-Chichi, você é mesmo muito saudável! - Hendery deu um tapinha nas costas dele - Não acredito que vai ter gêmeos! Estou muito feliz!
-Pois é, e eu nem me esforcei - Ten passou uma cerveja para Lucas. - Aqui.
-Estou impressionado - YangYang retrucou - Como uma pessoa bêbada, que mal gozou dentro, produz gêmeos?!
-Sabe que essa história pornográfica que ele contou é de procedência duvidosa. Acha mesmo que ele lembra como foi? Óbvio que não - Sicheng disse - Ele acha que tirou, mas… Nunca vamos saber.
-Claro que vamos. Aliás, já sabemos. Está aí. Dois bebês.
-Vocês subestimam a minha linha de produção - Ten riu.
-Sua fábrica está a todo vapor - Lucas comentou.
-Sim. E os que ele não produz, são importados.
-Ah, Liu - Ten passou um braço em volta do amigo - Quer encomendar um para você?
-Sai daqui - YangYang se afastou do tailandês - Aponte esse pinto para outro lugar. Não quero engravidar, não.
-Melhor não bebermos a água daqui, pessoal - Sicheng fingiu preocupação - Só por precaução.
-Eu tenho um encontro amanhã. Vou ficar longe da torneira - Lucas disse, checando seu celular enquanto todos riam - Já tenho minhas irmãs para cuidar, e agora os anjinhos do Ten.
O interfone tocou e Ten destravou a porta. Não demorou muito e Kun apareceu na cozinha, ainda com sua roupa social do trabalho. Não costumava se vestir assim fora do escritório.
-E aí, galera - Comprimentou todos com um sorriso, que foi retribuído.
-E aí Qian.
-Parabéns pelos gêmeos - Kun abraçou Ten, com um sorriso fraternal - Fico muito feliz por vocês - Ele soltou o tailandês - Cadê a S/n?
-Saiu com os irmãos - Chittaphon respondeu, entregando uma taça de vinho para ele -Não deve demorar para voltar. Por quê?
- Preciso conversar com ela sobre a licença maternidade. Pelo jeito, uma vai puxar a outra.
-Do jeito que o Ten anda, ela nunca mais vai sair da licença maternidade - Lucas riu.
-Licença maternidade de gêmeos são duas licenças maternidades? É o dobro de tempo?
-Não seja burro, Hendery, óbvio que não - YangYang virou os olhos - Os bebês crescem juntos, ao mesmo tempo. Não é primeiro um e depois o outro.
-Você está errado, Liu YangYang - Hendery ergueu o dedo - Não dá para seguir essa sua lógica de crescimento. Qualquer um sabe que os gêmeos do Ten não vão nem crescer. Vão ter um metro e vinte para sempre. Igual ele - Hendery abraçou Ten - Não é, Tennie?
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S/n entrou no quarto de Samir, segurando duas xícaras de chá, e viu Ten sentado na cama do garoto, com ele no meio de suas pernas, tomando leite enquanto assistia Pororo e, sem nem perceber, fazia carinho no braço de Chittaphon. Ele nem piscava de tão concentrado no desenho.
Ela sorriu com a cena. Chittaphon sentiu a presença dela e sorriu de volta assim que a viu parada na porta.
-Tudo certo, Ariel?
-Sim. Queria falar com você, um minuto - Ela fez sinal com a cabeça para ele ir até a brinquedoteca do quarto.
Ten se desvencilhou cuidadosamente de Samir, que soltou um resmungo de protesto.
-Papai preciso falar com a mamãe. Continue assistindo - Deixou um beijo no topo da cabeça dele.
-Está legal o desenho, meu amor? - S/n perguntou. Samir fez que sim com a cabeça, concentrado na Tv.
Ten se sentou ao lado de S/n no tatami do quarto -Aconteceu alguma coisa? - Perguntou.
-Não - S/n entregou uma xícara para ele - Só precisamos acertar algumas coisas antes de ir jantar com os meus pais. Por exemplo... Quando vamos nos casar? Onde?
