História Ligados Pela Liberdade (Imagine Ten) - Dormitório

Mensagem de Sungchan (via kakaotalk):

Hoje eu estou no dormitório, não posso sair. 

 

Mensagem de Jaemin (via kakaotalk):

Hmm. É legal aí?

 

Mensagem de Sungchan (via kakaotalk):

Quer vir conhecer?

 

Mensagem de Jaemin (via kakaotalk):

Eu posso?

 

Mensagem de Sungchan (via kakaotalk):

Não. Mas eu dou um jeito. 

Tem que ser escondido.

 

Mensagem de Jaemin (via kakaotalk):

Ok, eu vou

 

Mensagem de Sungchan (via kakaotalk):

Não pode contar para ninguém. 

Nem para o Jeno.

 

-Nana, quer ir em casa hoje depois do treino? - Jeno perguntou. Estava em pé na frente da carteira do Na - Minha avó vai fazer bolo - Falou empolgado. Jeno não tinha comido muitos bolos na sua vida, mas tinha certeza que o da sua avó era melhor do que qualquer um, principalmente o de chocolate. Toda vez que ela fazia, Jeno tratava isso como se fosse um evento.

-Hmmm... - Jaemin ficou sem jeito. Não era muito bom com mentiras e já estava com a consciência pesada por mentir para o namorado - É que… Hoje eu vou na casa dos meus tios com os meus pais - Inventou a primeira coisa que veio na cabeça.

-Ah, ok - Jeno sorriu fraco - Amanhã eu trago um pedaço para você, então. O bolo da minha avó é o melhor do mundo! 

- Sim, eu vou adorar! - Jaemin sorriu, ainda culpado. Puxou seu celular difarçadamente e leu a mensagem.

 

Mensagem de Sungchan (via kakaotalk):

Te encontro às oito na esquina da empresa

Vamos pular o muro, use seu tênis de correr.

 

 

xxxXxxx

 

-Samir, venha! Eu vou te achar! - Ten gritou, escondendo a tesoura atrás do corpo - Vem, papai não vai machucar você!

S/n subiu as escadas atrás de Ten cuidadosamente. Estavam há vários minutos tentando pegar Samir para cortar os cabelos dele, que já estava passando dos ombros. Mas ele se recusava e agora estava se escondendo. 

-Ten, e se ele se machucar? Vai que sei lá, ele entra embaixo de alguma coisa e essa coisa cai na cabeça dele?

-Não tem nada em casa para acontecer isso. Toma - Ele entregou a tesoura para S/n - Eu vou pegar ele. É só uma criança de três anos, não deve estar num lugar difícil. 

S/n pegou a tesoura e ouviu seu celular tocando.

-Vou atender o celular, tente achá-lo.

Ten terminou de subir as escadas e foi cômodo por cômodo procurando Samir. O lugar que a criança mais conhecia era seu próprio quarto, então Chittaphon foi para lá. Ele viu o armário meio aberto e sabia que Samir estava lá dentro.

-Filho, eu sei que está aí dentro. Papai só quer conversar com você. Saia, por favor. Não vou encostar no seu cabelo. 

Samir não respondeu. Ten se sentou no chão, de frente para o armário, e ficou esperando ele sair. Não queria invadir seu espaço. Se lembrava de quando era criança, de quando também tinha seus esconderijos para quando ficava com medo ou triste. Queria que Samir tivesse isso também. Um lugar para se sentir seguro. Um lugar que ninguém invadisse. E acima de tudo, queria que o garoto confiasse nele. Por isso ia esperar até que ele estivesse pronto. Até porque, a coisa que mais tinha, era tempo para esperar.

-Papai está aqui fora. Estou esperando você sair. Não vou cortar seu cabelo.

A porta do armário abriu lentamente e Samir saiu de lá. Ele ainda estava inseguro e encarava Ten com receio.

-Sem tesoura - Chittaphon ergueu as mãos - Prometo. 

-É, num podi coita - Samir balançou a cabeça, querendo se impor para Chittaphon.

