“Caro Kashizaki Yuto. Aqui é aquele garoto que passa na mesma rua que você. Da última vez não consegui brigar com você, todo passional, então fiz esta carta para falar em coisas que estão me incomodando...”.
Acordo de manhã e nem reconheço o teto da casa. Ah, é a casa do meu inimigo. Olho em volta, nada de ver Kashizaki na cama.
- Será que estou atrasado? – levanto em um pulo, correndo para a cozinha onde os encontro reunidos na mesa tomando o café da manhã – Ah, bom dia família Kashizaki!
Dou um sorriso caloroso, me inclinando para frente. Eu odeio o filho deles, mas seus pais são tão legais e a mesa está recheada de coisas deliciosas... Só posso sorrir e agradecer por ter seguido aquele idiota ontem.
Fico parado em silêncio, esperando um convite para sentar. Ora, sou educado.
- O que está fazendo aí? Venha comer. Ou você come com os olhos? – diz meu colega quebrando o silêncio, sem olhar nos meus olhos.
É bom que não olhe... Eu acho.
Sento-me um pouco envergonhado e hesitante, porém a mãe do garoto é doce e gentil, começa a falar comigo enquanto saboreio a melhor comida que já comi. Melhor que a da titia! Kashizaki-kun, você vive no paraíso.
- Você e o Yuto estudam na mesma sala? – pergunta sua mãe.
Justo essa pergunta. Engulo o pedaço de pão com dificuldade, no entanto, não posso mentir.
- Não. Sou da turma D. Nos conhecemos de uma forma inesperada, ele passa na mesma rua que minha casa para pegar o trem – respondo, pensativo.
- Que legal, Yuu-chan, você está fazendo amigos.
- Eu já tenho amigos – fala ele, de forma fria.
- Ele tem um monte de amigos, tia. – me meto para contar mais – Nós não somos amigos.
- Verdade – Kashizaki continua sem me olhar, mexendo no celular que coloca como prioridade.
Por que ele é tão distante de todos? Isso é falta de educação.
- Sério? – a mãe parece um tanto surpresa – Estranho.
- O quê? – indago.
- É que Yuu-chan nunca trouxe ninguém para casa, nem um único amigo. Pensei que você fosse importante, você é o primeiro. – explica ela, deixando-me muito confuso.
- Pri-mei-ro?
- Sim. Eu já estava ficando preocupada – a mulher olha para o filho com uma expressão de afeição, segurando a cabeça com as mãos – De qualquer forma, seja amigo do Yuu-chan, você parece ser um ótimo garoto.
- Sério? – rio, orgulhoso e dengoso com o final da frase – Você é uma ótima mãe, Kashizaki-san.
O garoto no celular não responde nossa conversa, nem ergue a cabeça ou nos olha. Ainda assim, tenho a impressão de que está ouvindo tudo e guardando respostas para si. Olha, minha intuição é boa. Mas por que ele guardaria?
“Eu não aguento quando você me lança um olhar. Definitivamente, odeio. Tudo em mim parece derreter em um calor febril e parece que não consigo me mover, é como se a escola toda me olhasse e meu estômago se embrulha. Então pare de me olhar com esses olhos verdes e calmos, irritante”.
Pegamos o trem. Nem uma palavra, nem um olhar. Estou começando a me sentir mal com ele ao lado nesse mundo virtual dentro do celular.
“E com esses boatos... É por que eu não consigo ficar calmo sabendo que você está lá e meus olhos sempre vão na sua direção. É irritante, você está sempre lá me fazendo sentir mal. Como uma assombração, pare de estar em todo lugar que olho. Pare de estar nos meus sonhos e pensamentos o tempo todo.”
O caminho para a escola. Está tão desconfortável e silencioso.
- Oh! Esqueci de tomar banho ontem! – quebro o odiado silêncio com a revelação tosca.
Ele não responde. Qual é a dele? Eu deveria perguntar?
“Pare de falar comigo desse jeito extremamente calmo, isso é tão irritante. Você parece como... Neve. Eu nunca consigo prever o que vai dizer, nem o que pensa, o que me faz sentir pior ainda. Sua personalidade despreocupada me dá nos nervos.”