-Ah - Ele sorriu empolgado, ajeitando a postura - Bem, eu tenho alguns planos… Você pensou em alguma coisa?
- Não pensei muito ainda - Ela encarou a xícara - Quais são seus planos?
-Ok, vou te falar - Ele se sentou de frente para ela e deixou a xícara em cima da mesinha onde Samir brincava de tomar chá com suas bonecas - Está pronta?
-Sim - S/n sorriu com a empolgação dele.
-Eu quero me casar na Tailândia. Pode ser na praia ou no meio dos bosques. Quero trocar os votos no pôr do Sol - Ele sorriu, gesticulando - Quero uma cerimônia simples, só nossa família e amigos próximos. Depois podemos passar a lua de mel no Havaí - Disse animado, e em seguida ficou sério - O que você acha?
-Um pouco diferente do nosso primeiro casamento - Ela disse, imaginando a cerimônia dos sonhos de Ten. S/n não tinha muitas exigências, apenas queria que fosse algo pequeno e significativo para os dois. Coisa que o primeiro casamento deles não tinha sido - Eu adorei.
-Mesmo?
-Mesmo - Ela sorriu.
-Ótimo - Ten comemorou internamente. Para ele, aquela cerimônia significava muito - Sempre sonhei em me casar desse jeito com a pessoa que eu amo - Ele encarou os olhos dela, pensativo - Sempre quis estar apaixonado. Eu costumava imaginar esses cenários na minha cabeça. E aí… Nos casamos - Ele encarou o nada - Eu demorei um pouco para me desapegar desses devaneios, mas no fundo sempre soube que ia me apaixonar um dia. E estranhamente eu sentia que ia me apaixonar por você.
-Bem, aconteceu. Eu espero - S/n pegou a mão dele e o admirou, se perguntando como Ten podia ser tão perfeito, sem nem mesmo tentar ou perceber.
-É, aconteceu - Chittaphon tornou a encará-la - E agora eu posso realizar esse sonho. Com você.
-Nós vamos - Ela se aproximou dele e seus dedos tocaram o rosto perfeito de Ten. Os dois se encararam por um breve segundo, e então S/n selou o canto da boca dele - Mas tem uma coisa.
- O que?
- Se for desse jeito mesmo, vai ter que ser o mais rápido possível. Não vai demorar para a minha barriga ficar gigante, e não quero ficar desconfortável no meu próprio casamento. Também não sei se vou ficar enjoada. Aliás… acho melhor cancelar o Havaí. Não sei se é uma boa ideia uma grávida ficar tanto tempo dentro de um avião.
-Tem razão - Chittaphon colocou uma mecha de cabelo dela atrás da orelha - Se preferir, podemos esperar os gêmeos nascerem.
-Talvez seja mais complicado fazer uma cerimônia com dois recém nascidos. Vou precisar amamentar. Como vou fazer? Tirar a teta para fora no altar? - Ela falou num tom divertido, arrancando uma risada de Ten - É sério.
-Ok - Ele ainda ria - Que tal daqui… Um mês? Dois meses? Nós cancelamos o Havaí.
-Pode ser. Vamos falar com o médico e se ele disser que tudo bem, perfeito. E pensando agora... Precisamos contar para o Samir sobre os irmãos dele antes do jantar.
-Ok. Amanhã cedo nós contamos.
-Perfeito.
- Oá migos, bom migos! - Os dois ouviram Samir cantando a música do desenho e olharam para ele. O garotinho estava pulando na cama, cantando junto com a TV - Po o Po o ôooooooo.
-Amor, você cair - S/n alertou.
-Divetido o migos! - Samir continuou pulando sem dar atenção à S/n.
-Quem é divertido, hein? - Ten se levantou e foi até a cama - Eu vou te pegar!
-Nhaum! - Samir gritou, rindo ao mesmo tempo.
-Vou sim!
-Mamãe! - Samir desceu da cama e correu até S/n, rindo, enquanto Ten ia atrás dele imitando um monstro - Potege!
