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História Lembranças - Mulher maravilha.


Escrita por: ameliat_

Capítulo 24 - Mulher maravilha.


Sentada no parapeito da janela de seu quarto, abraçada às suas próprias pernas, ela observava, cuidadosamente, as duas mulheres dormindo, serenamente, na mesma cama em que, anos antes, achara que estaria sempre vazia e fria.

Embaixo do brilho suave do sol que se escondia, preguiçosamente, entre as nuvens e os telhados de zinco do outro lado da rua, ela estudava cuidadosamente, a pequena menina de cachos dourados como os seus, com seus braços e pernas espalhados por todos os lados da colcha grossa de retalhos, enquanto a alta mulher de cabelos negros se escolhia no cantinho que lhe restara. Entretanto, mesmo que de maneira esdrúxula, ambas pareciam tão perfeitamente encaixadas e confortáveis.

Observar as duas naquele momento, tão unidas e sossegadas, injetara uma dose de um sentimento bom, direto ao seu coração. Sentia que o mundo não estava mais revirado e por alguns instantes, parecia ter atingido a paz absoluta. E, dentro daquele pequeno quarto, sentindo-se aquecida e aconchegada, ela se permitiu acreditar naquela promessa de paz.

Por tantos anos, desde que mudara para aquela casa, no auge dos seus dezesseis anos, carregando uma filha e uma mágoa, Piper se sentara naquele parapeito e observara sua cama, desfeita, fria e vazia, sentindo que ela sempre refletia exatamente como se sentia. Pensava sempre, longamente, se algum dia conseguiria livrar-se de todas as sequelas da sua antiga vida. Se um dia esqueceria seus fantasmas, todas aquelas dores que tanto lhe maltratavam o coração. Suas reflexões eram sempre interrompidas pelo despertador, reclamando que estava na hora de recomeçar mais um de seus dias apáticos.  

Contudo, naquele dia, enquanto observava as duas dormirem naquela mesma cama, ela fora assaltada pela mesma sensação de que o móvel fosse, mais uma vez, reflexo de como seu coração estava. Cheio, quente e confortável.

Reconhecia aquele sentimento, já o sentira antes, anos atrás, quando disse para a mãe que iria dormir na casa de uma amiga do colégio, mas fugira com as verdadeiras amigas para uma festa do outro lado da cidade e terminara a noite beijando o amor de sua vida.

Sorriu suavemente ao lembrar daquilo e passou a ponta dos dedos pelos seus braços, querendo prender aquela sensação no mesmo lugar em que estava.

Porém, ela se lembrava de que, naquele mesmo dia em que experimentou mais pura dose de felicidade, também sentira o mais profundo do sentimento oposto.

Evitava, diariamente, lembrar-se daquela parte sombria do seu dia, mas com a mesma frequência, falhava. Aquela memória estava impregnada nela, era como um membro do seu corpo. A verdade é que ela podia sentir, exatamente, as mesmas emoções, as exatas sensações que experimentara no instante em que Brad abusara dela, porque havia sido ali, o exato momento em que perdera uma parte de sua alma.

Com efeito, Piper sabia, desde o momento em que Brad a jogou do carro, no jardim da sua casa, sangrando, com suas roupas rasgadas, cabelo desgrenhado e se sentindo totalmente perdida, que jamais voltaria a ser a mesma pessoa, mas principalmente, achava é que nunca tornaria a ter uma vida, a sentir algo, fosse tristeza ou felicidade.

Mas voltara. E era felicidade.

Observou Alex remexer-se levemente na cama, com um cuidado inconsciente, de não acordar Ariel. Sorriu, um pouco mais largamente, daquela vez. Sabia que devia a ela, uma parte daquela felicidade em que se permitira sentir novamente.

Piper lembrava-se, de todas as noites de folga em que se aconchegara no sofá, com um pote de doces no colo, enquanto a filha e Dakota dormiam, e ligava o aparelho de televisão e a via, sentada em sua banqueta, com cartões na mão e um sorriso simpático para os convidados. Algumas noites, ela se permitia imaginar como teria sido sua vida se tivesse sido egoísta, se não a tivesse deixado ir embora, se tivesse a mantido na sua bagunça. Foram em algumas daquelas noites em que escrevera cartas para ela, como se ainda fossem velhas amigas, sempre desistia e terminava rasgando. Alex sequer devia lembrar-se dela.

