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História Liberté ou Mort - HENDERY e LUCAS (NCT) - O começo de tudo


Escrita por: bella_trix_

Notas do Autor


Boa leitura!

Capítulo 4 - O começo de tudo


 


                                                                                                 »«

 

 20 de maio de 1940

Vila de Oradour-sur-Glane, Nova Aquitânia – França

 

As flores do mercado pareciam vibrar diante da garota, que saltitava como uma criança entre as pessoas que transitavam no vilarejo, sendo seguida por um rapaz sorridente. Ele a observava, carregando consigo uma cesta em sua mão direita repleta de rosas, narcisos, íris, algumas frutas e quitutes que comprara para o aniversário dela. Estavam fazendo compras para um piquenique ao final da tarde, que deveria ser uma surpresa, mas não conseguia esconder nada de ____. Porém, mantinha um segredo há algum tempo, desde que a conhecera.

Há exatos sete meses, Lucas havia chegado na França como recém recrutado para o exército alemão nazista, seu batalhão fora resignado para uma missão de infiltração nas extremidades francesas. O Führer almejava a França mais do que tudo naquele momento, e a tomaria, nem que destruísse todos os seus arredores e exibisse a cabeça decepada de milhares de franceses, expondo-as para o seu chefe de estado em cada canto da capital. Enfim, o trabalho de Lucas consistia apenas em reportar qualquer movimento anormal naquele lugar; judeus, planos, estratégias ou rumores do exército francês que adiantassem os alemães com a sua invasão. Mas foi naquela soturna manhã de segunda-feira, onde fazia sua caminhada matinal pelo mercado do vilarejo que, por coincidência ou obra do destino – ele podia jurar que o universo estava a seu favor –, sua mão acidentalmente encontrara a de uma figura menor que ele em uma simples barraca de maçãs. A garota tinha cabelos longos, suas madeixas acariciavam levemente sua bochecha pelo vento que soprava fraco, suas feições eram delicadas, os lábios bem desenhados e, sem observar mais detalhes, fitou os seus belos olhos, que pareciam mais vivos do que qualquer pessoa ali. Ela o olhava, assim como ele. Ambos ruborizando por uns segundos antes de começarem a falar sobre frutas diversas e seus amadurecimentos em diferentes estações do ano. Lucas e ____ se apaixonaram no primeiro dia, desde então nunca mais foram vistos um sem o outro.

E em todo esse tempo ela nunca soubera quem ele realmente era, apenas sabia que sua mãe era chinesa e seu pai alemão, ambos vieram morar na França quando Lucas tinha apenas 12 anos, porém ele teve que voltar à Alemanha anos após para se alistar no exército. Depois, seus pais faleceram, deixando a casa da família para ele perto do vilarejo, então ele voltou para cuidar da propriedade. Parte disso era verdade, mas também havia mentira, enquanto ouvia a jovem ____, filha dos Polaire, contar suas aventuras desde seu nascimento. Ele amava vê-la tagarelar sobre seus anseios, assim como amava seu jeito animoso de ser. Ali, entre todas aquelas pessoas no mercado, aquela garota cheia de vida era a única para quem ele tinha olhos. Ela era singular.

Naquele dia, a Linha Maginot – onde estava acontecendo a Batalha da França –  já estava sendo cercada pelo exército alemão, que adentrava o território francês a cada minuto que se passava, e Lucas sabia que estavam indo em direção a Oradour-sur-Glane. Contudo, levaria a garota para o quão longe do vilarejo pudesse para protege-la de um possível Blitzkrieg. Era assim que os alemães atacavam; sem aviso prévio, não dando ao inimigo nenhuma chance de se defender. Lucas não via aquelas pessoas como inimigas, mas sua fé no que acreditava era maior do que qualquer coisa que pudesse acontecer. E ____ era o intermédio entre o que acreditava ser certo e errado. Ela se tornara algo acima de qualquer coisa no seu mundo, mesmo que isso custasse a sua vida.

