Fiquei parado ali contemplando aquela visão. Era de manhã, os poucos raios de sol entravam pela janela do quarto, e pelo friozinho do horário ele se encolhia mais. Encolhia-se nos meus braços. Estávamos deitados em na cama, cobertos com um edredom macio e nossos braços estavam entrelaçados. Ver ele dormindo era a coisa mais linda desse mundo. Passei a mão levemente em sua bochecha retirando alguns fios descoloridos de lá. Tão lisinha aquela pele. Meu polegar roçou em seus lábios macios… Seu rosto ali, tão próximo ao meu… Sorri. E como num flash eu me dei conta daquela situação.
Como assim estamos dormindo juntos? Jimin e eu?
Levantei o edredom, suspirando aliviado por ver que estávamos completamente vestidos. O pior não tinha mesmo acontecido, mas… O que, então, tinha acontecido?
Sai da cama e reparei que estava em meu apartamento… no meu quarto. Quê? Andei um pouco desnorteado e fui e direção a sala. Ela estava arrumada… um pouco diferente do normal. Haviam objetos novos por ali. Ouvi um barulho de porta abrindo e quando olhei para trás, Jin saia do quarto de Jungkook bastante arrumado. O que estava acontecendo?
— Ei! Acordou cedo. — Disse Jin enquanto arrumava a mochila, checando algo la dentro.
— Jin?
— Eu vou mais cedo hoje porque adiantaram a hora no dentista, mas também não venho almoçar em casa, tá? Vou direto pra faculdade.
— Quê?
— E ah! Eu paguei ontem a conta de água. — Jin mexeu na mochila e tirou um papel de lá. — Aqui.
— Mas…
— Eu sei que você disse que eu não precisava pagar por esse mês, mas me senti na obrigação já que, né? Agora vou indo.
Olhei para aquele papel pago e não estava entendendo mais nada. Por que Jin havia pago a minha conta de água? Por que ele estava no quarto de Jungkook? Por que haviam coisas suas espalhadas pela sala? Ele se mudou da noite pro dia? E o Jimin? O que ele tava fazendo na minha cama?
— Jin! — Gritei antes que ele saísse do apartamento. Jin segurou a porta e olhou pra mim esperando que eu dissesse alguma coisa, mas eu não sabia o quê. — O que… O que aconteceu ontem a noite?
— Oi? — Ele sorriu. — E eu sei? O Jimin tá no seu quarto, não tá?
— S-Sim… Mas por quê?
— Vocês beberam foi? — Ele continuava sorrindo.
— Que horas ele veio pra cá?
— Sei lá. Quando eu cheguei ele já tava aqui.
— Comigo?
— Sim? Sério mesmo que vocês não beberam?
— Eu… não lembro.
— Se você não lembra, meu amigo, eu é que não vou te lembrar. — Jin virou e fechou a porta, me dando mais um tchau. E eu continuei parado ali no meio da sala segurando aquela folha em minhas mãos. Pela data que constava no recibo de pagamento… haviam se passado alguns dias desde que… Alguns dias?
Contei nos dedos mais de três vezes para ter certeza. Doze dias…
Doze dias?
Minhas mãos começaram a tremer naquele momento. Não… Aquilo não estava acontecendo… de jeito nenhum!
Voltei pro quarto e com muito cuidado, peguei meu celular. Jimin continuava dormindo encolhido em minha cama, e eu… sem entender nada. Saí dali e fui direto pra cozinha, e a bagunça que ali estava, mostrava que três pessoas haviam jantado naquela casa. Três? Sorrir de nervoso. Aquilo não era nem um pouco normal. Sentei em uma das cadeiras e passei a olhar o celular. Haviam chamadas que eu não lembrava de ter feito, inclusive algumas para Jimin, ou algumas que ele fez pra mim. Abri a galeria e… Tinham fotos de Jimin e eu. Estávamos no parque em um piquenique? Quando isso tinha acontecido? As datas das imagens… meu Deus! Haviam outras fotos com Jin… fotos do… Do quarto de Jungkook?
Levantei e fui em direção a ele, me assustando ao ver que tudo estava diferente. Jin já havia se mudado… mas quando? Peguei o celular de novo… eu tinha fotografado toda a mudança, e até mesmo tinha gravado um vídeo de Jin arrumando tudo. E isso foi há oito dias…
Por que eu não conseguia me lembrar de nada daquilo? Fechei meus olhos e tentei pensar em cada uma daquelas fotos e vídeos. Não tinha como eu esquecer. Por Deus! Não tinha! Eu não podia ter perdido doze dias da minha vida daquela maneira.
