Narrado por Lucinda Charmin
Acordo completamente assustada. Arregalo os olhos, tentando me acostumar com a luz local. É tão clara.
Pisco algumas vezes, sentindo um cheiro diferente, e vozes familiares:
-Querida? – é a voz de minha mãe.
-Mãe? – sinto um gosto horrível na boca, como se eu não tivesse comido nada por décadas. Minha voz sai rouca.
-Oh Lucinda – ela me abraça desengonçadamente, já que estou deitada e ela de pé – Você nos deu um susto!
Então me lembro do que aconteceu. A árvore atravessando o teto de vidro. Eu discutindo com o Matthew.
-Onde estamos? – pergunto, olhando para seus olhos contornados de preto.
-Na enfermaria da Academia – ela explica – Assim que o seu amigo te trouxe, o diretor me ligou quando a tempestade passou. Vim o mais rápido possível.
-Ah sim – penso um pouco – Meu amigo, é claro.
-Ele está lá fora, sentando no banco de madeira com alguns meninos e duas meninas.
-Diga a eles que estou bem – tento sorrir, sem sucesso.
-Sei que está – ela acaricia minha mão.
-O papai também veio? – pergunto. Ela torce o lábio.
-Ele está em Austin, em uma reunião – ela sorri de lado – Mas ele já sabe do que aconteceu, e mandou lembranças.
-Ah sim – respondo, olhando para o teto.
-Violet e Lucinda Charmin? – uma mulher com terninho e saltos altos se aproxima de nós fazendo barulho com seus sapatos.
-Sim? – minha mãe responde. Então ela é a mãe de Matthew.
-Sou Sarah Espinosa, a coordenadora e psicóloga da Academia – ela estende a mão para minha mãe, que a aperta – Sinto muito pelo ocorrido, Lucinda.
-Ah, não sinta – sento me na maca – Já estou bem.
-Queria agradecer o seu filho por ter tirado Lucinda da sala do teto de vidro – minha mãe diz meio confusa. Seguro-me não para impedir que ela agradeça Matthew por fazer qualquer coisa.
-Disponha – ela sorri simpática.
-Estou dispensada? – pergunto esperançosa.
-Antes – Sarah abre um armário e revira algumas coisas – Leve isto, e passe nos cortes. Duas vezes ao dia. Cicatrizará rapidinho – ela estende uma embalagem de papelão, onde há uma pomada dentro.
-Cortes? – pergunto assustada. Levanto rapidamente da maca, e procuro um espelho. Acho um no banheiro da enfermaria.
Alivio-me ao ver que são cortes pequenos. Acredito que Mahogany conseguirá disfarçá-los com maquiagem.
-Está tudo bem? – Sarah aparece, com a pomada na mão. Rio pelo nariz.
-Só assustei. Pensei que fossem grandes – sorrio sem mostrar os dentes.
-Daqui alguns dias eles sairão – ela estende a pomada, e eu pego.
-Obrigada – digo, e ela assente com a cabeça.
~*~
-Você me assustou – Lox comenta, enquanto veste seu pijama. Já estamos no nosso quarto.
-Desculpe, não era a intenção – digo, me deitando na cama – Foi um dia bem doido.
-Opa se foi – ela sorri.
-Você consegue cobrir esses cortes com maquiagem? – pergunto, enquanto ela puxa as cobertas de sua cama.
-Claro – ela dá de ombros – Amanhã eu te mostro.
-Ai que bom – respondo animada.
-Eu gostei da sua mãe – ela comenta, enquanto apaga a luz do abajur, deixando o quarto completamente escuro.
-Sério?
-Sim – ela responde – Ela é uma estilista muito bem renomada, e gentil ainda.
-É – concordo.
No dia seguinte, acordo pensando em Matthew. Como se lesse meus pensamentos, Mahogany pergunta:
-O que aconteceu ontem, com você e Matt? – Lox diz, enquanto me maquia.
-Discutimos feio – respondo – Eu disse para ele que sabia do que ele fez. Acredita que ele ainda disse que pensou que eu ficaria grata por ele ter me ajudado?
-É... – ela diz baixinho – Pois é.
-Fiquei muito brava – comento.
-Terminei – ela diz, enquanto guarda seus pincéis. Abro os olhos, e me olho no espelho. Os cortes só poderiam ser notados por alguém que me olhasse bem pertinho.
-Ficou ótimo – sorrio – Obrigada Lox.
-Imagina – ela diz.
Caminhamos pelo estacionamento até o meu carro, enquanto eu tipicamente tomo o meu suco de caixinha e como minha barra de cereal. Assim que entramos no carro, Mahogany decide se pronunciar:
-Sabe Luce – ela liga o rádio em um volume baixo – Você devia tentar ver as coisas pelo lado do Matt. Ele estava muito abalado ontem.
-Ele não teve culpa da árvore atravessar o teto da sala de música – dou de ombros – Não há motivo nenhum para ele ficar abalado.
-Talvez ele estava abalado por que ele se arrependeu do que fez – ela comenta sugestiva – Ele pediu aquilo pro pai dele porque queria te ajudar. Ele fez com boas intenções.