A jovem agora o puxava pela mão livre, levando-o para um lugar com menos trânsito de pessoas. Ela tinha um sorriso maroto nos lábios, Lucas a olhava com certa curiosidade. De repente, ____ exibiu dois adornos do tamanho de seus dedos. Eram anéis feitos com alguns caules de flores.

– Não consegui esperar para te dar isso, eu mesma que fiz – ela riu baixinho, olhando os anéis que fizera com a ajuda das linhas de costura da mãe, que usara para selar. – Desculpe, você sempre me deu presentes e eu queria fazer algo para que pudesse lembrar de mim, mas...

Sentia-se pequena, a ideia de fazer dois anéis parecia tão animadora em sua mente, mas ao dizê-lo em voz alta, a fez sentir-se tola.

– Ei – ele se aproximou da garota a tomando em seus braços como amava fazer –, por que pensa assim? Sabe muito bem que você é o suficiente para mim, mais nada importa. E isto – ele pegou um dos anéis da mão da garota, o levantando perto de seu rosto – é um símbolo do que sente por mim, que eu espero que seja o mesmo que eu sinto por você.

 Ela desferiu um tapa fraco no ombro de Lucas, que riu com a atitude. É claro que ela sentia o mesmo por ele, se não, por que sempre suspirava ao pensar nele? Por que, ao vê-lo, sempre sentia-se preenchida por um sentimento que não cabia dentro de si? Por que imaginava um futuro com ele? Por que se entregara completamente? Ela já gostara de outras pessoas, mas nada se comparava a aquilo. Ele era o seu primeiro.

Ficou na ponta dos pés, aproximando o rosto do amado com as duas mãos, lhe dando um beijo. Em seguida, ajoelhou-se na frente de Lucas, erguendo um dos anéis. Ambos riram, mas ____ logo fechou o semblante.

– Aceita ser meu para sempre? – ela falou, com certo tom divertido na voz.

O mais alto sorria de orelha a orelha. Ela não poderia ser real, como era sortudo por tê-la. Puxou a garota pelos braços, erguendo-a novamente, fazendo seus corpos colarem.

– Eu já sou seu, ____ Polaire, nessa vida e nas próximas das próximas das próximas – ele falou, soltando uma breve risada. Nada do que dissera era mentira.

– Eu amo você, Lucas Wong.

O tempo passava como um sopro quando estavam juntos, e não era diferente naquele dia. Ao fim da tarde, desfrutavam de um belo piquenique debaixo de uma árvore, sob uma extensão de grama a alguns quilômetros longe do vilarejo. O carro de Lucas, um fusca de cor lodo, estava estacionado ali perto. As conversas e risadas do casal se misturavam com suas carícias e o vinho que saboreavam juntos.

A garota estava tão entretida na conversa dos dois, que mal notara a passagens dos veículos na estrada que se encontrava a alguns metros de onde estavam. Lucas sabia o que aquilo significava, mas agarrara-se à própria sorte naquele dia; tudo ocorreria bem, e ____ juntamente com sua família ficariam sob sua proteção. A invasão da França seria calma e pacífica, não haviam judeus no vilarejo, certificara-se disso. E, sem mais delongas, pediria a mão de ____, construiriam um lar e ela não passaria pelas dores da guerra, ele a protegeria de tudo que pudesse machuca-la e machucar quem ela ama. Por muito tempo o exército alemão tinha sido a sua casa, mas o seu lar verdadeiro estava na França com ____. Ela era o seu lar.

– Daqui a um ano eu quero estar viajando, conhecendo os lugares mais lindos desse mundo – ela olhava para o campo à sua frente, que abria a visão de belas plantações de flores ao longe, árvores e algumas montanhas. – Falando as línguas mais diversas – ela sorriu para Lucas – e quero conhecer a China.

– Aonde você quiser ir eu vou com você – ele se aproximou, tirando uma mecha de cabelo do rosto da garota e depositando um beijo ali mesmo. – E eu também nunca conheci a China, vai ser uma viagem incrível.

