A imagem era turva diante dos próprios olhos e não permitia que Peter conseguisse entender o que estava acontecendo, só era rápido demais para seguir a visão e lhe causava uma grande sensação de pânico. Na sua frente ele conseguia perceber como suas mãos seguravam de forma desordenada no volante em busca de controle. Barulho em forma de zumbido, respingos. Confuso demais para a compreensão naquele momento.
O... o que é isso? O que está acontecendo? – Se perguntava enquanto tentava controlar o volante.
PETER!!
A última coisa que ouviu foi o eco do grito de Dahlia que, se alongando dentro da cabeça dele deixou tudo ainda mais horrível e assustador.
Peter acordou em um pulo com o som abafado do grito que ainda ensurdecia sua mente. Sua garganta estava tão seca e fechada que mal conseguia respirar, ofegante e ainda em estado de susto, olhava atentamente para sua mão que lhe parecia tão trêmula. O que tinha sido aquele sonho? Presságio, passou rapidamente pela sua mente. Suspirou, deixando que seu corpo voltasse a cair na cama de forma pesada. Ele olhava fixamente para o teto. Que droga era aquilo? O rapaz estava tão impressionado com a forma como o sonho lhe pareceu tão real que nem mesmo conseguia fechar os olhos e a cena lhe invadia a lembrança.
Mas o grito...
— Calma, Peter. – Repetia para si mesmo. — Só deve ser nervosismo. – Respirou fundo revirando sobre o colchão, estendeu o corpo em direção da caixinha preta de couro em cima da mesinha de canto e todas as sensações ruins até ali simplesmente dissiparam como se não tivesse acontecido, sorriu genuinamente tranquilizado. — Com certeza é nervosismo. – Repetia contemplando o solitário que daria a Dahlia aquela noite.
Havia se passado três anos desde que eles estavam namorando, e como dito anteriormente, essa nunca foi uma história cheia de intrigas ou mal-entendidos, ao contrário, Peter e Dahlia viviam um romance sólido e confiante. Ir para a França não era uma brincadeira ou um sonho distante, era realmente um objetivo e que tinha até tomado a forma de uma garrafa na estante de Peter onde ele sempre colocava dinheiro, “A lua de mel perfeita”. Não que ele já tivesse um bom emprego, mas graças ao irmão estava trabalhando diretamente com exportação próximo ao píer com um salário com certeza melhor do que quando era balconista do café, além disso, estava prestes a ingressar no curso de arquitetura; para alguém com tantos problemas em exatas, não foi uma escolha de carreira muito inteligente.
Nada estava dando errado. Juntos, os dois terminaram os cursos preparatórios, estavam estudando para as faculdades e fazendo planos sobre o casamento, viagens e até se arriscando a falar de filhos; mas claro, esse era um plano ainda bem distante. E apesar de Peter ter visto Dahlia se formar com méritos, competir para a vaga de medicina numa das melhores universidades dos EUA e, sair da livraria para trabalhar em um laboratório de química, o que ele de fato considerava uma conquista era ter descoberto onde Dahlia tinha aquela tatuagem escondida. Era um gatinho preto feito na lateral do corpo próximo a costela pouco abaixo do seio. Esse gato não causou medo nele.
Depois de todo esse tempo juntos e de todos os planos que vinham fazendo, Peter finalmente decidiu dar o segundo passo depois do namoro. Estava na hora de pedir a namorada em casamento, ainda que soubesse que o evento poderia levar algum tempo a mais; mas, planejava aquilo desde a noite em que começou a namorar ela, não que precisasse ser perfeito, mas porque queria ter gravado em sua mente cada uma das expressões que ela faria ao ver o solitário em seu anelar. A amava. A amava em um ponto de que chamar de namorada era tão pouco. A amava para ter ela como esposa e ainda assim, saber que pelo tamanho do amor, ainda era pouco. A amava para querer que todos os dias da vida dele fosse com ela, os bons, ruins; tudo se resumir em estar com ela. Este era apenas um pequeno passo para toda uma vida que ambos desejavam ter juntos.