E o Jimin no meu quarto, nos meus braços… Por quê?
Era o Jungkook?
Abri os olhos e tentei pensar na última coisa que me lembrava e era… o vulto dele indo atrás de Jin. Não… Não… Não teria como. Não…
— Yoon…
— AH! — Gritei dando um pulo pra trás naquele instante, assustando Jimin que ainda tava com cara de sono. — JIMIN?
— Ei! Calma… Sou eu.
— Ah… — Levei uma das mãos ao peito para tentar me controlar agora. Meu coração estava disparado como nunca.
— Você anda se assustando muito, Yoon-Yoon.
— Eu?
— É… O Jin já foi?
— Ah… já.
— Tão cedo? Ah! Ele disse ontem que teria que sair mais cedo, né? — Jimin já foi saindo do quarto pra ir pra cozinha, e eu o segui. — E eu vou ter que ir pra casa pegar minhas coisas. Eu devia ter trazido pra cá ontem.
Eu apenas olhava como Jimin abria a geladeira para ver o que podia comer. Ele sempre teve muita liberdade ali em casa, mas tudo aquilo estava me deixando tão incomodado. Eu tinha perdido dias da minha vida e todo mundo tava agindo tão normal. Que merda estava acontecendo?
— Jimin…
— Hm? — Ele pegou o leite e começou a preparar um pouco de cerais.
— O que aconteceu ontem?
— Como assim?
— O que aconteceu ontem? Você aqui…
— Tá esquecendo das coisas de novo?
— Esquecendo de novo?
— É. Esses dias você tem ficado bem avoado, hein?
— Tenho? Como assim?
— Sei lá… esquecendo das coisas… Falando sobre… — Jimin pegou uma jarra de suco e se serviu, parecendo procurar as melhores palavras pra falar comigo. — Enfim. Talvez você deva procurar alguém, sabe? Um profissional…
— Procurar um profissional?
— Yoon… Eu sei que você não gosta quando eu toco nesse assunto, mas você precisa retomar sua vida. Superar… sabe?
Eu não estava entendendo nada. Puxei uma cadeira e me sentei a frente de Jimin na pequena mesa da cozinha.
— Você diz que está bem, Yoon-Yoon, mas não está. Depois do acidente… Sabe? O modo como você fala do…
— Do meu irmão?
— É… — Vi Jimin encolher um pouco os ombros e desviar o olhar. Tinha algo a ver com o Jungkook? Com o acidente? Mas como eu agi durante aqueles dias apagados da minha memória? Nada fazia sentido na minha cabeça. Nada!
— O que tenho falado dele? Eu mal falo sobre ele. A GENTE mal fala sobre ele! — Acabei me exaltando.
— Mas falamos essa semana…
— Falamos?
— Yoon… você ficou muito abalado depois do acidente, não tinha condições de tocar nesse assunto.
— Quê?
— Você ficou muito mal, eu não queria te perturbar. Eu… — Jimin acabou me encarando e ele estava daquele jeito como quem pisa em ovos. Ele nunca foi assim comigo. — Eu só quero que você melhore de vez.
— Mas eu estou…
— Não está! Não se prendendo ao seu irmão dessa forma.
— Que forma?
— Viu só? Você ainda não consegue enxergar. — Jimin virou o copo de suco e levantou da mesa.
— Jimin! — O vi seguir para o quarto e fui atrás. Ele pegou a mochila e começou a arrumá-la. Ele iria embora assim? — Jimin? Você já vai?
— Eu tenho prova hoje a tarde. Melhor ir agora. O meu pai não sabe que vim pra cá…
— Mas… Você vai assim e não vai me dizer nada?
— Eu já disse o suficiente…
Que suficiente? Estava começando a ficar desesperado. Eu não podia deixar o Jimin ir embora dessa forma. Eu precisava entender o que estava e o que tinha acontecido. Por que ele estava irritado por eu, aparentemente, falar sobre Jungkook? O que era aquele “não enxergar”?
Eu não podia deixar que Jimin simplesmente fosse embora.
— Jimin! — Segurei seu braço e o virou para mim. — Não vai. Eu… Eu preciso entender… Entender o que está acontecendo.
Ele me olhou por alguns segundos e então deixou os ombros caírem em sinal de rendição. Ele soltou a mochila e trouxe suas mãos para meus braços, subindo-as até meus ombros.
— Yoon… Eu quero te ajudar, mas eu sei que não sou a melhor pessoa pra isso.