– Espero que essa guerra tenha acabado até lá.

O sol já começara a se pôr quando um estrondo foi ouvido na direção do vilarejo. Depois outro. E outro. Uma enorme nuvem de fumaça já podia ser vista. Não se ouvia nada além de um completo silêncio. A garota já estava de pé e andando em direção às explosões. Lucas olhava a nuvem de fumaça, atônito. Aquilo não podia estar acontecendo.

– Mamãe, papai, Martin... – a garota sussurrava enquanto via a massa preta começar a tomar o lugar dos céus. – Lucas! – ela gritou para ele, o tirando de seus pensamentos – Temos que ir!

Os dois correram para o veículo e Lucas logo deu a partida, acelerando de volta para o vilarejo.

– O que está acontecendo? – a voz dela era trêmula, assim como as suas mãos sob o seu colo. Lucas as alcançou com uma mão livre.

– Vai ficar tudo bem.

O rapaz estava aflito, seus superiores disseram que não invadiriam com mão armada. Outro estrondo explodiu há quilômetros dali. Seria outro vilarejo? Rezava consigo mesmo para que nada tivesse acontecido, que aquela explosão não passasse de um teste ou uma brincadeira de mal gosto.

Mas ao chegar no local, o antigo vilarejo de Oradour-sur-Glane não estava mais lá. As cinzas se espalhavam por toda a extensão territorial sob a fumaça, as casas estavam em pedaços, algumas labaredas vivas ainda persistiam. As pessoas e os animais estavam espalhados por todo o lugar; braços, pernas, bustos, cabeças. Homens, mulheres e crianças, todos mortos e dilacerados. O chão reluzia num vermelho vivo com o sangue. Lucas havia parado o fusca na entrada do vilarejo, saindo do veículo e piscando inúmeras vezes, o peito subia e descia, o estômago embrulhava e seu semblante mostrava o quanto estava assustado com o que via. Não pensara, nem por um minuto, que fossem capazes de fazer aquilo... com pessoas inocentes.

A garota, ao sair do carro, correu para onde seria a sua casa entre a espessa fumaça de poeira, ignorando toda a situação presente. Ao chegar no local, ela já não estava mais lá. Tossiu, tentando afastar a fumaça com os braços para conseguir ver melhor o que seria sua casa em pedaços, assim como seu pai, mãe, irmão e o cachorro. ____ caiu de joelhos, atônita diante da imagem, que parecia a visão do próprio Inferno. Começou a arfar, sentindo uma repentina falta de ar, enquanto as lágrimas tomavam-lhe a face já imunda pela poeira do ar. O peito doía como se arrancassem seu coração a sangue frio e o esmagassem com os pés. Os gemidos de lamúria que proferia não mediam intensidade, eram altos e claros. Estava com a cabeça apoiada no chão, em posição fetal. Ela não sentia seu corpo. Não sentia mais nada além da dor. A pior dor que sentira na vida. Seu corpo se deu por vencido e deitou-se ali mesmo, chorando sem trégua, o nariz escorrendo sua mucosa clara e transparente, o rosto inchado. Não soube quanto tempo ficou ali diante dos escombros, mas logo sentiu dois braços a levantarem do chão, Lucas gritava pelo seu nome enquanto tossia, com seu semblante desesperado.

– Lucas! – outra voz se fez presente no lugar, a garota olhou de soslaio com a visão embaçada, para a figura masculina que chamava pelo rapaz. Um homem loiro, olhos azuis e a farda verde escura. No seu braço esquerdo estava uma cruz suástica em sentindo horário, sob um fundo vermelho que parecia uma faixa. Ele sorria.  – Wie lange, Bruder!

– Andreas, hilf mir!

Eles falavam em alemão. Ela olhou para Lucas antes de apagar completamente.

[...]

Ao abrir os olhos, ____ viu que estava num quarto. O quarto que conhecia bem, onde perdera muitas noites de sono com Lucas. Era o quarto dele.