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Jeno abriu o livro e tentou se concentrar na sua atividade extra. Precisava se concentrar em algo que não fosse Jaemin, mas desde a noite anterior, só pensava no namorado. Mais do que o normal. Nem mesmo conseguiu dormir. Ficou revirando na cama, imaginando o que ele estava fazendo, se já estava em casa, e olhando a tela do celular. Quis muito responder as mensagens dele, mas seu orgulho falou mais alto.
Estava tão absorto em seus pensamentos que não ouviu Jemin arrastar a cadeira na frente dele e se sentar.
-Por que você tem que ser tão orgulhoso? - O Na perguntou, chamando a atenção de Jeno.
Ele ergueu a cabeça. Uma parte de si estava surpresa por ver Jaemin li, e a outra, aliviada. Sabia que era orgulhoso e por mais que não admitisse, tudo o que mais queria era acabar com aquela briga idiota.
-Está bravo? - O Na perguntou com os olhos murchos.
- Não - Jeno respondeu com a voz baixa.
-Então por que não respondeu às minhas mensagens?
-Não queria atrapalhar seu passeio - Sua voz saiu com uma pontada de ciúmes que ele não pretendia e não queria sentir.
-Sabe que não atrapalha nada. Eu te mandei mensagens o tempo todo - Jaemin suspirou e puxou a cadeira para mais perto.
Jeno encarou seu livro, pensativo. Estava sim sendo orgulhoso e infantil. E estava arrependido. Jaemin era um namorado perfeito e ele o amava muito. Detestava ficar brigado com ele. Não conseguia pensar na ideia de perdê-lo e sabia que se não facilitasse as coisas e o fizesse feliz, isso podia acontecer.
- Me desculpa pela forma como eu agi ontem - Disse, finalmente.
- Sabe que não tem motivos para ficar com ciúmes, não é?
- Eu sei - Jeno suspirou, encarando o namorado - Eu só fico com medo de você perceber que eu não sou bom o suficiente para você. E se você encontrar alguém melhor do que eu?
- Jeno... - Jaemin pegou a mão dele, sorrindo fraco - Você é bom o suficiente em todos os sentidos. E é perfeito para mim. E não tem ninguém melhor que você.
- Bom dia, classe - O professor entrou na sala - Todos em seus lugares.
- Te amo - Jaemin sussurrou antes de soltar a mão de Jeno e ir para o seu lugar.
O Lee ficou olhando ele se afastar e se sentar na sua carteira. Assim que Jemin o fez, olhou para trás. Jeno sibilou ‘’eu te amo’’ e Jaemin sorriu. Sabia que tudo estava bem entre eles novamente.
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Depois da aula, Jaemin e Jeno saíram juntos da sala, ainda rindo da piada de Jisung.
-... Newton morreu virgem mas ‘tá fodendo todo mundo até hoje… - Jaemin riu - Essa foi hilária.
-É, eu que o diga - Jeno riu junto enquanto caminhavam até a saída - Odeio mecânica clássica.
-Ah, qual é - Jaemin segurou o braço do namorado - Você é ótimo em física. E em outras coisas também - Sorriu malicioso.
-Ah, é? No que?
-Você sabe - O Na quis beijá-lo ali mesmo, mas sabia que não podia.
- Hmmm… Quer estudar hoje? - Jeno perguntou de maneira sugestiva. Não que não pretendesse estudar, mas sua prioridade era passar a tarde beijando Jaemin e fazendo outras coisas com ele. A briga tinha o deixado com mais saudades que o normal.
-Na verdade… - Jaemin parou no portão, hesitante. Sabia que talvez o Lee não fosse gostar nada do que ele ia sugerir - Pensei em irmos no boliche hoje à noite… Com Sungchan… Achei que seria legal vocês se conhecerem - Jaemin começou a enrolar os dedos na ponta da blusa, nervoso. Pensou por um instante que era cedo demais para tentar fazer com que os dois virassem amigos. Talvez fosse muito ingênuo por pensar que isso podia acontecer um dia. Mas Jeno não pareceu bravo, nem gritou, nem saiu andando. Ele simplesmente puxou o ar e tentou sorrir.
