Kang Jiu's P.O.V.
Demoro-me diante dos enormes espelhos do banheiro feminino, no mesmo andar do salão do baile. A porta se abre e interrompe o silêncio do cômodo, trazendo consigo os ruídos exteriores da música e os burburinhos de conversas dos convidados. Duas Ômegas altas como modelos seguem até as pias e miram seus reflexos perfeitos para retocar suas maquiagens. Elas são muito lindas, mesmo mascaradas. Parecem artistas. Recolho-me a minha insignificância e me preparo para sair depressiva, pensando em fugir, mas ouço algo e paro.
Estática.
As duas Ômegas falam no nome de Jeon Jungkook.
— Você viu o Sr. Jeon? Ele sempre escolhe as Sugar Baby's dele no início do baile, todos os anos. É quase uma tradição, mas até agora está sozinho... O que será que ele está aprontando? — Uma delas diz entre sorrisinhos. Seus cabelos são longos e escuros e o rosto ovalado tem proporções perfeitas.
Tiro o batom vermelho da minha carteira e finjo retocar minha boca. Removo um borrado inexistente em um canto e confiro se o delineador em minhas pálpebras está perfeito. Ganho tempo porque preciso saber mais sobre isso. Se Jeon está agindo de modo suspeito, é melhor eu saber. Muitos culpados traiçoeiros plantam pistas falsas e se passam por pretensas vítimas em crimes como o que matou do deputado Park. E eu adoraria prender esse Alfa, porque não vou mesmo com a cara dele. Já descobri qual é o meu sonho de princesa.
Prender Jeon Jungkook.
— Não sei qual é o plano dele, mas... Aish! Queria que ele me patrocinasse.
— Ele é dos que se relacionam com as Baby's... — As duas se olham. — A Yumi disse que ele tem um pau maravilhoso.
Ah, não. Fãs. Resmungo mentalmente e me controlo para não revirar os olhos enquanto ouço a conversa e penso até em abandonar o banheiro quando elas soltam risinhos nervosos.
— A Ann disse que ele fez o melhor oral da vida dela. Ela disse que valeu à pena implorar pra ser Sugar Baby dele por mais um período curto, porque ela nunca foi tão feliz. — A outra fala baixinho. — Preciso experimentar isso, oras. Mas, já vim preparada. Eu estudei tudo da vida dele pra saber o que conversar e como atrair sua atenção.
— Amiga, só que tem um problema. Ele não patrocina por muito tempo... Três meses é muito pouco.
— Dizem que ele é um dos mais generosos, em compensação. — Fecho a tampa do batom e dou uma última conferida no espelho, porque essas aí não tem nada para dizer. — Saudade, eu sinto mesmo é do deputado Park... Ele era um Daddy tão bondoso. — Tusso baixinho por ter engolido o ar rápido demais e as duas olham para mim. — Você está bem? — A Ômega me olha preocupada.
— Sim... É que... — Pigarreio. — Eu não estava ouvindo a conversa de vocês, me desculpem, mas... É que... O Jimin era mesmo um bom Daddy. — Curvo os lábios para baixo e mudo a expressão de adrenalina para tristeza.
— Você foi patrocinada dele também? — A outra Ômega pergunta, com um ar de luto.
— Eu? — Aponto para mim mesma, desconcertada. Arregalo os olhos e assinto, baixando a cabeça, dissimulada. — Sim. Foi um período curto, mas nunca vou esquecer... Ele era tão bom.
— Ah... É muito ruim quando esse tipo de coisa acontece. — A fã do Jeon fala pesarosa. — Deputado Park era bem seleto nas escolhas dele. E todas as meninas dizem que ele era um fofo, que nunca nem se insinuou pra nenhuma Baby, só deixava que elas escolhessem se queriam ou não ficar com ele.
