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História Lost Girls - Capítulo Único


Escrita por: LivLawless

Notas do Autor


Espero que apreciem.
Beijo.

Capítulo 1 - Capítulo Único


Eu ainda a amava.

Me lembrava dela com todos os detalhes, minha felina de olhos castanhos.

Nos conhecemos em um hospital psiquiátrico, ambas éramos pacientes, ambas fomos abandonadas por nossas famílias, largadas naquele lugar, ambas havíamos tentado o suicídio.

Matilda era seu nome.

Matilda tinha TPB, uma abreviação bonita, para o terrível Transtorno de Personalidade Borderline. Como o próprio nome do transtorno já faz referência, a pessoa que o possui costuma viver no limite, nas bordas do sentimento, da razão, da realidade.

No dia em que ela chegou ao Santa Maria, eu a encontrei tarde da noite, parada em meio ao corredor. Matilda alisava constantemente os cabelos negros, alegava estar sendo perseguida e antes que eu precisasse fazer qualquer pergunta, virou-se para mim e iniciou um relato detalhado de sua vida até ali.

Não posso deixar de frisar que a vida de Matilda era repleta de traumas e perdas, a mãe morreu quando tinha cinco anos e pouco tempo depois, o pai se casou com uma megera que a maltratava. Durante anos a mulher a fez de escrava, mal permitia que ela fosse a escola e talvez se não fosse por sua insistência sobre-humana, não teria aprendido a ler e escrever.

Chegou ao fundo do poço com a morte do pai e se obrigou a fugir de casa, viveu nas ruas, viveu em abrigos, viveu de favor e agora vivia no hospício, onde fora largada pela tia, que após tirá-la das ruas, deparou-se com a sobrinha cortando os pulsos no banheiro e soube que não daria conta de lidar com os problemas da moça.

E foi exatamente ali, naquele corredor sombriamente escuro, que eu me apaixonei pela voz que sussurrava em meio aos fantasmas da noite. Levei-a para meu quarto, não queria que acabassem a enviando para o quartinho do castigo. Costumávamos chama-lo assim, pois se tratava de um lugar com paredes acolchoadas, para onde levavam os pacientes que se estavam em meio a uma crise.

Tivemos sorte, Anna, a enfermeira do turno da noite, constantemente me levava para o jardim durante seu plantão, pois sabia que apesar de estar ali, eu não causava problemas e ela nunca se importava em dividir seus cigarros comigo. Pedi a ela que deixasse Matilda em meu quarto naquela noite e ela permitiu, poupando a si mesma o trabalho de acalmar a recém chegada.

Passamos a noite em claro.

Engolimos os comprimidos para dormir que Anna nos deu e logo após ela ter saído do quarto, enfiamos os dedos em nossas gargantas até vomitá-lo.

Matilda subitamente parecia-me diferente, sorria um pouco mais. Eu sabia que aquilo provavelmente era o TPB mostrando sua face, sua inconstância, mas ainda assim, naquele quarto escuro que cheirava a loucura, eu me apaixonei pelo seu sorriso.

Cada transtorno psicológico é marcado por sua própria singularidade. Muitos tem sintomas parecidos, alguns são quase iguais entre si, sendo diferenciados apenas por uma particularidade que é invisível aos olhos dos leigos.

Ela havia sido inicialmente diagnosticada com depressão, mas esse era na verdade o meu problema. Eu convivia com a doença desde os doze, foram incontáveis os dias nos quais eu me recusei a realizar as atividades mais básicas da vida de um ser humano, como levantar da cama ou tomar um banho diário.

Fiz vários tratamentos, tomava um coquetel de remédios durante alguns meses e logo a vida parecia ganhar cor novamente. Mas era apenas uma questão de tempo para que o monstro voltasse a sentar-se sobre meu peito e eu sabia disso. Em meus bons momentos, era impossível não me perguntar quando ele voltaria, em cada sorriso meu, havia uma interrogação que gritava, ansiando por saber qual seria o segundo necessário para que eu caísse de novo.

E eu sempre caia.

Uma manhã ensolarada perdia seu brilho, quando ao abrir os olhos, eu não enxergava um motivo para estar respirando. Logo eu estava de volta aos remédios e as consultas com o psicólogo, que anotava em seu caderno tudo o que eu lhe dizia e posteriormente mostrava aos meus pais, dando-lhes cada vez mais certeza de que não teriam outra saída que não fosse me jogar em um hospital psiquiátrico.

Mas foi eu mesma quem dei a última carta para que isso acontecesse. Em um domingo, durante o tradicional almoço de família, me tranquei em meu quarto e encarei a tinta rosa das paredes enquanto engolia todos os comprimidos que encontrei no armário de remédios da casa.

Um comprimido e um pouco de água. Incontáveis vezes até que as cartelas vazias fossem todas jogadas ao chão.

