Sem muitos rodeios, Noah pegou a chave de um carro e me mostrou, sinalizando para que fosse com ele. É um pouco surpreendente para mim o fato de adolescentes da minha idade já dirigirem e eu não. Bom, na verdade, minha mãe nunca permitiu que eu dirigisse, talvez fosse medo de que eu pegasse o carro e fosse embora por aí. E eu não duvido que isso realmente aconteceria.
Para chegarmos até a garagem, tivemos que sair pela porta dos fundos que dava acesso a um grande jardim com uma piscina um tanto grande no meio, era bem colorido e tinha uma varanda protegida, com algumas poltronas cercadas por flores. Ele pareceu perceber que eu admirava o espaço.
– Meus pais, algumas vezes, fazem comemorações por aqui. - ele disse indicando para que fôssemos, já que estávamos em uma área protegida mas a chuva engrossava.
Entramos no carro, era todo preto mas seus vidros não tinham película. Me sentei no seu lado, ele deu a partida, eu lhe disse o caminho e ligou o rádio, entretanto, a chuva era tão forte que pouco se ouvia da música que estava sendo reproduzida, provavelmente alguma de Ariana Grande. Sabia que o caminho não seria longo, então apenas esperaria que chegasse.
– Espero que você não tenha problemas. - ele disse me olhando rapidamente e voltando os olhos no caminho.
– Não, acho que ainda estou em tempo. - ele balançou a cabeça concordando e eu decidi que talvez não fosse tão mal ter um diálogo agora para acalmar os ânimos. – E então, os filhotes?
– Vou levá-los pela manhã. Adoraria ficar com algum, mas não tenho tanto espaço em casa. - eu não tinha parado para pensar antes no tamanho da generosidade que esse rapaz tinha dentro de si e o quanto eu devo ter sido egoísta para discutir por coisas tão bestas, enquanto ele nem ao menos conseguia pensar em si mesmo. – Obrigado pela ajuda.
– Eu que lhe agradeço. - abaixei os olhos e pude ouvir a música dar espaço a voz de algum interlocutor, mal podíamos ouvir o que ele falava. Percebi que tinha sido egoísta de tal forma que odiava admitir e tinha uma consciência fortemente pesando, precisava tomar alguma atitude. – Posso ir com você?
– Oi? - ele abriu um sorriso e me olhou rapidamente. – É sério mesmo?
– Eu moro ali. - apontei para minha casa e ele estacionou na frente. – Que horas você vai?
– Umas 9 horas. - agora, com o carro parado, ele pôde virar o corpo em minha direção e conversar olhando nos olhos. E que olhos bonitos...
– Muito cedo. - falei protestando que teria que acordar cedo.
– Cedo? Eu disse nove horas. Nove. - sua indignação me fez pensar que tipo de adolescente ele era para considerar 9 horas da manhã como algo tarde.
– Exatamente. Estarei pronta às 10. - ele sorriu como se estivesse se rendendo.
– Está bem, às 10 horas passo aqui para buscar você. Pode ser?
– Hm, está bem. Adiós. - retribuí o sorriso e desci do carro, corri até a varanda e tive a sorte de receber poucos pingos.
Entrei em casa, ouvi barulhos e deduzi que meu pai estava na cozinha, torci para que não estivesse chateado. Andei até lá e ele estava fazendo a nossa pipoca de costas. Quando me aproximei, ele ouviu os meus passos e se virou.
– Achei que você... - no mesmo instante em que me olhou, pareceu paralisado. Fiquei um tempo sem entender sua reação. – Que roupas são essas?
– Essas roupas? - Droga! Eu havia esquecido completamente que estava como uma palhaça vestida assim. Não sei se a reação do meu pai foi uma forma de vergonha alheia ou uma indignação do tipo "essas roupas não são suas, elas nem ao menos dão em você e você não saiu de casa com elas". – São de um colega.
– Um colega? - ele arqueou as sobrancelhas e eu percebi que teria que lhe explicar tudo.
– É uma longa história... - tentei rapidamente despistar. – Estou sentindo cheiro de queimado, dá uma olhada nas pipocas!
– Droga. - ele se virou novamente para olhar as pipocas, aproveitei a deixa e corri para o meu quarto, apenas gritei avisando que já estaria descendo.
Subi apenas para trocar essa roupa gigante e que não fazia meu estilo. Estava prestes a tirar a camisa mas acabei me interrompendo... foi inevitável sentir o cheiro dele, era forte e doce, como baunilha. Estava em tudo ali. Era delicado. Viajei no cheiro até ouvir meu pai gritar avisando que o filme estava prestes a começar, apenas coloquei um short comum e solto, mesmo que a camisa o cobrisse, e desci correndo. Sei que havia subido para trocar essa roupa, mas descobri que estava bem com ela.