Contudo, ali estava ela com todo aquele amor que fazia com se sentisse a mulher mais amada do mundo, exatamente como na manhã em que acordou ao seu lado, aos dezesseis anos,

Entretanto, Piper sabia que, assim como naquela manhã, sua felicidade estava ameaçada. Experimentava, mais uma vez, a sensação de que tinha algo esvaindo ligeiramente de suas mãos, sem que pudesse fazer nada.

Parecia que sua vida era um eterno labirinto de incertezas e mágoas, e que algumas vezes encontrava o caminho da felicidade, mas alguns passos depois, ela caísse em um buraco que lhe levaria de volta ao ponto de partida.

Suspirou cansada e desesperançada.

Daquela vez, foi invadida por um novo sentimento, o de uma tristeza profunda. Então fechou os olhos e encostou a cabeça na vidraça gelada. Estava tão esgotada...

Desde que o julgamento pela guarda de Ariel começara se tornara uma notívaga, vivia de breves cochilos e sempre acordava sobressaltada, como se durante aquele breve momento em que dormia, a filha pudesse ter sido levada para longe.

Sentia sua cabeça e corpo reclamarem o sono perdido, mas os ignorava com fortes doses de cafeína e passeios noturnos pelo bairro, envolvida em um roupão e pantufas. Tinha certeza que seus vizinhos começaram a questionar sua sanidade.

O julgamento já durava duas semanas longas e com tantas reviravoltas que Piper sentia-se tonta apenas de pensar nelas. Isso porque, sempre que uma das testemunhas arroladas por Diane depunha, se ouvia que Piper era uma ótima mãe, mas logo em seguida, surgiam as testemunhas de Brad, antigos amigos de escola que duvidavam da sanidade de Piper, profissionais que atestavam veementemente que uma mulher não podia ser normal depois de se isolar do mundo, corroborando a tese da advogada de Brad de que Piper era uma mulher desequilibrada e incapaz de cuidar da filha. E mesmo que aquilo fosse loucura, Piper sentia que a juíza que presidia a sessão, havia sido tocada por aqueles depoimentos falsos.

Pensar nisso a deixava nervosa, então tentava evitar. Na maior parte do tempo, tentava ser como Alex, sempre tão otimista, acreditando que a esperança ainda era amiga das duas. Mas naquela manhã, não havia sido invadida pelos sentimentos da amada, pelo contrário, começava a sentir o nervosismo tomar conta de todos os seus órgãos.

Parte dela quis se convencer que estava se sentindo daquela forma porque naquela manhã seria a última audiência, seria a sua vez no banco de testemunhas e a de Brad. E, segundo Diane, à tarde, todos já saberiam o que a juíza decidiria. Mas sua outra metade, ainda estava atônita.

Para piorar aquela situação, como Piper previra tantos anos antes, todo o julgamento tomara proporções hiperbólicas. Jornalistas se agrupavam em massa na frente do tribunal todos os dias, e atrás deles, dezenas de furgões de emissoras com enormes antenas de satélite no teto alinhavam-se na rua. A história de uma Chapman que engravidara ainda adolescente de um Green e sumiu com a filha, às escondidas, para uma cidade no interior estava em todas as manchetes de jornais, nos noticiários, em boletins especiais do rádio e pessoas de todo o país comentavam nas redes sociais. E lembrar-se de que sua vida estava à disposição de toda a população para comentários e chacotas a deixava ainda mais desconfortável. Principalmente porque, em algum momento de toda aquela confusão, Piper se tornara a grande vilã da história e privou o pobre pai de ter contato com a filha.

Nada estava ao seu favor, embora Alex não quisesse admitir. Piper via nos olhos das pessoas que acompanhavam a audiência, nos olhos dos jornalistas, eles sabiam que tudo estava perdido, eles já podiam sentir que a justiça seria feita para o pai desamparado. 

Estremeceu um pouco e encarou a noiva adormecida, buscando encontrar nela um pouco daquela esperança e positividade. E imediatamente, sentiu um pouco de raiva de si. Na noite anterior, tinha se irritado com a mesma positividade que buscava nela naquele momento.

