Eu apaguei depois do acidente. Lembro de ter entrado na ambulância e minha cabeça sangrava. Jimin não estava comigo, e eu só o vi uns três dias depois de tudo aquilo. Lembro de acordar no hospital algumas vezes, ouvi Jimin conversando com os meus pais e eles falavam sobre o acidente.
— Mãe… — Eu não conseguia pensar direito ainda, continuava zonzo e dopado. Ela se aproximou e segurou minha mão que por pouco quase não senti seu toque. — Cadê ele?
— Querido… descanse. — Ela falava, mas eu estava sozinho naquele quarto. E mesmo com as lembranças bagunçadas do acidente, eu precisava ter certeza.
— Cadê o meu irmão?
Eu abri os olhos e pude ver minha mãe olhando para Jimin naquele momento. A expressão deles não era nada boa.
— Mãe… cadê o…
— Querido…
— Não… — Fechei os olhos e senti uma nova tontura. Apaguei de novo.
…
…
…
Os médicos faziam exames e eu não conseguia prestar atenção em nada. Era como se eu estivesse dopado o tempo inteiro. Não sentia quando os médicos me tocavam, não sentia o meu corpo ou qualquer dor. As vezes era como se eu estivesse flutuando naquele quarto. Eu sabia que tinha quebrado alguns ossos, podia ver as bandagens e gesso por todo o meu corpo, mas as dores realmente não chegavam até mim. E eu queria senti-las. Não era justo me fazerem não sentir nada daquele jeito… Não era.
Eu não sei quanto tempo eu fiquei internado, mas as coisas foram voltando ao normal aos poucos.
Eu já conseguia caminhar pelo hospital com ajuda de muletas. Eu não fazia muita coisa por ali, mas sempre que Jimin vinha ficar comigo, eu sentia algo estranho.
A gente nunca falava sobre Jungkook ou o que tinha acontecido naquela noite, mas Jimin estava sempre pedindo desculpas por qualquer coisa. Meus pais também não falavam muito sobre Jungkook e eu sabia que era porque eles queriam que eu me recuperasse sem mais estresse, pois… Eu nunca fui muito forte para lidar com as coisas. E todo mundo sempre parecia pisar em ovos quando tinham que falar sobre algo mais sério comigo.
Mas eu não os culpo… afinal os meus últimos anos foram mesmo complicados.
O Jimin veio me buscar quando eu tive alta e enquanto ele dirigia rumo ao meu apartamento, o silêncio reinava dentro daquele carro. Chegamos no condomínio onde eu morava e subir o elevador e dar de cara com a porta do lugar que eu passei os últimos três anos dividindo espaço com Jungkook dava um aperto no peito.
Abri o apartamento e ele estava como havia deixado semanas atrás. Um pouco bagunçado devido aos meus pais terem ido lá para pegar algumas coisas pra eu usar no hospital e… coisas de Jungkook também. E era incrível como o cheiro dele ainda estava no ar.
Meus pais queriam que eu tivesse voltado para Busan depois do acidente, mas não tinha como. Eu queria voltar a minha vida logo. Eu nunca soube lidar com o luto e eu não queria ficar na casa dos meus pais onde o clima estaria pior. E também não quis que eles estivessem comigo quando eu saísse do hospital. Eu queria mostrar pra eles que estava bem e que dessa vez eu seria o forte da família. Certamente Jungkook ia querer isso. Ou esperava por isso.
Caminhei pela sala e olhei tudo em volta. Jimin continuava parado na porta me encarando e eu sabia que ele estava me dando espaço naquele primeiro momento. Passei a mão na cabeça sentindo o curativo e ele coçava. Pelo que eu soube, quando o caminhão bateu em nosso carro, eu fui arremessado pelo para-brisa. Me cortei todo, fora ter me ralado bastante no asfalto e ter quebrado duas costelas e uma perna. Meu braço estava cheio de ataduras e minha cabeça tinha aberto um pouco. Foi um corte profundo e uma rachadura no crânio, mas segundo os médicos eu estava bem. E no calor do momento eu não senti quase nada e nem me atentei a gravidade da minha situação também. Na verdade, eu nem ligava pra isso, afinal… O que eram todos esses machucados comparado ao que aconteceu com Jungkook?
