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História Liberta-me - Pique-esconde


Escrita por: strngbird e JulesA

Notas do Autor


Jules (@reine.roses): Tá tudo tão lindo, mal posso esperar para destruir a vida de vocês no próximo capítulo (:

Teddie (@strngbird): Eu não tão má quanto a Jules, então me desculpem por ela (cuidado com a falsa). O capítulo foi feito com muito amor.

Esperamos que gostem!

Capítulo 7 - Pique-esconde


Eu quero fugir,
e nunca dizer adeus.
Eu quero saber a verdade
Invés de imaginar o porquê
— Linkin Park

 

― Minha bela dama, não acho que isso seja digno de incômodo. ― Meliorn não parecia muito interessado nos problemas que a Lightwood tinha arrumado na propriedade Montgomery.

A resposta só piorou o humor de Isabelle, que estava andando de um lado para o outro bufando irritada e soltando reclamações aleatórias.  

― Será, caro Meliorn? ― a jovem lançou um olhar mortífero na direção do amante. ― Então explique-me o que eu deveria fazer.― Meliorn estremeceu sob a atenção de Isabelle, que demandava uma resposta.

A verdade é que ele não tinha uma. Isabelle sabia disso porque ela mesma não tinha resposta alguma. Tudo rodava em sua cabeça repetidas vezes, atormentando-a cada vez mais. Deixando-a cada vez mais perdida.

― Esquecer o que quer que esteja incomodando-lhe, talvez? ― Meliorn a olhava como uma criança que fora repreendida.

A resposta de Isabelle se resumiu a um grunhido inteligível seguida de um olhar que parecia queimar fisicamente o rosto do rapaz.

Não conseguia esquecer a noite anterior, contudo.

Fora a noite mais longa da vida de Isabelle, desde o momento que ela o viu, a música sendo brutalmente interrompida até a manhã, onde no primeiro horário ela trocara de roupa e correra com Hunter até as bordas do vilarejo, onde Meliorn se escondia.

Ela pensava que seu amante poderia distraí-la, dar a ela um pouco de senso, fazê-la esquecer o jeito desengonçado com o qual Lorde Montgomery se levantara e tentara alcançá-la, não tendo sucesso, pois Isabelle batera a porta do quarto e saíra correndo, se escondendo no seu e se trancando até o amanhecer.

Nem mesmo cavalgar Hunter a fizera esquecer o par de olhos castanhos, que antes pertenciam apenas a seus pesadelos e que estiveram ali, há poucos passos de distância de si.  

― Francamente, Meliorn ― Isabelle bufou ― Está sequer prestando atenção em mim?

Meliorn se levantou da cama maltrapilha onde estava sentado e alcançou Isabelle, segurando seu rosto entre as mãos. Seus olhos brilhavam com malícia e a Lightwood momentaneamente esqueceu porque estava desesperada.

Beijá-lo, talvez isso tire o lorde da minha mente. Pensou a jovem.

― É difícil prestar atenção em qualquer coisa quando estás tão perto de mim, tão linda assim. Esse vestido lhe cai muito bem, minha bela dama.

Meliorn geralmente reclamava de suas calças de montaria e dizia que ela ficava muito melhor usando saias ou vestidos. Aquilo incomodava Isabelle, mas antes que ela pudesse dizer algo, Meliorn roubou seus lábios.

Beijar Meliorn sempre era uma experiência memorável, mesmo sem o drama de seus encontros no casarão Lightwood. Os lábios do rapaz estavam secos e rachados sobre os de Isabelle, aquecendo a jovem com um simples toque. Beijá-lo a fazia esquecer-se de sua irritação como tinha imaginado que faria, por isso deixou-se ser guiada em direção a cama. Meliorn a segurava como artistas segurariam suas obras primas, com mais cautela até. O mundo silenciou-se e nada além de Meliorn importava para a Lightwood.