— Você é o melhor… — Acabei falando sem pensar e Jimin me abraçou naquele momento.
— Yoon… Eu também não consegui superar. Eu penso nele todos os dias…
— Eu sei. — O apertei mais em meus braços.
— Mas eu não quero mais pensar… — Sua voz saiu embolada e eu sabia que ele ia chorar. — Eu… E-eu nunca vou deixar de pensar na verdade, mas eu não quero que seja desse jeito. Não quero sentir doer dessa forma…
— E-eu sei…
— Mas eu sei que dói bem mais em você… Me desculpe por não ter falado muito antes, mas eu nunca consegui pensar que ele… não está mais aqui…
— Eu também não consigo… — Acabei olhando para a porta, vendo o outro quarto fechado.
— Mas nós temos que superar, não temos? — Jimin se afastou um pouco e me encarou com os olhinhos cheios de água. E eu apenas concordei. — Então… me deixa te ajudar? Ajudar nós dois?
— Sim. — Eu não tinha dúvidas quanto aquilo. Eu queria alguma ajuda. Queria poder falar pra alguém que eu havia perdido dias da minha vida e que de alguma forma, isso envolvia Jungkook. Queria entender o que estava acontecendo comigo.
Abracei Jimin mais uma vez. Mas ele teve que ir embora…
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Depois que Jimin se foi, eu fiquei sozinho em casa, sentado ali em minha cama enquanto olhava o celular. Haviam mensagens de conversas que eu não lembrava de ter tido. Mensagens para minha mãe, para alguns colegas da faculdade… ou para algumas pessoas que eu nem tinha muito contato mesmo. E o mais estranho era reparar na forma como eu havia respondido cada uma delas. Alias… não tinha sido “eu”.
Não podia ter sido.
Eu só queria entender o que tinha acontecido, mas estava com tanto medo também. Tudo estava se tornando uma bagunça na minha cabeça. E talvez ficar em casa não fosse uma boa ideia. Não com aquela sensação pesada de que “alguém” circulava por ali.
Sai um pouco e dei uma volta pelo parque ao lado de onde morava. Me distrair com nada era a melhor coisa nesse momento. Andei um pouco até encontrar com alguém que há muito tempo não via. Um colega do ensino médio.
— Ei! — Me aproximei já que ele estava parando bebendo água. Aparentemente ele estava fazendo uma corrida naquele final de manhã.
— Oi?
— Kihyun? Não lembra de mim? — Fazia mesmo muito tempo que a gente não se via. Acho que uns dois ou três anos. Desde que terminamos o ensino médio, eu não mantive muitos contatos, mas pelo fato de Kihyun morar ali perto, vez ou outra a gente se esbarrava por aí.
— Oh! Sim, sim, claro. Como vai? — Ele me cumprimentou e parecia estranhar algo em mim. — O que aconteceu contigo, cara? Você está…
— Acabado? Eu sei… Muita coisa nos últimos tempos.
— Ah… A gente não se vê muito, mas… fiquei sabendo do teu irmão e…
— Ah… — Sorri um pouco. — É.
— Eu sinto muito. Eu queria ter ido no velório, mas acabou que eu tava fora do país na época e…
— Tudo bem. Nem mesmo eu fui. Quer dizer… não pude ir.
— Ele era muito bom. A gente não era muito próximo nem nada, mas… no tempo do colégio todo mundo é amigo, né?
— É. — Sorri de novo, mas a última coisa que eu queria falar agora era sobre Jungkook. — Mas e você, como tá? O que tanto tem feito?
— Bom… atualmente tentando manter uma dieta. Tive uns problemas de saúde e precisei me cuidar mais. Mas no fim estou aqui… morrendo só pra dar algumas voltas no parque.
— Pelo menos você está tentando…
— Você não se exercita mais?
— Eu? Nem sei o que é isso. — Suspirei. Depois do acidente eu tinha parado com tudo mesmo. Ainda mais agora. Mas talvez fosse melhor eu voltar a exercitar meu corpo. Ficar mais forte… — Mas vou procurar me cuidar.
— É bom mesmo, viu?
Concordei com Kihyun, e logo ele precisou ir embora. Ele tinha assuntos para resolver, ao contrário de mim que continuava caminhando sem rumo algum. E bastou me sentir sozinho de novo que aqueles calafrios e medos voltavam a rondar minha cabeça. Eu não queria voltar pro meu apartamento. Não sem alguém lá comigo. E por isso caminhei mais, indo o mais longe que eu podia. Comi em algum restaurante por aí, circulei por bairros mais movimentados, entrei em lojas, mercados, feiras… Eu só queria estar perto de pessoas. De muitas pessoas.
