Deitado no sofá, Bernardo lia um romance quando escutou o toque da campainha. Colocou o livro de lado, levantou-se e abriu a porta. Um homem entrou. Era alto e forte, usava uma camisa de botões e mangas compridas e tinha os cabelos úmidos de um banho recém-tomado. Do seu corpo, exalava um intenso e agradável perfume amadeirado. Nas mãos, trazia um telefone, no qual estava depositada a sua atenção.
- León já partiu. - disse Bernardo, girando a chave na porta para trancá-la novamente. Referia-se ao amigo com quem dividia apartamento.
- Me falaram na portaria. Eu queria ter chegado mais cedo para levá-lo ao aeroporto.
- Sua chefe não liberou?
- Ontem, quando a procurei, ela prometeu que me liberaria, mas como hoje dois funcionários faltaram ela disse que não seria mais possível senão a empresa não conseguiria dar conta da demanda. - respondeu Alonso.
- Está ligando para ele para se despedir?
- Já tentei, mas ele não atende. Em todo caso, deixei mensagens. - disse Alonso, guardando o aparelho no bolso, em seguida aproximou-se de Bernardo e deu-lhe um beijo nos lábios.
- Hoje você dorme aqui.
- Não sei se é uma boa ideia.
- Por quê?
- León agora tem familiares morando nesse edifício. Encontrei a prima dele no elevador há alguns minutos. Ela disse que se mudou com os pais e os irmãos semana passada. Se qualquer um deles descobrir que passei a noite aqui, teremos problemas.
- Se o seu medo é que amanhã o vejam ou esbarrem em você quando estiver indo embora, é só sair cedo.
- Ela ter me visto subindo para cá é algo que, por si só, já me deixa preocupado. Se León souber que apareci por aqui enquanto ele viajava, ficará curioso e me perguntará o motivo.
- Invente uma desculpa. Diga que subiu porque pensou que ele ainda estivesse em casa. Ou então que veio trazer alguma das coisas dele que estão na sua casa. Ele vai acreditar.
- Eu tenho minhas dúvidas. León anda estranho ultimamente, parece desconfiado, eu acho que ele sente que tem algo acontecendo...
- Não notei nada de diferente. Comigo ele continua o mesmo.
- Talvez, por enquanto, ele só suspeite de mim, mas se souber que estive aqui ficará com a pulga atrás da orelha em relação a você também. E se ele descobrir que não é a primeira vez que você me recebe quando ele está ausente...
- Ele não vai descobrir.
- Ele só precisa sondar os porteiros.
- Deixe de ser pessimista.
- Enquanto me dirigia para cá, escutei alguns burburinhos e senti que me observavam. Os porteiros sabem, Bernardo. Eles sabem o que estamos fazendo...
- Eu acho que suas preocupações são exageradas. Esses funcionários não devem nem saber que vocês são namorados. León não fala muito sobre a própria vida, você sabe como ele é introvertido. Quanto a mim, sempre que peço que deixem você entrar no edifício digo que você é meu amigo.
- Espero que você esteja certo. - disse Alonso. Tinha receio de que o namorado rompesse a relação, pois o amava apesar de tudo. No fundo, não se orgulhava daqueles encontros. Sentia culpa e remorso. Não conseguia, no entanto, encerrá-los, pois o elo que possuía com o amante também era forte e doloroso de quebrar.
Bernardo acariciou seus braços e, segurando-lhe o rosto com delicadeza, beijou-o na boca. Em seguida, encostou-o na parede e pôs-se a abrir os botões de sua camisa. Deslizou as mãos pelo tronco musculoso despido, excitando-se ao perceber que seus batimentos estavam acelerados. Lambeu-lhe os mamilos e desceu mais um pouco, deixando um rastro de saliva quente pelo abdome. Percebeu que o membro dele estava duro sob o tecido da calça. Desabotoou-a.
- Posso comer? - perguntou Alonso, já colocando um bombom na boca.
- Pode. - falou Bernardo, sem prestar muita atenção, concentrado na TV.
- Onde você comprou? É muito gostoso.
- Ganhei de León.
- Sério?
- Sim. Me entregou pouco antes de sair. Ele mesmo que fez.
- Por que ele deu chocolates para você?
- Está com ciúmes? - inquiriu Bernardo, em tom de pilhéria.
- Não tenho ciúmes do meu namorado. Ele só tem olhos para mim. - respondeu Alonso, servindo-se do terceiro bombom.
Bernardo riu do tom orgulhoso que envolveu aquelas palavras. Esticou o braço, pegou um dos chocolates e o levou à boca. Era o primeiro que experimentava.
- Presente de aniversário.
- Não sabia que você estava completando anos! - exclamou Alonso, sentando-se ao seu lado no sofá e beijando-lhe a testa de maneira carinhosa. - Eu não trouxe nada para você, perdão...
- Sem problema.
- Mas eu quero presenteá-lo. Me peça algo.
Bernardo coçou a cabeça reflexivo, em seguida deu de ombros. Não fazia ideia do que responder. Alonso, após pensar um pouco, lançou uma proposta:
- O que acha de fazermos uma viagem?
- Uma viagem?
- Sim.
- Para onde?
- Pensei nas cachoeiras...
