História Leather Lady - Da água para o vinho

POV - Narrador

— Você já falou sobre isso com a Andy? — Catherine perguntou.

— Não.

— E eu posso saber o motivo? — a editora se ajeitou um pouco no colo de sua amiga e respirou fundo antes de respondê-la.

— Eu não poderia jogar essa informação em cima dela, logo após dela me contar toda a história com o cozinheiro. Não seria justo — afirmou.

— Eu concordo com você, realmente não seria — suspirou — Quando você descobriu que queria dar esse passo com ela?

— No momento em que a imaginei grávida. Quando essa imagem surgiu na minha mente, eu soube que gostaria de viver essa realidade com Andrea.

— E você acha que por conta de tudo que ela passou com o Nate, ela não vai mais querer ser mãe?

— Eu não acho, eu tenho certeza — sua voz falhou um pouco.

— Como?

— No dia que ela me contou toda a história, eu perguntei se ela pretendia ter filhos e ela disse que por enquanto não.

— Agora eu entendi o motivo do seu surto — a fala de Cate fez Miranda se sentar repentinamente e a olhar de cenho franzido — Não me olhe com essa cara, Miranda. Isso foi um surto sim, daqueles que você tinha quando estava casada com o John — Priestley revirou os olhos — Já fazia um bom tempo que não tinha um desses.

— Eles acontecem quando tento reprimir o que sinto — a editora se ajeitou no sofá e passou os dedos entre os fios nevados de seu cabelo — Eu não deveria fazer essas coisas e tenho consciência do quão ruim se torna tudo isso quando eu finalmente deixo sair o que estava me sufocando.

— Você não precisa passar por isso sozinha, Miranda. Você tem a mim, sabe disso… — a editora assentiu — Eu sei que às vezes não conseguimos falar com a pessoa que está ao nosso lado e isso é normal, mas você não pode simplesmente guardar aí dentro. Eu sou sua melhor amiga, conheço você tão bem quanto você mesma se conhece e consigo perceber quando algo não vai bem.

— Eu só não… — bufou — Eu não estava pensando em mim. Meu foco estava na Runway, nas gêmeas e na Andrea.

— Eu entendo que tudo isso está te deixando de cabeça cheia e que são coisas importantes, mas você não pode deixar suas questões de lado, Miranda. Quando você se deixa de lado, fica acumulando suas questões e explode por qualquer coisa besta.

— Está dizendo que… — fora interrompida.

— O desejo de realizar, não é besta. Na verdade, eu acho perfeito que você esteja se abrindo a este nível, mas olhe o que você fez com aquela penteadeira — apontou para os restos do móvel estilhaçado — Não precisava de tudo isso. Principalmente pelo fato da Andy ter dito "por enquanto", isso pode mudar — Priestly olhou para Cate e esperou que ela terminasse — Se você conversar com a Andy e expressar essa vontade repentina e intensa que surgiu em você, muitos desses seus medos podem desaparecer.

— Ela pode dizer que não quer ter filhos.

— Ela pode sim e você vai respeitar isso, porque você é uma pessoa decente e que não impõe suas vontades fora de revista e vai deixar que ela decida por si só o que quer — a editora bufou e levou uma das mãos a testa — Mas, eu acredito que a vontade dela possa vir a mudar também, nunca se sabe. Apenas dê tempo ao tempo, Miranda. Você nunca foi de se desesperar com as coisas e esse não é o momento para isso — Miranda assentiu, mesmo sem olhar para sua amiga — Sofrer por antecipação por uma recusa que você não sabe se vai acontecer, só vai te fazer mal. Guarda essa sua vontade aí dentro, mas não a sufoque. Deixe ela crescer e vá alimentando a ideia conforme for percebendo que ela pode ser correspondida. Quando chegar a hora, você vai saber o que dizer e como dizer.

— As vezes eu tenho vontade de odiar você, só pelo fato de fazer parecer fácil resolver algumas questões, mas o meu coração mole faz com que o amor por você fale mais alto — olhou para Blanchet, que sorria em sua direção — Você é a melhor, sem dúvidas!

— Eu sei disso — respondeu — Mas me assusta você estar admitindo isso, sem nenhuma ameaça — riu — Andrea está fazendo algum tipo de lavagem cerebral em você e isso está me assustando — em resposta a sua fala, Cate recebeu um belo de um tapa no braço, que a fez rir ainda mais. Estava aliviada por ter conseguido acalmar Miranda e por vê-la feliz de um jeito que fazia tempo que não via.

******

— Miranda Priestly! — atendeu o celular sem se importar com quem poderia ser.