Me aproximei da estante e vi uma foto ali. Era uma onde estavam Jungkook, Jimin e eu. Era um dia feliz. Estávamos em uma balada comemorando o aniversário de Jimin. Nos juntamos naquele momento e um outro amigo nosso bateu a foto. E Jimin gostou tanto dela que fez questão de revelar duas cópias, deixando uma em nosso apartamento e a outra no dele.
Peguei o porta-retratos e encarei aquela imagem por longos minutos.
Jungkook já não estava mais entre nós e nunca mais estaria…
E foi então que o peso daquela certeza caiu em meus ombros mais uma vez. Vi gotas caírem no vidro daquela fotografia e então percebi que chorava. Jimin me abraçou por trás e ficamos dessa foram por um bom tempo, chorando.
Aquilo não era justo. Não com Jungkook…
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Não lembro quando me sentei naquele sofá ou quando acabei cochilando, só sei que, quando acordei, estava deitado com Jimin em cima de mim. Sua cabeça estava em meu peito e seus braços em volta do meu corpo como se me abraçasse. Levantei a cabeça para tentar encará-lo melhor e pude ver o quão inchado estava o seu rosto. Seus olhos ainda molhados pela tarde triste que passou era de cortar o coração. Olhei pro relógio na parede da sala, vendo que já passava das dez da noite. Tentei levantar o mais devagar possível para não acordá-lo e até pensei em levá-lo para a cama, mas naquele apartamento só tinham a minha cama e a de Jungkook, realmente não sabia qual seria a melhor opção pra ele.
Bom, o sofá era bastante confortável de todo modo e não tinha o cheiro de ninguém.
Consegui sair debaixo dele e tirei seus sapatos com calma. Fui até o meu quarto e peguei uma das cobertas e o cobri. Os próximos dias seriam tão difíceis para ele… Eu não conseguia imaginar a dor que ele estava sentindo. Eu sei o que era perder pessoas queridas, eu tinha perdido o meu irmãozinho… mas ainda sim, perder quem se ama daquela forma devia ser tão mais profundo. E Jimin era tão dependente de Jungkook que eu sabia que agora, mais do que nunca, precisaria estar ao seu lado para o dar cada vez mais força.
Só que eu não sabia se teria toda essa força.
Jungkook era um garoto bom. Era o meu irmãozinho… Era o orgulho da família e o meu orgulho também. Eu sei que ainda estava anestesiado de tudo, mas eu sabia que alguma hora piraria. Ainda mais se continuasse naquele apartamento. Eu via o Jungkook em tudo…
E foi por isso que acabei indo passar uns dias com Jimin em sua casa. Parecia o melhor pra nós dois no momento. Seu pai, por algum motivo não foi um idiota comigo naquele tempo. Eu ainda me recuperava e embora me sentisse desconfortável naquela casa, estar com Jimin me acalmava um pouco. No entanto, eu sabia que teria que voltar pro meu apê em algum momento, até porque, depois de três meses do acidente, eu precisaria esvaziar o quarto de Jungkook e arrumar um novo colega de quarto. Eu precisava dividir aquele aluguel e tinha alguns colegas que estavam dispostos a morar comigo. Jimin até pediu para que eu saísse dali e fosse morar com ele, mas claro que acabei negando. Eu sei que não teria que pagar por nada em sua casa, mas ser bancado pelo pai dele não me parecia uma boa ideia.
E em um desses dias que voltava pro meu apartamento, acabei ficando até tarde empacotando tudo o que era de Jungkook, pois doaria muita coisa e outras mandaria pros meus pais.
Enquanto empacotava tudo, eu lembrava da forma feliz com que Jimin falou comigo no telefone. Ele estava animado por eu ter decidido arrumar um novo colega de quarto. Isso mostrava que eu finalmente estava superando o luto. E eu realmente queria parecer assim.
Depois que terminei de arrumar aquele quarto, fui para o meu e me joguei na cama. Desde o acidente, eu andava bem mais cansado. Toda noite eu me sentia exausto como se tivesse corrido uma maratona, sei lá. Provavelmente era alguma sequela do que me aconteceu, mas os médicos garantiram que estava tudo bem comigo, então eu não tinha com o que me preocupar de verdade. Mas eu sabia que a minha mente não era tão saudável quanto o meu corpo. Eu queria certos medicamentos, mas eu sabia que se me rendesse novamente a eles, não ia aguentar.