– Já começou? - disse enquanto descia a escada correndo, meu pai estava sentado no sofá com um balde de pipoca nas mãos.
– Está no pause. - me deitei ao seu lado no sofá, era grande o bastante para nós dois, mesmo que meu pai fosse bem maior que eu.
– Pode começar. - o início de Harry Potter era inconfundível, a música própria, as artes, será que um dia eu também séria capaz de produzir tudo isso?
O dia havia sido cheio. Por sorte, meu pai não havia se chateado e eu não teria me atrasado para finalizar um momento especial com ele. Sentia falta disso. Estar próxima ao meu pai nunca me apareceu tão especial, até eu passar 7 anos longe dele. Sei que ele não era fã de Harry Potter, mas fazia de tudo para agradar a potterhead que existia em mim e eu era totalmente grata a ele por tudo.
Após algumas horas, o cansaço do dia me consumia. Finalizamos os dois primeiros filmes e estávamos partindo para a metade do terceiro. Era cerca de meia noite quando caí no sono, provavelmente meu pai também, já que seguimos deitados no sofá até as quatro da manhã.
– Vamos para o quarto, filha? - ouvi ele dizer quando acordou e se levantou, apagou todas as luzes e desligou a TV. Lembrei de quando era criança e dormia no sofá da sala, esse mesmo sofá. Ele geralmente me pegava no colo e levava até a cama, sabia que isso não aconteceria agora, mas continuei deitada ali fingindo que estava dormindo. Senti seu corpo se abaixar na minha frente e recebi um beijo em minha testa – Tenha uma boa noite, querida.
Comecei a sentir os raios de sol invadindo o ambiente pelas aberturas de vidro na porta e na janela. Me levantei rapidamente e percebi que havia dormido na sala. Me questionei a hora, olhei rapidamente o celular, ainda eram 8:40. Vi meu pai na cozinha, provável preparando panquecas, seu café da manhã preferido. Devia estar indo trabalhar.
– Bom dia, pai! - entrei na cozinha e peguei um pouco de água.
– Bom dia, criança! - era costume do meu pai, não importava o quanto crescesse, sempre seria sua criança. – Foi desconfortável dormir no sofá?
– Que nada. - me sentei em uma das cadeiras da mesa. – Já vai trabalhar?
– A chefona ligou. - ele colocou um prato com panqueca em minha frente e voltou ao fogão para fazer outra. – Me quer lá até as nove.
– Você está atrasado, então? - meu pai trabalha no gestor de marketing de uma empresa bastante conhecida, além de fazer alguns trabalhos por fora. É um dos principais responsáveis pelas propagandas da cidade, tem o nome bastante conhecido por entre as empresas quando querem alavancar seus negócios.
– Digamos que sim... Mas não tenho medo dela. - ele pegou a outra panqueca e se sentou em minha frente. – E você? Está acordada essa hora?
– Um milagre, não é? - mordi a panqueca. – Foi o sol que me acordou, na verdade. Mas aproveito para ficar acordada já que vou sair agora pela manhã.
– Vai aonde?
– Ontem... - pensei como seria uma maneira de falar isso. – Resgatei uns cachorros da chuva com um conhecido. Vamos até um centro de adoção hoje.
– O mesmo conhecido que até ontem era seu colega e que você está vestindo as roupas? - ele pareceu desconfiado.
– Sim... Mas não sei o que está insinuando.
– Não falei nada, você que está falando. - ele riu e levantou os braços em símbolo de rendimento.
– Não estou achando graça. - fiquei séria por um tempo, mas logo sorri também.
– Marrentinha. - ele levantou e bebeu um copo de água. – Agora preciso ir que estou atrasado.
– Beijos! - mandamos um beijo no ar e ele saiu rapidamente batendo a porta apressado.
Subi e fui até o meu quarto, fiz tudo que precisava fazer no banheiro e, por incrível que pareça, por um momento me vi pensando em qual roupa escolher. O sol lá fora contrariava extremamente a chuva que tivemos a noite toda, então peguei um short jeans, uma camisa qualquer com um casaco por cima. Sempre optava pelo casaco porque conheço o frio da cidade e sei que as vezes ele pode te atingir sem mais nem menos.
Peguei o celular para falar com Any e percebi que tinham cerca de 10 mensagens que ainda não havia respondido. Todas com algo como:
"Sina, preciso falar com você."
"Me responde, vaca"
"Cade vocêee"
É compreensível se parar para pensar que eu subi desde as 16 horas, momento em que fui ver o Noah, e ela pode ter pensado qualquer besteira.
"Any, estou aqui, estou bem. O que houve? Quando der, me liga."