— Um fofo, realmente. — Aceno para concordar. — Eu nem sei como ele morreu... Quando soube da notícia, não quis ver mais nada, porque... Dói pensar que ele... Sabe... — Faço as palavras sumirem da minha boca e quase choro. Por dentro eu penso em fazer um teste para o próximo drama de comédia romântica da TV.
— Aigoo... As meninas sempre pedem pra não comentar com ninguém, mas tem gente dizendo que foi por causa do Taehyung.
— Taehyung?! — Ergo a cabeça de vez, surpresa por ter um nome tão depressa. Quem é esse tal de Taehyung?
— Pois é! Eu também fiquei chocada, menina. — A Ômega de cabelos escuros balança a cabeça. Seus lábios se movem por baixo da máscara que ela usa, e ela suspira. — Assim, o Taehyung é um doce de pessoa, mas todo mundo sabe que ele é um Ômega ciumento e passou quase dois anos como patrocinado fixo do deputado Park.
— Ah... É. - Concordo, sem fazer a mínima ideia do que elas falam. — Ele é mesmo muito ciumento, mas não sei se seria capaz de matar alguém. Ele já teve alguma obsessão por outro patrocinador?
— Teve sim. Você está aqui há quanto tempo? Porque assim... No primeiro ano dele aqui, teve aquela história lá com aquela mulher Alfa, que deu briga e tudo mais. — A Ômega gesticula com as mãos. — Ih... Foi um rolo. Ele ameaçou até suicídio. Parece que os dois namoravam mesmo, mas ele queria levar o relacionamento a diante e a Alfa ricaça queria desfazer o contrato de patrocínio e pegar outro Sugar Baby.
— Não sabia dessa história, menina. — Falo como se estivesse realmente surpresa.
— É, as pessoas evitavam falar disso pras patrocinadas do deputado Park, justamente pra elas não sentirem medo de se filiar a ele. — A fã do Jeon dá de ombros. — Mas, enfim, né? Ninguém sabe se o Tae fez isso mesmo, e não tem nem suspeito desse crime ridículo. Não podemos nem falar sobre isso. — Ela suspira e fita a amiga. — Vamos, eu quero conversar logo com o Sr. Jeon.
— Ah... Boa sorte com ele. — Falo por fim e ela me olha.
— Sr. Jeon e Deputado Park eram amigos íntimos. Você o conhece? — Seus olhos se estreitam e eu me empertigo.
— É, conheço. Não curto muito o jeito dele. É muito... Agressivo. — Gesticulo com as mãos, porque não quero ter a antipatia de ninguém a essa hora, e essas mulheres parecem saber mais do que me contaram. — Assim, não conheço o pinto maravilhoso dele, se era isso que queria me perguntar. — Sorrio mais abertamente e as duas me olham sérias. Talvez a piada tenha sido ruim.
Então, sem aviso, elas soltam gargalhadas.
— Você é engraçada! — A fã do Jeon fala, sorridente. — Vamos trocar os números, pra gente se ver. Gostei de você.
— Claro, amiga! — Falo ainda mais entusiasmada, porque preciso dos contatos delas para saber mais sobre esse Taehyung. A moça saca o celular caríssimo de sua bolsa de grife caríssima e eu quase tusso. — Anota aí o meu e me dá um toque que eu te adiciono, mana. — Faço um sinal positivo com o polegar, porque não posso mostrar meu celular obsoleto com a tela quebrada agora. Bem, não é que eu não ganhe bem no meu serviço, mas não tenho o padrão de vida de uma Sugar Baby.
Depois de trocar os contatos com as duas modelos, nós três saímos do banheiro e elas se distanciam de mim. É quando reparo que todas as Ômegas parecem ser tão ricas quanto os Alfas que se acumulam no Baile de Boas-Vindas de Lascívia. Aí eu me pergunto: Eu sei que é um disfarce e tal, mas... E se eu me tornar mesmo uma Sugar Baby? Será que algum desses caras paga meus boletos?
