Capítulo Vinte e Cinco: The Blower’s Daughter
“E então é isso
Assim como você disse que seria
A vida vai fácil para mim
Na maioria das vezes
E então é isso
A história mais curta
Sem amor, sem glória
Sem herói no céu dela
E então é isso
Assim como você disse que deveria ser
Nós dois esqueceremos a brisa
Na maioria das vezes
E então é isso
A água mais fria
A filha do vento
A aluna rejeitada
Não consigo tirar meus olhos de você
Não consigo tirar meus olhos de você
Não consigo tirar meus olhos de você
Não consigo tirar meus olhos...
Eu disse que eu detesto você?
Eu disse que eu quero
Deixar tudo para trás?”
- The Blower’s Daughter, Damien Rice
Damon Salvatore POV
Perúgia, Úmbria – Itália.
Meus olhos estão focados no livro a minha frente.
Enquanto, estou acomodado no sofá, Oscar está aninhando em meu colo. De soslaio posso ver minha mãe lendo seu livro na poltrona. Dou um trago no cigarro, mas volto minha atenção ao meu livro de terror com uma leve pitada de romance erótico. O calor em Perúgia está quase sufocante, e a sala de estar era o único lugar arejado da casa. Então, mesmo com a ajuda do ventilador de teto nos reuníamos ali pela tarde para ler, fumar e tomar vinho.
Eu havia aprendido a fumar na faculdade, mas parei quando consegui um emprego e me conscientizei que ou tinha dinheiro para ajudar nas despesas de casa ou para comprar maços de cigarro. Porém, após o nosso término Elena começou a fumar após o sexo e eu só me limitei a criticar o ato de acabar com seu pulmão, contudo agora estou aqui; do outro lado do Atlântico, sentido sua falta e deteriorando meu órgão.
Apago a bituca de cigarro num cinzeiro ao meu lado e fecho o livro, pego a minha taça de vinho e a levo aos lábios. Havia se passado um mês desde que estou aqui, convivendo diariamente com a minha mãe e conhecendo um pouco mais da cidade que ela chama de lar. Vejo Oscar ronronando no meu colo e não resisto em fazer carinho do seu pelo preto sedoso; o bichano havia se acostumado com a casa e com Lily – de princípio minha mãe não se entusiasmou com a presença de um animal, mas em poucos dias Oscar conquistou tanto o coração dela, que ultimamente ele se acostumou a dormir em sua cama.
- Mãe... – a chamo.
Lily ergue seu olhar que antes estava escondido pelo livro, na mesinha ao seu lado também há um cinzeiro com um palito de cigarro descansando e uma taça vazia de vinho.
- Sim?
- Houve algum momento quando estava com Stefan em NYC em que ponderou a ideia de voltar para casa? – questiono curioso. Ontem na terapia com a Dra. Kushnick, ela acabou pontuando que eu quase nunca falava na minha reação ao perceber que minha mãe não retornaria para a Filadélfia com Stefan tão cedo.
Vejo Lily respirar fundo e deixar o livro de lado.
- Eu me sentia egoísta, - iniciou prudente – pois, a única coisa que me fazia lembrar da Filadélfia enquanto estava em NYC era você, Damon.
- Por que não me buscou? Eu queria viver com você e o Stefan. – murmuro indignado.
Percebo Lily se remexer na poltrona incomodada.
- E deixar o seu pai sozinho?!
A olho ultrajado. Nos anos em que passei vivendo apenas com Giuseppe, meu pai não fora o exemplo de paternidade. Pois, estava sempre na oficina trabalhando ou no NJGrill; um bar onde costumava jantar, encher a cara, voltar para casa e desabar no sofá. Isso quando não ia diversas mulheres lhe fazer uma visita na nossa casa. Já eu preferia pegar o máximo de atividades extracurriculares na escola e ajudar na monitoria, ou quando meus amigos e eu passávamos a noite em uma lanchonete tomando cerveja e falando bobagens.
Foi com a ajuda das atividades extracurriculares que consegui uma bolsa na Columbia e pude finalmente me livrar de Giuseppe.
- O pai não precisava da minha companhia, afinal ele estava muito ocupado entre as pernas de diversas mulheres. – murmuro ácido.
Lily me observa com um olhar penoso. De repente, o clima de mãe e filho compartilhando uma garrafa de vinho em uma tarde de leitura havia se dissipado.
- Eu pensei que você não soubesse. – lamentou – Sinto muito pelo passado, Damon.