Fechei os olhos e deixei o sono vir. Era a melhor coisa que podia fazer. Parar de pensar em problemas e relaxar. Comecei a sentir o corpo pesar e fui me entregando, e foi como se estivesse afundando no colchão aos poucos. E o peso que sentia ia aumentando e aumentando. Até parecer que alguém tinha deitado em cima de mim.
Tentei me mexer, mas não consegui. O peso era muito, o colchão estava cada vez mais apertado, meus braços junto ao meu corpo como se uma corda estivesse me prendendo também. Meu peito doía, o peso não me deixava respirar.
Novamente tentei fazer força pra sair daquela posição, mas meus músculos travavam. Era como se estivesse com câimbras. Em todos os músculos. A falta de ar começava a me preocupar. Minha cabeça doía e minhas mãos e pés estavam formigando. Eu não sabia dizer se estava dormindo ou acordado, mas parecia real demais pra mim. Mas não podia ser real.
Tentei abrir a boca e falar algo. Qualquer coisa, mas minha mandíbula travou. Sentia meus dentes ranger, e isso ia me causando dor.
Eu tinha que me acalmar. Se era apenas um sonho, eu deveria acordar em breve, afinal eu tinha percebido que era um sonho e sempre que você percebe que está sonhando, você acorda. Então por que eu não acordava?
Tentei mover meu corpo mais uma vez e a pressão que senti foi ainda maior. Era realmente como se o meu corpo estivesse sendo afundado ainda mais no colchão, atravessando a cama, sei lá. Tentei lutar contra aquilo, mas meu corpo não queria me obedecer e o desespero começou a tomar conta.
Acorda Yoongi. Acorda!
Pensava enquanto prendia um pouco da respiração que tinha. A falta de força não me deixava abrir os olhos e meus ouvidos pareciam tapados. A sensação era a mesma de estar dentro d’água, mas sem a leveza no corpo. Eu sentia frio e sentia a coberta em cima de mim, mas o peso não saía também. Meu coração disparava e então eu senti o frio do chão. Eu estava debaixo da cama?
Que merda era aquela? Eu tava debaixo da cama?
O frio tomou de conta do meu corpo e o peso continuava em cima de mim. E eu já estava assustado demais. Senti meus pulsos serem segurados e por deus aquilo não era um sonho. Não podia ser. Mas tinha que ser!
Eu fiz força pra levantar, mas quanto mais eu tentava, menos eu tinha certeza de que sairia dali. E se eu não pudesse mais me mexer? Eu queria pedir ajuda, mas não tinha ninguém em casa. Então quem estava me apertando e me afundando contra o chão?
Se acalma, Yoongi. Se acalma.
A sensação de aperto foi piorando e agora eu sentia o suor descendo pelo meu rosto e o pânico tomando de conta de mim. Se eu não saísse dali, se eu não abrisse os meus olhos agora… eu não sei o que aconteceria. Meu corpo tava travado, meus dedos doíam, meus dentes doíam e meu coração faltava pular pra fora do meu peito.
Eu nunca fui de ter pesadelos… Não desse jeito. Se era que aquilo fosse mesmo um. Então por que agora? Por que assim? Eu só queria acordar de verdade e sair daquele chão.
Meu deus… Por que eu não conseguia me mover? Eu comecei a lembrar do acidente e de como eu acordei no chão… Por que eu não conseguia fazer nada? Por que eu não pude fazer nada?
Comecei a chorar sem me dar conta, e quanto mais eu chorava, mais ele peso ia deixando o meu corpo. E então eu ia tendo a noção de que estava de volta na cama, embaixo das cobertas.
Abri meus olhos e eu estava ali, suando na cama. Aquilo tinha sido um sonho afinal? Retirei a coberta de cima de mim e esperei que meu corpo esfriasse novamente. Passei as mãos no rosto, limpando aquelas lágrimas, mas foi aí que outra coisa estranha aconteceu.