-Como se ele se importasse né Lox? – pergunto debochada.
-Aí que está – ela diz alto e empolgada – Eu tenho quase certeza que ele se importa.
~*~
Uma mulher morena, com taier e calçando scarpins Kate da Louboutin adentra nossa sala de aula. Os olhos de todos os alunos se direcionam para sua saia, justa em sua bunda, com o tecido que bate em seus joelhos.
-Bom dia gente – ela abre um sorriso – Meu nome é Alison Brookes, e eu me formei aqui, então sei exatamente como é estar sentado aí no lugar de vocês, portanto vamos deixar todas nossas aulas mais interessantes.
Todos se entreolham. Que tipo de professora é ela?
-Eu sou formada em Artes Cênicas. Estarei orientando vocês aqui, toda segunda, quarta e sexta para as apresentações semestrais. Acredito que estão muito ansiosos, não? – ela pergunta e os meninos respondem que sim. Apenas os meninos.
Ótimo. Agora misturaríamos teatro com música. Não é algo ruim, é que teatro me lembra o Matthew e... Bom, digamos que eu não consigo parar de pensar no que Mahogany disse. Suas palavras rodeiam minha mente, e eu me sinto meio desnorteada.
-Com licença? – Sarah põe a cabeça para dentro da sala de aula, com a porta entreaberta – Será que eu poderia dar um recado?
A senhorita Brookes assente com cabeça sorrindo, enquanto caminha até sua mesa, e se senta na cadeira almofadada.
-Bom dia – a coordenadora diz. Poucos alunos retribuem.
Ela limpa a garganta, e deixa os braços caírem ao lado do corpo:
-Vim aqui hoje avisá-los de uma medida que a Academia tomou – ela suspira – Como muitos sabem, a nossa sala de música foi completamente destruída pela tempestade. O piano, todos os instrumentos estragaram com a água e estão quebrados. Portanto, teremos que reconstruir tudo.
Todos voltam seu olhar para mim. Olha, que ótimo.
-O problema é que uma sala de música como aquela, não é nada barata. Portanto, é com muita angústia que digo isso, mas teremos que cortar alguns gastos para que a Academia possa reconstruir a sala de música. Iremos fazer um racionamento de água para cada dormitório de cada instituto. Os funcionários da Academia estão pregando cartazes com o horário do fornecimento de água para cada dormitório.
Dito isso, a coordenadora agradece a professora e deixa a sala.
Nossa professora, que trabalharia com o Webster, explica um pouco sobre nossa aparição no palco e a reação do público, e mais umas coisas que não presto muita atenção.
~*~
“Fornecimento de Água:
Instituto de Dança:
Feminino: 17:00 – 18:00
Masculino: 18:00 – 19:00
Instituto de Música:
Feminino: 19:00 – 20:00
Masculino:: 20:00 – 21:00
Instituto de Artes Cênicas:
Feminino: 21:00 – 22:00
Masculino: 22:00 – 23:00”
-Porra mano, o nosso ficou muito tarde – Aaron reclama.
-Nossa, dez horas, uau Aaron muito tarde – Taylor, com uma bandana nova na cabeça, ironiza.
-Acho que o nosso ficou em um horário bom, não acha Luce? – Lox me cutuca.
-Que? – pergunto alienada. Estou me sentindo desconfortável com a presença de Matthew aqui.
-O nosso horário – ela arregala os olhos – O que acha?
-Acho que está ótimo – respondo sem prestar muita atenção.
~*~
-Charmin? – sua voz grossa me pega de surpresa no corredor, quando saio do banheiro.
-Senhor Webster – digo surpresa – Oi.
-Olá – ele responde em jeito – Nossa, nem parece que você sofreu um acidente com um teto de vidro há vinte e quatro horas atrás.
-A Mahogany me ajudou a cobrir tudo com maquiagem – explico, mas ele parece não lembrar quem é Mahogany – A minha companheira de quarto.
-Ah sim – ele sorri. É a segunda vez que o vejo sorrir, e dessa vez é um sorriso mais largo do que o outro – Ela fez um bom trabalho.
-Sim – concordo. Então um aluno passa por ali.
-Bom, eu tenho que ir Lucinda – ele diz com um tom sério. Ele estava tão legal até uns minutos atrás – Sinto muito pelo acidente.
Sorrio e assinto com a cabeça, estranhando seu comportamento bipolar.
Já que não tenho mais um refúgio, decido ir para meu quarto. Mahogany tinha saído para almoçar com Jacob e eu estou sem um pingo de fome.
Enquanto dirijo, me lembro que o meu estoque de suco de caixinha acabou. Desvio o caminho para a loja de conveniência do campus.
Estaciono o carro ali perto, e adentro a loja refrigerada. Enquanto ponho algumas guloseimas no cesto, ouço passos:
-Vai ficar gordinha assim – sua voz, que era tão estranhamente aconchegante e ao mesmo tempo familiar invade meus ouvidos. Viro-me impaciente.
-O que você quer? – travo o maxilar, enquanto ele mantém um sorriso sem vida.
-Continuar o que não terminamos na sala de música – ele profere com calma – Precisamos conversar, Lucinda.
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