Estavam jantando, enquanto Alex falava sobre São Francisco para Ariel, como ela venderia seu apartamento e comprariam uma casa mais distante do centro e a pequena poderia ter um cachorro e um quarto enorme com todos os seus brinquedos e uma casa na árvore que elas mesmas construiriam. Não sabia a partir de que momento aquela conversa começou a irrita-la, mas logo estava gritando com a noiva, como se ela tivesse feito a pior das atrocidades. Os gritos de Piper haviam sido tão intensos que assustara a pobre Ariel, que correu para os braços de Dakota aos prantos. Imediatamente, Piper percebeu que estava parecendo tão desequilibrada quanto a descreviam no tribunal e correu para o quarto.

Alguns instantes depois, Alex bateu a porta e surgiu com um pedaço de pizza e um pouco de suco, perguntando se estava tudo bem.

Deus sabia o quanto Alex havia sendo paciente com Piper naquela fase. Ela mesma tinha ciência de que se tornara uma mulher impaciente e neurastênica. Sempre resmungando e reclamando de coisas sem importância. Mesmo assim, contra todas as expectativas, Alex estava ao seu lado.

Não sabia como tinha conseguido sobreviver todos aqueles anos sem ela e ao mesmo tempo, não tinha certeza se a merecia.

Desceu do parapeito e pousou seus pés no chão frio, dando alguns leves passos em direção de Alex, e sentou ao seu lado na cama, com cuidado para não acorda-la. Com tato, ela beijou seu rosto levemente e sussurrou que a amava em seu ouvido. Aquilo fez com que a morena despertasse e sorrisse para ela.

 

— Bom dia, Sunshine. – disse com a voz grogue – está pronta para ir para o último dia dessa tempestade?

 

Incapaz de mentir, Piper apenas sorriu, torcendo para que aquilo a convencesse.

 

— Estamos atrasadas? – ela perguntou, levantando-se rapidamente.

— Não, ainda é cedo. Por que não toma banho comigo?

 

Imediatamente, Alex sorriu maliciosamente, o que fez com que a loira risse baixinho.

Enquanto a água caía sobre a pele nua das duas, Piper beijava Alex como se aquela fosse a última vez em que estivessem juntas. A verdade é que não sabia mais o que aconteceria depois daquele dia, então queria guardar aqueles últimos momentos de paz absoluta.

Logo estavam tomando café, enquanto Dakota tagarelava sobre algo que passara no jornal e Alex rebatia, apenas para irrita-la. Como faziam em manhãs comuns. Piper gostou de ter aquela normalidade naquele dia, quis agradecer as duas, mas ao mesmo tempo, só queria que continuassem.

Fechou os olhos, permitindo que o conforto daquela manhã, fosse gravado com cuidado pela sua memória.

Mas rapidamente, sentiu um pequeno corpo envolve-la por trás da cadeira e sorriu, puxando a filha para seu colo. Cobriu-a de beijos, falou um par de vezes o quanto a amava e deixou que fosse sentar em seu lugar. Mais uma vez, Alex falou sobre São Francisco, mas daquela vez, a conversa não irritou Piper, queria que continuassem. Aquela era sua maior força para sobreviver àquela manhã.

Naquele clima de normalidade, Piper e Alex caminharam de mãos dadas até o tribunal, atravessando os jornalistas eufóricos que perguntavam em coro qual era o sentimento da loira naquele último dia. Mas ela não respondeu, olhou para Alex e a morena sorriu de volta, era tudo que precisava.

Brad ainda não havia chegado quando ela sentou ao lado de Diane e elas repassaram novamente o que ela falaria no depoimento, tentaria escapar de perguntas sobre sua motivação ao se mudar para uma cidade menor, quando estava grávida. Quando perguntassem o que a levou não contar a Brad sobre a filha, ela contaria alguns episódios em que Brad fora violento com ela, que foram reforçados nos depoimentos de Lorna e de seu pai e que, por isso, temia pela segurança da filha.

Diane parecia otimista naquela manhã, ela até comentou de como estava feliz de ser o dia do depoimento de Piper que todos seriam comovidos por uma mãe com medo de perder sua pequena filha.

Sua sogra estava tão certa de que conseguiriam que Piper tentou acreditar nela, mas não conseguiu. Mas não deixou aquilo abatê-la, girou e viu sua irmã e seu pai entrarem no tribunal de braços dados, sorrindo, esperançosos e ela sorriu de volta. Sentia como se estivesse em um prédio desabando e mesmo assim, tivesse decidido ficar, torcendo para que caísse de pé.