— Miranda, é a Leslie — o silêncio da editora indicava que a ruiva deveria continuar sua fala — Entrei em contato com Celina Moura e de acordo com sua devolutiva, teremos a Vitrine como porta voz do anúncio sensacionalista do seu relacionamento.

— Quando você disse que já tinha algo em mente, não imaginei que se referia a essa revista em questão — Priestly falou.

— E por que eu não pensaria nela? — a editora não a respondeu e isso fez Walker prosseguir — Desde o escândalo do contrato com a Galvão e sua resolução, Vitrine se manteve no topo e isso é ótimo para o que queremos. Precisamos de atenção e com ela conseguiremos isso, Miranda. Regina Vozza se assumir publicamente e gerar toda aquela mídia em cima de um relacionamento forjado, mas que logo em seguida se tornou real e dura até hoje, foi um dos pontos altos de Vitrine e também será para a Runway… Tirando, é claro, a parte do relacionamento forjado.

— A senhorita Vozza já se pronunciou? — questionou.

— Eu não traria essa informação para você, se ela não fosse concreta, Miranda. Eu sou uma profissional excelente, por favor…

— Tem passado muito tempo com a Aretha, Leslie. Isso não está te fazendo bem e pode se tornar altamente perigoso para a sua permanência trabalhando ao meu lado — revirou os olhos ao ouvir uma leve risada do outro lado da ligação.

— Não é como se eu duvidasse que você ainda solta fogo pelas ventas e corta algumas cabeças por aí, Miranda. Mas nós duas sabemos que Aretha e eu somos as melhores para cuidar de você — apesar da voz convencida, Priestly não podia negar que a ruiva estava certa.

— Qual o posicionamento da senhorita Vozza?

— Primeiro ela achou que fosse alguma brincadeira de mal gosto, mas depois de alguns minutos de conversa e da certeza que você estava ciente e de acordo com tudo o que eu estava fazendo, ela disse que estar em contato com a Runway seria uma boa via de mão dupla e que não poderíamos ter escolhido revista melhor para isso — Miranda não a conhecia tão bem, mas tinha noção de que Regina era muito parecida consigo mesma, principalmente em relação a revista — Ela disse que entrará em contato com você em algum momento. Ela precisa ouvir de você as boas novas.

— Peça que ela ligue o mais breve possível — ouviu uma confirmação de Leslie e voltou a falar — Mais alguma coisa que eu deva saber?

— Por enquanto não. Se surgir algo eu entro em contato.

— Okay! — não esperou a ruiva responder e desligou o telefone.

Focou nos balanceamentos mensais e nas provisões das edições que estavam prestes a lançar. Era do conhecimento da editora, e de todos na revista, que a edição especial poderia gerar um enorme furo no orçamento. Mas em contrapartida, se bem aceita, poderia chegar a triplicar os lucros que normalmente tinham naquela época do ano. Passou um pouco mais de quarenta minutos trabalhando sem ser interrompida, até que uma suave batida na porta chamou sua atenção. Ergueu a cabeça para ver de quem se tratava e se deparou com uma jovem que ainda não havia visto, mas sabia que a mesma fazia parte da equipe da edição especial, pelo crachá que carregava preso em sua calça.

— Boa tarde, Miranda! Me desculpe a interrupção… — começou e recebeu um leve aceno da editora para prosseguir — Terminamos a matéria de abertura da revista e a Joss me pediu para vim pegar o seu parecer — Miranda fez um sinal para a jovem se aproximar e assim ela fez — Fizemos em duas versões, como você nos pediu; uma citando um certo alvoroço que a cidade vai sofrer e uma sem. As duas são praticamente iguais, seguem a mesma linha de raciocínio e trazem a mesma ideia de comentar sobre seu cargo na Runway e o que fez com ele. Citamos também os seus antigos casamentos, apenas para dar ênfase nas gêmeas — a jovem terminou e assistiu a editora ler as duas entrevistas que tinha em mãos e lhe olhar por sobre o óculos ao terminar.

— A senhorita Meyer havia comentado que a deixaria responsável por escrever essa matéria, correto? — Jess assentiu com a cabeça — Então já que a escreveu, me diga; por qual motivo eu deveria aprovar qualquer um desses dois punhados de linhas que estão em minhas mãos? — a morena estremeceu, mas tentou ao máximo não transparecer isso. Respirou fundo e respondeu a pergunta.