O oxigênio já se mostrava ausente quando as costas de Isabelle tocaram o colchão e esse fora o único motivo para o beijo ser interrompido, o olhar de Meliorn viajava pelo rosto e colo da moça, a fazendo corar, os dois ofegaram por pouquíssimos momentos antes de Meliorn avançar calmamente em direção a sua amada.

O coração de Isabelle, que já pulsava desenfreadamente, parou.

Num piscar de olhos, não era mais Meliorn ali. Em seu lugar estava Lorde Montgomery, olhos verdes cheios de desejo substituídos por olhos castanhos que refletiam milhões de sentimentos, Isabelle reconhecendo todos e nenhum ao mesmo tempo. O lorde a alcançara, pensou a jovem, reagindo e afastando-o, quando ele a perguntara, em tom preocupado:

― Está tudo bem, minha bela dama?

A voz não pertencia ao lorde, Isabelle sabia. Ela piscou novamente e viu Meliorn ofegante e distante dela, olhando-a questionadoramente. Isabelle se levantou em um pulo, empurrando o rapaz para fora do caminho, gaguejando coisas desconexas.

― Eu-eu preciso ir... embora. Não posso mais ficar, já demorei tempo demais ― ela não o olhava nos olhos, apenas ajeitava o vestido e tentava arrumar os cabelos.

― O que? Isabelle, você vai embora agora? ― a voz de Meliorn soava irritada e aquilo consternou ainda mais Isabelle.

― Qual o problema? Sabes muito bem que não posso ficar. Existe toda minha situação na mansão e Lorde Montgomery... ― não completou a frase, não querendo trazer aquele maldito mentiroso à tona.

― Mas...

― Meliorn, não! ― bufou irritada.

O jardineiro parecia que tinha comido algo podre. Suspirou frustrado e, por fim, assentiu.

― Como quiser, Lady Montgomery ― falou ironicamente.  

Tais palavras ecoaram na mente de Isabelle.

Lady Montgomery.

As vozes de Meliorn e do lorde de seus pesadelos chamavam em uníssono, gritando em seus ouvidos e a fazendo reviver tudo o que ela menos queria vivenciar.

Lady Montgomery.

Com um último olhar frio direcionado ao rapaz, Isabelle apertou os lábios um contra o outro para se impedir de dar voz a sua raiva e irrompeu porta a fora. Pelo canto dos olhos pode ver Meliorn saindo também, tentando alcançá-la, porém ela apenas se apressou para montar em Hunter.

Ela esporou o cavalo com tanta força que ele relinchou, correndo, mas deixando claro seu desagrado.

A paisagem mudava gradativamente e as pessoas no vilarejo tinham que se desviar para que ninguém se machucasse. Hunter parecia uma flecha correndo pela estrada até avançarem até o portão. Foi aí que a luz atingiu a morena. Ela tinha passado a noite querendo escapar para voltar na primeira oportunidade? O que tinha na cabeça?

Ainda assim, ela atravessou o portão, reduzindo a velocidade de seu cavalo, que bufava irritado com a dona. Ela parou na entrada da casa, sendo recebida por Eric, que a ajudou a descer a já foi levando Hunter, que se rebelava com o cocheiro. Isabelle se sentiu mal, levaria cenouras para seu cavalo mais tarde.

Isabelle Lightwood respirou fundo, abrindo a porta da casa. O hall de entrada estava vazio, mas ela conseguia ouvir vozes vindas da sala de jantar. Pelo horário, o almoço deveria estar sendo servido. Ela se recompôs como conseguiu, caminhando cautelosamente até o ambiente.

Antes ela não tivesse o feito.

Maia foi a primeira pessoa que ela viu. Estava sentada a direita e ria abertamente enquanto segurava o cálice com alguma bebida. O que realmente a chocou foi quem estava ao lado dela.