-Tá, eu não vou. Mas você vai ter que contar para o papai porque não quer cortar o cabelo. Está com medo da tesoura? Não vou te machucar, papai jamais faria isso - Chittaphon puxou ele pelas mãos e o sentou em seu colo - Seu cabelo está muito comprido e fica caindo no seu olho quando você brinca. Por que não quer cortar o cabelo? Está com medo?

Samir negou com a cabeça. Não estava com medo. 

-Então o que é?

-Telo o, o cabêo igal da mamãe - Falou - Se cóita não fica igal.

-Hmmm… - Ten ficou pensativo  - Acha o cabelo da mamãe bonito? Por que é comprido?

-Uhum. 

-Você quer ser igual ela?

-O cabêo - Ele passou a mão nos próprios fios -Gandi.

-Ok - Ele sorriu carinhosamente para o menino, ainda refletindo - Não vamos cortar o cabelo, então. Você quer dar comida para os cachorros? - Ten perguntou e Samir fez que sim com a cabeça - Ok, vamos lá.

Os dois desceram as escadas e foram para o gramado. O dia estava quente. Era fim de tarde e o Sol já estava se pondo. Logo, Samir começou a correr com os cachorros pela grama, vez ou outra parando para ter certeza que nenhum deles ia mordê-lo. Já tinha se acostumdo com os bichinhos e não tinha medo deles.

-Ué, desistiu da tesoura? - S/n parou ao lado dele, perto da piscina. Sua mãe tinha ligdo para ela, para falar sobre o casamento, e combinaram de se ver no dia seguinte.

-Não vamos cortar o cabelo dele - Chittaphon respondeu encarando o menino correndo.

-Por que não? 

-Amor - Ten se virou para ela e a encarou seriamente - Já parou para pensar que nosso filho pode ser uma menina trans? - Ten perguntou.

S/n ficou paralisada. Estaria mentindo se dissesse que nunca tinha percebido que ele gosta de coisas ‘’de menina’’, mas nunca tinha parado para pensar que ele, de fato, pudesse ser uma menina. 

-Ele disse que não quer cortar o cabelo porque quer ter o cabelo igual o seu - Ten completou - Aí eu perguntei se ele queria ser igual a você, ele disse que só o cabelo. Pelo menos foi o que eu entendi.

-Meu deus… Estou confusa.

-É - Ten suspirou - Eu também. Mas eu estou achando que o nosso filho é ‘’filha’’.

-Ok, calma - S/n piscou algumas vezes, tentando organizar seus pensamentos - Ele gosta de brincar de boneca, de casinha e de chá. Ele usa saia. Gosta de presilhas e maquiagem…

-Pois é! - Ten concluiu, como se fosse óbvio.

-Mas não são coisas de menina, a sociedade que inventa isso. Ele também gosta dos bonecos da Marvel, de brincar de caminhão e dos carrinhos da Hotwheels. E ele usa saia por cima da calça. Às vezes ele se fantasia de Thor… Não sei, Tennie, não acho que seja o caso. É só uma criança… Sei lá, livre.

-Amor, eu sei disso. Mas você sabe que ele vai ser forçado a entrar numa caixinha. Uma hora, vão obrigá-lo a se classificar. E honestamente, eu não acho que ele vai se colocar na caixinha escrito ‘’menino’’, onde tem coisas só de menino. Não sei. É o que eu acho. 

-Podemos falar disso com a terapeuta… Apesar que ela não é especializada em identidade de gênero, só em crianças refugiadas - S/n respirou fundo, enquanto tentava pensar em algo - Podemos pedir uma indicação. E rápido. Se Samir não é um menino, é bom ele aprender a lidar com isso o mais rápido possível. As pessoas podem ser muito maldosas. Não quero nem pensar… - Ela massageou as têmporas. Se sentia tonta só de imaginar o quanto Samir poderia sofrer por ser estrangeiro e transgênero.

-Hey, calma, não fique preocupada com isso. Ele está indo bem. Vamos nos sentar - Ten pegou a mão dela e os dois se sentaram na espreguiçadeira. Não queria que ela ficasse nervosa e acabasse fazendo mal para os bebês - Vai dar tudo certo. E também ele é só uma criança inocente, é um bebê praticamente. Talvez não seja nada disso, é só uma possibilidade. 

