Nem só de romance vive um homem, não é mesmo?


Amélia aprendeu direitinho com Jay e começou a adotar a tática de usar máscaras pra esconder o que sente. Ela pode até ser emocionalmente instável, mas que luta pra não jogar toda a merda sobre o Tom, ela luta.
Enquanto Tom, acho que nem preciso dizer o que o fez ficar meio retraído perto dela. Insegurança prevalece.
De agora em diante, os capítulos serão mais apressados na narrativa porque não há mais tempo a perder. Tom logo volta. E pelo o que ando planejando, vamos chegar no máximo até o capítulo 103.
Não se preocupem, Team Jay, o final alternativo será postado como outra fanfic :D

Sem os terrorismos diários, fico até sem ter o que escrever nas notas finais HAUAHUAHAUAHAUAHAUAHAUA

Apenas agradeço os novos favoritos, minha santa Inês Brasil, qq isso! Muito obrigada mesmo por esse número incrível que alcançamos! E obrigada a cada uma de vocês que sempre aparecem aqui <3

BEJO


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