E eu nunca fui assim antes.
Eu preferi estar sozinho. Sempre longe de todos e não só fisicamente. Eu costumava manter todos afastados de mim. Eu costumava ser isolado. As únicas pessoas que eu deixava se aproximar de mim eram Jimin e Jungkook. E foi assim até aquele tempo ruim… o pior de todos.
Caminhei por Myeongdong, o lugar mais cheio e movimentado que conhecia. E ao passar por uma loja de CDs… ouvi uma voz. A princípio imaginei que fosse só uma música da loja. Afinal dava para ouvir um monte de músicas aleatórias naquelas ruas, mas não… a música foi se tornando específica demais. E não havia melodia, apenas… uma voz.
Aquela voz… Aquela música que conhecia muito bem, afinal… ele a cantava direto.
“We don’t talk anymore.”
Não. A voz do cantor original e a de Jungkook eram semelhantes. Eu estava confundindo as coisas. Olhei para os lados e apressei o passo. Não queria ouvir aquela música ou qualquer coisa parecida.
— Por quê? — Falava sozinho enquanto seguia para o Underground Shopping. Ali dentro sentei em um dos bancos e apenas olhava as pessoas passando. Era algum tipo de distração pra mim. Ia decorando as roupas das pessoas, suas sacolas, ouvia suas conversas e tentava prestar atenção apenas nelas. Apenas nos outros. Porque se eu fosse pensar em mim… provavelmente me afundaria em algo que não queria. Eu não queria ficar com medo e perder minha consciência de novo… Não queria.
— Ei!
Virei para trás na mesma hora e encarei um garoto parado em pé bem ali. Eu não sabia quem era, mas ele me sorria.
— Sim?
O estranho continuava sorrindo. E aquilo era muito estranho.
— O que foi? — Perguntei de novo, e ele sentou ao meu lado sem desfazer nosso contato visual. E como eu poderia descrever aquela pessoa? Ele era mais jovem que eu, não tinha dúvidas. O cabelo estava rosa, mas a raiz era meio preta, meio amarela… a descoloração estava toda estranha. Típico de alguém que pinta o cabelo sozinho em casa mesmo. O rosto dele… era bonito até. Bem simétrico, com olhos grandes e o nariz também. O estranho até podia não ter traços bem orientais, mas seus olhos ainda eram característicos. O sorrio era grande também e quadrado. E apesar dele parecer inofensivo… usando aquelas roupas folgadas, não estava nem um pouco confortável ao seu lado. — Olha… acho que você me confundiu com alguém, eu não…
— Não sinto uma boa aura vindo de você.
— Quê?
— Mas agora eu posso ver o que é…
— Pode é? Estou com belas olheiras na cara, é claro que a minha aura não está boa. — Acabei soando grosseiro. Mas que merda era aquela daquele estranho?
— O corpo não aguenta quando o espírito está perturbado. É por isso que está com olheiras… e a pele pálida.
— Eu sou pálido. — Eu nem mesmo gostava de pegar sol. Vivia coberto. Minha pele era branca demais até.
— Os dois são?
— Que dois?
Ele apontou pra mim, mas acabei olhando para trás pra ter certeza disso.
— Não entendi. — Olhei de novo para o estranho.
— Ele também não entende.
— Quem?
— Esse cara com você.
— Quê? Não tem ninguém comigo. Tá doido?
— Eu não sou doido. — Ele fechou a expressão, parecendo bem chateado.
— Pois parece. Falando essas coisas… E alias, por que tá falando comigo? Eu nem te conheço.
— Me chamo Kim Taehyung. — Ele estendeu a mão em minha direção. — E vocês?
— Vocês? Você bebeu alguma coisa?
— Eu não posso. Eles não me deixam.
— Eles quem? As vozes estranhas na sua cabeça? — Acabei rindo, e o tal Taehyung fez um bico entristecido. As expressões dele eram bem marcadas. Bem característico de gente doida…
— Não…
— TAEHYUNG!
Outra pessoa gritou e veio apressado em nossa direção. Taehyung levantou e parecia um pouco assustado. O outro estranho estava acompanhado de um segurança do shopping e eu achava que era melhor sair dali logo.
— O que você está fazendo aqui, Taehyung?
— E-eu…
— Eu falei pra você não se afastar de mim! Por que não atendeu o celular?
