Flashback
Peter era um recém adulto, apesar das roupas resumidas em moletom e um estilo de cabelo adolescente preto todo bagunçado, ele já se considerava um adulto pela simples razão de agora responder pelos próprios atos. Com seus pais tinha um acordo; ao ter dezoito anos e sua recém tirada carteira de motorista só poderia chegar perto do carro se tivesse um emprego. Era um bom acordo, para os pais pelo menos, e lá estava ele, trajado com um uniforme verde limão servindo café em uma cafeteria próximo a praia. Ah, tudo para dar umas voltinhas na Mercedes de seu pai.
Tudo começou no outono. Numa manhã como em muitas outras, Peter observava do balcão a garota de um cabelo tão vermelho - que ele sabia não ser possível ser natural - concentrada em sua leitura. Não fazia muito tempo que ele estava trabalhando ali, mas com certeza ter ela presente todas as manhãs o fazia querer estar lá e ostentar o mais charmoso e simpático de seus sorrisos para atender aos clientes. Definitivamente e de um jeito surpreendente, a presença feminina no local todos os dias tornava o trabalho do rapaz mais tolerável.
Dahlia chegava na cafeteria sempre por volta das nove horas da manhã, ficava sentada sempre na mesma mesa no fundo do lugar ao lado de uma janela por cerca de uma hora e meia. Comia uma torta de blueberry e tomava duas xícaras de chás de hortelã. Ela nunca mexia no telefone enquanto estava lendo, e, pelo tempo em que Peter a observou, também reparou que a mesma nunca estava esperando por ninguém; não que ele estivesse muito interessado em saber se ela tinha algum tipo de companhia fixa... sabe?!
- Ei, idiota! - Noah, que era amigo e colega de trabalho, ostentava um arrepiado cabelo amarelo gema e piercings pelo nariz, o chamou por trás quase causando no rapaz um tipo de taquicardia - Devia ir falar com ela no lugar de ficar secando a garota.
- Não vou atrapalhar a leitura dela, Noah. - Foi óbvio na resposta - Ela parece vir aqui apenas para ler e se desligar seja lá do que for. Última coisa que ela precisa é de um cara dando em cima dela. - As últimas palavras foram ditas inevitavelmente encarando a ruiva - E outra, eu não fico "secando ela" como você disse.
- Cá pra nós, amigão, tenho certeza que ela já perdeu uns dois quilos só em liquido pelo jeito seco que você a encara todo santo dia. E ou, eu não disse pra você dar em cima dela, eu disse pra conversar... - Eles se entreolharam, Peter mantinha uma careta irritada enquanto Noah não resistia em continuar afirmando o que dizia com movimentos contínuos de cabeça - Cara, você é lerdo. - O loiro revirou os olhos entediado - Vai lá, pede o telefone. Sei lá, qualquer coisa! Você ao menos sabe o nome dela?
- É Dahlia. - Peter respondeu ignorando a presença do loiro e todo o tom de ironia que recebia do mesmo - Você não tem nenhuma máquina de moer café pra limpar não? No lugar de ficar aí enchendo o meu saco.
Noah riu sacudindo a cabeça - Foi só um comentário, você observa tanto ela que vai acabar virando um stalker. Se começar a seguir ela eu não vou ter outra saída que não chamar a polícia.
- Noah? Eu não sou um louco!
- Sou seu amigo, afinal, é meu trabalho te avisar quando você fica agindo esquisito.
- Sai daqui, idiota!
Peter o empurrou de um jeito que ambos acabaram rindo. Naquele instante, a bagunça dos dois que estava entre empurrar um ao outro e rir, fez com que alguns dos clientes os olhassem, ao se darem conta que tinham de fato chamado mais atenção que o necessário, rapidamente retomaram a postura séria de bons funcionários, definitivamente não queriam que seus salários fossem descontados.
Peter que sempre manteve uma expressão séria e indiferente, agora parecia perdido ao perceber o olhar constante da ruiva sobre si o fazendo ignorar tudo o que estava a sua volta. O olhar constante era inicial analítico, e até mesmo o ar foi difícil para o rapaz conseguir engolir. Já ela, abriu um largo sorriso quando percebeu que também estava sendo olhada por ele.
Droga, aquela foi a primeira vez que Dahlia de fato reparou na presença de Peter, por que tinha que ser logo em uma de suas brincadeiras com Noah? E por que o coração dele estava batendo tão forte? Era só um olhar.