Peter estava parado a frente do espelho de seu quarto, de cabeça baixa terminando de abotoar a camisa social enquanto repetia para si mesmo as palavras que vinha treinando nos últimos três anos; o que diria, como diria. Estava nervoso como era de se esperar. Encarou seu reflexo no espelho enquanto tentava colocar seu cabelo do melhor jeito possível; para trás, para o lado, arrepiado. Droga, Peter, não conseguia nem mesmo decidir seu penteado.
Parece nervoso, irmãozinho. – Ian, o irmão mais velho, surgiu de surpresa na porta do quarto onde recostou com os braços cruzados.
Peter suspirou. — Eu nem percebi que estou. – Comentou olhando para o irmão pelo espelho. — Espero que tudo saia como eu planejei.
Vai sair. – Ian suspirou. — Mas é um incomodo meu irmão mais novo estar prestes a ficar noivo e eu nem ter uma namorada.
Hahaha idiota. – Peter não podia evitar se divertir às custas do irmão. — Não é como se eu fosse me casar amanhã. Você ainda vai ter algum tempo até isso acontecer.
Peter se virou para olha-lo. — O problema vai ser se quando eu me casar, você ainda estiver solteiro, capaz da mãe te arrumar encontros às cegas e te casar com alguém. Uma daquelas amigas solteironas dela.
Ian riu de cabeça baixa e ao mesmo tempo uma careta de reprovação. — Que problemão que vai ser. – O mais velho entrou no quarto e sentou na cama do irmão o encarando curioso pelo passo tão importante ele daria. — O que planejou para hoje?
Peter se ajeitou ao lado dele e pensou por alguns momentos, revendo tudo o que faria, a verdade é que por mais planejado que tudo estivesse, imprevistos poderiam acontecer, ele só rezava para que não fossem tantos.
— Vou levar ela para comer e dançar. – Olhou o irmão.
Ela acha que vamos só comemorar o aniversário de namoro, depois vou com ela no píer e fazer o pedido.
Ian sorriu, deitou na cama com as mãos atrás da cabeça olhando distraído o teto. — Cuidado pra não matar minha cunhada do coração com a surpresa.
— Você tá estranho, irmão, não que não seja normalmente, mas hoje está mais. Quer falar alguma coisa?
Ian fechou os olhos rindo e abaixou a mão até o bolso de sua bermuda de onde tirou um molho de chaves — Não, irmãozinho, só queria te dar isso. – Entregou a ele.
As chaves do carro? – A expressão de surpresa tomou conta do rosto de Peter — Mas o pai disse...
Ian riu voltando a relaxar sua cabeça sobre as duas mãos. — Relaxa, eu falei com ele. Não podia deixar meu irmãozinho andar por ai de taxi justo na noite em que vai pedir a mão da namorada.
Peter encarava as chaves rindo. — Você é o melhor, Ian.
Eu sei. – Respondeu convencido enquanto se dirigia a porta do quarto. — Tenha uma grande noite, irmão. E boa sorte com o pedido, estou feliz por você e pela Dahlia. E compre um carro antes de se casar! E uma casa!
E mais uma vez nada estava dando errado. Peter se levantou e finalmente decidiu por deixar seu cabelo do jeito normal, mesmo que parte da franja ainda cobrisse um de seus olhos, Dahlia gostava assim; constantemente o fazia carinho ao afastar o cabelo para trás. Colocou a jaqueta e pegou todo o restante que precisaria, a última encarada no espelho só confirmou que, naquela noite estava deixando de ser apenas um adolescente com uma namorada, mas um homem que estaria se responsabilizando pela mulher de sua vida.
Peter dirigiu tranquilamente até a casa de Dahlia, tudo que queria naquela noite era poder estar com ela e aproveitar cada segundo antes do pedido. Queria que ela tivesse na memória as mais animadas e românticas lembranças; Peter mais parecia um daqueles homens com costumes antigos que diariamente cortejava a mulher que amava.
Assim que chegou e desceu do carro, Dahlia já o esperava em frente de casa; com um vestido curto lilás de mangas também curtas e o cabelo solto enrolado bem sobre os ombros. Peter caminhou até ela com as mãos nos bolsos e um enorme sorriso estampado.
Você está tão linda que eu tô até com medo de te beijar e estragar a imagem. – Confessou parando bem a frente dela.
Bom... – A ruiva que tinha uma pequena bolsa em mãos, a colocou para trás junto com seus braços e subiu na ponta dos pés até ele. — Então eu vou te beijar.