Levantou-se devagar, seu corpo doía como se tivesse corrido uma maratona no dia anterior. Sabia que havia adormecido tempo demais, pois os pássaros da matina já davam sua graça ao cantar no sol nascente. Lembrou-se da cena que vira e sentiu seu estômago revirar, algo começou a subir pela sua garganta e então ela correu para o banheiro mais próximo, expelindo apenas o líquido da bile na pia, pois não comera e nem bebera nada havia horas. Lavou a boca, em seguida viu seu reflexo no enorme espelho. Seu rosto estava inchado e sujo, seu vestido branco e florido imundo pela fumaça de poeira. Os cabelos emaranhados e com resquícios de fuligem. Suas mãos estavam arranhadas, assim como seus joelhos e uma parte de sua testa, resultado de tê-la arrastado no chão inconscientemente pela dor que sentia na alma. Eles se foram, sua família, seu lar, seus amigos e conhecidos, todos assassinados por eles. Pelo exército alemão. As lágrimas já brotavam de seus olhos novamente, seus soluços voltaram. Ela havia perdido tudo, não sobrou nada. Nada.

Uma figura se fez presente no reflexo do espelho, Lucas estava parado na porta do banheiro. A sua calça bege, blusa branca, suspensório e o ar de rapaz do interior foram trocados por uma farda verde escura, botas pretas, o cabelo partido e arrumado para o lado direito e uma cruz suástica no braço esquerdo. Como aquele homem que vira. Um soldado nazista.

– Como se sente? – ele engoliu em seco, sentindo seus batimentos acelerarem. Não sabia como ela iria reagir ao saber a verdade.

A garota virou-se de frente para ele com os olhos marejados, ao vê-la naquele estado, por um momento, Lucas quis morrer. Ela estava sofrendo e a culpa era dele. E de sua fé cega. Mas ele poderia reverter tudo aquilo mantendo-a segura e amada, como sempre fez. Ele aproximou-se dela para toma-la nos braços, mas ela o parou com apenas um gesto: a mão direita sob o peito dele.

– Você mentiu – seu punho fechou. Sentia seu sangue ferver ao pronunciar aquelas palavras. – Você é um deles. Vocês assassinaram a minha família.

Seu olhar, antes baixo, agora estava vidrado no de Lucas, que a olhava assustado.

– Eu... eu não sabia – pigarreou, ajeitando o tom de voz, tentando parecer brando. Mas claramente estava nervoso. – Eles me disseram que iria ser uma invasão pacífica, não achei que...

– Então sabia esse tempo todo? – ela o interrompeu, batendo seu punho contra o peito dele. – Me fez de tola esse tempo todo?! – ela gritou.

As lágrimas ainda desciam, mas o sentimento que crescia dentro de si não era amor. Não mais. Estava se tornando em algo que começara a consumi-la naquele momento. Lucas já se encontrava em prantos, como sua amada. Ele queria poder fazê-la entender. Ela se afastara de súbito, passando por ele e voltando ao quarto, colocando as mãos sob a cabeça ainda chorando. Lucas sentia que tudo estava por um fio, exatamente naquele momento. Seu peito doía como nunca sentira antes, chorava como um bebê.

– Eu tinha uma missão – ele começou, havia uma pitada de desespero em sua voz embargada. – Fui resignado para o vilarejo de Oradour-sur-Glane, meu trabalho era reportar qualquer acontecimento para a invasão segura do Führer, eu era um espião. Mas algo inesperado ocorreu, não estava nos meus planos conhecer você e isso simplesmente aconteceu. Eu me apaixonei, ____. Me apaixonei por você!

– O quão disso é mentira também? – ela secou as lágrimas, virando-se para ele. A raiva a consumindo aos poucos. – O que eu sou para você? A menininha tola que iria ceder a todos os seus desejos? Eu me entreguei para você porque eu quis. Tudo o que fiz foi porque eu quis! E agora eu quero que me fale a verdade, Lucas Wong, se é que esse é o seu nome verdadeiro!