— Com todo respeito, Miranda, mas essa matéria está impecável… — iniciou sua defesa — Fiz questão de tomar cuidado com cada letra que digitava, tudo precisava estar em seu devido lugar e a altura de Miranda Priestly. O ponto em que comento sobre seus antigos relacionamentos se torna irrelevante diante das gêmeas ou até mesmo da Runway e era exatamente isso que eu queria; mostrar que eles não passaram de momentos específicos da sua vida e que o John só foi importante porque te deu duas filhas incríveis e que você tem o orgulho de dizer que elas existem, deixando claro que em momento algum elas foram encaradas como um erro. Evidenciei o excelente trabalho que você sempre fez estando a frente da edição e eu não estou tentando te bajular, os fatos me dizem isso e eu só acredito nos números — Priestly pendeu um leve riso de lado, ainda não estava na hora da jovem saber que ela já havia aprovado sua matéria — E por último, mas não menos importante; todos te conhecem, mas ninguém conhece Andrea. Ela é o ponto alto desta edição e deste assunto em questão. Todos os seus ex-maridos já eram conhecidos antes de se envolverem com você, mas ela só apareceu ao seu lado duas vezes e as duas foram pela revista, como sua segunda assistente. O ponto importante aqui não é você, como você bem sabe. O ponto é ela e esse final, dando ênfase nas questões que todos irão levantar sobre, foi uma jogada e tanto — o silêncio se fez quando Jess terminou sua fala. Miranda olhou para a morena e a analisou por alguns instantes sem pronunciar nenhuma palavra. Pegou uma caneta e fez uma anotação no canto de uma das folhas e as devolveu para a jovem, que apenas a olhou em questionamento.

— Diga para a senhorita Meyer que ela tem um feeling raro para encontrar novos talentos — o que disse foi o suficiente para fazer um sorriso imenso surgir nos lábios de Jess — Isso é tudo! — a mais nova saiu, deixando Priestly sozinha, concentrada em seus afazeres. Não muito tempo depois que a jovem jornalista deixou sua sala, seu celular tocou — Miranda Priestly!

— Boa tarde, Miranda! Aqui é Regina Vozza de Vitrine — a morena do outro lado da linha se apresentou.

— Boa tarde, senhorita Vozza! — respondeu a editora. 

— Na verdade é senhora Vozza-Galvão… — a corrigiu e não lhe deu tempo para uma resposta — Não acreditei quando a Leslie veio até mim com uma certa proposta, então tive que entrar em contato direto com você, para saber se isso está realmente acontecendo — a voz de Regina carregava um tom meio incrédulo e Miranda pode perceber que a morena provavelmente, estava tentando segurar um riso.

— Por mais improvável que possa parecer, sim é verdade — confirmou — Estou prestes a fazer um pronunciamento sobre o meu atual relacionamento e, de acordo com a Leslie, o melhor caminho a se tomar é plantar essas fotos de forma indireta e anônima, para que o público comece a especular sobre.

— Essa parte eu compreendi, o que ainda é um mistério pra mim é o motivo de Vitrine ter sido a escolhida para essa tarefa.

— Sinceramente, os motivos que levaram a senhorita Walker a fazer essa escolha, não são de meu conhecimento. Mas não posso negar que aprovo sua escolha e que se fosse eu em seu lugar, provavelmente não pensaria em outra revista — um breve silêncio se fez na ligação, até que Regina decidiu quebrá-lo.

— O que acha de conversarmos melhor em um almoço? — fez a proposta e emendou outra fala — Nunca tivemos a chance de compartilhar uma mesa, mas confesso que estava em minha lista de afazeres.

— A recíproca é verdadeira, Regina — respondeu — Pedirei para uma de minhas assistentes fazer uma reserva para duas e lhe enviaremos o restaurante escolhido e o horário.

— Estarei aguardando! — se despediram brevemente e a ligação foi encerrada.

****** 

Dez dias depois

As coisas estavam ficando cada dia mais corridas e turbulentas. A festa anual da Runway se aproximava e junto com ela, as duas edições tomavam forma, fazendo a editora atingir o seu ápice de estresse. Os preparativos para o evento já estavam a todo favor, enquanto as impressões da revista seguiam pelo mesmo caminho. Miranda sabia que tudo daria certo, pois era perfeita no que fazia e seu planejamento estava impecável, com tudo seguindo a risca cada mínimo detalhe e prazo que Priestly havia decretado. Apesar de estar tensa, como sempre ficava, Miranda estava feliz por ter a certeza de que daria tudo certo e que qualquer imprevisto que surgisse, sua equipe estaria pronta para resolver. Estava em seu escritório, revisando pela quinquagésima vez, a lista de convidados. Não poderia deixar ninguém a mais, nem a menos. Seus dedos digitavam rapidamente cada palavra que precisava transcrever naquele e-mail, enquanto seus ombros já davam indícios de que o cansaço iria pegá-la a qualquer momento. Uma leve batida em sua porta arrancou seus olhos da tela.