O violoncelista estava ali, sentado na ponta da mesa, sorrindo delicadamente, parecendo feliz apenas por fazer Maia rir. Seus cabelos pareciam não encontrar seu lugar, sendo que isso não era realmente um problema. As roupas, claramente de tecido nobre, o vestiam perfeitamente, as mangas da blusa de linho branco estavam dobradas na altura dos cotovelos, o paletó escuro e pesado pairava sobre as costas da cadeira de mogno, o lorde parecia bastante confortável recostado sobre a mesa, os botões do colete cinza estavam abertos, o tecido carregava um bordado sutil, no mesmo tom de cinza e Isabelle silenciosamente parabenizou o trabalho do alfaiate responsável.

Lorde Montgomery.

Ele tirou os olhos de Maia, os olhos castanhos cobertos por óculos encontrando os dela. Seu queixo caiu levemente enquanto ela arregalava os olhos e sondava o lugar, como um animal acuado buscando a saída mais próxima.

Maia também a viu, deixando o sorriso morrer. Ela disse algo que Isabelle não compreendeu, mas jurou ser algo como pelo anjo, agora a situação não pode piorar.

Mas piorou. O lorde levantou-se cautelosamente e Isabelle recuou um passo.

― Senhorita Light-

Foi o suficiente para Isabelle dar meia volta correndo, subindo desesperadamente as escadas, tropeçando no último degrau e chegando até seu quarto, batendo a porta com força, sentindo-se ofegante e sem energias.

Que. Tinha. Acabado. De. Acontecer?

(...)

O pesadelo daquela noite tinha sido péssimo. Pelo menos o pesadelo tinha mudado. Isabelle não estava certa se aquilo era algo bom ou não, contudo.

Estava desacompanhada no salão do casarão Lightwood, porém dessa vez não estava sozinha. Todos os convidados estavam lá, dançando e se divertido. Ela pode ver sua prima Aline conversando timidamente com Mark Blackthorn ao fundo. Não havia nenhum sinal de Meliorn ou do antigo Lorde Montgomery. Também parecia que ninguém a via, estava invisível ali.

Teria sido bom se tivesse estado invisível em seu baile de verdade.

O violoncelista, ou o verdadeiro Lorde Montgomery, era o único que parecia vê-la, tocando seu violoncelo e a fitando diretamente. Seu olhar parecendo queimá-la por inteiro. Ela sentiu a necessidade estranha de caminhar para perto dele, e foi o que ela fez.

No meio do caminho, o violoncelo fez um barulho alto e Isabelle viu que uma das cordas tinha arrebentado. O lorde suspirou, bagunçando mais os cabelos castanhos e ajeitando os óculos, que vendo bem, ficavam ligeiramente tortos em seu rosto. Era quase adorável.

A música, estranhamente, continuava a tocar. Ele soltou a corda do instrumento, enrolando-a levemente em sua mão e, quando Isabelle piscou, a corda arrebentada tinha se alongado, engrossando e escurecendo enquanto se transformava em um chicote. O mesmo chicote que seu pai usava, com o brasão da família adornando a ponta do cabo.

Ela olhou em volta, querendo que alguém a notasse, a ajudasse, mas era como se os dois fossem meros fantasmas ali. Lorde Montgomery andou lentamente para mais perto dela, um sorriso maldoso se estendendo pelos lábios, seus movimentos eram graciosos como os de um predador. Ela gritou quando ele a atingiu, o chicote se enrolando em seu pulso, estranhamente sem lhe causar dor alguma. Ele a puxou até que ela estivesse a centímetros de seu rosto, onde podia sentir o calor dele.

Seu hálito tinha cheiro de baunilha e aquilo era ainda mais assustador para Isabelle, porque era quase convidativo.

― Você é minha, Isabelle Lightwood.

A jovem acordou desorientada na manhã seguinte, em seus pesadelos, um turbilhão de imagens desconexas a sacudiu durante toda a noite, impedindo-a de descansar propriamente. Preparou-se para o dia, prendendo os longos fios negros em uma trança e colocando um vestido simples acompanhado de um corpete azul marinho, enquanto lavava o rosto pensou no que Maia diria quando lhe contasse seus pesadelos durante o café da manhã.