– Eu juro, tudo o que lhe falei e prometi são as mais puras verdades! Eu amo você, ____ Polaire, não consegue ver? Tudo o que fiz por você e o que nós vivemos não tem valor para você agora? – a voz turva lhe tomara, não poderia disfarçar-se, estava completamente nu de corpo e alma na frente dela.

Ela lembrou-se da nuvem espessa de fumaça e poeira, os corpos dilacerados, sua família, a dor que estava sentindo. A dor que a consumia a cada batida do seu coração, a cada respiração. Lembrou-se da alegria do soldado diante do massacre, ao ver Lucas, o homem que amava com cada pedacinho de seu corpo. Ali, aquele amor parecia apenas um único grão de areia diante do que estava sentindo. Como eles poderiam entender seus sentimentos, se eram monstros assassinos? Sem pestanejar, ela o respondeu friamente:

– Não.

E com uma única palavra o rapaz sentira seu mundo inteiro colapsar. Estava entre o lar que havia crescido, sendo órfão e acolhido pelos soldados alemães. E ela, seu verdadeiro lar, que encontrara diante da vasta bagunça desse mundo. Ela, que agora havia lhe negado.

Naquele mesmo dia, ____ fugira da casa de Lucas, roubando algumas roupas, seu rifle – um Gewhr 43 – e o máximo de comida que encontrara na cozinha, juntamente com uma bolsa. Ele havia saído para encontrar seu batalhão, ela aproveitara esse tempo para ir embora. Naquela noite, mataria o seu primeiro soldado nazista no meio de uma estrada, esvaziando sua bexiga ao sair de um bar. E assim, pegaria gosto pela matança daqueles homens, jurando a si mesma que enfiaria uma bala em cada nazista que cruzasse seu caminho. Até mesmo Lucas Wong.

 

24 de maio de 1942

Paris, Capital da França.

 

Polaire ainda pensava constantemente no seu ex-amor, como o destino era irônico o suficiente para junta-los justamente agora quando tinha a maior chance de mata-lo, mas seu desejo pela morte dele não a tomara. Paralisara diante da figura de Lucas no mercado há dois dias, toda a raiva que sentia se foi, apenas o medo estabeleceu-se ali. Por que sentia-se assim? Seus pensamentos foram interrompidos por sete homens barulhentos naquele galpão, Yohan e Jasper remexiam as sacolas que trouxeram consigo mais cedo. Kun, como de costume, posicionava-se no meio de todos ali para o seu discurso diário, como quem tem algo a falar. Mas dessa vez, estavam discutindo o plano do dia seguinte mais a fundo; o roubo da mansão.

– É isto, temos tudo em mãos, homens! – o ex-jornalista começara a explicar o plano. – Amanhã teremos dois carros à nossa disposição naquela mesma rua, Yohan e Nikolas farão as honras de pega-los emprestado para nós – seu sorriso era um tanto charmoso. – Yangyang , Jean e Jasper se infiltrarão pela criadagem graças ao contato próximo de Jasper que trabalha na cozinha. Lá, os dois encontrarão eu, Hendery e Polaire na sala do general, onde fica o cofre, mas antes espalharemos pelo menos duas bombas pelo grande salão, caso a nossa saída pelos fundos dê errado. Nosso querido Polaire as acionará com apenas um tiro e, não se preocupe, Jean levará seu Gewhr 43 consigo. Algumas granadas que estão naquela caixa também servirão para a nossa fuga, caso haja perseguição. E agora temos isso aqui.

Kun remexeu uma sacola, revelando com uma mão um vestido vermelho vinho, com mangas que cobriam até antes do cotovelo, a saia cobria até um pouco depois do joelho, botões na região do busto e gola V. O típico estilo de mulheres europeias ricas. Na outra mão segurava uma peruca de madeixas escuras. Polaire suspirou baixinho ao ver o vestido, certamente a garota de anos atrás amaria enfiar-se dentro de um como aquele.