Torço o nariz pouco satisfeito.
- Essa é a parte ruim do passado, que não tem como consertar os erros. – dou de ombros.
- Do que você está fugindo, Damon? – ela questiona.
Respiro fundo e tiro Oscar do colo, ele resmunga em miados, mas se deitada na almofada ao meu lado. De repente estou sentindo calor e encurralado por sua pergunta. Passar trinta dias em Perúgia não estava em meus planos, mas foi o maior tempo que passei com minha mãe, então quis aproveitar. Porém, este sentimento mesclou com coisas que não posso enfrentar em NYC.
- Talvez da realidade. – murmuro – Dos erros, dos acertos, do amor, da solidão, do sentimento de perda... não sei do que fujo, mas sei que não adiantar eu correr muito, pois estes sentimentos sempre me alcançam.
Minha mãe me fita com entendimento.
- Já pensou se não está na hora de voltar para casa? – sugere. Essa ideia me aperta o estômago, pois sei o que me espera em NYC; mais recaídas. E apesar destes trinta dias estou relutante a perdoar Elena ou lhe procurar para pedir desculpas. É como se eu estivesse num limbo.
- Está me expulsando, Lily Salvatore? – questiono fazendo graça. Minha mãe solta um risinho, ergue seu corpo e se aconchega ao meu lado. Me chama para seus braços e sem relutância eu vou. Sinto seu aroma de canela e tomilho, de repente tenho a sensação de voltar a ser como um menino que foi deixado pela mãe. – Ah... desculpe-me por todos estes anos em que estive longe.
Minha mãe afaga meus cabelos e me dá um beijo estalado na bochecha.
- Eu sei que não fui a melhor mãe do mundo, Damon... priorizei a carreira do Stefan e me “esqueci” que também tinha que te dar atenção. Mas, eu passei a minha vida inteira na Filadélfia e sonhava com o momento em sair daquela maldita cidade; viver nos ares e outro tipo de vida, então quando seu irmão passou para o elenco da série, foi uma oportunidade para mim também. – murmurou – Sei que isso não justifica a atrocidade que fiz, porém é a verdade. Quando você se distanciou de mim, entendi que merecia o seu desprezo, mas saiba que em nenhum momento eu ignorei a sua vida e importância.
Lily ergue meu rosto e a olho nos olhos. O azul de suas írises tão iguais as minhas, noto as lágrimas e uma expressão arrependida.
- Você é meu filho amado, meu doce Damon... tão independente e criativo. – ela acaricia meu rosto e sorri – Stefan e você foram os melhores presentes que os deuses me deram. Seu irmão me contou sobre a vida conturbada que vive agora com Elena. Sei que parece difícil, mas as vezes o melhor que podemos fazer por uma pessoa é deixa-la ir, meu amor.
Suspiro desanimado.
- O amor não é abandonar, mãe. Sei que você fez isso por anos, mas eu prometi que quando chegasse a minha vez não me tornaria igual. – murmuro – Elena e eu não estamos no nosso melhor momento, mas houve dias em que o nosso sentimento era único, brilhante e quente. O que fazer com isso?
Lily desliza as pontas de seu dedo por minhas têmporas e percebo que há lágrimas finas ali.
- Sabe, arrancamos tanto de nós para curarmos mais depressa das coisas... que ficamos esgotados e temos menos a oferecer, toda vez que começamos algo com alguém novo. Deixe ir, Damon... se está te machucando é hora de colocar um ponto final. – profere.
- Nem sempre foi assim, mãe. Temos os nossos maus momentos, mas não são eles os principais. Elena e eu só precisamos de um tempo para consertar nossos corações. Éramos imaturos, cometemos erros e pecados. Mas, ainda podemos ser algo bom. – murmuro esperançoso.
Minha mãe me oferece um sorriso vago, se levanta e deixa a sala em silêncio. Ainda atônito por minhas palavras sinto o gosto do vinho azedar em meu paladar. Eu queria fugir de NYC, mas ao mesmo tempo estava definhando por dentro por não estar lá. Ouço os passos da minha mãe e a vejo voltar para o sofá, porém agora com um saquinho de veludo em mãos.
- Comprei isso na nossa viagem a Assis na semana passada. – ela me entrega, abro o saquinho e despejo o conteúdo em minha mão. Ali escorre uma pulseira com linhas trançadas em uma cor vermelha de várias tonalidades – Apesar do que a lenda fala, na vida real o fio vermelho pode se romper, e é isto que está a acontecer com o de vocês... então, se você a ama tanto quanto diz dê a ela essa pulseira e lhe ofereça o perdão.