-É…

-Samir, não puxe o rabo do Dango, ele vai te morder! - Ten gritou - Ai meu deus… - Se levantou e correu até o garoto.

-Daqui a pouco vão ser três crianças pra você correr atrás - S/n riu fraco. Adorava ver os dois juntos.

Porém, mesmo admirando a cena, não deixava de pensar em Samir. 

 

xxxXxxx

 

-Uau, a vista é maneira daqui - Jaemin olhava o Rio Han de cima do prédio do dormitório de Sungchan.

-É, bem bacana. Eu venho aqui às vezes. Sabe, para pensar, e tals.

-Hmmm… - Jaemin o olhou de soslaio - E no que você anda pensando ultimamente?

-Nada de mais - Sungchan deu de ombros - Bobagem. Tenho que focar nos meus treinos, mas às vezes é difícil. 

-Imagino. Não é uma coisa fácil, eu acho. Ser idol. Tem toda a pressão, você tem que ser perfeito… Tem que se dedicar muito.

-É. E você? Quer ser médico, não é?

-Sim - Jaemin sorriu - Pediatra. Já fiz meu teste de carreira e conversei com a orientadora.

-Hmmm. E o Jeno?

-Também.

-Não, tipo, o que ele quer fazer depois do colégio?

-Economia. Ele  vai para o Japão - Jaemin encarou as próprias mãos. Ficava triste só de lembrar disso.   

-Hmmm. - Sungchan percebeu que Jaemin desmanchou o sorriso. Não podia negar que estava sentindo algo diferente pelo Na, por mais que tentasse ao máximo reprimir isso. Sabia que ele tinha namorado e nem mesmo conseguia não gostar de Jeno. Sentia que estava fazendo algo totalmente ilegal saindo com Jaemin e fingindo que gostava dele apenas como amigo. Se sentia um criminoso por às vezes querer que Jaemin não namorasse Jeno, principalmente porque ele parecia ser muito feliz no relacionamento. Mas não conseguia evitar - Min, posso te perguntar uma coisa?

-Pode. 

-Por que você gosta do Jeno?

-Ah… - Jaemin pensou. Fazia tempo que não parava para pensar no porquê amava Lee Jeno. Sabia que era amor. Sentiu isso desde o começo, desde quando o conheceu, e  com o tempo descobriu qualidades que no início não estavam ali, e que fizeram ele se apaixonar ainda mais - Ele é legal. Nós dois gostamos das mesmas coisas. Ele é muito humilde e tem um coração imenso. É carinhoso, atencioso, é extremamente protetor. Me sinto seguro com ele. Às vezes ele é difícil, mas ele é tipo uma cebola, você precisa ir tirando as camadas. E eu gosto disso. Eu gosto do mistério dele - Jaemin sorriu com malícia - E ele é o cara mais gato que eu já vi. 

-É - Sungchan forçou um sorriso. Não tinha como competir com Lee Jeno, e nem queria. Não tinha intenção de separar os dois e de ver Jaemin sofrendo. Mas também não conseguia se afastar dele - Enfim, quer um café? Posso pegar lá dentro.

-Beleza. 

 

xxxXxxx

 

Jeno procurou mais uma vez a lista de exercícios de matemática dentro da sua mochila. Estava na cozinha, estudando, e precisava terminar a lista semanal. 

-Droga… - Revirou novamente os bolsos. Ele parou, pegou seu caderno e chacoalhou ele no ar, sem sucesso. Até que se lembrou que tinha misturado as folhas dele e de Jaemin no gramado, na hora do intervalo, e o Na colocou tudo na sua pasta - Aff, Na Jaemin.

Jeno pegou o celular e ligou para o namorado. Ele não atendeu, então ligou mais uma vez. Nada.

Jeno precisava da lista para entregar no dia seguinte. Sabia que Jaemin não estava em casa, nem seus pais, mas com sorte a empregada ainda estivesse por lá. Poderia passar na casa dele e pegar. Sabia que ele deixava a mochila pendurada na cadeira da escrivaninha.

Então ele ligou na casa de Jaemin. Depois de dois toques, alguém atendeu.