Desceu as escadas animada, seria um dia tranquilo e teria mais tempo livre para passar com Maia, entretanto, seu coração ameaçou sair do peito quando o viu através de um espelho no corredor que levava a sala de jantar, foi o suficiente para fazer o animo de Isabelle desaparecer dentro de um mar de emoções desconhecidas.

Guiada por seu pânico, a jovem fez o caminho de volta para o quarto, avisando uma das empregadas no caminho que faria o desjejum em seu quarto naquela manhã. Sentia-se acuada pela presença dele por milhões de motivos incertos:

O homem poderia ser o lorde dos rumores, como também poderia ser o homem bom que salvou Maia e tantos outros. Poderia estar tentando ajudá-la também ou poderia estar brincando com as emoções da jovem noiva, dando tudo que ela poderia sonhar para logo depois tomar tudo da maneira mais cruel possíveis. As possibilidades com Lorde Montgomery, o homem que mesmo depois de revelar sua face continuava um mistério indecifrável, eram infinitas.

Afinal de contas ele era, acima de tudo, um homem e em homens Isabelle não confiava.

Depois do desjejum, Isabelle chegou a conclusão que deveria continuar com seu plano anterior, distrair-se o máximo possível para não perder a cabeça pensando no lorde. A melhor forma de fazê-lo estando “presa” em seu quarto era respondendo a carta de seu irmão Maxwell. Retirou de dentro de seu baú de viagem, debaixo de seus vestidos mais caros, as cartas de ambos seus irmãos, colocando-as sobre sua penteadeira.

No momento em que a Lightwood se acomodou na cadeira, pena e tinta a mão, o som de batidas veio da direção da porta.

― Isabelle? ― a voz de Maia soou preocupada ― Posso entrar?

A jovem foi receber a visitante, abrindo a porta e encontrando Maia com as mãos na cintura e uma expressão que dizia que algo lhe incomodava.

― Bom dia, Maia. Aconteceu algo? ― Isabelle copiara a calma da voz da amiga.

Maia entrou no quarto como um tufão, parando apenas quando já estava no centro do cômodo, Isabelle a seguiu vagarosamente.

― Diga-me você, Senhorita Lightwood ― Maia apontou um dedo na direção de Isabelle ― Por que passou tanto tempo trancada? Não é comum ignorar sua cavalgada matinal, ou deixar de auxiliar no comando da casa. ― a indignação de Maia era palpável, porém não alcançava seus olhos, que mostravam o quanto ela estava preocupada com a amiga. ― Está tão intimidada assim?

― Por que eu me intimidaria? Ele é um homem como outro qualquer. ― respondeu rispidamente Isabelle, virando-se para esconder o rosto apreensivo.

Maia suspirou.

― Eu sei que ainda não confia em Simon. ― a dama segurou a mão gélida de Isabelle, fazendo a girar para assim poder ver sua face. ― Se mudou de ideia sobre o encontro, podemos adiá-lo até você se sentir segura na presença dele. Não há problema, Isabelle.

― Simon? ― Isabelle indagou ― Esse é o nome dele? Desde quando o chama pelo nome?

Isabelle soltou-se de Maia e parecia olhá-la como se nunca tivesse a visto antes. A dama de companhia sorriu delicadamente, parecendo entender tudo que passava pela cabeça da amiga. O que Isabelle tinha quase certeza que não era verdade.

― Não acho que em algum momento antes de sua chegada eu o tenha chamado de outra coisa. Ele me pediu para manter em segredo até estar preparada para conhecê-lo. ― Maia soltou um risinho ― Desde que ele disse que a pediria em casamento eu vim treinando para conseguir não chamá-lo pelo nome.

Agora fazia sentido. Jordan tinha hesitado quando se referiu ao lorde. Nunca imaginaria que o nome de Lorde Montgomery seria tão... mundano.

Simon...

De alguma maneira – bem no fundo da consciência de Isabelle, muito no fundo – achava que combinava perfeitamente com o lorde violoncelista.

― Não me interessa o nome dele ― Isabelle disse por fim.

― E os assuntos que tem a tratar com ele? ― indagou Maia.

