Camila desliza os óculos de sol para o alto da cabeça. O olhar vagueia pela praia, detendo-se numa elevação distante, perfeita para escalar. Talvez amanhã, em sua corrida matinal, dê uma olhada mais de perto no local.
Dinah não tira os óculos espelhados, somente assim consegue fitar Liam sem que o garoto perceba. Eles quase ficaram juntos no Aquarium, mas não rolou. Lauren precisava voltar para casa mais cedo e os dois foram embora, deixando Dinah chupando dedo.
Normani não tem olhos para ninguém ali. Sua mente está em São Paulo, relembrando os beijos de Zayn. Um suspiro saudoso escapa de sua garganta. É quando Alessia e as outras garotas se aproximam.
— Ei, Mani, viu aquilo? – Alessia sussurra, apontando a cabeça para as Kibis.
— Fio dental? É sério mesmo? – Normani comenta, boquiaberta.
— Essas três são completamente sem noção. – Dinah entra na conversa. – Elas não percebem que são ridículas? Que os caras tiram sarro e só querem aproveitar?
— Não. Elas não percebem. – Camila julga, acertadamente.
— Muito bem, meninos e meninas! – o megafone se faz ouvir. – Aqui temos bolas de vôlei, óculos de mergulho e até boias de braços com formato de bichinhos. – o monitor aponta dois baús na areia. – Com esse mergulho inaugural, vocês estarão sendo batizados por Poseidon e as férias na Ilha Inamorata oficialmente terão início. Aproveitem sem moderação!
Garotos arrancam as camisetas e bermudas, correndo desesperados para o mar. As garotas são mais comedidas e precisam de mais tempo para tirarem todos os acessórios e adentrar as águas cristalinas.
Camila deixa os chinelos na areia, dobra a saída de banho e verifica se tirou o par de brincos. Caminha ao lado das outras meninas, sem qualquer ansiedade aparente.
A água está morna e o sol começa a descer no horizonte. A cena é linda, digna de um Oscar de melhor fotografia. Por um breve instante, Camila se sente uma com o todo. Mas o momento passa e ela começa a se sentir incrivelmente só, apesar de estar cercada de pessoas.
Os dois pés de Camila tocam a água. Ela observa as pequenas ondas se formando, suaves e contínuas. A brisa sopra com força, acariciando a pele. É então que seus olhos se encontram com os de Lauren.
Ela está linda com um biquíni simples preto e uma short jeans. Nada que Camila ainda não tenha visto, já que Lauren adora se exibir. Mas ver assim tão de perto é a primeira vez.
Os cabelos cor no tom mais escuto estão molhados e gotas salgadas escorrem pelo rosto, pescoço, colo e braços. Lauren chacoalha a cabeça e gotículas brilhantes voam para todos os lados. Ela segura um par de óculos de mergulho. Camila se detém, como se seus pés estivessem enraizados na areia.
— Não vai entrar? A água está ótima. – Lauren se aproxima, vencendo a força das águas.
— Não com você. – ela se mantém na defensiva, observando as amigas se afastarem.
— Qual é, eu entro com você.
— Não. Fique longe, está bem?
O olhar de Lauren vai descendo pelo corpo de Camila. A mais nova nota que a respiração da outra está acelerada. As gotas de água o alisam de maneira fascinante e por um mísero segundo, ela gostaria de ser uma dessas gotas. Um arrepio lhe percorre a espinha quando se dá conta desse pensamento.
— Tem medo de se apaixonar? – Lauren murmura, como se estivesse lendo a mente dela.
— Rá, rá! Vá sonhando. – Camila, resoluta, se coloca a caminhar. Ficar ali parada com Lauren não é uma boa opção.
A mais velha não desgruda. Segue ao lado dela, provocando-a. Ela sabe exatamente como irritá-la e Camila está irritada por ela saber como irritá-la. Conseguiram entender?
— Ali é um ótimo lugar para mergulhar. – Lauren aponta para algum local à esquerda. – Dá para ver uns peixinhos bem legais.