Dahlia se levantou ainda com o livro em mãos, apoiou sua mochila sobre um dos ombros e caminhou sem pressa até a saída do café. Peter a acompanhava nitidamente ansioso, percebeu que, quando ela passou ao lado do balcão, o olhou por cima do livro de um jeito um tanto curiosa. Uma discreta tentativa de disfarçar o fato de querer olha-lo, deve ter pensado.
Aquilo foi o sinal de que definitivamente a ruiva tinha percebido a presença de Peter.
- Ei, Peter. - Noah o chamou de novo, dessa vez mais discreto - Parece que você tem uma namorada.
- Cala a boca, Noah! - Peter o empurrou mais uma vez, e agora era o chefe deles quem aparecia e os encarava em busca de uma explicação.
"Namorada" ... Quem dera, ela apenas o olhou e sorriu. No mínimo o achava um idiota pelas atitudes atrás do balcão. E por que, por que dentre todos os amigos que tinha, por que logo Noah tinha que perceber? Ah, o loiro com certeza não o deixaria em paz pelo resto da vida ou até que tomasse coragem de falar com a garota.
***
Ao findar do dia, Peter tinha apenas uma tarefa em mãos: Comprar o livro de física que precisava para o curso que estava prestes a voltar das férias. O rapaz não era do tipo que fazia as coisas com antecedência, e isso notou-se pelaforma exasperada que entrou na livraria; faltava apenas dez minutos para que a mesma fechasse.
- Não acredito que cheguei a tempo. - Disse a si mesmo eufórico.
- Boa noite, seja bem vindo! - A educada voz feminina fez com que o rapaz tomasse um susto - No que posso ajudar?
Era Dahlia.
O moreno rapidamente ergueu a postura e a olhou atrás da mesa de compras. Ele a deve ter encarado por uns dez segundos enquanto tentava se lembrar do que tinha ido fazer lá. O silencio deu a Dahlia tempo o bastante para o analisar mais uma vez, mas agora era apenas esperando qualquer movimento.
- Ahn, senhor...? - Dahlia o chamou pela segunda vez já que na primeira ele pareceu estar com os ouvidos longe.
- Física. - Respondeu em sobressalto, por pouco não assustando a garota. - Eu preciso de um livro de física.
Imediatamente e de cabeça baixa - envergonhado com a situação -, se aproximou de Dahlia com uma folha que tinha acabado de puxar do bolso, no papel havia a informação do livro que precisava. Ele não sabia se tinha sido mal educado ou se estava transparecendo o nervosismo que sentira de, finalmente, falar com ela. Dahlia leu atentamente procurando se lembrar em qual parte da livraria que estava, o lugar não era muito tecnológico e não contava com um computador para ter qualquer informação sobre os livros, toda a informação estava dentro da cabeça dela. Peter estava distraído demais com o perfume doce que parecia sair das roupas dela em direção ao próprio nariz como um imã que o deixava com a garganta seca. O que estava acontecendo com ele?
Droga, coração, pare de bater tão forte. Ela vai te ouvir. Concentre-se, Peter!
- Venha comigo, se não me engano o livro está nas últimas estantes. - Dahlia rapidamente saiu de seu lugar para ajudá-lo, parecia seria e bem concentrada para ajuda-lo - Não são muito procurados então não costumam ficar a vista como os de fantasia e afins.
- Entendo... Olha, se for dar muito trabalho eu posso voltar outra hora. - Peter olhou o relógio - Você já devia estar fechando, eu acho.
Dahlia riu enquanto era seguida - Não tem problema passar cinco minutos do meu expediente - Respondeu simplista enquanto passava os dedos pela fileira de livros na estante - Você só conseguiu sair agora da cafeteria?
- Como?! - Indagou surpreso recebendo um sorriso de canto dela.
- Você...- Você não é o cara da cafeteria que eu vou de manhã? - Dahlia aproximou seu rosto ao dele de um jeito que Peter precisou recuar, ela invadiu sem hesitar o espaço pessoal dele com aquele mesmo olhar curioso de quando o viu por cima do livro mais cedo. - Eu tenho certeza que é você.
- Não. Digo, sim! Sou eu! - O nervosismo pela proximidade era denunciado pela troca de palavras. - Você se lembra de mim? Parece sempre tão concentrada Eu não esperava ser reconhecido.