-Ok… - Tentou não demonstrar tanto a sua insatisfação. Talvez devesse dar uma chance ao Jung. Talvez ele não fosse assim tão ruim. De qualquer forma, queria agradar a Jaemin. O Na já tinha feito muita coisa por ele, sempre era a pessoa mais paciente e compreensiva do mundo. Não custava nada se esforçar um pouco para fazer algo que ele queria e deixá-lo feliz.
-Sério? Você está concordando? - Jaemin sorriu, desacreditado.
-Sim - Jeno ajeitou a mochila - Se isso te faz feliz, por que não?
-Então tá - Jaemin ficou animado - Você vai ver, vai gostar dele.
-É, pode ser…
-Oi, gays - Hyuck abraçou os dois - Já passaram na orientação para a faculdade?
-Ainda não - Jaemin respondeu - Mas vou marcar para essa semana.
Jeno parou de prestar atenção na conversa dos dois assim que o conhecido Bentley preto parou na frente deles. Sentiu seu corpo todo tremer no mesmo instante. Ele novamente estava ali, e sabia que não era por causa de Hyuck.
Haechan notou a tensão de Jeno e olhou para a direção onde os olhos dele estavam pregados. Suspirou. Aquilo era exaustivo até mesmo para ele.
-Você devia falar com ele - Donghyuck incentivou . Não gostava de viver naquele fogo cruzado, e se era incômodo para ele, podia imaginar como era para Jeno. Chegava a sentir pena dos dois - É sério. Dá uma chance.
- Nono… - Jaemin chamou num sussurro. Já tinha entendido tudo. Se preocupava demais com Jeno. Não queria vê-lo mal com aquilo novmente.
Jeno se virou pra ele, angustiado. Era como se pedisse por um conselho, um abrigo, apenas com o olhar. Não sabia descrever a incerteza que sentia dentro de si. Queria apenas saber o que fazer todas as vezes que ele aparecia e insistia para conversarem.
-Vá falar com ele - Jaemin o encarou de forma carinhosa - Se quiser, eu vou junto.
-Não, tudo bem - Jeno puxou o ar com certa dificuldade - Eu vou sozinho.
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-Não sei mais como te pedir desculpas...
-Simplesmente não peça. Sabe que não vai adiantar - Jeno respondeu sem vontade. Só estava ali naquele café pois seu pai vinha insistindo muito, há muito tempo, em uma conversa e nas desculpas, então acabou sendo vencido pelo cansaço. Podia dizer que não se importava mais com ele, ou com tudo o que tinha acontecido. Queria fingir que era indiferente. Mas no fundo, ele se importava. Se importava muito, ao ponto de guardar um rancor extremo, ao ponto de ter certeza que jamais perdoaria seu pai.
-Eu sei que eu errei muito com você e nada justifica isso, mas…
-Mas o quê? - Jeno interrompeu Dakho - Qual vai ser a desculpa?
-Não tem desculpa - O Sr. Lee abaixou o olhar, se sentindo culpado. Jeno podia ver o arrependimento nos olhos dele, mas não se deixaria convencer. Simplesmente não acreditava nele - Eu simplesmente me arrependo.. Mais do que tudo.
-É meio tarde para isso, não acha? - Jeno ergueu uma sobrancelha, irritado - Não precisa fingir que está arrependido e me pedir desculpas só para ficar bem com a sua família.
-Eu estou bem com a minha família. Na verdade, eles só querem que eu te deixe em paz.
-É o mínimo que você poderia fazer por mim, deepois de tudo.
-Sabe que isso não vai acontecer - Dakho encarou Jeno nos olhos - Vou implorar pelo seu perdão até o dia da minha morte.
Jeno o encarou, cansado daquilo. Um simples pedido de desculpas não ia solucionar nada e sabia disso. Aliás, vários pedidos de desculpas. Pelo contrário. Estava irritado. Para ele, aquilo tudo era uma perda de tempo.