Ouvi um barulho vir da cozinha. E era o barulho de uma cadeira sendo arrastada. No primeiro momento eu pensei que fosse algo no apartamento dos meus vizinhos, mas os barulhos estavam próximos demais. Olhei pro relógio que estava no criado-mudo e ele indicava três da manhã. A melhor hora… Ouvi talheres batendo e novamente o som da cadeira sendo arrastada. Um frio desceu pela minha espinha e agora eu me sentia paralisado por um novo medo. Tinha alguém na minha casa.
Meu quarto estava escuro, mas eu sabia onde tinha deixado o meu celular. Eu podia levantar e ligar pra polícia, mas quem disse que eu conseguia me mexer? Talvez se eu ficasse quieto esse estranho não me faria mal? Tudo bem que ele quisesse roubar meu apartamento que nem tinha muita coisa de valor, mas… se ele entrasse no meu quarto, eu não sabia o que podia acontecer. E definitivamente eu não podia morrer.
Algum tempo passou e não sei de onde consegui juntar coragem para levantar. Tive todo o cuidado para não fazer nenhum barulho e fui até a porta, abrindo-a bem devagar. Olhei pela fresta, mas não consegui ver ninguém, mas os barulhos continuavam. Caminhei até minha escrivaninha e tateei tudo até encontrar meu celular. Voltei para debaixo das cobertas e assim que eu ia discar o número da polícia, senti um cheiro de comida. Aquela pessoa estava fazendo uma torrada? Prestei mais atenção nos barulhos e constatei que o estranho estava usando minha casa e não assaltando ela. Nisso acabei deixando o celular de lado, e fui para a porta.
Ainda estava assustado, mas não tanto, só que mesmo assim, acho que demorava no mínimo uns cinco minutos para dar um passo em direção aqueles sons e cheiro. Segurei a respiração enquanto me abaixava ao lado do balcão que dividia a sala da cozinha e ouvi algo que seria… algum talher batendo em algo de porcelana. Fui soltando o ar preso nos pulmões devagar. Tomei um pouco mais de coragem e andei de quatro até a passagem para dentro da cozinha. Como eu andava dormindo no apartamento de Jimin naqueles dias, era bem capaz que algum espertinho tivesse percebido e ido se aproveitar da minha casa, e só de pensar nisso eu sentia vontade de levantar e dar umas boas porradas no infeliz, mas como não sabia de quem se tratava, sentia medo.
Respirei fundo e coloquei a cabeça pra frente, e como estava abaixado, a primeira coisa que vi ali eram pés descalços. E aquele detalhe me deixou mais relaxado. Um ladrão não entraria descalço em uma casa se pretendia fugir depois. Comecei a levantar o olhar quase que em câmera lenta naquele momento. Vi em cima da mesa um copo com algum líquido quente pela fumaça que saia. Do lado havia um prato com uma torrada já com algumas mordidas e então finalmente encarei o rosto do sujeito.
De fato não estava mais respirando. Meus joelhos e mãos estavam colados no chão, e aquilo que descia na minha espinha era puro medo. Um medo que nunca senti na vida.
Ele estava ali, sentado na minha cozinha às três da manhã comendo e bebendo como se tudo fosse normal. Como se sua presença fosse normal.
— Jungkook… — Acabei chamando baixinho, mas assim que percebi que podia ser visto, voltei rapidamente para trás do balcão. Segurava o ar na boca com as mãos tentando não fazer mais barulho, mas meu coração batia tão rápido que podia parar a qualquer momento. Queria sair correndo, mas minhas pernas não me obedeceriam, e o som daquela colher girando dentro do copo enchiam meus ouvidos. Ele estava ali ainda. Por que meu Deus? Por que ele estava ali? Balancei a cabeça várias vezes tentando fazer aquilo parar. Só queria acordar em minha cama e constatar que tudo não passou de um sonho louco.
Então o som da colher parou. Fiquei mais alguns minutos ali, novamente segurando a respiração. Não ouvi nenhum barulho. É só o seu irmão, Yoongi. Pensei. Ele não te fará nenhum mal. Mas mesmo que fosse o Jungkook, não deixava de ser um… espírito?