— Boa noite, Priestly! — a voz doce de Andrea atingiu os ouvidos de Miranda, fazendo-a sorrir.

— Boa noite, Sachs! — chamou a morena com o indicador — Eu não sabia que viria hoje.

— E eu, realmente, não viria… — iniciou,se aproximando mais da editora — Mas algo me disse que eu deveria estar aqui, então eu decidi vir. Espero que não se importe, mas eu vim preparada para dormir.

— Eu me importaria se dissesse que não iria ficar — Miranda afastou um pouco sua cadeira, dando espaço para a morena se sentar em seu colo e assim que ela o fez, seus lábios se encontraram em um beijo saudoso. Se separaram quando o ar se fez necessário — Obrigada por ter vindo!

— Eu não poderia deixar você ficar enfurnada nesse escritório até tarde, como eu sei que você fez todos os outros dias dessa semana, então eu vim aqui, pessoalmente, para te distrair — ao terminar sua fala, Andrea depositou um beijo entre as sobrancelhas da editora.

— Eu já não estava conseguindo prestar muita atenção em nenhum desses números mesmo — bufou.

— Desde que horas você está aqui?

— Desde que cheguei da Runway — os olhos castanhos se arregalaram com a informação que Priestly deu.

— Eu não vou perguntar se você comeu, porque eu sei que não — Miranda segurou um sorriso — Então vamos fazer o seguinte: enquanto você vai lá pra cima tomar um banho bem gostoso e relaxante, eu vou preparar algo para comermos.

— Sem negociação? — perguntou com uma das sobrancelhas erguidas.

— Sem negociação, Priestly! — afirmou já se levantando do colo da mais velha — E não se preocupe em demorar, relaxe o tanto que precisar.

Priestly não a respondeu, apenas depositou um beijo castos nos lábios carnudos e se retirou de seu escritório. Subiu as escadas e antes de ir para o seu quarto, passou no quarto de suas filhas e depositou um beijo na testa de cada uma. Ao adentrar o cômodo em que dormia, Priestly seguiu para o banheiro e tomou um banho demorado, dando atenção às suas madeixas e usando todos os seus óleos relaxantes. Depois de ter a certeza de que estava pronta para sair, desligou o chuveiro e se apressou em trocar de roupa e descer para ir ao encontro de Andrea.

— Eu não sei o que você fez, mas o meu estômago está implorando por alguma substância — falou assim que adentrou a cozinha, fazendo a morena levar um pequeno susto.

— Não é nada muito elaborado. Está tarde e a ideia de comer algo muito pesado, não iria te agradar — Priestly assentiu, concordando com Sachs — Então resolvi fazer uma salada com aquele mix de folhas e o carpaccio que estavam na sua geladeira. Coloquei uns pedaços de queijo e preparei alguns molhos. Espero que goste.

— Você me conhece bem, Andrea. Então sei que está tudo perfeito — a editora se sentou ao lado da morena e as duas se serviram. Passaram alguns minutos em silêncio, apenas apreciando a companhia uma da outra, até que a mais velha quebrou o silêncio — Como estão as coisas no jornal?

— Em polvorosa — respondeu — Com a festa da Runway chegando, todo o jornal está ficando eufórico. As demandas estão cada vez mais altas e os prazos cada vez mais curtos.

— Fechamento de mês é sempre uma enorme confusão e correria, ainda mais em momentos tão agitados quanto o que estamos prestes a viver — Andy concordou, guardando aquela informação consigo.

— E na Runway, como estão as coisas?

— Como sempre, só que mais agitadas e estressantes — suspirou profundamente — Depois de muitos dias tentando, consegui almoçar com a editora de Vitrine.

— E como foi? — os olhos de Andrea brilharam em expectativa e curiosidade.

— Somos muito parecidas em muitos pontos, o que facilicitou e muito a nossa conversa e decisão. Mesmo com Leslie e Celina em contato direto e constante, traçamos um plano para a divulgação das fotos e ela entrará em contato momentos antes de liberar a primeira, para nos prepararmos.

— E já combinaram uma data específica?

— Daqui há exatamente, uma semana — olhou para Andrea e respirou fundo — Daqui há sete dias, nossas vidas irão mudar da água para o vinho.