-Olha… Vamos fingir que eu te perdoei e aí você me deixa em paz, ok? - Jeno pegou sua mochila e estava prestes a levantar. Até que o Sr. Lee, lutando contra toda a sua razão, fechou os olhos, respirou fundo, e juntou toda a coragem que tinha. Sentia que não teria outra chance de se redimir, ou até mesmo de conversar com o garoto. E queria tirar aquele peso das suas costas já havia um tempo. Mesmo que Jeno nunca o perdoasse, merecia saber a verdade. Por mais arriscado que fosse.
-Eu conheci sua mãe em um clube - Soltou, sem encarar Jeno.
O garoto, pego de surpresa, ficou confuso. Não esperava que ele fosse falar de sua mãe. Mas queria muito ouvir tudo, então, sem piscar, e ainda em choque, voltou a se sentar em sua cadeira estofada no restaurante.
- Não era um clube de boate. Era mais uma… - Tentou achar as palavras sem se comprometer tanto, mas sabia que era impossível - Era uma espécie de Ordem.
-Ordem?
-É.
-Ordem, tipo, uma sociedade secreta? - Jeno perguntou extremamente intrigado e ainda chocado com aquilo. A história mal tinha começado e já parecia absurda.
Dakho não queria admitir, mas era exatamente aquilo. Uma sociedade secreta. Ou era secreta, até então.
-Sim… - Respondeu quase que inaudivelmente - Ela era uma das garotas que dançavam lá. Assim que bati os olhos nela, quis conhecê-la. Era a mais bonita. E a mais inteligente também. Ela dizia que queria ser advogada - Sorriu fraco ao se lembrar dela. Achou melhor não especificar que a mãe dele trabalhava sexualmente para os membros da ordem, e que ele a quis exclusivamente para ele como sua prostituta particular - Passávamos um certo tempo juntos. Até que ela engravidou - Ele suspirou e encarou o prato à sua frente. Lembrar de tudo aquilo era muito difícil, mas falar era mil vezes pior - Isso não é aceito entre as garotas da Ordem, então tentamos esconder até onde pudemos. Mas claro que não durou muito. Ela não podia… trabalhar daquela forma carregando uma criança, era perigoso, e eu não ia permitir isso. Então eu conversei com a cúpula e deixaram ela se afastar. Claro, depois de muitas tentativas de obrigá-la a abortar. Foi difícil convencê-los, mas eu disse que cuidaria de tudo e garanti que ninguém jamais saberia disso, inclusive minha família. Ninguém podia colocar em risco os segredos da Ordem e muito menos deixar que uma criança saísse de lá. Foi muito difícil. Eu tentei cuidar de vocês dois o melhor que pude… Mas depois que você nasceu, as coisas ficaram muito complicadas. Queriam que sua mãe voltasse a trabalhar lá a todo custo, sob inúmeras ameaças… Que tipo de ser humano eu seria se deixasse isso acontecer? Ela estava tão feliz cuidando de você… - O Sr. Lee piscou algumas vezes, tentando disfarçar as lágrimas que se formavam no canto de seus olhos - Fiz o que pude. Mas simplesmente não acreditavam que você cresceria e nunca saberia de nada, ou que ninguém saberia de nada. Vocês dois eram uma ponta solta. E ela não podia simplesmente não fazer mais parte disso, ou eu - Ele tocou o copo à sua frente, ainda sem encarar Jeno. Achava que se fizesse isso não conseguiria continuar falando - Sua mãe ficou doente e não tinha mais serventia pra eles. Sabiam que ela eventualmente ia acabar morrendo, e o segredo deles também. Então eu fiz um acordo. Para fingirem que você não existia, eu também precisei fazer isso. Você não podia mais ser vinculado a mim, e isso foi um jeito de te proteger e te manter longe disso tudo. Isso me afetou muito - Suspirou, sentindo a dor crescer em seu peito - Eu não queria mais fazer parte da Ordem, mas sabia que era impossível sair. Então pedi para ser rebaixado na