Isabelle hesitou. A expressão congelada no rosto. Tinha quase esquecido que tinha quaisquer assuntos com ele. Sua preocupação com Maxwell era tão inferior assim aos seus próprios receios? Ela era tão egoísta assim?

A resposta que saltou automaticamente em sua cabeça foi um belo de um “sim”.

― Alguns dias atrás você estava correndo pela mansão ansiosa para se encontrar com ele. O que aconteceu?

― Nada  ― Isabelle torceu os lábios ao ver a incredulidade no rosto de Maia ― Apenas revi meus conceitos e mudei de ideia. Foi o que eu disse, situações mudam.

Maia ainda a fitava incrédula, a sobrancelha arqueada parecia zombar de Isabelle. Ela queria que a dama de companhia fosse embora dali.

― Eu não estou muito crédula disso.

― Isso é problema seu. ― não se importou se soara indelicada. Não queria Maia ali a julgando, jogando em sua cara que ela era uma covarde que mal conseguia encarar seu futuro marido.

Maia não se abalou com a grosseria e continuou a encarar sua patroa. Isabelle sentia algo se remexer dentro dela, queria quebrar alguma coisa.

― Isabelle.

Parecia com Maryse Lightwood a repreendendo e isso foi o estopim para a Lightwood. Esquecera-se de vez de Maxwell, de Maia, de Simon ou Lorde Montgomery ou quem quer que fosse aquele maldito homem e deu as costas para Maia, batendo a porta atrás de si.

Ela desceu as escadas correndo e pode ouvir Maia a acompanhando, alcançando-a já quase na entrada da casa.

― Isabelle, aonde vai?

Pelo canto do olho, ela pode ver o lorde sentado a mesa de jantar com uma pilha de papéis na mão. Quando ele a olhou de volta, ela desviou o olhar rapidamente.

― Você não tinha dito que não era costumeiro que eu não cavalgasse pela manhã? Então, Maia, eu o farei agora.

E bateu a porta da casa.

Ninguém ousou falar com a jovem quando ela parou na horta que abastecia a mansão para pegar cenouras ou no caminho para o estábulo e ela seguiu com passos firmes até a baia de Hunter, o cavalo bufou no momento em ela se aproximou, Isabelle sabia que ele ainda não a perdoara completamente pelo golpe de espora que a jovem desferira sobre ele.

― Imagino que não queira me ver nem tão cedo por aqui, ainda mais para despejar meus problemas nos seus ouvidos.

Ela começou a acariciar a crina do cavalo, que relinchava irritado. De certa forma, ele se parecia muito com ela, desfazendo-se do carinho que estava recebendo.

― Pelo menos eu trouxe guloseimas dessa vez, então você poderá se distrair enquanto eu falo bobagens aqui. ― disse enquanto dava uma cenoura para o cavalo, que mastigou com interesse.

Então contou para Hunter exatamente como aconteceu seu encontro – ou seu não encontro – com Lorde Montgomery.

Seus olhos castanhos não pareciam assustados ou irritados por ela invadir a privacidade dele e atrapalhar sua música. Eles estavam surpresos, como deveriam ficar, e mais, pareciam distantes, como se não estivesse a vendo ali.

Demorou um instante para ele se recuperar do choque e quase deixar o violoncelo cair, se atrapalhando para acomodá-lo e conseguir chegar até Isabelle, que observava tudo com o queixo caído, a mão ainda na maçaneta da porta.

― Ah, meu... ― ele não concluiu, não parecia conseguir formar algo coerente, engasgando com as palavras.

Ele, de qualquer modo, não precisaria falar nada, pois mal deu dois passos e Isabelle fechou a porta na cara dele, correndo para seu próprio quarto.

Nunca, jamais, em hipótese alguma, poderia imaginar que seu violoncelista e Lorde Montgomery fossem a mesma pessoa. Uma parte dela ainda demorava a acreditar, preferindo pensar que era alguma espécie de pesadelo ou piada de péssimo gosto.