Porque, assim, eu já cumpri muitas missões especiais em minha vida, mas nunca imaginei que um dia frequentaria um lugar com tantos Alfas milionários por metro quadrado dispostos a sustentar Ômegas. É tanta gente rica, que eu fico confusa. Não sei se me sento em um canto, como uns petiscos e fico bêbada para esquecer meus problemas financeiros, ou se me candidato de verdade ao posto de Sugar Baby. Esquadrinho o salão ostensivo enquanto avalio minhas alternativas.
Há lustres corpulentos, cheios de pingentes de cristal, ao longo do teto alto e abobadado do lugar. As luzes rutilam fracas sobre o amontoado de Alfas e Ômegas mascarados, vestidos com a formalidade que o evento exige. As janelas são longas e grandes o suficiente para revelar o céu noturno, sem nuvens para manchar as estrelas e a lua cheia, lá fora. A música não é alta como em uma festa comum, e os sons das conversas quase a cobrem. O ambiente fechado é abafado e a soma de feromônios dispersa no ar é atordoante e caótica.
O odor doce e enjoativo dos Ômegas exala com força, porque eles tentam atrair qualquer parceiro, mas o cheiro dominante e viril dos Alfas é como um bálsamo para o meu olfato. Entontece. Eu não deveria ter aceitado esse trabalho tão perto do cio. Não mesmo, porque continuo em minha vigília por alguma fofoca sobre o assassinato do deputado Park, mas quase enfio minha cara no pescoço de um desconhecido com um cheiro muito bom que acaba de passar por mim. Que cheiro, senhores.
Eu trocaria de calcinha agora, se usasse uma. Odeio essas roupas íntimas que ficam entrando no... Pigarreio. Recupero a racionalidade no exato momento em que meus olhos varrem a escadaria aos fundos do salão. O Sr. Sexy-Esnobe (apelido que dei ao tal de Jeon Jungkook) conversa com uma garota de pele escura como ébano e cabelos crespos, volumosos e armados em um penteado bonito. Ela usa um vestido dourado de predarias que cai como uma luva em seu corpo escultural de Ômega.
Jeon exibe um sorriso galanteador.
Estreito o olhar e atravesso o amontoado de pessoas pela margem, para facilitar o trajeto. Tomo o devido cuidado para não esbarrar em nenhum dos vasos enormes que ladeiam o lugar, porque eles gritam: "Custo dois rins e um fígado, sua desgraçada. Não me toque.". E fico uma distância segura do Sr. Sexy-Esnobe, ainda que me mantenha no raio de proteção mínima para acertar uma agulha com entorpecente em qualquer filho da puta que atente contra a segurança dele.
Como alguém mataria uma pessoa com genes tão bons? Olha essa cara maravilhosa do tal de Jeon Jungkook.
Uma pessoa bonita assim tem que ter descendentes para passar essa beleza para as gerações futuras.
E ele está lá, conversando com a mulher despreocupadamente, como se sua cabeça não estivesse à prêmio. Inclina o rosto para o lado, dá um sorriso torto e charmoso, pisca com os dois olhos enquanto fala próximo a ela. A Ômega parece completamente enfeitiçada por seus encantos, enquanto o Sr. Sexy-Esnobe se diverte com esse jogo safado de sedução. Reviro os olhos e continuo assistindo à cena, mas ouço a voz chiada e eletrônica de _____-ah no meu ponto eletrônico e o pressiono disfarçadamente.
— Estou ao lado de Min Yoongi no bar. — É o que ela diz. Pego uma taça de água com gás na bandeja que passa por um garçom baixinho e empertigado. — Repito, estou ao lado de Min Yoongi no bar.
— Ah. E aí, ele está bem?
— Sim. Só que... Amiga, acho que eu não vou conseguir protegê-lo.
— Aigoo! Não começa. — Beberico o conteúdo da taça e sinto o gás da água borbulhar em minha garganta. — Amiga, você é a melhor atiradora que eu conheço e vai conseguir proteger o cara sim, porque...
— Não vou conseguir protegê-lo, porque quero atacá-lo antes**.
