História Last night I dreamt that somebody loved me - Capítulo 3

Caesar ainda lia um livro sob a luz fraca da lamparina, quando viu uma silhueta diminuta à porta de seu quarto.

Noriaki estava ali, completamente descabelado, embrulhado em uma das mantas com que Caesar o cobrira há algumas horas.

— O que foi, bambino?

O ruivo apertou a manta contra si e o mais velho insistiu com seu olhar bondoso, tentando deixá-lo tranquilo.

— Pode me dizer, Noriaki. Não vou ficar bravo com você. 

O menino hesitou um pouco, mas seu coração lhe dizia que ele podia confiar naquele rapaz gentil.

— É que... Rohan-nii não para de gritar e gemer quando tem pesadelos... e eu não consigo dormir...

Caesar suspirou fundo, pensando no quanto aquelas crianças sofreram até que seus caminhos se cruzassem.

— Eu vou até lá, então.

Noriaki assentiu e o acompanhou até o quarto, sentindo-se triste ao ver Rohan se debatendo na cama enquanto dormia.

— Viu? Não dá pra entender nada do que ele fala, mas sei que o Rohan-nii tá sofrendo... Ajuda ele, Caesar-nii...

O loiro sorriu ao ser chamado daquela forma, imaginando que não demoraria muito para que as crianças se sentissem parte da família. Pegando Noriaki no colo com manta e tudo, sentou-se ao lado de Rohan na cama e começou a afagar os cabelos desbotados do garoto, que suava frio enquanto tentava se libertar do pesadelo.

— Uh... Uh...

— Shh... Calma, Rohan... Você não está mais sozinho...

Rohan se debatia cada vez mais, as lágrimas molhando seu rosto infantil, porém já marcado pelo sofrimento.

Caesar então ajeitou-se melhor na cama e amparou Rohan em seu peito, ao mesmo tempo que aconchegava Noriaki no colo, que começou a piscar de sono assim que se sentiu aquecido e seguro. 

— Já está tudo bem, Rohan...

O loiro começou a cantarolar uma canção de ninar que sua mãe costumava cantar para seus irmãos menores e ficou satisfeito ao ver que Rohan se acalmava aos poucos, embalado pela voz gentil de seu protetor.

Não demorou muito para que ambas as crianças estivessem profundamente adormecidas e Caesar lamentou por não ter trazido seu livro junto.

— Bom... O importante é que eles dormiram.

Com dificuldade, ele apagou a lamparina e então cobriu aos três com as mantas, certificando-se de que os meninos estavam bem aquecidos.

— Boa noite, bambinos... Durmam tranquilos, seu fratello¹ está aqui...

E então uma lágrima escorreu solitária pelo seu rosto, ao se lembrar dos seus irmãozinhos que já não estavam mais ali.

Mas, ainda assim, ele procurava ser forte.

Afinal, aqueles dois não tinham mais ninguém além dele no mundo. E ele faria de tudo para criá-los como ambos mereciam.

Pelo menos, amor não faltaria.

XxX

Rohan despertou sobressaltado, sem entender onde estava.

Depois de alguns segundos, o garoto se lembrou do que havia acontecido e sorriu ao ver Noriaki dormindo a sono solto no colo de Caesar, que também o amparava com o braço livre.

— Ele realmente parece ser uma boa pessoa... Será que estamos seguros?

O garoto olhou na direção da janela e percebeu que ainda era de madrugada, então se aconchegou novamente nos braços de seu benfeitor. E fechou os olhos, pensando na canção que pairava em sua mente e embalara seu sono.

Rohan nunca tinha ouvido aquela música, mas ela mexia com seu coração de alguma forma.

E sua curiosidade o impediu de esperar até de manhã para perguntar a Caesar sobre ela, pois tinha quase certeza de que a ouvira na voz do loiro.

— Ei! Senhor!

Ao ser sacudido por Rohan, Caesar deu um pulo na cama e Noriaki se mexeu de leve, mas não despertou. O cansaço finalmente o vencera e ele não acordaria tão cedo.

— Rohan... — Caesar falou, a voz rouca de sono — O que foi, vai acordar Noriaki assim...

— Ah, é que eu queria perguntar uma coisa...

O loiro parecia não acreditar no que tinha acabado de ouvir, mas tentou não se irritar. O garoto estava tentando se abrir e ele faria de tudo para ajudá-lo.

— E o que é?

— Eu... tive um sonho ruim e achei que fosse morrer de tanto medo, mas ouvi uma canção e ela me salvou. Era mais ou menos assim...

Rohan cantarolou do seu jeito a canção de ninar da mãe de Caesar e este se emocionou ao ver o garoto se esforçando para reproduzi-la. Ele fechou os olhos para apreciá-la e então falou, a voz embargada pela saudade. 

— Essa música... é uma canção de ninar da minha terra natal. Minha mãe cantava para nós quando não conseguíamos dormir e a letra fala sobre a saudade dos entes queridos.

— Entendo...

Caesar acariciou os cabelos do garoto, que dessa vez não se retraiu, demonstrando um pouco mais de boa vontade.

— Sente falta da sua família, bambino?

Rohan sentou-se na cama e encarou Caesar sem hostilidade pela primeira vez, decidindo que faria uma aposta. Seus olhos verdes encontraram os do loiro e então ele disse, num tom de voz firme demais para seus dez anos de idade. 

— Sim... Mas eu tenho Noriaki e agora você está aqui. Senhor... Promete que não vai nos abandonar?

Caesar sentiu seu coração apertar. Ele não sabia se podia prometer algo assim, já que os tempos em que viviam podiam separá-los a qualquer momento. Não por vontade dele, mas porque o anjo da morte não relevava promessas feitas por meros seres humanos.

Mas ele sabia que a relação que ambos construiriam a partir dali dependia da sua resposta.

— Prometo, bambino. Nem a morte será capaz de me separar de vocês dois. Agora durma, ainda é cedo...

Rohan gostou da resposta. Embora ele achasse um absurdo meter algo tão definitivo quanto a morte no meio, o garoto sabia que aquele exagero era comum aos nativos da terra natal do loiro. Seu pai lhe contara muitas histórias divertidas sobre esse povo afável e também sobre muitas outras pessoas que conhecera na juventude, antes de a peste envolver a humanidade com sua aura mortal.

Satisfeito pelo que tinha acabado de ouvir, o garoto adormeceu novamente, dessa vez sonhando com seu primo sorrindo enquanto devorava um pote de cerejas vermelhas e docinhas.

E, pelo menos no sonho, Rohan se sentiu plenamente feliz.