Contudo, ainda mais no fundo de sua mente, ela sabia que era ele o tempo todo. Era a única coisa que fazia qualquer tipo de sentido. Aline tinha dito que o lorde tinha comparecido e o próprio lorde tinha confirmado presença, mas ninguém o vira lá. Ninguém o vira porque ninguém esperaria que o tão temido lorde fosse na verdade um simples músico.

Ele mesmo tinha dito que poderia pagar pelos cristais quebrados. Claro que ela pensou a mesma coisa que Robert Lightwood, que um músico nunca conseguiria ressarcir o prejuízo.

E seu pai! Pelo anjo, o que Robert Lightwood faria sabendo que tinha gritado e humilhado o homem mais importante da região...

Bom, isso seria engraçado.

De qualquer maneira, Isabelle tinha muitas perguntas. Queria saber por que aquele homem escondia-se do mundo, queria saber por que ele tinha ido ao baile de apenas mais uma menina rica da região, queria saber por que ele tinha a pedido em casamento e não demonstrado nenhum interesse genuíno nela nos dois meses que ela á tinha passado lá. Queria saber quem ele era.

Passou o resto da noite acordada remoendo isso, até que o Sol se anunciou e ela foi até Meliorn, esperando que ele a ajudasse com alguma coisa. Claramente sendo mal sucedida nisso também. Meliorn só a deixou mais irritadiça.

Alexander teria uma resposta perfeitamente lógica para tudo aquilo, ele sempre fora racional demais e muito inteligente. Mas ela não era Alexander e estava cansada de ter sua mente a levando sempre para diferentes lugares. Toda hora com alguma opinião nova.

― Eu estava esperando que você pudesse me ajudar, Hunter, já que nem eu mesma o posso fazer ― suspirou. Hunter relinchou com raiva porque as cenouras tinham acabado ― Por Deus, Hunter, eu já pedi desculpas. Não foi minha intenção te machucar.

Hunter virou a cabeça na direção oposta a Isabelle, que bufou impaciente. Se até seu cavalo a abandonasse agora ela teria uma crise naquele exato momento.

― Hunter, não faça isso, seja racional. Eu até trago torrões de açúcar para você se me perdoar.

Hunter virou-se para ela, os olhos escuros brilhando com a possibilidade de comer açúcar.

― Você é um interesseiro, sabia? ― ele bufou algo que Isabelle jurava que era uma risada e abaixou a cabeça para que a Lightwood o acariciasse. ― Então, Hunter, o que acha que eu devo fazer?

Ela sabia que Hunter não responderia, contudo, o cavalo levantou o olhar e Isabelle pode ver suas emoções refletidas nos olhos negros, podia ver sua confusão se estender diante de seus olhos e finalmente pode compreender tudo.

― Obrigada. Volto depois com mais alguma coisa. ― e saiu correndo dos estábulos de volta para a casa, deixando Hunter relinchando para trás.

A caminhada de volta a mansão foi imensamente mais tranquila, ela, inclusive, sorriu para alguns funcionários, que não entendiam mesmo sua nova patroa.

Isabelle abriu a porta decidida a encontrar seu noivo, pretendia ir dormir com a certeza de que seus problemas estariam solucionados graças a Hunter, que não tinha a mínima ideia de como sua presença tinha afetado a decisão da jovem. A procura por Simon (?) não foi longa, ela o encontrara na sala de estar, sentado no sofá lendo um livro grosso escrito em um idioma que Isabelle não compreendia e, de alguma maneira, a imagem intimidou a jovem, que não quis atrapalhar a concentração do lorde.

Lembrou-se das cartas ainda sobre sua mesa e preferiu responder Maxwell e falar com seu noivo depois.

O silêncio da manhã foi subitamente interrompido por um grito agudo e desesperado.

― MAIA! Maia Roberts! ― Isabelle gritava com todas suas forças enquanto revirava os papéis sobre a mesa, abria as gavetas e derrubava seu conteúdo no chão, procurando com mais afundo

Abriu o armário e jogou todas as roupas fora, a procura de algo que ela sabia que não poderia estar ali.