— Eu desliguei ele…
— Por quê?
— Ah…
Via Taehyung se encolher todo sob o olhar do outro cara, e tanto ele quanto o segurança olhavam estranho pra mim.
— Ah… desculpe, mas o Taehyung não te perturbou, perturbou?
— Por que você acha que eu só perturbo as pessoas, Hoseok? — Taehyung falava quase gritando.
— Tae…
— Eu só… eu só conversei com ele, não foi?
Que droga, eu iria me envolver naquilo?
— Ah… sim. Nada demais. — Respondi.
— Viu só?
O tal Hoseok respirou aliviado e fez um sinal para que o tal segurança pudesse se retirar. E eu podia entender a situação. Era óbvio que Taehyung não batia muito bem da cabeça e sumiu das vistas de Hoseok. Isso explicava sua preocupação.
— Desculpe qualquer coisa. — Hoseok se curvava um pouco pra mim e eu apenas fazia que estava tudo bem. — Vem, Tae. Eu acabei deixando as sacolas na loja, temos que ir lá pegá-las.
— Você achou que eu ia sumir?
— Não sei, eu só… não te vi lá e… — Eles começaram a andar e eu dei de ombros.
— Eu não ia sumir, Hobi… Eu só vim ver o Yoongi e…
Quê? Olhei para trás e eles continuavam conversando, mas… eu não tinha falado o meu nome para aquele garoto estranho.
— EI! — Gritei, fazendo-os olhar pra mim. — Que nome você disse?
— Nome? Que nome? — Taehyung perguntou, e Hoseok não estava muito confortável agora.
— Você disse Yoongi, não disse?
— Sim. É você.
— Eu não te disse o meu nome. — Comecei a me aproximar.
— Tae… — Hoseok puxou de leve o braço de Taehyung, e ele cochichava alguma coisa no ouvido dele…
— Tudo bem, Hobi. — Taehyung sorria de seu jeito infantil. — Você não disse, mas ele me disse.
— Ele quem?
— O outro cara dentro de você.
Nesse momento aquele frio cortante atravessou a minha coluna e eu não consegui dizer mais nada.
— Taehyung! — Hoseok o repreendeu e o puxou de novo. — Não ligue pras coisas que ele fala, por favor. O Taehyung adora brincar…
— Mas Hobi…
— Vamos agora!
E eles se foram enquanto eu continuava estático ali. A música voltou a ecoar ao meu redor, mas agora eu sabia que não era na caixa de som de nenhuma loja e sim… dentro da minha cabeça.
We don’t talk anymore… Like we used to do… Yoongi.
-----§§§-----
Não lembro que horas eram, mas só voltei pra casa quando recebi uma mensagem de Jin dizendo que havia chegado. Eu sei que estava longe, mas fui caminhando de volta, totalmente no modo automático.
Minha cabeça girava, e quando Jin olhou pra mim, ele soube que algo estava errado.
— Yoongi? O que foi?
— Ele… O meu irmão…
— O quê? Você o viu de novo?
Neguei com a cabeça e Jin me ajudou a sentar no sofá.
— Ele tá aqui…
— Aqui? Na casa? Eu vou chamar um exorcista, na real.
— Talvez devesse mesmo.
— A gente precisa saber o que ele quer e porquê não desencarnou de vez daqui.
— Mas ele não tá na casa…
— Não?
— Ele… Hoje aconteceu algo muito estranho. — Encarei Jin que estava ficando com medo. — Antes eu até podia achar que estava ficando doido sozinho, mas… não.
— O que aconteceu?
Tive que contar toda a história bizarra com o tal Taehyung. E Jin até mesmo foi ligar a TV em algum programa de comédia para que o clima no apartamento não ficasse tão pesado, mas agora a ideia de que o espírito de Jungkook me rondava não parece mais tão bizarra assim.
Passei as mãos no cabelo e agora precisava dizer sobre aqueles doze dias que fiquei fora de mim. Eu precisava de ajuda ou isso poderia acontecer de novo ou pior.
Porém, se eu contasse… Jin poderia não entender. Ele não pareceu ter me estranhado naqueles dias, então talvez não tivesse se dado conta que não era eu ali e sim Jungkook? Mas como também ele poderia imaginar esse tipo de coisa sendo que nada assim poderia ser real?
Se eu contasse… Acabaria ficando como aquele Taehyung?
— Jin…
— O quê?
— Eu estive estranho esses dias?
— Estranho como assim?
— Diferente do que você conhece…
— Não.
