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História Lover - Dui


Escrita por: wumeirong

Notas do Autor


Aqui, com o timelapse de 3 anos, entramos em 1924 igual na série.
Espero que gostem!

Capítulo 2 - Dui


“You should think about the consequence
Of your magnetic field being a little too strong
[…]
You're so cool, it makes me hate you so much (I hate you so much)
Whisky on ice, Sunset and Vine
You've ruined my life, by not being mine”

Gorgeous, Taylor Swift

 

Londres, Inglaterra, 1924

 

A família Barbosa Veloso Alighieri de Resende desembarcou em Londres para o casamento de Tommy Shelby. Maria Clara estava satisfeita porque, depois de dois anos, poderia mostrar aos pais e aos irmãos que se tornou uma “mulher de negócios”... Claro, dentro das proporções daquela época. E, assim como Michael, Marie também era uma Blinder (algo que esconderia deles a qualquer custo). Ela não se aventurava em nenhum dos serviços da gangue, mas em qualquer lugar que fosse, todos sabiam que estava sob a proteção dos Shelby.

-Marie, eles podem ficar aqui ao invés do hotel. – Ada sugeriu pela quarta vez. – não será nenhum incômodo! A casa é gigante e só estamos Karl e eu.

-Não, não. – Maria Clara negou. – prefiro meus pais longe. Já basta o motivo pelo qual vieram! Quando mamãe colocar os olhos nos meninos, mudará de personalidade. – riu, mas estava preocupada. – homens solteiros e mães casamenteiras não podem cruzar caminhos, principalmente quando elas estão furiosas por você cancelar um noivado.

-Isso foi há dois anos!

-Ela não superou. – Marie riu. – e por Robert permanecer solteiro, isso a magoa ainda mais.

-E você? Já superou?

-Claro que sim. – assentiu, terminando o chá. – sou muito mais feliz em Birmingham do que seria aqui, com Robert. Só preciso que minha mãe entenda que não desisti de casar, é que não quero fazer isso agora. – Marie encarou a janela. – a Shelby Company precisa de mim desocupada.

-Bem, é verdade. – Ada concordou.

Antes que continuassem a conversa, a campainha da casa de Ada tocou. Maria Clara não sabia quem Ada estava esperando, porém tinha certa ideia. Tommy estava em Londres para se encontrar com Churchill, e depois se reuniria com outras pessoas para resolver questões que não competiam à Shelby Co. exclusivamente.

Acontece que a pessoa que chegou não era Tommy, e sim, Polly. A mulher havia acabado de sair da costureira, pois era sua última prova de vestido para o casamento... E junto à ela, vinha Michael. Ele entrou no cômodo como se fosse dono do ambiente e dirigiu um sorriso debochado para Maria Clara antes de acender um cigarro.

-Sério, Michael? – ela rolou os olhos.

A maioria das pessoas evitava fumar perto de Marie, mas Michael... O imbecil maravilhoso... Ele fazia questão de fumar perto dela.

De quase usá-la como cinzeiro.

-Michael, olhe os modos. – Polly chamou sua atenção. – olá, Marie. Ansiosa para rever os pais?

Estava claro que Polly parecia aflita. Desde que conhecera Marie, sentiu algo próximo à um carinho maternal, principalmente porque a dor de saber que Anna estava morta ainda era palpável. Como ela e Michael tinham a mesma idade, e Tommy os colocou no mesmo departamento fazendo diversas coisas juntos, Polly não conseguiu evitar imaginá-la como uma segunda filha. Não a substituta de Anna, mas uma nova garota para que tivesse outra chance de ser mãe, e então, fazer tudo o que não pôde fazer com Anna.

Marie gostava muito da senhora, até porque todos diziam que Polly não era amorosa facilmente, porém ganhara todo seu afeto em um piscar de olhos.

O difícil era conviver com Michael.

Ela não sabia o que se apossou dele, mas desde que Tommy começou a relacioná-la com a contabilidade e com reuniões de negócio, Michael se transformou. Ele ficou estúpido, arrogante e insuportavelmente controlador. Pareceria que sua maior vontade era destruir qualquer resquício de humor nela, fazê-la se sentir uma intrusa ou não merecedora da posição.

-Não muito, para ser sincera. – Maria Clara sorriu.

-Posso imaginar. – Polly assentiu.

-Ela está muito ocupada com a Shelby Company para sentir qualquer coisa. – a voz grave e rouca de Michael chamou sua atenção.

-Cada dia mais desagradável, Michael? – Marie se serviu de mais chá, piscando afetada.

-Não tanto quanto você, Lady Marie. – ele a imitou. – por que não deixa que eu, um reles mortal, a sirva? Gosta de açúcar? Leite morno? Quantos biscoitos amanteigados?

Polly soltou uma risadinha.

-Vocês brigam como irmãos. – ela se sentou ao lado de Marie. – e quando seus pais chegam?

-Esta noite. Nós temos um jantar com os Pearson, para o desespero de minha mãe.