Quê?! Engasgo e tusso com a água saindo pelo nariz. Ergo os olhos para a escadaria. Fito o Sr. Sexy-Esnobe, que agora segura as mãos da Ômega de pele negra. Ele as ergue no ar e as leva ao nariz, dando um curto beijo. Só me faltava essa. Ele vai cortejar todo mundo e com certeza, pelo perfil que eu li, quem vai se ferrar sou eu. Já até me vejo daqui há quinze minutos à espreita de alguma merda de quarto, obrigada a ser Voyeur* desse casal.
Que maravilha, esse era meu sonho.
— Amiga... Eu estou falando sério. Acho que vou entrar no cio se eu chegar mais perto de Min Yoongi.
Quase me engasgo novamente ao lembrar de _____-ah e percebo que ela está em apuros.
— Oi? Tudo bom? - Falo com ironia. - Atacar, como assim?
— Amiga, ele não é só muito bonito. O cheiro dele... Eu estou ficando doida aqui. Até cruzei as pernas, já.
— Sei. Ah... Fica olhando ele de longe, então. Ele pelo menos dá menos trabalho que o Jeon? Porque, amiga... Pelo amor. Esse cara já conversou com umas trezentas pessoas e eu preciso sempre ficar por perto porque ele não tem noção de espaço com ninguém. Eu vou morrer de preocupação até o fim dessa noite, é oficial.
Ouço uma risada no ponto eletrônico.
— Min está quieto. Não falou com ninguém ainda. Está sentado, tomando uma dose de uísque e sendo gostoso.
— Por isso eu queria cuidar dele. — Reclamo e fito o Sr. Sexy-Esnobe. Por incrível que pareça, ele dispensa a Ômega com quem flertava tão arduamente e desce alguns degraus, aproximando-se de outra Ômega, uma loira de aparência europeia. — Amiga, vou ter que parar de falar com você pra averiguar a área. Já passo alguma informação.
— OK.
Solto o ponto eletrônico, que continua como um sinalzinho discreto em meu ouvido, e observo o comportamento de Jeon Jungkook.
Ele sorri amistoso para a Ômega loira e interrompe a conversa que ela mantinha com uma mulher. Repete a mesma estratégia de sedução utilizada com a outra, com o mesmo sorriso torto que mostra os dentes, a atenção fixa no rosto da pessoa com quem interage. Seu semblante parece inocente, exceto por segundos em que ele deixa escapar um brilho de malícia na expressão. Então, assim como fez com a primeira, toma as mãos dessa e fala mais algumas palavras, antes de beijar seus dedos, inspirando o ar.
Não é um simples ato mecânico do corpo. Ele fareja. É muito sutil, mas meus olhos são treinados para perceber detalhes que cidadãos comuns não enxergam. O Sr. Sexy-Esnobe-Esquisito solta as mãos dela, responde algo que ela pergunta e se afasta, até tomar a atenção de outra Ômega próxima da escadaria. Arqueio a sobrancelha, intrigada.
O que esse idiota está fazendo?
O tempo se passa e com várias Ômegas ele repete os mesmos gestos, a conversa e o farejar nos dedos. Nenhuma delas parece perceber o que ele faz, mas a cada segundo sua atitude parece mais suspeita. Porque ele está cheirando as mãos das Ômegas? Não faz nenhum sentido. Os pontos do corpo onde o feromônio Ômega exala mais forte são as partes de dentro dos cotovelos, o pescoço, nos seios e nas partes íntimas, não nos dedos.
Por isso descarto a possibilidade de ele estar farejando o cheiro de Ômega perfeito para acasalar.
— Olá. — Uma voz grave soa às minhas costas e eu me viro. Um homem alto, com cabelos escuros e boca rosada, que usa uma máscara preta, me olha com simpatia. Seu cheiro me envolve. — Eu estou te olhando há algum tempo e percebi que está sozinha... Não tem um par pra dançar?
Uma distração. Era só o que me faltava.