― O que aconteceu aqui? ― ela ouviu a voz da dama de companhia umas oitavas mais agudas.

― Tinha uma carta aqui em cima da minha mesa. Ela sumiu. ― sabia que soava quase em pânico, mas não conseguia evitar.

Maia foi até a mesa, virando-se para ela e franzindo o cenho.

― Que carta, Isabelle?

― Meu irmão ― ela disse apenas.

Na mesa tinha apenas uma carta. A de Maxwell. A carta que ela nunca mandara para Alexander, assim como o bilhete que ele deixara quando partira tinham sumido.

― Mas, Isabelle, a carta de Maxwell Lightwood está aqui.

― Meu outro irmão ― ela se sentou na cama, desolada.

O clima pareceu esfriar consideravelmente. Todos conheciam Alexander e as circunstâncias pelo qual ele fora embora, mas era uma política de não pergunte, não cite. Era como se, para todos os efeitos, tivesse morrido. Ou como se nunca tivesse existido.

Alexander era uma sombra.

No entanto, era uma sombra que Isabelle não queria deixar ir. O bilhete que ele deixara, assim como as roupas que ela roubara, eram a única prova que todos os anos que eles viveram juntos fora real, que ela não tinha imaginado coisas.

Perder aquilo era como perder a maior parte de sua história. Ela já não se lembrava da risada dele, por exemplo. Era algo tão raro e agora ela já não sabia como soava. Ou o tom certo azul de seus olhos. Fazia um pouco mais de um ano que ele tinha ido embora, mas a memória dela, devido a tantas outras coisas que aconteceram, tinha começado a deixá-la na mão.

Fora a carta que ela escrevera. Aquilo era a parte mais íntima de Isabelle falando, se abrindo completamente com o irmão que nunca mais veria, a pessoa que mais amava no mundo.

Por que nada podia dar certo para Isabelle?

― Alex Lightwood, não é? ― Maia sentou-se ao lado de Isabelle na cama, passando um dos braços pelos ombros da amiga.

― Alec. ― Isabelle a corrigiu ― Alexander.

Maia não falou nada por um bom tempo, parecia não saber ao certo o que dizer. Isabelle agradeceu internamente por isso. Não queria ouvir nada no momento.

Preferiu refazer seus passos, suas cartas não podiam ter desaparecido do nada. Tinha ido tomar café da manhã e desistira, voltando para o quarto. Ela tinha as tirado do armário e as posto em cima da mesa para remoê-las e depois responder Maxwell. Maia chegara e a interrompera e elas brigaram e ai Isabelle foi falar com Hunter.

Maia...

Isabelle levantou-se em um rompante, assustando a dama de companhia.

― Você estava aqui quando as cartas ainda não tinham sumido. Maia, se você as pegou, devolva agora. ― Maia também se levantou, olhando furiosa para a patroa.

― Assim me ofende, Isabelle. Como você pode presumir que eu simplesmente tenha pegado suas cartas assim? Por que eu faria isso? ― Maia apontou para algo atrás de Isabelle ― As janelas estão abertas, passou pela sua cabeça que ela podem ter voado?

Isabelle viu a janela aberta. Estava se sentindo pior ainda agora que tinha acusado sua melhor – e única – amiga. Ela suspirou, sentando na cama novamente e segurando as lágrimas.

― Desculpe-me, Maia. Eu me excedi.

Maia abriu um sorriso delicado.

― Não se preocupe, Isabelle. Já foi esquecido. ― e abraçou a Lightwood como pode ― Trarei algo para comer e mais tarde podemos procurar pelo resto da propriedade, tudo bem?

Isabelle assentiu mesmo sabendo, lá no fundo de seu ser, nunca mais veria a carta de seu irmão.

(...)