hierarquia. Em troca de muito dinheiro e favores, é claro. Eles também acabaram fazendo um embargo nos meus negócios aqui na Coréia, como retaliação pelo que eu fiz, e eu acabei falindo. Por sorte, um estrangeiro poderoso me ajudou e eu consegui abrir capital em Singapura. Mas como você já deve saber, foi com muito custo. Precisei sacrificar o futuro inteiro da minha filha para isso acontecer. E eu acho que estou sacrificando o seu, agora - Ele encarou Jeno. Não era surpresa para ele as lágrimas de tristeza, mágoa, dor e rancor que rolavam copiosamente pelo rosto do garoto. Sentiu a garganta seca, mas não conseguia pensar em engolir nada naquele momento. Até mesmo água seria capaz de fazê-lo vomitar. Então apenas continuou - Jeno… Eu queria muito que tivesse crescido junto de seus irmãos. Nenhum filho deveria crescer sem o pai. Mas entenda que não foi isso que prometi para sua mãe. Ela me fez jurar que eu te manteria seguro, e é isso que eu tentei fazer nesses anos. Te afastar era a minha melhor opção. Eu tinha medo que pensassem que você sabia de algo, ou que alguém sabia. E agora que você realmente sabe… - Ele desviou os olhos de volta para o copo - Não sei se vou conseguir dormir de noite.
Jeno não sabia descrever o que estava sentindo. Não sabia se o que mais lhe chocava era todo o passado de sua mãe, ou o fato de tentarem abortá-lo, ou toda a perseguição, ou o real motivo da falência da família Lee. Sentia remorso, tristeza, culpa, raiva, e pena. Pena de si mesmo por saber que tentaram matá-lo antes mesmo de nascer, e por ter crescido no meio de uma mentira. E pena de sua mãe, por tudo o que viveu. Ele já tinha lidado a vida inteira com o sentimento de rejeição, mas aquilo era diferente. Se sentia culpado, além de tudo. Muita coisa tinha sido sacrificada apenas para que ele continuasse vivo. Nem mesmo o fato de seu pai não tê-lo rejeitado por vontade própria o consolava, embora preferisse, sem dúvidas, ter ficado sabendo da verdade, por mais que estivesse doendo.
As coisas começavam, lentamente, a fazer sentido para ele. O fato de os negócios de seu pai, do nada, terem começado a ir mal. O fato de seu pai sempre ter olhado com medo para ele, medo esse que ele imaginava ser de que a família descobrisse sobre sua existência, quando na verdade o medo era por outra coisa. Se lembrou de sua infância, quando seu pai era amável e presente, e, depois ele simplesmente cortou todos os laços e sumiu, sem nunca ter dado uma explicação. Lembrou do sorriso de sua mãe toda vez que falava dele, como se seu pai fosse uma pessoa boa, e ele simplesmente não entendia como ela podia achar isso. Sempre pensou que seu pai a iludia com promessas de uma família feliz, ou que ela mesma se iludia sobre ficarem juntos, mas já não sabia mais o que era verdade.
-Você… - Jeno puxou o ar, tentando falar entre as lágrimas - Você a amava? A minha mãe?
O Sr. Lee o encarou, ponderando a resposta que daria. Não queria mentir para ele, principalmente sobre a pessoa que Jeno mais amava na vida.
-Eu amo minha esposa, Jeno. Mas eu sempre tive um enorme carinho por sua mãe. Ela era a melhor amiga que eu tinha.
O garoto engoliu em seco e assentiu, secando suas lágrimas. Sabia que aquela era a resposta moralmente correta, mas mesmo assim, uma parte de si ficou decepcionada. Não queria imaginar que sua mãe passou a vida sendo rejeitada.
-Você alguma vez disse a ela que iam ficar juntos?
-Não - Dakho respondeu com veemência - Nós não tínhamos esse tipo de relação. Não depois que você nasceu. Digo… Nunca foi algo romântico entre nós e depois que você nasceu, não nos envolvemos mais fisicamente.