- Ei, você está muito estranho, droga – pronto, falei.
- Hm? – Kashizaki para de andar, sem se virar.
- Esquece. É... Decidi uma coisa, meu orgulho decidiu – começo, pensando em algo que já estava em minha mente há muito tempo – Você vai ser meu rival. Isso quer dizer que vou me esforçar para ser melhor que você em tudo! Tudo.
Não sei que expressão está fazendo, não sei o que vai responder. Eu nunca sei, estou nervoso. Quem sabe ele me ache ridículo, ou me odeie. Por que... Eu sinto meu coração até nas pontas dos dedos?
- O... – uma letra é pronunciada de seus lábios. Sinto que vou morrer – Okay.
Quando se vira, posso ver o sorriso estranho na face, os olhos calmos com uma expressão desconhecida para mim. O que quer dizer com “okay”? É muito vago.
Continua caminhando normalmente, em direção ao colégio Matsumoto.
Estou me sentindo muito doente.
“Por todos esses motivos, eu te odeio Kashizaki-kun. Te odeio para caramba. Sua presença me irrita, quando você falta aula me irrita porque fico curioso sobre os motivos.
Definitivamente odeio você e agora confesso.
Assinado: Shinoda Itsuki, turma D. Seu maior inimigo.”
~//~
- Era deboche – reflito durante a aula, sem prestar atenção nas lições. Nem consigo me concentrar, apesar de copiar as coisas sistematicamente – Mas não parecia deboche. Ele poderia estar feliz? Não, seria estranho. Essa deve ser uma dessas situações de “não parece, mas é”. Se duvida que eu consigo superá-lo, vou mostrar para esse idiota!
Coloco a cara nos livros, tentando estudar para alguma coisa. Temos provas na semana que vem, vou me colocar naquele quadro dos melhores alunos, ele vai ver!
- Itsuki! – o professor chama minha atenção de repente e até derrubo meu livro no chão, atrapalhado – Pare de resmungar sozinho. Traga seu trabalho de química aqui.
- Você fez o trabalho, Itsuki? – pergunta meu amigo com medo nos olhos, provavelmente não o fez de preguiça.
- É claro que eu fiz – respiro fundo, arrebitando o nariz com orgulho e indo até a mesa do professor – Adorei fazer esse trabalho, professor.
- É mesmo? Tem muitas coisas erradas. – começa a anotar algo no meu caderno de caneta vermelha.
Arregalo os olhos.
- O quê? Peguei tudo na internet, pesquisei direitinho. E são os elementos com nomes em homenagem a países para eu decorar fácil. Pode ver, o frâncio em contato com água a explode, é como os franceses que odeiam tomar banho – rio com minha própria piada. É mais fácil decorar assim.
- Itsuki você só pesquisou elementos inúteis que não caem na prova e ainda fez piadas com eles. – o professor nota, encarando-me com sua expressão de desaprovação.
Rio sem graça. Todos começam a rir também, deixando-me mais envergonhado. Não precisam rir também, fiquem quietinhos.
- É... Piadas educativas. – digo, tentando me livrar de uma nota ruim – Dá para aprender muito assim.
- Tá, tá. Vá se sentar.
A sala continua a rir da situação constrangedora. Porque eles adoram rir da desgraça alheia.
Eu é que sou uma piada.
Me atiro sobre a mesa, tristonho.
- Como vou tirar uma nota maior que a do Kashizaki-kun?
O sinal toca e todos vão para o pátio aproveitar o intervalo. No intervalo podemos comer, ter paz, ficar longe de preocupações. Era para ser, certo? Não para mim, porque este ano minha sorte está tão ruim que estou com medo até de abrir a boca e engolir uma mosca.
Uma garota com um chapéu esquisito, uma câmera no pescoço e óculos enormes fundo de garrafa sorri radiante, distribuindo seu jornal de fofocas do colégio. As pessoas leem e veem aquelas imagens, olham para mim, cochicham, me fazem querer me esconder no fundo da terra.
- O que está havendo?
- Manchete especial da semana! Shinoda Itsuki confessa seu amor por Kashizaki Yuto e eles se encontram depois da aula! Seriam um casal homo? Vocês torcem por eles?! – grita a garota maluca para atrair a atenção e distribuir mais jornais.