E os lábios dela selaram de forma tão gentil que a respiração do rapaz diminuiu apenas para acompanhar a suavidade daquele toque. O sabor que vinha do batom dela se misturava ao hálito dele, uma perfeita junção do mesmo jeito que o perfume suave que ela usava parecia aliviar a agressividade do perfume que estava nas roupas dele.
Acho que agora podemos ir agora, Peter... – Ela se afastou com um sorriso travesso e caminhou sozinha até o carro. — Não acredito que o tio te emprestou o carro de novo.
Comentou arrancando uma risada dele.
Foi o Ian quem conseguiu para mim. – Peter voltou ao seu lugar no carro e entrou nele logo depois. — Não quero nem imaginar o que ele ofereceu em troca.
Dahlia riu se ajeitando no banco. — Tenho certeza que a tia deve ter ajudado o Ian a persuadir o tio.
Eu não tenho dúvidas, mas também é uma coisa que eu não quero imaginar: o que minha mãe deu em troca. – Ele sorriu desconcertado em como foram parar naquela frase, finalmente dando partida. — Vamos comer primeiro e depois as surpresas da noite.
— Surpresas? – Dahlia o olhou curiosa. — No plural? Peter, combinamos em não exagerarmos.
— Eu prometo que não exagerei. – Garantiu ele.
A menos, claro, que um pedido de casamento fosse exagerado. Não era, certo? Certo.
Dahlia extremamente curiosa sobre o que poderia ser não parou de falar durante todo o caminho. Peter dirigiu entre um riso e outro enquanto lhe contava o quanto Ian estava lamentando por ainda não ter uma namorada; é claro que ele omitiu algumas partes, afinal, a conversa em si tinha envolvido o pedido.
O restaurante escolhido era conhecido por ser rodeado por inúmeras lanternas de papel, desde o caminho até a entrada, seguindo o mesmo padrão sobre as mesas onde eram em tamanhos menores no centro. A decoração rústica de iluminação alaranjada era arrebatada por quadros nas paredes, alguns jarros de flores e, as grandes janelas de vidro permitiam observar a paisagem industrial e natural que havia do lado externo. Eles sentaram próximas a uma estufa, tinham a visão de flores sob uma baixa iluminação. Era um ambiente romântico, cujo a música baixa fazia com o que eles quisessem se tocar, e por isso, constantemente mantinham suas mãos sobre a mesa e seus dedos entrelaçados, trocando sorrisos e olhares apaixonados.
— Se lembre o quanto eu te amo sempre. – Dahlia dizia baixo arrancando um sorriso do namorado.
— E eu a você. Não pode imaginar o quão feliz você me faz por estar ao meu lado, daqui há dez anos ainda vou querer compartilhar um jantar assim, dizendo as mesmas coisas. – Peter mexia seus dedos entre os dela.
— Eu posso imaginar isso tudo, eu também me sinto dessa forma contigo, nunca pensei que eu pudesse amar tanto alguém e dessa forma tão... Eu não sei explicar...
— Eu posso entender...
E a forma como se amavam era transmitido pelas palavras ditas um para o outro e principalmente, pelas que não eram ditas, também pela forma como suas mãos se apertavam e como trocavam sorrisos. E não era assim só nas datas comemorativas. Eram assim sempre.
Conseguem imaginar um amor desse jeito? O primeiro amor que os fazia querer passar cada momento juntos, mais que isso, toda a vida.
E conforme o jantar seguia e eles conversavam sobre coisas adversas, Peter tinha ainda mais certeza de que estava no momento certo. Pouco antes da sobremesa, ele se levantou, seus passos hesitantes o fizeram parar bem ao lado de Dahlia com uma das mãos estendidas.
— Me concede a honra? – Indagou recebendo uma careta dela.
— De que? Dançar? Você não dança, Peter.
— Bom, hoje é uma noite especial. – Falou em um tom mais baixo. — Quero dançar com você.
Dahlia cruzou os braços. — Você não vai pisar nos pés.
— Estou de salto, já está doendo o suficiente.
Peter revirou os olhos e se curvou na altura do rosto dela. — Eu não vou pisar nos seus pés. Por mais vergonhoso que seja admitir, andei treinando com a minha mãe. Então só aceita a dança e diminua a minha vergonha de ter que dizer que pedi aulas a ela.