Alguns minutos depois, Brad entrou com a advogada e a esposa, sorrindo vitorioso.

Mas Piper não prestou atenção nele, focou seus olhos em Hannah, a garota que a seguia para todos os lados na escola, querendo falar e agir como ela. Perguntava se Hannah se sentia feliz por ter conseguido a vida de abandonara tantos anos antes.

Ela também foi uma das testemunhas, como todas as outras, falou sobre Piper ser desequilibrada, ter acompanhado com lésbicas drogadas um pouco antes de desaparecer. Mas não sentiu raiva da antiga amiga, sentiu pena dela. Sua fala era tão automática e genérica que chegou a se questionar se Hannah estava mesmo viva.

Foi interrompida pelo meirinho que anunciou a chegada da juíza e pediu que todos ficassem de pé para recebê-la.

Assim que sentou em seu lugar, a juíza deu voz para a advogada de Brad, que o chamou para depor. Não houve muito a acrescentar em seu testemunho, apenas tudo o que falaram durante as duas semanas, que ele considerava Piper desequilibrada e ficou preocupado quando ela começara a dançar com lésbicas drogadas, mas que nunca imaginou que ela esconderia a existência de uma filha dele. Até chorou e dissera que tudo o que queria era um momento com a filha. Quando foi questionado por Diane se fora violento com a antiga namorada, ele apenas respondeu que era um homem e agia de maneira precipitada, como eram os homens. Piper viu a sogra revirar os olhos no mesmo instante e quase riu daquilo.

Quando Brad acabou, a juíza deu a vez para Diane chamar sua última testemunha.

Piper arrastou a cadeira com cuidado e levantou-se de onde estava, caminhando com pouca incerteza até o banco das testemunhas. Um meirinho surgiu ao seu lado e pediu que fizesse um juramento com a mão em cima de uma bíblia, ela obedeceu e logo em seguida, sentou-se. Imediatamente, olhou para Alex, sentada ao lado de Nicky, e ambas sorriram, encorajando-a, Nicky até fez um gesto de força com o braço.

Diane fez as primeiras perguntas, coisas simples, como seu nome, idade de Ariel, profissão, como fora quando se descobriu grávida.

 

— Assustador – foi tudo que conseguiu dizer para aquela pergunta.

 

Diane assentiu e disse algo sobre aquele ser o sentimento de qualquer jovem de dezesseis anos quando descobre que espera um filho. Ela continuou perguntando como havia sido a faculdade e o fim da escola para Piper, cuidando de uma filha, e a loira respondeu prontamente.

 

— E por que você se mudou para sua atual cidade, senhorita Chapman? – ela prosseguiu.

 

Piper ia responder aquela, até abriu a boca para dar sua resposta ensaiada, mas seu olhar foi atraído até Hannah, novamente.

Ela olhava para Piper de forma tão apática, tão perdida, como se estivesse entorpecida, que a loira soube imediatamente o que havia acontecido a antiga amiga. Reconhecia-se nela.

Sentiu seus pelos eriçarem e seu coração bater acelerado no peito. Estava prestes a ter uma crise de pânico. Sua respiração estava acelerada e tudo que ouvia era um zumbido em seu ouvido. Encarou as pessoas que assistiam a audiência, todos a olhavam com reprovação. Olhou para a juíza e ela parecia ameaçadora.

Sua boca estava seca. Precisava... Precisava...

Viu Diane se aproximar e segurar em sua mão, perguntando se estava tudo bem, mas Piper não saberia responder.

Seu olhar foi atraído para Brad e sua advogada que riam daquela situação, como se estivesse provando aquilo que falaram ao longo daquelas semanas. Oh, eles estavam mesmo, pensou Piper com sua última centelha de sanidade ativa.

Mas ela deixaria que ganhassem? Seria tão fácil assim? Ele mais uma vez a roubaria algo importante? E se ele... Oh, não... Sua filha, não.

Não, ela não deixaria que ganhassem. Ela não podia. Ela não podia deixar que Ariel vivesse com aquele homem.

Encarou Diane e sem perceber, as palavras seguintes saíram de seus lábios:

 

— Porque ele abusou sexualmente de mim.

 

O tribunal inteiro rompeu em sussurros.  

Diane a olhou sobressaltada com a resposta, não sabia o que diria em seguida. Imediatamente, ela olhou para a advogada de Brad como se esperasse alguma reação dela, mas a mulher apenas anotava algo em um papel, ignorando as duas.