Recuperei a consciência alguns dias depois e as paredes rosadas haviam sido substituídas pela brancura do hospital. Foi quando recebi a notícia de que o Santa Maria seria minha casa durante algum tempo, ninguém sabia dizer quanto tempo.

“Depende de você”, eles diziam.

Imagino que essas palavras não deveriam ser ditas para uma pessoa que acabou de tentar se suicidar.

Meu próximo passo foi me adaptar a rotina de minha nova casa, chorava todas as noites até que os comprimidos fizessem efeito, eu nunca os dispensava por nada. Exceto por Matilda.

Nossa amizade se desenvolveu rapidamente, a morena era extremamente inconstante e não foram poucos os dias em que escapei por pouco de seus tapas. Lhe fiz tantas promessas, eu tentava de alguma forma suprir o vazio constante que ela alegava sentir, tentava provar que seu medo de abandono era infundado quando se tratava de mim, mas era inútil.

Quando recebi alta, pensei que ela fosse realmente enlouquecer. Lhe dei a notícia em meu quarto e pensei que mesmo com os comprimidos, todos os pacientes fossem acordar com os gritos que lhe escapavam da garganta, agudos e doloridos. Acusava-me de deixa-la, de traí-la.

Calei-a com um beijo.

Sua fúria tornou-se selvageria e nos amamos ali mesmo, em meio aos arranhões, mordidas e gemidos abafados por beijos loucos.

Subitamente eu já não queria deixar o Santa Maria para trás. Por sorte, em pouco tempo eu havia me tornado o que chamavam de paciente de confiança e bastou uma conversa com o diretor do local para que eu permanecesse ali, com o cargo não remunerado de auxiliar.

A partir de então, era meu trabalho ajudar os recém chegados a se adaptarem. Não era fácil, mas quando a noite caia e eu me esgueirava para o quarto de Matilda, seu sorriso fazia valer a pena.

A dor parecia diminuir gradativamente e na mesma medida que o nosso amor parecia crescer.

O caso dela era um pouco mais delicado, levou mais tempo até que os médicos a considerassem apta para viver novamente em sociedade. Mas finalmente chegou o dia em que recebi de suas mãos tremulas os documentos que lhe davam liberdade.

Deixamos o Santa Maria de mãos dadas.

Já não me importava os recém chegados, não me importava que seríamos apenas nós duas tentando redescobrir nosso lugar no mundo. A única coisa que eu tinha em foco, era que a partir daquele momento, poderíamos estar lado a lado dia e noite sem precisar esconder isso de ninguém.

Fizemos loucuras na cidade, nos beijamos no meio da avenida, ao som das buzinas dos carros e iluminadas pelos faróis que passavam rapidamente. Subimos no parapeito da ponte e levantamos as camisetas, deixando que os motoristas nos vissem seminuas.

E então fomos morar juntas. Comíamos pizza no café da manhã e panquecas no almoço, nos domingos, amanhecíamos com uma garrafa vazia ao nosso lado e nas segundas nos despedíamos com um beijo longo antes que cada uma seguisse para seu respectivo emprego. Aqueles foram os dias mais lindos que eu já vivi.

Não sei se foi a vida, o destino ou apenas uma casualidade, mas nossos caminhos seguiram rumos diferentes.

Nos separamos ainda que o amor se mantivesse vivo em nossos corações e antes de selarmos nossa despedida com um beijo demorado, fizemos um juramento.

Não importava quanto tempo passasse ou o que a vida nos trouxesse, se algum dia uma de nós acabasse decidindo recorrer ao suicídio novamente, ligaria para a outra, para um último adeus.

Os anos arrastaram-se como uma cobra pela areia do deserto, sem nenhuma pressa e nós nunca mais nos vimos. Encontrei outro emprego, aluguei uma casa espaçosa e adotei um cachorro, o chamei de Bob. Segui uma vida normal, era como se em meu passado nunca houvesse existido um hospício. Mas nunca esqueci minha felina de olhos castanhos.

Sentia-me triste e ao mesmo tempo feliz por nunca ter recebido sua ligação.

Ansiava por ouvir sua voz outra vez, o tom rouco com o qual tantas vezes dissera me amar. Mas sabia que se isso acontece, seria apenas uma despedida e não conseguia imaginar um mundo onde Matilda não existisse.

Eu havia organizado tudo para o caso de essa ligação acontecer, Bob ficaria com Patrick, um bom amigo que eu cultivava já há algum tempo. Minhas coisas seriam doadas para a caridade e para cada membro de minha família, eu deixara escrita uma carta.

Naquela noite, o toque estridente do telefone me despertou de um sonho bom e mesmo antes de abrir os olhos, eu sabia do que se tratava.

_Matilda.... – Eu disse com lágrimas nos olhos, enquanto aproximava o telefone de meu rosto.

_Sophie? – Sua voz era de quem havia chorado – Eu liguei para me despedir.



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