— Oh, céus... – Esboçou divertida a ruiva com as mãos sobre a boca. — Certo, certo.
— Ótimo. – Peter retomou a postura e voltou a estender a mão. — Vamos dançar? – Sua voz saiu ainda mais suave do que da primeira vez.
— Será um prazer... – Os dedos de Dahlia deslizaram pela mão de seu par até se levantar.
O rapaz não emitiu nenhum outro som depois do pedido aceito. Calmamente á levou há alguns passos de distância da mesa onde estavam sentados, parou à sua frente e gentilmente lhe passou as mãos pela cintura. Dahlia estava linda naquelas luzes. Eles se aproximaram, a ruiva passou os braços sobre os ombros dele e permitiu que ele a guiasse. Os pés do rapaz seguiam um ritmo lento ao guia-la de um lado ao outro, a saia do vestido dela diversas vezes embolava-se entre as pernas dele quando a girava junto de si. Não havia um momento em que Peter não a olhasse, o cabelo dela balançava tranquilamente na linha do queixo e ele a fazia rir sempre que a afastava e a puxava em um giro. Dahlia era leve, seu corpo acompanhava o dele em um pra lá e pra cá que se convertia em um afastar e os dois girando, um de cada vez. Risos... As gargalhadas de Dahlia fizeram todas as aulas com a mãe valerem a pena, cada pisão nos pés, cada dia que dormiu desejando arranca-los de seu corpo. Aquela risada... na risada dela fez com que tudo valesse a pena.
Os braços de Peter a apertara puxando-a para si, deixou que sua boca se encontrasse a dela. Gentil, amoroso. Seus olhos fecharam quando as unhas dela traçaram o carinhoso caminho pela nunca, ela o segurava enquanto o selar de lábios se mantinha.
— Eu te amo tanto, Dahlia... – Confessou em um sussurro que a fez sorrir e o abraçar.
Depois daquilo eles terminaram o jantar, mas a vontade era de prolongarem a dança apenas para continuarem como estavam: nos braços um do outro.
O restaurante não ficava muito longe do píer que eles costumavam ir, Dahlia caminhava ao lado de Peter vestindo a jaqueta dele, o vento batia gélido em seus corpos fazendo com que apertassem os dedos um do outro já que estavam de mãos dadas. Conforme caminhavam, não podiam evitar apontar para lugares onde já tinham passado e relembrar as próprias histórias ali. Peter ria, seu braço em pouco tempo estava em volta dos ombros de Dahlia e a apertava em sinal de proteção ao vento frio. Sem perceber, como em muitas das vezes, os passos de ambos só pararam quando estavam no final do píer. O chão amadeirado sobre seus pés continham as pequenas ondas do mar.
— Acho que podemos chamar esse lugar de “nosso lugar”. – Disse Dahlia erguendo o rosto para ele.
— Sim... – Respondeu vago. — É o lugar perfeito.
Estava no começo do inverno, e por isso, o tempo não estava tão aberto quanto Peter queria. No céu tinha algumas nuvens tapando as estrelas que eles constantemente viam juntos, e o mar estava um pouco agitado sonorizando ondas que, para ele parecia uma música de fundo. Bom, tudo continuava perfeito mesmo dentro da imperfeição que não contava.
— Peter... – Dahlia se afastou um pouco. — Aconteceu alguma coisa?
O rapaz como resposta apenas suspirou apertando seu bolso lateral, e então a olhou — Vai acontecer.
Naquele instante ele se afastou um pouco mais, estava de frente para a ruiva e estendeu suas mãos as dela. Dahlia o olhava calada e até preocupada, a expressão séria do namorado fazia com que o coração dela pulasse e não batesse.
— Peter...
— Dahlia... – A interrompeu — Esse é o nosso lugar como você disse, e não poderia ser feito em outro. Sabe, eu lembro do primeiro dia em que entrou na cafeteria com a sua toca azul piscina e o livro “O guardião” do Nicholas Sparks, e sim, eu pesquisei. – Ele viu Dahlia rir de canto. — Você estava tão concentrada que eu não sei como não esbarrou nas mesas. Eu te olhei todos os dias, observando, e sem que eu percebesse, ir trabalhar lá era incrível porque eu sabia que te veria todas as manhãs.