Naquele mesmo segundo, ainda enquanto as palavras saíam de seus lábios, a mulher sentiu como se estivesse tirando algo de seus ombros. Ela tinha dito o que aquele homem fez, não para as pessoas que a amava, mas para o mundo. A partir daquele momento, todos sabiam que ele era um monstro. E como recompensa, ela sentiu como se uma de suas feridas estivesse se fechando.  Mesmo que um pouco, ela ficou feliz e orgulhosa de si.

Piper sentiu a mão de Diane pousar sobre a sua e tentar dizer, em um sussurro choroso:

 

— Eu sinto muito, querida.

 

A loira assentiu, era tudo o que conseguia fazer naquele momento.

Percebendo que não poderia mais pressionar Piper, que aquilo era o bastante, Diane encerrou seu interrogatório.

Como rotina, a juíza abriu fala para a advogada de Brad interrogar Piper e ela assentiu em seu lugar.

Piper observou a mulher levantar-se calmamente, como se estivesse tudo correndo exatamente como o esperado. Sabia que ela estava mantendo aquela imagem porque não queria deixar que sua testemunha ficasse confortável, era tudo um jogo psicológico, se ela agisse normalmente, Piper ficaria assustada e recuaria. Mas era tarde para Piper ter medo. Ela dissera exatamente o que mais temia. Estava livre, ninguém mais a assustaria. Havia sido pega por algum sentimento de força, algo que parecia ter acordado dentro dela.

Endireitou-se na cadeira e torceu para que aquela mulher viesse com todas as suas armas porque ela finalmente estava pronta para lutar.

 

— Senhorita Chapman – ela começou – quanto tempo namorou o senhor Green?

— Desde o fim do colegial – Piper rebateu.

 

A mulher assentiu.

 

— A senhorita sempre foi lésbica?

— Não vejo por que minha sexualidade importa nesse momento – ela disse – mas, eu não sabia que era lésbica ou bissexual, ou o que quer que eu me enquadre.

— Então nunca pode satisfazer o senhor Green? – ela prosseguiu antes que Piper pudesse respirar, assim como fizera com Alex — Sexualmente, eu digo. — explicou.

— O senhor Green – Piper tentou não soar irônica ao pronunciar o nome de Brad, mas falhou miseravelmente – tinha bastante conquistas pela escola, o suficiente para não deixa-lo insatisfeito.

 

A advogada caminhou de um lado para o outro, tentando digerir o que Piper falara.

 

— Mas e a senhorita? – ela questionou, parando na sua frente – não acha que ele procurava nas outras o que não tinha com você?

 

Piper tentou não rir.

 

— Não – respondeu calmamente – Acho que ele procurava porque queria.

— Se não gostava dele, por que continuou o namoro?

 

A loira suspirou antes daquela resposta. Aquilo era o que desejava ter feito.

 

— Como foi falado aqui nesse tribunal, eu competia em concursos de dança e de beleza, minha mãe esperava coisas de mim, mais do que uma mãe comum e uma dessas expectativas, era que eu namorasse alguém como Bradley. – Piper respirou fundo antes de continuar – Mas eu percebi que não podia continuar daquela forma, então terminei. Afastei-me dois antigos amigos e fiz amigas de verdade, incluindo Alex e Nicole, que estão aqui hoje, ditas como drogadas, mas são relações públicas de uma indústria farmacêutica e uma apresentadora de respeito.

— Então me conte, senhorita Chapman – ela disse num tom um pouco teatral – O que houve?

 

Piper buscou mais um pouco daquela força que estava dentro dela, precisaria de toda ela para contar aquela história. Mas se surpreendeu ao perceber que aquele episódio da sua vida não a fazia mais sentir uma pessoa menor do que ele.