-Pronto?

Jeno estranhou. Era a mãe de Jaemin.

-Oi, Sra. Na. É o Jeno.

-Oi, querido! Está tudo bem?

-É... Sim - Ainda estava confuso. Pensou que Jaemin tivesse saído com os pais - O Jaemin está? Ele não atende o celular.

-Não, ele saiu faz um tempo, não disse onde ia. Achei que estivesse com você.

Jeno apertou os olhos e se esforçou para manter a calma.

-Não, não está. Eu precisava de uma coisa que está com ele, mas tudo bem, eu vejo amanhã na escola. Obrigado!

Jeno sentiu um nó na garganta assim que desligou o celular. Se sentia um completo idiota. Não sabia porque Jaemin tinha mentido. Mas se sentiu enganado. E sentiu que, se o namorado estava escondendo coisas dele , é porque não confiava nele o suficiente para contar seja lá o que fosse. Não queria pensar que ele pudesse estar fazendo algo de errado.

 

xxxXxxx

 

-Toma - Hyuck entregou a lista feita para Jeno assim que chegaram no colégio.

-Valeu - Seu irmão mais velho agradeceu - Fico te devendo essa.

-Nem precisa, eu só copiei os exercícios da minha. Já estava resolvido - Hyuck passou a mão em volta dos ombros de Jeno. Queria consolá-lo de alguma forma. Achava péssimo Jaemin ter mentido - E aí, descobriu onde ele foi?

-Não, e também não quero saber - Jeno puxou o ar, derrotado - Vou fingir que nada aconteceu. Não quero brigar com ele, Hyuck.

-Se você quiser brigar, eu apoio. Você quase ficou sem fazer a tarefa de matemática por causa dele. Sem contar que ele mentiu, né? Sabe-se lá onde essa gay estava. Eu amo ele, mas poxa… Foi mancada. 

-Eu confio nele. Tá tudo bem - Jeno continuava triste. A última coisa que queria era brigar com Jaemin mais uma vez, principalmente por ciúmes e desconfiança. Morria de medo que o Na se cansasse dele - Provavelmente ele já não confia mais em mim pra contar a verdade…

-Ficou maluco?! Você não tem culpa!

-Ah, fala sério, Haechan! Eu tô sempre enchendo a cabeça dele de problemas, sempre tem alguma coisa acontecendo… Sei lá, às vezes ele não quer me preocupar com alguma coisa, vai saber. Sem contar que eu também escondi que ia para o Japão.

-Uma merda não justifica a outra. E se for alguma coisa grave a ponto de preocupar você, você deveria saber.

-Às vezes é uma bobagem, sei lá - Jeno tentava convencer a si mesmo. Tentava não pensar que ele poderia estar com Sungchan. Não queria desconfiar de seu namorado desse jeito. Mas os pensamentos simplesmente passavam pela sua cabeça e ele tentava bloquear. O medo de perder Jaemin era maior que qualquer coisa. - Vamos entrar. Deixa isso pra lá.  

-Ok.

Os dois foram para a sala. Jeno foi direto para o seu lugar, ainda cabisbaixo e cansado. Tinha passado a noite chorando e uma tarefa não feita se tornou o menor dos seus problemas.

Não demorou muito e Jaemin apareceu na aula. Foi direto falar com Jeno. Estava tão afobado que nem percebeu a tristeza do Lee.

-Nono, oi! - Jaemin chamou, ofegante.

-Ah, oi... - Jeno não conseguiu encarar ele. 

-Eu vi sua mensagem só hoje de manhã, fiquei sem bateria ontem. Eu fiz sua tarefa correndo hoje. Desculpa, não sabia que a folha tinha ficado comigo...

-Tudo bem, o Hyuck fez para mim - Respondeu sem vontade, pegando o pote em sua mochila - Toma. Eu trouxe bolo para você.

-Ah... - Jemin hesitou e pegou o pote azul. Se sentiu um péssimo namorado naquele momento - Obrigado. Está bravo comigo?

-Não - Jeno balançou a cabeça, ainda sem olhar Jaemin nos olhos. Estava muito magoado, mas iria lidar sozinho com isso.