– Um de nós três – ele apontou para si mesmo, Hendery e Polaire – terá que vestir isso. Mulheres são belas distrações, não podemos deixar esse detalhe importante passar.

Hendery sabia da verdadeira identidade de Polaire e, com certeza, não hesitaria em sugeri-la. Tinha que confessar que estava louco para vê-la com aquele vestido, sem aqueles trajes ridículos. Mas a moça foi mais rápida que ele, ela temia ser reconhecida caso Lucas estiver por perto e, assim, o plano inteiro ir por água abaixo.

– O Hendery tem umas feições bem delicadas, eu diria que ele cairia bem com o vestido e a peruca – o rapaz a fitou com os olhos bem abertos. Como ela ousa?

– Feições delicadas? Não acha que você tem isso de sobra? – ele rebateu Polaire, que franziu o cenho.

– Eu voto no Hendery, Kun passa longe na delicadeza feminina com esse corpo, mas os dois juntos dariam um ótimo casal de fachada – Yangyang falava sério, mas com um sorriso maroto no rosto. Ele claramente sabia o que estava dizendo.

– Sim, os olhos e as feições de Hendery são bem bonitos – Jasper falava, fazendo Nikolas rir baixinho ao seu lado, enquanto concordava com a cabeça.

Hendery não proferiu uma palavra enquanto bufava e saía porta a fora do galpão, deixando um grupo de homens surpresos e risonhos. Polaire levantou-se de onde estava e seguiu o rapaz.

Encontrou-o encostado em uma parede ao lado do grande portão de aço, que a mesma fechava atrás de si. A lua iluminava aquela rua estreita, ao longe luzes tremeluziam com o movimento de pessoas nos bares mais próximos. Risadas, conversas e um rádio eram audíveis dali, algumas pessoas bêbadas passavam cambaleando pela rua na frente do galpão. Polaire aproximou-se de Hendery, encostando-se no mesmo lugar ao seu lado e apoiando as mãos nos bolsos de suas calças novas, enquanto o mesmo acendia um cigarro. Os dois se mantiveram em silêncio por alguns minutos, mas a moça quebrara o ritual.

– Por que não disse a eles quem sou?

– Não tenho nada a ver com a sua vida, creio que tem seus motivos – ele respondeu, observando a lua sob suas cabeças e soltando a fumaça dos pulmões.

– Obrigada por isso – ela sorriu ladino, olhando o rapaz.

– E enquanto menos eles souberem, será menos concorrência – ele sorriu, baixando o olhar para a moça, que ruborizava e se enfurecia diante do comentário, fazendo o rapaz rir. – É brincadeira, você nem de longe faz o meu tipo.

– Ótimo, o que eu menos quero são homens no meu encalço enquanto tento alcançar meus objetivos – ela cruzou os braços sobre o peito. Ele achava mesmo que aquele tipo de comentário a atingiria?

– Aliás, não vou me vestir com um vestido, você é quem é a mulher aqui! – ele protestou, dando mais uma tragada no cigarro.

– Ouça, Hendery – ela virou-se para ele, pondo todas as esperanças no que iria falar –, há alguém do meu passado na cidade e que vai estar nessa festa, não posso me vestir com aquelas roupas, ele irá me reconhecer!

– E por que isso seria problema meu? – ele riu, debochado.

– Porque ele é um general nazista.

O rapaz expeliu a fumaça de seus pulmões ainda observando o céu, aparentemente isso seria problema de todos ali. Ele queria aquele ouro mais do que tudo nesse mundo, e aquela era uma grande chance. Ele suspirou depois de outra tragada.

– Merda – ele sussurrou. – Está certo, eu me visto com aquilo.

Polaire soltou o ar de seus pulmões, aliviada, voltando-se à sua antiga posição.

– Ele partiu seu coração?

– O que disse?

– Esse general, ele partiu seu coração?

– Isso, com certeza, não é da sua conta.

– Ah, vamos lá! – o rapaz franziu o cenho – Eu acabei de te fazer mais um favor e você nunca responde minhas perguntas.