- É, realmente, aquele verde limão deixa você bem diferente. - Dahlia sorriu, divertida, finalmente tirando o livro da estante é claro que eu lembro. Você sempre me serve o pedaço mais generoso de torta. - Peter poderia se esconder por baixo da terra do tanto que fico sem jeito. - Graças a você o meu café da manhã é sempre bem reforçado. - De frente para ele, lhe estendeu o livro - Aqui está. Você deve ser bem inteligente para precisar de um livro desses.
O rapaz quase riu ao ouvi-la, negou rapidamente com a cabeça enquanto folheava o livro e tinha diante de si uma jovem de braços cruzados.
- Na verdade não, sou bem burro. Por isso preciso dele. É a única matéria que não consigo entender, e acredite, é física básica. - Suspirou - Eu sou terrível em exatas. Por isso eu atendo as pessoas, mas não recebo o pagamento delas pelo consumo, já deve ter notado isso também.
Dahlia não pode evitar o sorriso pela genuína sinceridade - Entendo você, eu também não sou muito boa em exatas, mas como sou a única aqui, acabo tendo que lidar com os pagamentos.
Peter a olhou pela primeira vez de perto, as sardas em volta do nariz eram bem pigmentadas, e os olhos verdes eram cristalinos, quase espelhados. Foi como se a parte da confissão sobre não serem bons em exatas o tivesse deixado mais tranquilo diante dela, tivesse causado um tipo de proximidade; até mesmo porquê, ter o fato de ele lhe dar sempre uma fatia generosa de torta exposto tão naturalmente, foi um tanto quanto vergonhoso, nunca passou pela cabeça do rapaz que ela notaria tal atitude; nem mesmo se questionou como a primeira coisa que eles poderiam ter em comum era justamente algo ligado aos números.
Ele não sabia definir o que estava acontecendo, mas com certeza, só pela forma como seu cérebro trabalhava, algo estava realmente acontecendo.
- São U$ 58,00. - Anunciou Dahlia enquanto registrava o livro.
- Ah, obrigado por me ajudar até agora. - Ele respondia aleatoriamente enquanto fazia o pagamento - Você me salvou.
- Que exagero. - Dahlia deu de ombros. - Apenas passamos sete minutos do horário. Não foi nada demais. - No sorriso que deu a ele junto com a sacola do livro, era possível ver as covinhas nos cantinhos da boca. - Obrigada pela compra, senhor.
- Não, não. Temos quase a mesma idade. Pode me chamar de Peter, ou Pet. Ou sei lá, o que você achar que combina comigo.
- Pet? - O olhar da ruiva tornou-se curioso e divertido para ele - Como "animal" em inglês?
- Acho que não foi uma escolha muito inteligente de palavras...
- E, não foi... - Dahlia apenas riu com a escolha de palavras - Sendo assim, mesmo que você já saiba, sou a Dahlia, muito prazer. E eu vou te chamar de Peter. - Com a mão estendida, esperou divertida a reação do rapaz.
- Claro, é, muito prazer, Dahlia. Como a flor? E um prazer também. - Ele a cumprimentou sem jeito e nervoso - Eu já vou indo. Está ficando tarde. Obrigado pela ajuda com o livro.
- Boa noite, Peter!
Dahlia acenou em despedida bem mais calma que o rapaz, já ele fez apenas um mover educado de cabeça enquanto saía. O acompanhando se distanciar, a ruiva não conteve o próprio corpo ao ouvir o sininho da porta tocar indicando que ele tinha deixado o local. Quando deu por si estava de pé do lado de fora da loja o vendo pelas costas. Ela não fazia ideia o porquê, mas estava mesmo muito agitada com aquela rápida coincidência.
- PETER! - Ela o gritou com as mãos ao lado da boca e ele parou na hora a olhando. - FALE COMIGO NA CAFETERIA, NÃO VOU ME IMPORTAR SE FOR VOCÊ!
E sorriu de um jeito que ele não pode negar o seu pedido. Assentiu quase que de forma eufórica e esperou que ela entrasse na livraria para seguir seu caminho.
Não eram, mas sem saber, compartilhavam a mesma emoção adolescente.
O que ela quis dizer com "Não vou me importar se for você?"; o coração de Peter lhe dava cada resposta que ele estava começando a se sentir um pervertido por pensar que Dahlia estava, definitivamente, interessada nele; afinal, ele com certeza estava interessado nela. Mesmo que de alguma forma negasse, em algum momento as fortes batidas de seu coração o denunciariam; e já que ele estava mesmo decidido a se aproximar depois de um convite tão espontâneo, precisava de algum jeito começar a controlar as suas emoções, temia ser denunciado por si mesmo.
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