-Não a culpe. Eu também demonstraria entusiasmo em ver Michael casado, porém quanto mais peço para que ele faça algo, mais empenhado em fazer o contrário ele fica.

Maria Clara manteve os olhos fixos em sua xícara.

Comentários como aqueles não deveriam fazer seu coração palpitar em puro pânico, mas faziam. Ela se perguntava como reagiria caso Michael aparecesse casado... Seria, com muitíssima propriedade, um dos piores dias de sua vida. Claro, não que vê-lo sempre com alguma garota por Birmingham fosse menos dolorido, principalmente a tal Charlotte.

Aliás, será que Tommy não iria chamar a atenção dele por desrespeitar o horário de trabalho? Por que Michael tinha que levá-la até lá?! Ele não tinha a porcaria de uma casa?!

Ada voltou com whisky e mais uma louça para o chá. Enquanto servia os novos visitantes, ela perguntou sobre o vestido de Polly e como estavam os preparativos para a festa.

 

A entrada da mansão dos Pearson permanecia a mesma. Maria Clara se sentiu mil vezes mais livre ao atravessar o arco do que havia se sentido quase três anos atrás. Escoltada pelo pai, que se derreteu de amores ao reencontrá-la, finalmente assimilou a mudança de vida.

Todo o ritual de recepção foi um pouco torturante. Sua mãe não parava de fazer comentários desconcertantes sobre o “lamentável fim do noivado”, nem sobre o quão elegante a casa era, e como parecia ter “a cara de Marie”.

Ah, as mães casamenteiras...

-Estou muito feliz que conseguiram chegar mais cedo para passarem um tempo em Londres. Mr. Shelby te autorizou a ficar, Marie? – Mrs. Pearson perguntou educada.

-Sim, ele parece estar um pouco mais maleável durante esses dias. – Marie assentiu, pegando uma taça de champanhe. – creio que o nervosismo ainda não o atingiu.

-Os homens tendem a sentir o momento diferente, mesmo. – sua mãe comentou. – seus irmãos demoraram para assimilar o que estava acontecendo. – riu, delicada.

-Quando me casei, percebi exatamente quando Simon notou o que havia feito. Foi no altar, antes de falar os votos. – a senhora encarou o marido, ao longe.

Maria Clara se arrependeu de ter iniciado o assunto, pois havia dado de bandeja uma oportunidade para a mãe infernizá-la sobre tudo. Com um interesse descomunal nas próprias unhas, ela fez o possível para aguentar aqueles minutos antes do jantar. Distraída, não percebeu o mordomo entrando acompanhado de mais dois convidados.

Robert, que estava conversando com seus ex-futuros cunhados, arregalou os olhos ao ver duas faces tão conhecidas. Ele ainda não sabia como se portar perto daqueles homens, que assistiram seus dias mais humilhantes de camarote. O pai, obviamente, não o considerava importante o suficiente para haver comentado que aumentara a recepção.

Mr. Pearson apresentou os dois para João Antônio e Pedro Henrique, visto que Sr. Barbosa já os conhecia. Robert se esforçou para parecer tranquilo, mas tinha certeza que sua leve gagueira e risadas nervosas o denunciaram. Até então, sua mãe não havia conhecido Tommy Shelby, porém os olhos azuis misteriosos fizeram um ótimo trabalho em enfeitiça-la... Mrs. Pearson agora sorria afetada e abanava o leque com exagero. Sra. Barbosa manteve a postura altiva até o segundo em que Tommy beijou sua mão, deixando-se amolecer um pouco.

Marie disfarçou bem a surpresa por vê-los, principalmente quando, numa tentativa de cumprimentar Michael como fazia com Tommy, foram para o mesmo rumo. Os rostos ficaram a centímetros de distância e ela pôde jurar que alguém na sala havia engasgado. Sem graça, estendeu a mão e ignorou o arrepio ao sentir o toque de Michael em um aperto forte.

-Por que não me avisou que vinha, Tommy?

-Porque eu não tinha certeza. – ele buscou um cigarro. – mas Mr. Pearson disse que gostaria de aproveitar a ocasião para expandirmos alguns contratos.

-Entendo. – ela assentiu. – espero que o encontro Churchill tenha sido promissor.

Se Maria Clara não estivesse acostumada com a postura séria e distante de Tommy, jamais teria percebido o leve sorriso que ele deu.

-Tenho uma tarefa para você e Michael, mas falaremos disso depois. – ele soltou a fumaça.

 

Foram oito pratos, no total. Ao final do sexto, Marie queria explodir de tão satisfeita que estava, mas continuou comendo e bebendo. Ela evitou olhar duas cadeiras após Robert, na diagonal. Sabia que Michael estava conversando com Pedro, e por mais que sua mãe e Mrs. Pearson falassem sem parar, ainda conseguia pegar parte da conversa dos dois: pomicultura (cultivo de árvores frutíferas, o famoso “pomar”). Bem, para um menino que viveu parte da vida em uma vila rural, ela imaginava que Michael realmente entendia do assunto. E Pedro, para a felicidade de seu pai, era extremamente interessado em agricultura.