– Digo o mesmo de você, monsieur Hendery – ela levantava uma sobrancelha para ele enquanto se olhavam, mas logo soltou outro suspiro, juntamente com uma frase. – Sim, ele partiu meu coração, é uma longa história.

– Você o pegou na cama com outra mulher? – ele a olhava divertido, esboçando um sorriso ladino.

– Ele assassinou minha família.

Polaire subitamente sentiu seu peito mais leve, apesar da lembrança dolorosa. Nunca havia falado sobre seu passado com ninguém, mesmo que por alguns minutos e, de alguma forma, estava se sentindo confortável. E Hendery não era um conhecido, muito menos seu amigo. Por que se sentia confortável em compartilhar algo tão íntimo e trágico com um estranho?  Mas Hendery permaneceu alguns segundos em silêncio, pensando sobre o quão trágica poderia ser a história daquela moça. O quão forte são seus motivos para querer entrar na Cruz de Lorena.

– Você o vê nos nazistas que mata? – Hendery agora estava sério, tragando os últimos resquícios do seu cigarro.

– Às vezes sim, outras não – engoliu em seco, falar sobre qualquer assunto sobre seu passado a deixava ansiosa. – Ele mentiu para mim, se infiltrou no meu vilarejo e no dia e na hora certa, me levou para longe, para não morrer.

– Então ele a fez um favor.

– Não, ele me enganou e deixou que matassem minha família e a todos do meu vilarejo – Polaire já sentia seu sangue ferver quando pensava em tal acontecimento, mas falar em voz alta parecia pior. – Eu ainda enfiarei uma bala na cabeça daquele infeliz.

Hendery observou o rosto de Polaire atentamente, era o mesmo olhar que vira naquele dia do porão. Mas não o olhar corajoso de sua mãe, o de Polaire parecia carregado com tamanha mágoa, ódio e sede. Sede de vingança. Se não fosse tão covarde, talvez seria como ela, pensou consigo mesmo.

– Agora entendo porque quer tanto entrar para a Cruz de Lorena – ele jogou a ponta do cigarro no chão, pisando em cima. – Pena que é uma perda de tempo.

– O que quer dizer com isso? – ela o olhou.

– O que tem de revolucionário em matar nazistas? Quanto mais matam, mais aparecem, é praticamente dedicar a sua vida a algo sem fim. Algo sem nenhum benefício saudável ou monetário.

– Não faz sentido para você, porque não tem algo pelo o que lutar – as palavras atravessaram Hendery bem no peito, a imagem de sua mãe lhe veio à mente novamente. – O dinheiro é o seu dono, por isso se juntou a esse grupo, lhe ofereceram ouro e você veio sem pestanejar.

O rapaz ficou em silêncio, fitando a rua deserta. A única coisa que conhecera em toda a vida é sobre o quanto ela é cruel, igual aos homens. Principalmente os ricos, que pisaram em gente como ele e sua mãe a vida toda e, após a morte da mesma, tomou como propósito tirar tudo que eles têm para si próprio, como um Robin Hood egoísta. Ninguém nunca sequer estendeu a mão para ajuda-los, e quando ele mais precisou deixaram que sua mãe, a única pessoa que tinha na vida, morresse. Antes eles do que eu.

– Tem razão, não sei como é isso – por fim disse, sentindo seus pensamentos lhe tomarem. – Posso lhe fazer uma última pergunta?

– Já está fazendo uma.

– Quantos nazistas matou?

Polaire sorriu para Hendery sem mostrar os dentes. Havia contado cada um até aquele presente momento, eram como troféus.

– Noventa e três.


Notas Finais


E aí, gostaram do babado Polaire e Lucas? E da breve história sobre nosso Hendery?
Próximo capítulo tem a Noite Alemã em Paris, preparem os corações (literalmente).
TRADUÇÃO: Lucas! Wie lange, Bruder! (Lucas! Quanto tempo, irmão!)
Andreas, hilf mir! (Andreas, me ajude!)


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