— Lauren, me dê um tempo, tá legal? – a água já bate na altura da cintura. Apesar do mar estar calmo, Camila sente a correnteza empurrá-la para cima de Lauren. Hum, seria mesmo a correnteza?
— Você é quem sabe. – ela suspira e recoloca os óculos. Grita qualquer coisa para Liam e mergulha, nadando para longe da menor.
Novamente a sensação de solidão, de abandono.
Camila fecha os olhos, buscando entrar em foco. Lauren não é nada para ela e nunca será. Então por que está se sentindo assim? Por que essa vontade louca de que ela volte para encher o seu saco?
Lauren não volta e ela se sente um lixo.
...
Estamos agora à beira da piscina. Candelabros presos nos galhos das árvores, criam uma atmosfera aconchegante e incrivelmente romântica. Uma grandiosa mesa foi posta lindamente, com trinta e seis lugares marcados.
O primeiro dia da viagem chega ao fim. A lua está alta no céu e a trilha sonora vem de um violão elétrico solitário e uma voz melodiosa de um cara que não deve ter mais do que vinte anos.
Camila senta-se entre Dinah e Normani. Come uma salada de alface com tomates e morangos. A garota só percebe estar com fome quando leva a primeira garfada à boca.
Lauren está do outro lado da mesa, a pouquíssimos centímetros de distância. Vez ou outra seus olhares se encontram, mas ela não parece ser a mesma Lauren. O que está havendo?
— Lançou mão da nossa estratégia do dia? – Liam sussurra no ouvido da amiga.
— Fiz o que você disse. Não elogiei o biquíni nem o corpaço. Não foi nada fácil.
— E ela? – Liam pergunta, um tanto afoito pela resposta.
— Não sei dizer. Acho que ela ficou, tipo…
— Decepcionada? – ele se apressa em arrematar.
— Essa é a palavra. Decepcionada.
— Bom, muito bom, minha querida grafanhoto! – Liam dá um tapa dolorido no ombro de Lauren. – Vamos levar essa estratégia adiante até o jogo de amanhã.
O jantar transcorre sem incidentes e até Austin está tranquilo. A única traquinagem do dia foi jogar na piscina todas as cuecas de Zac e Louis, seus colegas de quarto. Mas o garoto foi pego, como sempre. E foi ele quem caiu na água, de roupa e tudo, para resgatar as tais cuecas.
— Certo, pessoal. Depois do jantar, teremos torneios de poker e sinuca na sala de jogos. Espero todos vocês por lá. – o monitor lança o convite.
Camila dispensa a sobremesa. Há uma urgência em ficar a sós para pensar na vida. Dinah e Normani se entreolham, preocupadas. Camila jura que está tudo bem e segue para a praia, sozinha.
— O que acha que está rolando? – Normani debate com Dinah, observando Camila caminhar entre o passeio florido.
— Algo que eu já suspeitava. – Dinah sustenta uma expressão endurecida.
— Acha que ela está, tipo, ela está…? – Normani se sobressalta com a possibilidade.
— Sim. Acho que ela está começando a se apaixonar.
— Não! Isso não pode acontecer! – Normani arregala os olhos, chacoalhando Dinah pelos ombros. – Não podemos deixar!
— O problema nessa história toda é que eu acho que a Camila ainda não percebeu o que está havendo.
Lauren, dessa vez portava uma regata fina que mal disfarçava o biquíni de mais cedo, observa Dinah e Normani de longe. Procura por Camila entre os alunos do Prisma e não a encontra. Liam também não a viu.
— Ela deve ter ido para o quarto. – o pirata se apoia num taco de sinuca, aguardando a vez de jogar.
— Vou procurar por ela, beleza? – Lauren avisa.
— Laur, lembre-se do que conversamos. Mantenha a estratégia. – Liam aponta o taco para o nariz da amiga.
— Beleza, Cabeçudo.
A mais velha demora um bocado para localizar Camila. Quando a vê, sozinha, sentada na areia da praia, algo de muito ruim toma conta de seu peito.