— Aish... — Torço os lábios em um sorriso sem graça. — Não tenho.
— Isso é definitivamente um crime. — Ele toma uma postura galante. — E você quer um par?
— Na verdade... — Começo em tom manhoso. — Não. Desculpa, moço. Mas, eu estou só olhando, tá? — Não sei como a etiqueta manda dispensar um Alfa em Lascívia, por isso ajo como se estivesse na C&A. Ele me responde com um olhar meio chocado, por trás da máscara, mas não insiste.
— Ah, me desculpe. - Fala por fim e dá um passo para trás. — E... Ahm... Sua máscara está se soltando. Melhor consertar, pra que não caia. Hm... Tchau. - Ele sorri mais uma vez, desconcertado, e se vai.
— Mas, que diabos...
Ergo as mãos e ajusto a máscara em meu rosto, prendendo-a melhor ao penteado na nuca. Confiro se ela está encaixada corretamente nos olhos e nariz, pressionando os dedos contra a superfície, e sinto o odor de pólvora entre as unhas. Oras, nem o dia inteiro de spa, o vestido de gala, os sapatos de grife e as joias caras foram capazes de disfarçar minha essência. Ainda mais porque cheiro de pólvora não sai assim tão fácil das mãos. Eu deveria ter polido as armas com mais antecedência. Faço uma careta e praguejo internamente.
Por mais sutil que seja o odor, ainda é perceptível e...
Essa não.
Jeon Jungkook está cheirando as mãos das pessoas.
Eu vou infartar de tanta raiva que sinto deste homem. SÉRIO. Se ele sentir o cheiro de pólvora nas minhas unhas, vai saber que eu mexo, no mínimo, com armas. E elas não são permitidas na Coreia do Sul, exceto para forças especiais do exército e da polícia. Se ele for minimamente esperto, meu disfarce estará arruinado e eu não ganharei o bônus que o Delegado Namjoon ofereceu quando nos propôs essa tarefa. Ótimo. Lindo. Adeus celular novo que eu ia comprar.
Que merda. Preciso disfarçar esse cheiro agora, antes que haja uma probabilidade mínima de que ele se aproxime de mim. Averíguo o lugar ao meu redor com rapidez e percebo que o Sr. Sexy-Esnobe-Traiçoeiro está mais próximo. Cumprimenta um grupo de Alfas que conversa animosamente sobre política, sem mencionar o nome ou a tragédia que ocorreu com Park Jimin. Sua pouca distância de mim é atormentadora e, em algum momento de negligência minha, enquanto o vigio, seus olhos passeiam pelo entorno.
Cravam-se em mim.
Mesmo mascarado, ele consegue ser ainda mais bonito de perto. Seus olhos ladeados pela máscara são angulosos e expressivos. O nariz quase totalmente escondido possui uma ponta arredondada e forte. A boca, livre da ocultação que a máscara proporciona, é pequena, com um lábio inferior protuberante, rosado, úmido e macio. Parece apetitoso. Os cabelos escuros se afastam levemente da testa, mas a máscara também cobre suas sobrancelhas. Ainda que encobertas, suas feições são tão elegantes quanto belas.
Não percebo quando um sorriso volátil e insolente, quase obsceno, surge em sua boca atraente.
Espera. Ele ainda está olhando para mim.
Meu Deus. Eu estou encarando o Sr. Sexy-Esnobe-Cilada com a boca aberta.
Tento não me desesperar e desvio minha atenção, mas meu rosto esquenta e meu estômago se revira. Meu coração bate tão rápido que é capaz de rachar a caixa torácica e sair em um voo livre. Controlo minha respiração e me infiltro entre as pessoas que inundam o salão. Percorro o lugar tentando me misturar e hiperventilo. Não consigo compreender que espécie de sentimento me possuiu no momento em que trocamos aquele olhar.
Que porra é essa?!