- Eu topo!
- Podemos acampar por lá também.
- Melhor ainda!
Alonso sorriu. Sabia que Bernardo ficaria satisfeito, pois já o escutara dizendo que desejava muito conhecê-las. Era também a primeira vez que sairiam juntos, o que teria para ele um significado especial. Evitava se expor, mas abriria uma exceção; a ocasião era propícia: o lugar era pouco frequentado e León estava fora da cidade.
- Sairemos pela manhã. - concluiu, afagando seus cabelos.
Sentado na borda da cama, o corpo suando frio, Bernardo massageava as têmporas. Como se estivesse no olho de um furacão, sentia o mundo girar ao seu redor. Inspirou profundamente, em seguida soltou o ar devagar, numa tentativa frustrada de aliviar a náusea que queimava-lhe o estômago e enchia-lhe a boca de saliva amarga. Coçou os olhos, ainda semicerrados por causa do sono, e passou um instante em silêncio, tentando organizar os pensamentos. Tinha acabado de acordar.
Era alta madrugada. Alonso, deitado do outro lado da cama, o corpo voltado para a parede, repousava em sono profundo. Pensou em pedir que ele lhe trouxesse um remédio, mas ficou com pena de acordá-lo e decidiu buscar por conta própria. Levantou-se da cama, apoiando-se na parede para manter o equilíbrio, e caminhou até o interruptor. Quando acendeu a lâmpada, cobriu os olhos rápido com as mãos, incomodado com o brilho intenso, depois seguiu em direção ao armário do corredor, onde ficava a caixa com os medicamentos.
Ao passar diante de um espelho, duas coisas chamaram-lhe a atenção: a primeira, a palidez do próprio rosto; a segunda, um filete de sangue escuro que escorria do seu nariz. Usou a traseira da mão para limpar, em um movimento brusco, e acabou sujando a bochecha. Perguntando-se o que poderia ser aquilo, foi até o banheiro e lavou o rosto com água, em seguida enxugou-se com uma toalha. Notou, ao terminar, que o tecido estava manchado. Examinou novamente o reflexo e percebeu que o fluxo, além de continuar, estava aumentando.
Foi até a caixa de remédios, deixando no chão atrás de si um rastro de gotas vermelhas. Quando abriu a trava e ergueu a tampa, seu semblante assumiu um ar confuso. Os medicamentos tinham sido todos retirados. Em seu lugar, havia apenas um envelope cheio de fotografias, que ele passou a examinar com uma curiosidade cautelosa. Sentiu um aperto na garganta. Eram imagens de Alonso entrando no edifício nas últimas ocasiões em que o tinha visitado secretamente.
Caminhou de volta para o quarto e sentou-se na borda da cama. Tinha o olhar absorto nas fotografias, a mais recente das quais - percebeu - parecia ter sido tirada há pouco mais de uma semana.
- Acorde, você precisa ver isso... - disse para o amante.
Respirou fundo. Sentiu a náusea voltando forte. E a visão ficando embaçada. Tudo que o cercava, de repente, parecia desvanecer-se em manchas escuras e sem contorno definido. Perguntou-se se estava ficando cego e molhou os olhos com a água de um copo que estava sobre a mesa de cabeceira, ao lado da caixa de chocolates vazia. Passados alguns segundos, voltou a enxergar, embora não perfeitamente.
- Alonso... - insistiu tocando no ombro dele para sacudi-lo. Percebeu então algo de estranho e retirou a mão. Hesitou por um instante. Tocou-o novamente, cheio de insegurança. Ele estava gelado. Tentou virá-lo para o seu lado. Quando conseguiu, ergueu-se da cama assustado, e recuou até suas costas encontrarem a parede. - Não, não pode ser...
Alonso vertia um sangue escuro e pastoso pelas narinas, que escorria pelas bochechas e começava a coagular sobre o travesseiro. Tinha o rosto roxo e os olhos vidrados. Bernardo olhava para corpo sem vida com um misto de repulsa e incredulidade. Correu para pedir ajuda. Enquanto seguia na direção da porta, no entanto, a vertigem retornou. O mundo parecia mover-se ao seu redor em um ritmo frenético. Sentiu-se fraco, muito fraco. Os joelhos vacilaram. Perdeu a consciência.
Quando despertou novamente, percebeu que horas haviam se passado pois raios de sol já entravam pelas janelas. Um vento quente balançava as cortinas e adentrava o ambiente, deixando a atmosfera pesada e opressiva. Tentou se mexer, mas o corpo, como se estivesse paralisado, não obedecia. Concentrou-se. Suor escorria de sua testa em direção aos lábios, deixando no paladar um gosto salgado. Esforçou-se mais um pouco, perguntando-se se tudo aquilo não passava de um pesadelo. Não obteve êxito. Nervoso, sentia-se asfixiado com o sangue que, ainda fluindo de suas narinas, obstruía-lhe a respiração. Um aperto no peito, pungente e repentino, banhou seu rosto de lágrimas. Foi então que captou uma presença. Não estava, como imaginava, sozinho. Sentado em uma cadeira, a poucos passos de distância, inerte e silencioso, os olhos carregados de um brilho perverso, León saboreava a sua ruína.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.