A irritação de Isabelle atingira níveis altíssimos, a busca pela carta foi mal sucedida, seus nervos continuavam a flor da pele e ainda por cima o lorde atrapalhara as horas de paz que a jovem esperava que a madrugada lhe trouxesse. Ela se perguntava constantemente se o inventor do violoncelo sofrera uma morte dolorosa o suficiente pelo tormento que a criação causava, se não buscaria um jeito de violar o túmulo do mesmo e garantir que sua alma jamais descansasse, assim como a da Lightwood.

A jovem não conseguira dormir, apesar de muitas tentativas. Agora que sabia que não alucinava quando ouvia o violoncelo, dormir parecia algo ainda mais difícil. Os pensamentos de Isabelle circundavam a carta perdida e relembravam seus pesadelos mais vívidos, sem paciência para lidar com a própria mente, decidiu responder a carta do irmão mais novo e ocupar as horas que faltavam para o começo do dia.

Querido Max, ela começou.

Maryse é uma bruxa velha, meu irmãozinho, jamais ligue para qualquer coisa maldosa que ela fale. Ela é só uma daquelas pessoas que fica feliz quando as outras não estão, Robert também, então eles sempre tentarão colocá-lo contra mim. Não acredite nunca.

Nunca imaginei, no entanto, que gostasse tanto das nossas histórias. Contarei muitas e muitas quando nos vermos novamente, o que vai acontecer. Nunca sumirei. Alec também contaria se ele estivesse aqui, e sei que algum dia ele voltará a contá-las. Eu gostaria de ouvir as histórias que ele teria para contar do tempo que ele passou longe, você não?

Fiquei sabendo que tentou vir e já repreendi a pessoa por não deixar. Falarei com meu noivo o mais rápido possível e ele falará com nossos, seus pais. Não acho que Robert e Maryse negarão qualquer coisa a Lorde Montgomery.

Espero vê-lo em breve.

Com amor,

Isabelle Lightwood.

Isabelle soltou a pena, esfregando os pulsos, quase sentindo o chicote neles novamente. Estava tão cansada, mas pelo menos tinha cumprido uma obrigação e se sentia mais leve. Soltou um bocejo e levantou-se, olhando com desgosto para cama.

A música tocada no outro quarto era lenta e melancólica, dava uma sensação de vazio e tristeza em Isabelle e, ao mesmo tempo, a enchia de paz. Era reconfortante saber que não era única com devaneios tristes na madrugada.

Lembrou-se do que Maia dissera, que ele era um bom homem. Lembrou-se de Jordan dizendo que Lorde Montgomery via o bem nas pessoas. Lembrou-se da promessa que fizera a Maxwell e que ainda não cumprira.

Hunter a aconselhara bem, ela tinha que falar com ele. Alexander com certeza a sacudiria e diria que ela tinha que enfrentar as coisas.

Ela saiu de seu quarto, ignorando que estava apenas com a camisola e descalça e bateu levemente na porta, abrindo-a sem se importar se ele autorizaria a entrada dela ou não.

Ele estava usando apenas a camisa e a calça de um pijama e parou de tocar quando a viu, gaguejando coisas incompreensíveis. Isabelle quase riu. Ele não era tão mais velho que ela e não parecia nada intimidador.

Ela jogou o cabelo para o lado, sentando-se em um divã que ficava de frente para a cadeira onde Simon tocava.

― Senhorita Lightwood ― ele conseguiu formar uma frase inteira ― Já está tarde.

― Por favor ― ela murmurou em um tom alto o suficiente para que só ele a ouvisse. ― Continue a tocar.

Ele piscou surpreso alguma vezes, mas Isabelle não disse mais nada enquanto se recostava no divã, então ele recomeçou a música.

Era tão mágico quanto da primeira vez que o vira. Ele e o violoncelo pareciam ser um só, ele mexia a cabeça no ritmo da música, aproveitando cada segundo dela.

Seus olhos pareciam ficar cada vez mais pesados e sua mente cada vez mais distantes enquanto Simon mudava a música, tão bonita quanto a anterior.

Ela dormiu ao som do violoncelo naquela noite. Dessa vez, sem pesadelo nenhum.


Notas Finais


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