- Aw, que fofos. Kashizaki-kun deu a ele uma flor nesta foto? – comentam meninas passando por mim.
- Flor? – pego o jornal das mãos delas sem pedir permissão. Já estou encrencado mesmo – Eh?! Aquele dia que fui xingá-lo, estava com uma flor. Isso é um mal entendido! Ah... Por... Quê?!
- Será que Kashizaki não se interessa mesmo por garotas?
- Shinoda-kun é mesmo muito fofo. Ele é homo?
- Nenhum dos dois nunca tiveram namoradas, faz sentido.
- Eles ficavam se olhando de longe, que inveja.
Dou um passo para trás, cuidando para não cair no chão com o desequilíbrio e a vertigem que sinto.
- Kashizaki, seu estúpido. Eu só me meto em problemas por sua causa – caminho sem rumo tropeçando, murmurando coisas para mim mesmo.
Ando com as mãos nos ouvidos para evitar ouvir essa confusão. Como acabou nisso? Isso é horrível.
Preciso fazer alguma coisa, preciso acabar com esses boatos ou vou enlouquecer.
- Kashizaki! – berro como um bicho raivoso quando o encontro atrás da escola com os amigos lendo o tão falado jornal.
Quando me avista, pega o pedaço de mentira e coloca no lixo, amassando tudo como se fosse para esconder o conteúdo de mim.
- Vai lá com seu namorado. – os garotos populares riem com desdém, empurrando-o para perto de mim.
Perco todas as forças que tinha para brigar. Que vergonha... Eu sou ridículo.
Kashizaki ri, não com desdém, pelo menos, não parece. É mais como nervosismo e vergonha.
- Não pensei que os boatos chegariam à isso – fala baixo, um pouco longe de minha silhueta paralisada pela insegurança – Você não deveria me procurar se se sente tão mal, eles falam muita porcaria. Se você me odeia, pare de me procurar, ou me olhar, ou falar em mim. Os boatos acabam.
Engulo em seco. Mesmo que eu o odeie; não quero fazer isso. Por que será? Seria mais fácil ignorá-lo e seguir meu ensino médio como um garoto normal. É feio fazer o que é fácil.
- Eu ainda quero superar você – baixo os olhos, tentando me concentrar em não gaguejar – Não consigo ignorar essa vontade, você é meu inimigo. Eu só vou esquecê-lo quando tiver vencido você e... e ehn, quando parar de gaguejar quando olho para você. É m-minha meta!
Ergo os olhos, imaginando o sorriso debochado ou a expressão de desprezo que pode estar no rosto dele. Qualquer coisa que me faça sentir humilhado assim como todos fazem. Ele não está sorrindo, nem fazendo expressão alguma de desprezo. Está tranquilo, com a cabeça um pouco deitada para o lado, mordendo o lábio inferior. O que é isso?
- O quê? – questiono então.
- Só estou pensando se esses boatos não vão parar nos ouvidos da minha mãe. Eu gosto de garotas. – responde com um semblante estranho. Frieza, acho – Mesmo que eu gostasse de garotos, você é muito barulhento e não tira boas notas.
Meu inimigo se vira, voltando a falar com aqueles amiguinhos que o parabenizam pela sinceridade. Ele sorri tanto com eles, tão egocêntrico e arrogante. Cerro os dentes e me retiro numa corrida rápida até algum lugar que fique sozinho para pensar em tudo que me aconteceu. Como ousa me chamar de barulhento e burro daquela forma e depois ficar rindo? Nunca imaginei que fosse tão babaca. Se é assim...
- Eu decidi – fecho os olhos, controlando-me para não chutar nada e ficar mancando de novo – Vou me matar de estudar. Kashizaki Yuto, me aguarde!
/////
Se Itsuki tivesse uma visão de raio X ou algo assim, poderia ter visto o sorriso animado de Yuto quando se virou. Se bem que não saberia ler as emoções.
De qualquer forma, Kashizaki não estava debochando ou diminuindo Itsuki só para rir da desgraça alheia. Não mesmo. É feio fazer o que é fácil.
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