— Eu... – Antes que ela pudesse terminar, Peter lhe apertou o indicador nos lábios.
— Shh... – Ela assentiu. Peter olhou em volta enquanto apertava seus dedos nas mãos dela. — E aqui nesse píer durante uma conversa estranha sobre a França ser clichê... – Ele a olhou. — Eu beijei a mulher mais incrível que eu já conheci e a tornei minha namorada com isso aqui... – De forma sutil ergueu o punho dela onde a pulseira de metal repousava ainda ligeiramente larga. — E agora...
Peter a soltou e por fim se ajoelhou. Dahlia o acompanhou com o olhar arregalado enquanto as mãos estavam sobre a boca. Ela estava tão surpresa que não conseguia emitir um som. Devagar, viu o namorado puxar de seu bolso a caixinha que sem saber, ele vinha apertando desde que saiu do restaurante; a frente dela abriu e exibiu o solitário que a esperava, tão delicado e com um tom amarelado na pedra em volta do círculo dourado. Os olhos de Dahlia ardiam.
— E agora, Dahlia, com isto aqui eu estou pedindo com todo o amor que eu nem sabia que podia sentir... Pedir que seja minha esposa. Pedir que me deixe cuidar de você e te levar para conhecer o mundo. – Uma pequena pausa se estendeu enquanto ele a via se perder entre sorrir e chorar pra só então continuar. — Dahlia, você quer se casar comigo?
— Você... você realmente... – Dahlia nem mesmo conseguia formular uma frase de tão surpresa. — Sim, sim! É claro que eu aceito! É claro que sim! Meu Deus, sim!
Não era exagero dizer que ela estava explodindo de felicidade, os pés que estavam sobre os saltos mal continham os pulinhos enquanto Peter ria pondo o anel em seu anelar. As finas mãos de Dahlia tremiam. Os olhos verdes estavam tão brilhantes que não se sabia dizer se era por causa da felicidade ou das lagrimas incontroláveis que deslizavam pela sua bochecha.
— Você é incrível! – Ela quase gritou, um passo longo que deu se converteu em um pulo que a fez se agarrar no agora noivo. — Eu te amo tanto, tanto!
— Linda... – respondeu baixo com os braços a envolvendo com firmeza pela cintura – Eu também te amo, minha noiva.
E seus lábios mais uma vez naquela noite se encontravam em um beijo.
***
Não houve muito tempo para a comemoração já que as nuvens começaram a ficar carregadas no céu, os dois apenas tiveram tempo de retornar ao carro que ainda estava no estacionamento do restaurante; assim que tomaram seus lugares no banco as primeiras gotas de chuva se fizeram presente no vidro dianteiro. A primeira chuva do inverno, não demorou muito. Parece ter sido apenas para espantar os dois do píer. Peter olhava para fora pelo seu lado na porta e suspirava.
— Acho bom te levar pra casa. – Anunciou ele. — Está ficando tarde e aposto que logo vai começar a chover forte e não vai parar mais. Tudo bem por você?
— Ahn? Ah, claro. – Respondeu sem realmente prestar atenção. Dahlia estava ocupada demais olhando com um sorriso abobalhado seu anel. — Eu ainda não acredito que estamos noivos.
Peter abriu um largo sorriso enquanto manobrava o carro para fora da vaga. — Menos um passo para a nossa viagem até a França.
Dahlia o olhou passando-lhe a mão no rosto. — Qualquer lugar desde que você esteja comigo será o melhor do mundo, Peter.
— Mas você ainda quer ir para a França.
— Sim, eu ainda quero ir para a França.
Ambos riram. Eles só queriam ficar juntos por todo o tempo.
Peter finalmente estava na estrada, felizmente a área residencial não era longe do restaurante. Enquanto seguiam pelo caminho, Dahlia estendia a mão e puxava de volta olhando e analisando cada mínimo detalhe da pedra. Era difícil acreditar, estava mesmo tudo aquilo acontecendo? Seu coração parecia pular para a garganta toda vez que se lembrava do pedido.