Olho confuso para minha mãe, afinal eu não tinha falado nada sobre o incidente entre Elena e Ben Barnes.
- Stefan me informou sobre o motivo da sua vinda repentina a Perúgia. – murmurou – Além disso, eu sei reconhecer olhos rancorosos, Damon... Imagino que não é só por isso que precisa dar o perdão a Elena. Não precisa me contar, mas sinto que há coisas mais graves entre vocês dois.
Respiro fundo.
Eu não gostava de falar sobre isso. Na verdade, após o ocorrido guardei este segredo para mim na tentativa de esquece-lo no fundo da minha mente; coloquei este fardo sob meus ombros e tentei viver a minha vida com a triste lembrança fazendo sombra. Elena e eu não falávamos sobre isso, fora como se nunca tivesse acontecido. Mas, eu sabia que ela sofria, pois, conseguia ver em seus olhos.
- Obrigado pelo presente, mãe. – digo – Mas, acho que está faltando a outra pulseira.
Lily solta um risinho.
- Quando você se acertar verdadeiramente com Elena, te enviarei o seu outro fio vermelho. – justifica. Minha mãe respira fundo e maneia com a cabeça – Quando se trata de amar os Salvatore nunca conseguem ser econômicos.
- É um mal de família. – dou de ombros.
******
Olho a extensão do castelo admirado.
Eu dirigi por algumas horas ao lado de Lily até Gubbio, uma cidade vizinha, que minha mãe queria muito conhecer. Minha mãe se cansou do calor de Perúgia e decidiu de repente que queria visitar Gubbio. Eu não me importei, já que não aguentava mais aquele clima. Deixamos Oscar em segurança em casa e viemos. O clima está agradável e iniciamos nosso passeio comendo no La Contrada uma tábua de frios com vinho branco.
Após saímos de lá, caminhamos até o Palazzo dei Consoli onde ficamos um bom tempo explorando as galerias do palácio. Minha mãe observava tudo muito entusiasmada, aproveitei para tirar algumas fotos dela e pela primeira vez em anos senti felicidade genuína em estar ao seu lado. Por instantes, não houve culpa ou raiva por ela ter preferido Stefan e NYC. De início foi uma sensação estranha, mas que se transformou em algo relaxante. Ao ver suas fotos na tela da câmera caiu a ficha de que minha mãe está envelhecendo, suas linhas de expressão já mostram que ela não é a mesma de quinze anos atrás. Continuamos a explorar o castelo até chegar a uma exposição de um pintor italiano famoso: Dario Mecatti.
Minha mãe continuou a explorar, mas eu parei vidrado em um quadro específico; apesar de não entender nada de arte, pude sentir uma sensação estranha percorrer meu corpo ao olhar para aquela pintura. Ela possui um tom sóbrio, há uma mulher usando um vestido de mangas e babados vermelho-escarlate, enquanto dança com o seu parceiro. Seu pescoço está virado acima dos ombros e seu olhar mira no telespectador da pintura. Um calafrio percorrer meu corpo e minha mente devaneia.
**** Itália – 1930 ****
Sinto o calor do bar transpassar por meu corpo.
A noite fria me castigou durante o caminho para cá, mas quando ando pelo corredor que direcionava a área principal do estabelecimento fico contente pelo clima agradável. A casa está cheia, há militares, políticos, donos de estabelecimentos e pessoas com dinheiro. Eu não costumava frequentar lugares como estes, mas após fazer um bom trabalho na pintura de Vítor Emanuel consegui um convite para beber com a elite.
O que particularmente nunca me importei. Gostava mesmo era de passar de prostibulo em prostibulo, conhecendo homens e mulheres que pudessem me inspirar e as minhas telas. Eu não era um artista de sucesso, o valor que ganhava com meus quadros mal dava para comprar pão e vinho, mas se ponderar que o país ainda sofria os efeitos da grande depressão, ter a condição de comer já era um grande alívio.
A música está animada, enquanto todos tomam seus drinques nas suas mesas repleta de bons agrados. Caminho até Humberto e Cácio, os homens que me convidaram para uma bebida e um show de tango.
- Boa noite cavalheiros. – murmuro e me sento na cadeira vaga.