Esbarro em alguns Alfas e Ômegas pelo caminho, mas avanço transtornada até uma mesa cheia de garrafas de bebida e tonéis de ponche. Não, eu não vou beber. Estou trabalhando. Contudo, mordo os lábios dentro da boca e murmuro mentalmente: "Álcool disfarça o cheiro de pólvora". Minha caminhada torna-se mais vigorosa e certeira. Paro de andar em frente à bacia cheia de ponche vermelho de groselha e meto as mãos lá dentro. Vai dar certo.
— Você não me pega, Sr. Sexy-Esnobe. — Murmuro para minhas próprias mãos.
Olho de lado para uma moça que me encara com a boca aberta e a sobrancelha arqueada. Ela deve estar pensando que eu sou maluca. Tensa, retiro as mãos da panela de ponche e fito-a. Ela me observa com uma expressão enojada e eu rio, desconcertada. Aponto para o tonel e dou de ombros.
— Meu anel caiu dentro do ponche, acredita?
Ela me responde com um sorriso amarelo e assente, se afastando devagar.
Que ótimo. Faço uma careta. Preciso melhorar minhas ações para não chamar atenção. Se não fosse uma festa de gente rica, haveria churrasco, fumaça e gente bêbada. Ninguém notaria o cheiro de pólvora em meus dedos e eu poderia dormir em paz. Mas, não... Tinha que ser logo aqui. Confiro minhas mãos avermelhadas por causa do corante da bebida na qual afundei as mãos e dou mais um passo para trás. Colido contra um corpo rígido e quente e giro os pés com agilidade.
— Poxa, mano. Será que não dá pra você... — Minha voz começa a sumir quando percebo contra quem colidi.
É. Ele mesmo. O Sr. Sexy-Esnobe-Encrenca. Espera, ele me seguiu?
Um arrepio percorre todo o meu corpo e me excita.
— Parece que você sofreu um pequeno acidente. — Sua voz é melodiosa e grave. As palavras saem por um bico charmoso que ele forma com os lábios. Seus olhos castanhos se fixam em mim, e eu me hipnotizo por seu cheiro, por sua boca se movendo agradavelmente. Então entendo. Ele está fazendo comigo o que fez com todas as outras Ômegas com quem conversou durante toda a noite. E pensa que eu vou cair nessa como todas as outras caíram. HOJE NÃO.
— Foi. Pequeno acidente. Mas, está tudo bem. Não preciso de ajuda. — Mexo as mãos no ar e resquícios do ponche vermelho escorrem pela pele pálida do meu braço. Ele acompanha a gota e ergue um lenço branco em uma das mãos. A outra permanece encerrada dentro de sua calça.
— Parece que precisa, sim. — Ele aponta para o líquido que escorre na minha pele e estende o lenço, mas eu levo o braço à boca e chupo a gota de bebida para que ela não escorra mais. Volto a fitá-lo com a sobrancelha arqueada e o encontro com as íris vermelhiças. Suas narinas tremem quase imperceptivelmente. Há um sorriso provocativo em sua boca. Antes que ele fale uma bobagem e ache que eu fiz isso para atrai-lo (por mais que eu tenha feito para provocá-lo mesmo), sorrio educada e dou um passo para trás.
— Pois é. Parece que eu não preciso mesmo. — Faço um aceno e me afasto um pouco. — Vou ao banheiro. Valeu aí pela ajuda, Sr. Jeon. — Estou prestes a fugir novamente, mas ele se adianta e segura meu braço com muita força. Até a brutalidade de seu toque consegue me excitar, mas não posso demonstrar. Minha mão se encrespa e eu olho para trás com os dentes serrilhados, feroz. — O que está fazendo?
Minha reação atormenta sua expressão por um segundo.
— Sr. Jeon? — Ele murmura com um cinismo latente em cada sílaba. Até isso, nele, é atraente. COMO? — Como sabe quem eu sou? Estou de máscara. Você me conhece assim tão bem...? — Seus olhos se estreitam e a mão desce por meu braço, até o pulso. O Sr. Sexy-Esnobe o ergue até a altura de seu rosto e nem precisa aproximá-lo de seu faro. — Ah... Pólvora. — Jeon respira por entre os dentes. — Então, era você mesma, Policial. Estive te procurando por toda parte.