Tentei controlar a respiração e quando senti meu coração leve, engatinhei até a passagem, olhando apenas para o chão. Ele não estava mais ali, mas a cadeira estava puxada e o copo ainda em cima da mesa. Não conseguia mais encontrá-lo no meu campo de visão. Será que foi embora? Ou eu tive uma alucinação? Fiz menção em levantar, e nesse momento ele saiu da cozinha.
Gritei a todo pulmão caindo com tudo pra trás.
Não liguei para aquela dor nas minhas costas, comecei a me arrastar extremamente assustado, porém ele continuou seu caminho para a sala. Ele não estava me vendo?
Jungkook se jogou no sofá e ficou ali, parado alguns minutos. Não sabia se corria agora ou tentava chamá-lo. Pelo fato dele não ter me visto ou ouvido aquele grito que, com certeza, acordou alguém naquele prédio, me senti um pouco mais calmo, reparando em sua expressão. Ele mantinha os olhos em algum lugar naquela estante. Não sei onde, seu corpo parecia tão cansado, seus olhos tão distantes, tão sem vida…
Eu podia sentir cada músculo meu travando de novo. Eu não sabia o que fazer. E foi então que ele virou o rosto e seus olhos vieram em minha direção.
Eu perdi o chão sob meus pés.
Apertei os meus olhos com força e rezei como nunca havia feito na vida.
Era o meu irmão, mas ele não podia estar ali. Não podia. Por deus ele não podia.
Meu deus…
Meu deus…
Eu abri os olhos e Jungkook estava agachado na minha frente. Seus olhos estavam negros. Completamente negros.
Nesse momento eu não sei de onde tirei força, mas me lancei para trás e corri até meu quarto, trancando a porta em seguida. Liguei todas as luzes e disquei pro primeiro número que vi no meu celular. Fui para debaixo das cobertas e tremia mais do que tudo.
— Isso são horas de ligar, cara? — Ouvi a voz sonolenta do outro lado da linha e gritei pedindo ajuda.
-----§§§-----
Acordei assustado com o despertador do celular no bolso da calça. Passei a mão pelo rosto um tanto atordoado, pensando no dia e na noite estranha que tive. Deitado no colchão no chão ao lado da minha cama, estava Seokjin. A pessoa para quem linguei no meio da noite.
Seokjin era meu amigo há um tempo. Morávamos no mesmo condomínio, mas em blocos diferentes. E depois de ouvir os meus gritos e choro desesperado no meio da madrugada, ele veio pra minha casa me ajudar no que quer que tenha acontecido ali. Claro que ele não viu nada fora do normal quando entrou em casa. Mas eu não ia passar o resto da noite sozinho. Ele ficou ali comigo, me acalmando e bom… não sei como eu consegui dormir depois de tudo. Mas que bom que consegui.
Levantei da cama e fui até o banheiro. E mesmo sem muita coragem, caminhei até a cozinha. E tudo estava em seu devido lugar. Com certeza aquele sonho, ou melhor, alucinação, foi mesmo pesado. Aquilo podia ser a falta dos remédios malucos que eu tomava há um tempo? Não… Eu nunca tinha alucinado antes.
Comecei a preparar algo pro café da manhã quando ouvi meu telefone tocar. Era Jimin.
— Bom dia, Jimin.
— Bom dia! Achei que você ia voltar pra cá ontem.
— Ah… eu avisei que tinha ficado tarde.
— Mas eu achei que você ia voltar… Fiquei te esperando, aí eu dormi.
— Desculpe. — Sorri ao telefone. Jimin estava mais no meu pé naqueles dias, e não que estivesse reclamando, mas era engraçado vê-lo assim.
— Não, tudo bem. Mas você vai vir pra cá hoje, não vai?
— Ah… Não sei. Ainda tenho que arrumar tanta coisa aqui.
— Yoon…
— Eu te aviso.
— Você tá me evitando?
Quê?
— Quê? — Falei — Claro que não. Que ideia é essa?
— Eu não sei…
— Jimin… eu falei que aviso. Eu tenho que arrumar umas coisas aqui, mas eu… Eu vou pra sua casa mais tarde, tudo bem?
— Ah… desculpe, não quero parecer tá cobrando alguma coisa, eu só…
— Ei relaxa. Eu vou, okay?