Um garçom traz a minha bebida e logo nos três iniciamos uma conversa animada. Porém, eu ainda estava incomodado. Me sentia um estranho ali, ouvindo sobre a vida de pessoas que dormem em camas com lençóis de linho, enquanto eu apenas me rendo a uma esteira de palha; eles reclamam de suas esposas, amantes e até casos para lá de extraconjugais. Falam de seus empregados, de como suas secretárias são bonitas e da burrice de seus filhos. Eu me limito a ouvir tudo com atenção, mas na verdade filtro o essencial; não possuía uma vida abundante, vivia viajando entre as cidades por trabalho, nas noites mais frias não havia ninguém para me esquentar e só a ideia de passar o meu gene miserável para outra pessoa me embrulha o estômago.
Fui entregue a um orfanato quando era ainda bebê, fiquei naquele lugar desprezível até os quatorze, quando consegui fugir e um padre me acolheu em sua casa. Me deu cama e comida, além de um emprego de auxiliar na missa diária. Quando completei dezoito anos fugi de sua casa e comecei a vagar entre as cidades, conheci um pintor e o auxiliei em seu atelier; ele me ensinou a pintar, a ver a vida em um ângulo diferente e o expressar nas telas.
Antoine era um solitário, não gostava de conviver com pessoas e sua predileção era pintar paisagens; quando ele morreu há dois anos, herdei seus materiais, arrumei minhas coisas e voltei a vagar pelas cidades. A procura de inspiração, em busca de amor.
A noite passou rapidamente e sem muitas emoções, exceto quando a luz do recinto diminuiu e uma nova melodia começou a tocar. Todos olharam entusiasmados para o centro do salão e eu segui a atenção. Minha mesa está bem próxima, então quando uma mulher surge dançando sou o primeiro a ver e fico hipnotizado.
Ela está usando um vestido de mangas num tom vermelho bem vivo, o cabelo está preso, mas os cachos caem em cascatas e o salto baixo compõe certamente a imagem do paraíso. Logo, um homem aparece e eles começam a bailar pelo salão. O tom da melodia é melancólico, como um pensamento triste que se pode dançar. A expressão da mulher é de desprezo e seriedade, como se fosse um favor a plateia que ela estivesse ali – tal como um presente.
Sinto meu corpo acender e meu coração se partir diante daquele espetáculo.
Os pés dos dois se tocam, ele segura em seus braços, e a desliza por seu corpo como uma boneca de pano que não pesa uma grama. Ela estica sua perna para o alto, desliza o pé no chão em um arco e eles rodopiam pelo centro.
Todos ali parecem fascinados e eu mal consigo piscar meus olhos, pois não quero perder nenhum instante.
Em um momento eles param próximos a minha mesa e é quando o nosso olhar se cruza. Posso decorar os detalhes do rosto daquela mulher, a mais bonita que já vi na vida. Sua pele acobreada, os olhos e cabelos castanhos e o lábio pintado de vermelho – uma luxuria que exalava de seu corpo. Sinto vontade de tocar cada parte.
Percebo que a música está no fim, quando ele a ergue ao fazer uma pirueta e logo a mulher para em pé, de costas para mim e um olhar acima do ombro. A luz se acende, e sentindo meu estômago se agitar feito louco, tenho o entendimento que não esqueceria aquela cena jamais.
Estava apaixonado por uma estranha.
A mulher mais bonita que já vi na vida.
******
Pisco diversas vezes e volto meu foco para o quadro em questão.
- Vamos Damon! Ainda temos que ir à capela. – minha mãe murmura ao meu lado, e só então percebo que já estava a algum tempo observando aquela pintura.
- Tudo bem. – murmuro a Lily, mas ainda consigo senti aquele frenesi estranho.
Tiro uma fotografia da pintura, e dou uma última olhada a ela. Sinto que ela vá me morder a qualquer momento, meneio com a cabeça na tentativa de afastar aquela sensação de mim. Porém, uma inquietude ainda persiste no fundo da minha mente como uma alerta. Eu sabia que deveria parar de olhar para as pessoas e imaginar como é suas vidas, mas o olhar daquela mulher passa um sentimento melancólico, incompleto – e extremamente íntimo.
Afasto-me um pouco do quadro, mas sua energia é chamativa. Maneio com a cabeça novamente e dou-lhe as costas. Ficar na Itália por tanto tempo já estava mexendo com a minha sanidade.
Eu deveria retornar para NYC.
Voltar para a Elena.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.