Merda.
— Pra quê? — Resmungo e volto a fitá-lo nos olhos.
— Queria saber se você era tão gostosa quanto eu fantasiei, desde que o delegado me disse que você me protegeria.
— Ah, é? Ele te falou isso?
— Falou. — Ele assente com o mesmo cinismo de antes, ainda mais provocante.
— E o que mais ele te falou?
— Que você seria uma Ômega... — Ele olha ao seu redor e sorri, se aproximando mais um pouco, para murmurar em meu ouvido: — Posso sentir seu cheiro, policial. E eu sei que cheiro é esse. Você está tão molhada que quase posso sentir escorrer pela sua perna. — Meu sexo pulsa ao ouvi-lo dizer isso e eu reviro os olhos nas órbitas. Preciso me conter para não agarrá-lo aqui, na frente de todo mundo. Só o que não consigo controlar é o fluxo de lubrificação que aquece e umedece meu sexo. Por que ele tinha que ser tão obsceno?
— E o que você achou? Sou como nas suas fantasias? — Rebato com uma pergunta, para fugir do assunto molhado. — Ou se decepcionou?
— Posso te dar a resposta mais educada que consigo produzir, ou posso te falar o que eu achei de você. O que você escolhe?
Meus lábios tremem.
— A resposta educada, oras.
Jeon Jungkook se refestela com minha resposta e solta meu punho. Ele me segura pelos ombros e me vira de frente para ele. Aproxima-se o suficiente para que eu possa sentir seu quadril contra o meu. Seus olhos nunca abandonam os meus, e ele se aproveita da pouca luz onde estamos para pressionar sua pélvis em meu ventre. Sinto sua ereção pulsar sob todas as roupas que vestimos e arregalo os olhos. Meu sexo se contrai, quente e desejoso, expulsando mais do líquido que me lubrifica. Eu preciso sentir isso mais perto.
Minha respiração se descompassa e eu engulo em seco.
— E essa é a resposta educada? O que você ia me dizer? — Arqueio a sobrancelha, com a garganta seca. Minha reação o diverte, e ele dá de ombros.
— Que eu estou no cio, e que eu passei o dia todo pensando em você e batendo...
Suas palavras são entrecortadas por uma queda na força de energia e eu fico em estado de alerta. Uma gritaria generalizada começa a infernizar minha audição e todos os ocupantes do salão correm para todo lado, desesperados. Minha primeira reação é de me empertigar. Puxo a arma que jaz em minha coxa e procuro Jeon, mas sinto-o crescer sobre mim, em uma tentativa de me proteger. Ah, vá. Empurro-o e ergo o olhar até ele, que vê a arma que eu empunho.
— Você está... Armada?
— Claro. Como eu te protegeria?! Fica atrás de mim. — Aponto para minhas costas e sinto algo se mover à minha direita.
É minha hora de agir.
Alguém se move pronto para me golpear, mas eu o impeço. Esquivo-me do golpe e empurro o punho fechado. Deve ser um homem. Ele investe novamente contra mim, no escuro. A gritaria atrapalha meus instintos, mas eu sou mais rápida que o desconhecido corpulento. Hoje, não, querido. Ninguém vai machucar Jeon Jungkook no meu turno como guarda-costas. Rodopio rapidamente ao redor dele e bato a coronha da pistola em um ponto específico de sua nuca. O corpo cai pesado e desacordado no chão.
Mesmo com a visão e a audição prejudicadas, sei o que fazer. Preciso proteger o Sr. Sexy-Esnobe, antes que seja tarde demais.
— Vou te levar a um lugar seguro! — Grito para ele e agarro sua mão.
Ele aperta os dedos nos meus e eu o puxo para fora do salão.
***
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