A estrada estava escura, provavelmente a rápida chuva havia provocado alguma queda brusca de energia. Peter mantinha os faróis no máximo e mesmo assim parecia não ser suficiente pra iluminar a pista, e também segurava o volante com as duas mãos mantendo a direção firme. Seu peito começou a pesar e sentiu a palpitação invadindo o coração, sem que pudesse controlar, cenas do sonho que o fez pular da cama pela manhã invadiram sua mente. Por um segundo olhou para a forma apertada como segurava seu volante, tremulo e ríspido. Entre o que era realidade e lembrança de um pesadelo, a respiração dele só foi mudando de forma desordenada. Calma, Peter, foi só um sonho. Dahlia o olhou quando o notou a falta de ar do noivo; a ruiva que antes esboçava um sorriso enorme, agora sustentava uma expressão preocupada pela forma como o mesmo parecia estar em completo estado de pânico.
— Peter? – O chamou claramente preocupada. — Está tudo bem?
— Eu... Tem algo errado... – Ele a olhou. O grito do sonho inundou seus ouvidos o fazendo piscar diversas vezes
— Dahlia....
— Peter? – Os olhos verdes atentaram-se a ele. — O que foi? O que está acontecendo?
— Você.... – Ele não conseguia organizar seus pensamentos e por isso, nem mesmo formular uma frase que fizesse sentido.
As cenas se repetiam e repetiam o confundindo da realidade.
— PETER! – Dahlia gritou o forçando a olhar para frente.
E foi ainda mais rápido do que ele havia vivenciado em seu sonho. Quando deu por si, o farol de seu carro iluminou outro que estava parado no meio da estrada completamente apagado. O rapaz arregalou os olhos enquanto forçava o volante em uma perigosa manobra que pudesse os desviar da batida direta. Dahlia se encolheu no banco com os braços a frente do corpo quando sentiu o carro girar de forma brusca.
Peter tentou frear, mas a pista molhada fez com que o pneu derrapasse ainda rápido e o carro capotou girando uma, duas, três vezes. E então bateu num poste onde foi parado. O cheiro de borracha queimada impregnou, o som do pneu arrastando no asfalto só foi silenciado pelo violento som dos vidros do carro estourando, que na batida lateral com o poste fez os cacos do lado da janela de Dahlia estilhaçar sobre ela. Tudo pareceu acontecer em câmera lenta.
A violência da batida foi tanta que fez a ruiva apenas abrir a boca e cuspir o sangue do fundo da garganta; seu corpo foi jogado de um lado ao outro até parar em uma batida brusca de sua cabeça na quina da porta. Seu corpo aqueceu, uma barra de metal do próprio carro lhe atravessou a lateral do corpo a impedindo de se mexer e até respirar; tremula, ela recostou no banco com o rosto coberto de cacos e com as mãos na direção de onde a perfuração saia quase alcançando o corpo de Peter.
— Pe-ter... – Chamava-o com a voz embrulhada. — Peter... – Seu olhar foi para o lado, turvo e escuro pela pancada que sofreu. Viu que o noivo estava com a cabeça no volante e o corpo pendurado pelo cinto de segurança, sua testa ensanguentada fez a ruiva chorar em pânico. — PETEEER! – Gritou apavorada no seu último resquício de força.
Em alguns segundos de lucidez Peter abriu os olhos, sua visão embaçada em um tom de vermelho apenas focou nos braços de Dahlia... O grito distante em eco o chamando fez com que ele apenas tivesse uma última visão, a pulseira de metal que ela tinha em seu braço estava manchada de sangue juntamente com o anel recém colocado ali. E ele apagou com grunhidos em seus ouvidos e a escuridão completa da perca de consciência.
Dahlia ficou sozinha. De olhos fechados sentia a sede invadir a garganta e a sensação de vazio subir pelas suas pernas, já não respondiam mais ela.
Não havia mais ninguém. Não havia nada.
Por... favor... – Choramingou tão baixo que jamais alguém poderia escutar. — Alguém... alguém...
Seus olhos fecharam. Atordoada. E ainda no que restava de sua consciência, Dahlia estendeu a mão que estava na perfuração até de Peter. Apertou a dele, tremendo pelo frio e sangramento que aumentava em seu vestido.
O sangue em sua mão e na pulseira o mancharam.
A lucidez aos poucos escapava do controle de Dahlia.
O som daquela noite era o silêncio. Um terrível silêncio.
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