Ele assentiu novamente, se sentindo um pouco mais tranquilo. Chegou a conclusão de que sua mãe dizia aquelas coisas apenas para deixá-lo feliz. Não a culpava. Talvez até tivesse feito o mesmo no lugar dela.
-Taeyong sabe? Alguém sabe?
-Não. Ninguém sabe. Só você e algumas pessoas da cúpula da Ordem - Dakho suspirou. Sabia o quanto aquilo era arriscado, mas já não se importava mais. Sabia que poderia ser morto por contar a verdade a Jeno, mas pelo menos passaria seus dias em paz, nem que fossem os últimos. Apenas queria ter certeza de que seu filho sabia que era, sim, muito amado - Não quis envolver mais ninguém nisso. E bem, Taeyong é impulsivo, não sei do que seria capaz. Se quiser contar a ele, fique à vontade. Na verdade… Você tem o direito de fazer o que quiser com isso. Só, por favor, não se coloque em risco e pense nos seus irmãos. Eu sei que apenas o fato de eu ter te contado tudo já é perigoso, mas… - Deu de ombros. Não podia exigir nada de Jeno depois de tudo que tinha feito ele passar, então achou melhor não continuar com o seu pedido - Enfim… Só achei que era justo você saber o que realmente aconteceu. E que eu te amei muito. E ainda amo.
Jeno deixou mais uma lágrima cair enquanto encarava seu pai. Queria bater nele por dizer aquilo. Mas ao mesmo tempo só queria abraçá-lo. Acreditava nas suas palavras, por mais que não quisesse, e se sentia um completo idiota por isso.
-Então é isso? Você me conta essas coisas e o que acontece agora? - Jeno secou a lágrima, falando com certa rispidez.
-Eu não sei - O Sr. Lee respondeu calmamente - Há vinte anos eu durmo me perguntando se vou estar vivo no dia seguinte. Até agora nada aconteceu. Prefiro confiar que os membros respeitam os códigos, entre eles, o da honra.
Jeno desviou o olhar e encarou o nada. Se sentia atordoado com tudo aquilo. Ainda tinha mil coisas para perguntar, mas simplesmente não conseguia formular nenhuma frase.
-Eu… Gostei muito da sua apresentação na escola - Dakho falou com insegurança, esboçando um sorriso tímido ao se lembrar de Jeno no teatro do colégio há quatro anos - Você fez um ótimo espadachim. Me lembrou Dong-soo.
Jeno o encarou, surpreso. Só tinha interpretado um espadachim em toda sua vida. E isso foi há quatro anos.
-Você estava lá?
-Sim -Dakho sorriu fraco - Também fui ver sua apresentação de dia dos pais no ano seguinte, mas você não foi.
-Eu tinha meus motivos - Jeno engoliu o choro que queria, novamente, sair. Suas emoções estavam muito bagunçadas e afloradas - Eu preciso ir - Pegou sua mochila e se levantou. Não queria desabar ali de novo, muito menos no ombro de seu pai.
-Jeno… - O Sr. Lee tentou dizer algo, com a voz agoniada.
-Está tudo bem. Eu só preciso… - Tentou pensar em algo para dizer, mas não conseguia - Eu realmente preciso ir.
Ele jogou a mochila nas costas e passou pelo homem, ainda segurando suas lágrimas.
-Jeno - Seu pai o chamou novamente. O garoto se virou - Eu sei que é cedo e talvez você não queira me ver novamente, mas... Enfim. Acho que já está sabendo do jantar na mansão. Taeyong deve ter te convidado - Suspirou, esboçando um sorriso esperançoso - Eu ia ficar muito feliz se você fosse.
Jeno o encarou por um breve segundo e então se virou, indo embora o mais rápido que conseguia.
No fundo, ele tinha medo de também ficar feliz. Tudo o que sempre quis foi o amor de seu pai, que até então, ele pensava não se importar. E agora ele acabara de descobrir que sim, ele se importava. Já não sabia mais o que pensar daquilo tudo. Não sabia mais o que sentir. E ainda não sabia se queria ver aquele homem feliz.
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