É um sentimento estranho, quase de infelicidade. Lauren ignora a sensação e se encaminha para o local onde ela está.
Camila não percebe a aproximação. O uivo da brisa é alto e contínuo. Seus cabelos estão presos por um elástico colorido, esvoaçando com o vento. Veste um short preto e uma bata branca, caída na lateral do ombro, revelando parte do colo e das costas. O olhar se perde em algum lugar do oceano.
Vazio.
Camila nunca havia sentido o vazio antes. Nem quando sua primeira namorada partiu sem dizer um tchau. Nem quando Charlie a enganou. Até o dia de hoje, ela não havia se deparado com essa sensação.
Mas o vazio está ali e incomoda. Sufoca-a de forma intermitente. Um desespero toma conta de Camila, uma ânsia que ela não sabe de onde vem. Algo importante está faltando, algo essencial que preencha o vazio.
Lauren senta-se ao seu lado, sem dizer uma palavra. Camila não se vira para ver quem é e nem precisa. Já reconhece o cheiro dela a distância.
Abraçada aos joelhos, Camila permanece calada por um longo tempo. Além do ruído da brisa do mar, pode-se ouvir a respiração cadenciada de Lauren ao seu lado. Ela não tem nada para dizer, está com preguiça até de pensar. Mas, por incrível que pareça, o silêncio não incomoda. Lauren é bem-vinda para ambas as partes envolvidas.
Após um tempo que não sei determinar, Lauren corta o silêncio com sua voz rouca e um tanto preocupada:
— O que está havendo?
— Hum? – Camila está perdida em seu vazio interior, apenas existindo.
— O que está acontecendo com você? Nunca a vi assim. – Lauren refaz a pergunta.
— Não está acontecendo nada. – Camila abraça as pernas com mais força.
— Você está triste. – a maior conclui.
— É só… deve ser TPM.
— TPM? Isso é um pleonasmo. – Lauren ri da própria piada, mas ao perceber que Camila nem se move, fica séria novamente. – Desculpa.
— Você tem razão. Não precisa se desculpar.
Okay, parem tudo. Estrelas: parem de piscar. Mundo: pare de girar. Tempo: pare de correr agora mesmo!
— Está concordando comigo? Está doente? Com febre? – Lauren leva a mão à testa de Camila. Antes de tocá-la, ela gira a cabeça para encará-la. A maior recua, instintivamente, temendo um tapa, um soco, um cuspe, ou qualquer coisa que envolva violência física. Nada disso acontece.
— O que está fazendo aqui, Lauren? Tem um torneio de poker rolando lá dentro. Por que não vai até lá? – o tom de Camila é um poço sem fundo.
— Escute, quer dar uma volta? – Lauren faz uma pausa para pensar. – Acabo de me dar conta de que não sei nada sobre você. Estudamos juntos há quanto tempo? Seis meses? – Camila confirma com a cabeça. – Pois, então, só sei que você curte Creedence, odeia pessoas que tentem se aproximar sem sua permissão ou que queria algo com você e que é uma CDF.
— Lauren, me poupe dos seus jogos essa noite, tá legal? Eu realmente não estou no clima, não estou a fim de me esforçar para humilhá-la.
— Pensei que era natural, que não precisasse se esforçar para me humilhar. – Lauren pega um punhado de areia, observando-a escapar por entre os dedos.
— Só essa noite, está bem? Prometo que amanhã voltarei a odiá-la com todas as minhas forças.
Lauren deixa o restante da areia se esvair. Bate uma mão na outra e se levanta num pulo. Encara Camila antes de lhe estender a mão.
— Uma volta na praia, sem jogos, sem aposta. – Lauren aguarda, na mesma posição.
— Por que está fazendo isso? – ela hesita.
— Venha.
Contrariando todos os avisos mentais que gritam “perigo extremo”, Camila aceita a mão de Lauren. Enquanto levanta, livra-se da areia no short e nas pernas, seguindo-a até a beira do mar.
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