✓ 9:53
Enviei a mensagem e ouvi uma buzina em frente a minha casa, por sorte, a janela do meu quarto é disposta justamente para essa parte da rua, fui até lá rapidamente e vi o carro de Noah parado no lado de fora. Desci correndo, saí de casa e fechei a porta. Por um certo momento, enquanto me aproximava do carro, senti meu peito acelerar.
– Buenos dias! - disse ao abrir a porta do carro e me sentar ao seu lado na frente.
– Olá, madame. Para onde deseja ir? - ele esperou que eu fechasse a porta para dar a partida.
– Hm... New York, pode ser? - rimos juntos, me virei para o banco de trás e vi os cachorrinhos na mesma caixa. Os acariciei e alguns até lamberam minha mão. – São lindos.
– Muito. Comem bastante também. - ele olhou para eles pelo retrovisor.
– Você deu ração para eles? - me virei novamente para frente.
– Fiz um pouco de leite, eles tomaram tudo. Só não conseguem comer ração. - as ruas ainda estavam um pouco desertas, isso facilitava muito o caminho.
– Está vendo? - ele pareceu confuso com a minha questão. – Está muito cedo, não tem ninguém na rua.
– Você adora uma discussão, não é? - ele sorriu. – E olha só, eu passei na sua casa antes das 10 e você já estava pronta... o que significa que você acordou cedo.
– É verdade... - olhei o celular e ainda era 9:58. – Me leve de volta para casa, daqui a dois minutos você passa lá de novo.
– Você é muito chata, cara! - ele sorriu. – Agora que você já está aqui, já posso até lhe sequestrar se quiser.
– Tente para ver se eu não te arrebento. - disse e logo em seguida sorri, ele também.
Chegamos em frente a um abrigo de animais, tinham várias pessoas circulando por ali na calçada e varios animais domésticos lhes sendo apresentados, como uma feirinha ali em frente ao estabelecimento. Descemos do carro com a caixa e decidimos entrar para pedir informações. Passamos pelo amontoado de pessoas e entramos no estabelecimento, havia uma recepção e logo atrás, mais para dentro, era possível ver um corredor com placas que indicavam veterinário, petshop e a última estava escrito apenas "espaço". Deduzi que eram onde ficavam os animais quando não estavam sendo expostos.
– Bom dia. Como posso ajudar? - a moça de cabelos pretos e longos, com uma pele tão bonita quanto, logo se pronunciou ao ouvir o sino que ecoou no ambiente sinalizando nossa chegada.
– Bom dia... - Noah olhou ao redor e nos aproximamos do balcão. – Queremos deixar esses cachorros que encontramos na rua. Não temos condições de cuidar.
– Certo... - a mulher pareceu anotar algo em seu computador. Por um momento eu pensei se não poderia levar um desses para casa, mas sei que meu pai tem alergia a pelos e ficaria super chateado.
– Estou impressionado com a organização de vocês... - Noah ainda olhava ao redor enquanto segurava a caixa.
– Levamos nosso trabalho bem a sério. - ela se levantou. – Venham comigo. Ah, e a propósito, podem me chamar de Sabina.
Seguimos a moça até o corredor, passamos pelo veterinário e pelo petshop, que provavelmente estava banhando algum animal, pelo barulho de água. Fomos até a porta que estava sinalizada como "Espaço". Era um ambiente muito grande, como um quintal. Alguns cachorros estavam ali correndo e brincando, alguns gatos dormindo, enquanto outros estavam em gaiolas individuais.
– Deixe eles aqui. - ela sinalizou para que deixássemos os cachorros no chão, colocamos ali e eles começaram a cheirar e andar para explorar o ambiente. – Temos feiras de adoção todos os dias. Nosso espaço para expor é muito pequeno. Revezamos os que serão expostos em cada dia e então dizemos para a pessoa que caso não tenha encontrado seu companheiro hoje, poderá voltar amanhã para conhecer outros.
– E esses que estão em gaiolas? - apontei para os que estavam na lateral. Eram apenas três e o ambiente da gaiola era espaçoso o suficiente para que eles se sentissem confortáveis.
– Algumas vezes observamos comportamentos um pouco agressivos perto de outros animais. São raros, como podem ver. - observamos por um tempo os filhotes correndo por ali. – Podemos fazer o cadastro de vocês? Assim iremos ligar avisando quando cada um deles forem adotados, para tranquilizar vocês.
– Eu adoraria, Sabina! - Noah se entusiasmou e a seguimos até a recepção novamente. Ele cadastrou seus dados e ela nos levou até a porta. – Espero receber ligações logo.
– Pode deixar! - ela piscou para ele. Sabia que aquela era apenas uma questão de trabalho e educação de ambos, mas algo tinha me incomodado na forma em que eles se falaram, eu não entendia porque.
Saímos dali e entramos no carro novamente com uma sensação de dever feito.
– Topa um sorvete? - ele falou de repente.
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