 

— Bom, - começou – como eu disse, havia me afastado e feito novas amigas. Boas amigas. Uma manhã, Nicky – ela pigarreou e corrigiu – Nicole chamou a mim, a Alex e Anne para uma festa. Eu era jovem, fiquei animada de escapar de casa. Disse para minha mãe que ia para a casa de Hannah Rob... Green, Hannah Green, e então segui para casa de Anne. Nos arrumamos, fomos para a festa, como qualquer adolescente. Dormi na casa de Anne, como todas as envolvidas. Naquele dia – antes que pudesse falar, a loira sorriu com a memória – eu percebi que estava apaixonada por Alex Vause e estando solteira, me envolvi com ela. Na manhã seguinte, eu acordei atrasada, precisava ir para casa para minha última competição, minha mãe estava nervosa com aquilo, então fui com Alex. No meio do caminho, nos despedimos com um beijo e quando estava na frente da minha casa, senti algo me acertar na cabeça. Minha visão ficou embaçada, mas eu vi Bradley, falando coisas das quais eu não conseguia distinguir, quando percebi, estávamos longe da cidade, num terreno baldio, onde ele abusou sexualmente de mim.

 

A mulher suspirou antes de continuar.

 

— Semanas depois, eu descobri que estava grávida e não queria que meu filho convivesse com um homem como ele, então eu fui para longe, deixando para trás tudo que me aconteceu.

 

Quando terminou de falar, Piper sentiu aquele sentimento de alívio explodir em seu peito. Ela tinha falado, ela tinha falado, ela tinha contado tudo que tinha acontecido.

Olhou para Alex e viu que ela chorava, assim como Nicky e Lorna. Mas logo ela percebeu que não era um choro de tristeza, elas estavam felizes por Piper. E junto com elas, Piper também ficou feliz de si.

Naquele instante, ela percebeu que não tinha mais uma ferida em seu peito, mas uma cicatriz, que talvez continuasse com ela para o resto de sua vida, mas que nunca mais sangraria. Estava livre, depois de tantos anos, ele não tinha mais o controle sobre ela.

Encarou a advogada esperando o que viria, mas em meio a toda aquela euforia, algo pesou em seu coração assim que pousou seus olhos na mulher, como uma espécie de presságio ruim.

 

— Você disse não? – a mulher perguntou rápida e diretamente.

 

Piper a encarou sem entender o que estava acontecendo.

 

— Vou repetir – ela anunciou – enquanto a senhorita alegava ter sido abusada, você disse não?

 

Sentiu-se imediatamente ofendida pela pergunta, mas decidiu não se deixar abater.

 

— Acho que os meus gritos por socorro eram o suficiente para que ele entendesse que eu não estava ali por minha vontade.

— Que roupa estava usando?

— Um vestido. Por que isso é relevante? – questionou, aumentando o tom.

— Você tentou fugir? – ela continuou

— Olhe para ele, olhe para mim, eu não sou a mulher maravilha – Piper gritou, agoniada.

 

A mulher sorriu, satisfeita e encerrou seu interrogatório.

No mesmo segundo em que a via caminhar alegremente para seu lugar, entendeu tudo.

Ela sabia que Piper poderia falar sobre o que havia acontecido, Brad a havia alertado sobre tudo, estava preparada que aquilo ocorresse, ela queria que aquilo ocorresse, aquela era a prova cabal de que Piper era uma mulher desequilibrada. Faria com que ela se tornasse apenas uma mulher tentando destruir a carreira e a vida de um bondoso homem de sucesso que todo seu pecado foi apenas amar uma mulher e sentir-se atraído por ela de vestido. Afinal, que homem não teria caído nesse conto de seria?

Fora tão inocente. Deus, com conseguiu cair naquela armadilha?

Sentindo o chão desabar em seus pés, Piper se levantou. Toda aquela força que adquirira ao contar se transformou em um borrão. Ela não sentia mais nada, tudo que não conseguia era acreditar que aquilo estava acontecendo cm ela.

Caminhou com as pernas cambaleantes para o seu lugar, enquanto a juíza se ausentara para fazer seu veredicto. Ouvia vozes perguntando-a coisa e muitos cochichos e burburinhos ao longe, mas estava entorpecida demais para responder.

Não sabe quanto tempo passou, mas logo a juíza estava de volta, mas só percebeu aquilo porque Diane a levantou de seu lugar.

Sentiu a mão de Alex em seu ombro, confortando-a, mas não conseguia sentir-se confortada. Estava paralisada por toda a sequência de eventos. Olhou para a cima e viu que a juíza se preparava para falar. Não prestou atenção em nada do que ela disse, tinha certeza que havia sido longo porque sentiu a mão de Diane apertar a sua, várias vezes. Mas uma coisa ela conseguiu ouvir perfeitamente.

 

— Concedo a guarda de Ariel Chapman a Bradley Green III integralmente. 



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