— Tem certeza? Jimin disse que tenho andado esquecido.
— Ah… Isso é. Mas na real eu te achei bem melhor. Assim, você tá melhorando né? De tudo isso…
— Jimin disse que seria bom eu ver algum profissional.
— Terapia é sempre bom. Ainda mais agora. Talvez você precise não só de um terapeuta como também de um padre…
— Talvez…
— Mas não pensa muito nisso. — Jin tocou em meu ombro e se levantou. Ele estava preparando algo pro jantar. — Quanto menos sua cabeça estiver no falecido, melhor.
Ele tinha razão. E eu tentei mesmo não pensar mais em Jungkook naquele dia.
Mais tarde Jimin me mandou uma mensagem dizendo que teria uns trabalhos pra fazer com alguns colegas e que por isso dormiria por lá. Ele ainda perguntou como eu estava e se tinha pensado melhor sobre procurar um terapeuta, e ele ficou feliz quando eu disse que realmente ia fazer isso. Eu precisava mesmo na verdade. E ouvir que ele estava feliz por uma atitude minha me animava também.
Ter o apoio de Jimin era a melhor coisa. E eu não queria decepcioná-lo ou preocupá-lo. Ele estava lutando tão bem para lidar com a morte de Jungkook que eu não podia fraquejar logo agora. Mesmo sabendo que comigo as coisas estavam bem mais estranhas.
Depois do jantar, Jin acabou indo deitar mais cedo, pois a semana de provas estava o matando. Já eu, procurei ficar acordado o máximo que conseguisse. Não estava a fim de deitar e acontecer alguma coisa fora do comum de novo. Tentei ler alguns livros, ver algum seriado, beber bastante café… Mas meu corpo não era acostumado a ficar até tarde acordado, e cedo ou tarde, eu pegaria no sono.
Quis bater à porta de Jin e ficar com ele, mas não queria parecer tão assustado assim. Ele estaria bem no quarto ao lado, eu podia relaxar mais. Sentei no sofá e coloquei as mãos na cabeça. O sono estava me vencendo… Fui até o banheiro e abri a torneira forte, enchi as mãos e joguei a água no rosto, enchi mais uma vez e joguei na cabeça. E enquanto aquela água ia escorrendo pelo meu pescoço e algumas gotas caiam de volta na pia, ia reparando no pequeno redemoinho que se formava no ralo. A torneira continuou ligada e aquele som ia fazendo minha mente relaxar. E então percebi um solitário fio de cabelo circular com as águas.
Era um fio castanho.
Mantive meus olhos nele até se perder dentro daquele pequeno buraco. E minhas mãos ainda estavam em meu pescoço segurando algumas mechas de cabelo. Fui as retirando devagar, reparando que entre meus dedos haviam alguns fios castanhos também.
Respirei pesadamente.
Eu passei meses no hospital e mais algum tempo em recuperação na casa de Jimin… Eu sabia que não havia pintado meus cabelos nesse período. Eu sabia que eles eram bem pretos também. E aquele tom de castanho…
Fiquei com medo de levantar o olhar e encarar o espelho. Uma mistura de sentimentos foi me tomando, inclusive a curiosidade. Meus olhos por alguma razão estavam se enchendo, talvez pela falta de lubrificação já que não pisquei uma única vez depois que vi aqueles fios castanhos em minhas mãos, ou talvez porque sabia que veria algo que eu realmente não queria ver.
Mas mesmo com tanto medo, não consegui ficar olhando apenas para as minhas mãos. Levantei o olhar e vi… no reflexo… alguém que não era eu.
— Jungkook… — Sussurrei aquele nome.
Jungkook estava dentro do espelho, igual a mim. Mas seu rosto estava tão assustado quanto o meu.
— Yoongi…
Ele chamou o meu nome e eu gelei novamente.
— Yoon… — Mas antes dele ter tempo de completar meu nome novamente, meu punho direito foi de encontro ao vidro. E eu só saí daquele transe quando senti meu punho queimar em dor.
Vi o sangue e tentei lavar o máximo que pude debaixo da torneira que ainda estava aberta. Mas não perdi muito tempo ali. Corri para o meu quarto e usei alguma roupa para tentar parar o sangramento. E foi nesse momento que Jin abriu a porta e viu minha deplorável situação.
Ele perguntou que barulho tinha sido o que ouviu, mas eu não consegui responder. Estava chorando e ele não disse mais nada, vindo me abraçar em seguida.
WHY WE DON’T TALK ANYMORE?
WHY YOONGI?
WHY?
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