— Sério?
— Sério.
— Tá… — Ele fez silêncio por alguns segundos e eu podia ouvir sua respiração baixinha. — Quer que eu vá aí te ajudar?
— Não precisa, Jimin. — Eu não queria que Jimin fosse na minha casa depois do que aconteceu. Ainda sentia um clima ruim ali dentro e não queria que ele fosse afetado pelo meu jeito no momento. Não queria preocupá-lo com nada, muito menos com uma história maluca de uma visão de Jungkook.
— Tá… Então até mais tarde.
— Até.
Desliguei o celular e Seokjin apareceu na cozinha. Ele estava visivelmente cansado, culpa de ter sido acordado no meio da noite, mas ainda assim, não estava pior que eu. Eu tinha me visto no espelho. Realmente parecia que tinha visto um fantasma. E talvez eu tenha mesmo visto um.
— E aí? — Ele falou, sentando na cadeira onde eu tinha visto Jungkook. — Sonhou com mais alguma coisa bizarra?
— Não. Na verdade, eu nem lembro se sonhei com alguma coisa depois que te liguei.
— Nossa… — Seokjin estava com muito sono, todo curvado sobre a mesa da cozinha. — Que viagem… ver o teu irmão morto.
— É… — Olhei para a minha caneca de café. Precisava de muito para me manter acordado agora.
— Ele deve ter ficado com raiva porque você vai jogar as coisas dele fora. — Seokjin ria. Ele adorava fazer piada com tudo.
— Eu não vou jogar nada fora.
— Bom, você vai ceder o quarto dele pra outro. Ele achou que você ia manter tudo aqui pra sempre.
— Você sabe como o meu irmão era. Mais do que ninguém, ele ia querer que eu seguisse em frente.
— Verdade… Mas se ele era tão legal, por que ficou com tanto medo?
— Ele tá morto, né? Como você acha que eu ficaria? Como você ficaria vendo alguém que já morreu?
— Sei lá… Dependendo da pessoa, eu ia conversar com ela.
— Sei. Você ia se jogar pela janela. Aí sim ia poder conversar com essa pessoa lá do além.
— Deus me livre. — Ele bateu na mesa três vezes. — Mas saindo desse assunto macabro… Já decidiu quem é que vai morar aqui com você?
— Ainda não.
— Eu já disse que adoraria vir pra cá?
— Já. Mas estou avaliando se você é realmente um bom companheiro de quarto. — Brinquei, tentando realmente sair daquele clima estranho.
— Ora! Depois dessa madrugada eu sou o melhor companheiro de quarto que alguém pode ter. Eu trabalho, lavo, passo, cozinho e ajudo amigos assustados em plena madrugada para espantar espíritos. Pacote completo.
Sorri. Seokjin era mesmo uma figura. Ele tava doido pra sair da casa dos pais, mas pelo pouco que ganhava em seu trabalho de ajudante de cozinha em um restaurante, seria apertado pra ele morar sozinho, por isso também estava atrás de um bom amigo para poder dividir tudo. E pelo jeito, acho que o destino nos uniu.
— É… vamos ver.
— A não ser que você chame o Jimin pra vir morar com você.
— O Jimin? Tá doido?
— E por que não?
— O pai dele? O cara não deixa o Jimin fazer nada que não esteva no protocolo de vida perfeito dele.
— Ora, mas se ele tá deixando você passar uns dias lá sem problemas…
— Eu ficar lá é diferente do Jimin vir morar aqui. Ele até deu essa ideia depois que eu saí do hospital. Disse pro pai que ficaria comigo por um tempo pra me ajudar na recuperação e o cara disse que eu podia ir pra lá, pra ele ficar fiscalizando tudo.
— Que babaca, viu?
— Nem me fale. Ele não confia em nenhum amigo do Jimin. Ainda mais em mim que… — Só por ser irmão do Jungkook o senhor Park já me olhava torto. — Enfim… Vai querer vir pra cá?
— Só depois que você chamar um padre pra benzer você e esta casa.
— Fala sério… — Neguei com a cabeça e terminei o meu café. Era melhor terminar de arrumar tudo naquela casa pra poder voltar pra junto de Jimin.
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