Nenhuma orquestra jamais pudera em sinfonia expor os meus gritos. Jamais pôde.
Tínhamos tudo, o tudo, nada nos serviu. Quisera eu, te escrever o que perfurar a areia grossa com os pés significa para nós.
Quisera eu.
A vizinha dona Ana, sempre fora doce com as suas palavras. Bem, até que ela tenha a chance reclamar pelas costas.
Mas digo algo do qual ela adora: os barquinhos de papel, acompanhados com um bombom sem açúcares.
Dona Ana é diabética e a conheço desde que eu era apenas um sonho ambulante.
Ela fora a única a me presentear com a ternura de seu tempo ao me ensinar a fazer barquinhos de papel. Me ensinara também que a correnteza exerce a sua natureza uma vez na qual você anda sobre ela.
Desde então, todas as quartas eu tenho o prazer de relembrar o quão importante aqueles barcos se tornaram. Elas os mantinham.
A dona Ana é a grande culpada por tanta intensidade. Ela têm o jeito de ganhar sua alma com a ternura em suas palavras. Ela é família.
Quisera eu, a morte não temer.
Ela me conhecia e se quisesse, poderia me desmontar e remontar. Ela acertaria cada peça em seu lugar.
Hoje, 05 de Setembro, dona Ana faleceu. E de tudo o que ela me ensinou, faltou aprender a não quebrar. Só ela tinha como me colocar no lugar.
Quisera eu, a morte, matar.
Ao arrumar as coisas no antigo apartamento de dona Ana, acabei por achar suas palavras.
Quisera eu, escutá-las.
É uma carta... Muitas vezes eu vim neste papel e tive a certeza de que você merece saber por outra visão, o seu passado.
Se eu tive que falecer para que você tomasse posse disto, desculpe. Desculpe por te deixar.
Hoje, numa quarta-feira ensolarada e calma, te ouvi acordar. Um sorriso se apoderou de mim ao me lembrar que hoje, seria o dia em que você me traria o seu amor e seu barquinho de papel.
Fiz café e subi as escadas para te cuidar. Sua mãe, ausente por culpa do trabalho, me implorava para te olhar, mas ela mesma devia ver o quão doce você se tornara mesmo sendo tão jovem. Acordava sozinho às 6h, se arrumava para ir para a escola. O que ela poderia querer mais?
Servi o teu café, e você sempre olhando torto e dizendo que não era necessário que eu subisse as escadas, tudo para que eu não ficasse exausta.
Costumo pensar que em minha diabetes, você é a única coisa doce da qual nunca me faria mal.
Sempre tiveste paciência comigo, até mesmo com as coisas das quais provocara seus gritos. Era um jovem ansiado por sonhos e por querer descobrir a bondade nas pessoas. Você sempre fora assim.
Agora você está na escola e mesmo com esta diferença de passado e futuro, eu te amo. Te amo por tudo.
Nenhuma linha temporal poderá nos afastar.
De sua diabética e
melancólica: Ana.
Isto retira a pressão sobre o meu peito, a agonia em forma de furacão.
1 ano após a morte de dona Ana.
Cemitério.
Hoje completa um ano de verão e a senhora sempre soube como eu odeio o verão. Tudo se encontra assim desde que você se foi. Me encontro sozinho e vagando. Claro! Estou fazendo terapia para evitar a minha autodestruição.
Mas o que fazer se o sol aparece até de madrugada?
2 anos após a morte de ana
Encontrei a mulher dos meus sonhos... ela é incrível. Preciso te contar sobre tudo o que me aconteceu neste último ano.
Tudo teve início quando sai deste cemitério e a encontrei no túmulo de sua mãe, já falecida há 10 anos. Ela estava chorando sobre a lápide. Decidi me aproximar para tentar consolá-la.
- Sinto muito pela sua perda.
Foi quando ela levantou a cabeça e olhou em meus olhos. Aconteceu. Os seus olhos estavam tão enchidos de dor que transbordavam o tempo todo.
- Desculpe por isto... este dia completa 10 anos desde que a perdir.
Não existia, jamais existirá nenhuma palavra que console esta dor. Escolhi a abraçar e o nosso primeiro abraço durou o que pareceu 1 hora, onde ela desabou em meus braços e expôs a dor que tanto guardava em seu peito.
Não me contive, chorei. Ela interrompe o abraço, os nossos rostos colados começaram a se afastar até que pudéssemos encostarmos os nossos olhos e por fim, a nossa boca.
Foi ali que soube, foi ali.
- Você perdeu alguém?
Ela me pergunta.
- Sim, há 2 anos.
- Sinto muito.
E ela me abraçou e ficamos o dia inteiro juntos, encostados na árvore rica em sombra do cemitério.
Não sabíamos o que estávamos fazendo, mas estávamos.
- Qual o seu nome?
Num tom calmo ela me perguntou.
- Ted, o seu?
- Robin.
Então sorrimos um para o outro como se já soubessemos um futuro para estes dois nomes. Um futuro juntos.
Ambos de nós estávamos sentados. Ela estava sentada em minha frente enquanto os meus braços estavam a abraçando por trás. Os carinhos vieram... os beijos na cabeça, na boca... mas a senhora não quer saber disto, quer?
A noite chegou e tínhamos que sair de lá. O pior, tínhamos que nos despedir.
- Você me dá um momento para que eu possa me despedir de minha mãe?
-Claro.
Não vou deixá-la sumir... irei chamá-la para ir ao santuário de borborletas para comemorarmos o nosso aniversário de 1 ano desde que nos conhecemos aqui. Pelo que parece, ela gosta de borboletas. Tirei esta conclusão devido ao fato dela ter usado um brinco, colar e sapatilha com algumas borboletas desenhadas no dia em que a conheci.
Sempre irei te amar.
- Sabe aquele prédio incrível no qual te falei?
- Eu adoraria ir.
O sorriso da Robin fez com que aquela quarta-feira recuperasse o sentido de todas as outras desde a morte de Ana.
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