-Tereza mandou uma carta. – João Antônio comentou, baixo. – ela e Eduarda escreveram, e colocaram algumas fotos. Espero que você consiga responder antes de voltarmos ao Brasil.

-Claro que vou! – Marie sorriu, animada. – é uma pena que não tenham vindo.

-Prometi que viremos aqui quando Eduarda tiver quinze anos.

-Falta muito! – ela fez uma careta. – gostaria de ver minha sobrinha antes de ficar coberta de rugas, sabe?! Como eram as fotos que colocaram?

-Não sei, não me deixaram ver. – João riu. – disseram que era uma surpresa e que eu não teria a sensibilidade necessária para me emocionar com o conteúdo.

-Meu Deus! – Marie queria rir, mas se segurou. A última coisa que precisava era atrair a atenção de sua mãe e lembrá-la de que seus irmãos já eram casados e ela ainda estava solteira.

-Só sei que há uma de Rui Patrício, especialmente para você.

Ela balançou a cabeça, incrédula e contente. Não conseguia imaginar o trabalho que tiveram para fazer o teimoso tucano permanecer quieto durante a sessão fotográfica.

Mr. Pearson se levantou, indicando que era o momento do brandy. Ou seja, de estômago cheio, os homens se retirariam para o escritório, fumariam qualquer coisa, se entupiriam de álcool e “discutiriam negócios”. Maria Clara deveria estar acostumada com aquilo, porém, após dois anos aprendendo e participando das questões da Shelby Co., ela gostaria que seu pai pudesse vê-la em ação... Mesmo que fosse em uma negociação informal.

Impotente, permaneceu em seu lugar.

±±±±±±

Esme desceu do carro por último, e Marie a ajudou com as crianças. John e Arthur estavam na porta da igreja, sorrindo e fazendo piadas não tão cristãs. Após acomodar todo mundo em um banco, Maria Clara voltou à entrada, agora para esperar a própria família.

Haviam passado uma ótima semana em Londres, e por mais que não pôde mostrar toda sua evolução como empresária, ela estava feliz. Seu pai a elogiara quando o ajudou com alguns documentos, e achou muito interessante seu palpite sobre a exportação de cachaça. Talvez, ao longo daquele ano, conseguisse realmente provar seu valor – tanto para o pai, quanto para Michael. E, por falar no demônio, logo ele se materializava.

Ridiculamente lindo em um terno azul-escuro.

Caramba, será que não havia um dia em que ele não fosse tão absurdamente maravilhoso?

-Se eu fosse você, não tentaria pegar o buquê. – Michael comentou, se aproximando dela.

-Está com medo da concorrência?

-Estou com medo pela sanidade do seu futuro marido, isso sim.

-Não precisa. Ele com certeza terá uma vida melhor do que sua futura esposa. – Marie ergueu o queixo, altiva. – isso é, se um dia você conseguir encontrar uma.

-Sobre o que estão discutindo? – Isaiah se enfiou entre eles.

-Michael tem medo de eu roubar o buquê dele. – ela sorriu maldosa.

-Tomara que roube. – Isaiah encarou o amigo rapidamente. – já tenho até um discurso preparado para te pedir em casamento. Meu pai vai celebrar de graça! – ele piscou, voltando a olhá-la. – então iremos ao Brasil, teremos nossos filhos em uma linda fazenda que foi presente de seus irmãos, e visitaremos a praia uma vez ao mês.

-Você tem tudo mais bem planejado do que Robert tinha. – Maria Clara não pôde evitar a risada. – prometo que vou me empenhar em pegar o buquê.

-Quanta idiotice! – Michael resmungou. – se a mãe dela escuta isso, não vai te deixar em paz.

-É, nisso ele tem razão. – ela encarou a estradinha de terra. – não me sentia uma solteirona, mas mamãe faz parecer como se eu estivesse sendo condenada à morte.

-Nessas horas eu amo ser homem. – Isaiah ajeitou o terno.

-Onde está sua flor? – Marie franziu o cenho. – você deveria estar usando a flor, Isaiah.

-Eu não sabia onde colocar, então deixei no bolso. – retirando a planta toda amassada, ele lhe entregou. – acho que não vai ficar legal colocá-la assim.

-Não se preocupe, sei como arrumar. – puxando algumas pétalas, ela fez a flor ficar mais apresentável... Meio “tímida” perto das outras, mas apresentável.

Michael rolou os olhos, tirando a sua e começando a despedaçá-la também. Ele não entendia como Maria Clara conseguia irritá-lo tanto a ponto de suas ações espelharem uma criança birrenta, como Karl ou Charles – mas, aqui estava ele, se segurando para não fazer comentários desagradáveis e atrapalhar todo o bom humor da brasileira.

-Qual é o seu problema? – Marie rugiu.

-Não queria que Isaiah se sentisse excluído com uma flor capenga. – ele ergueu uma sobrancelha, os globos verdes brilhando em desafio e deboche.

-Meu Deus, – Maria Clara soltou um suspiro cansado. – não tenho energia para lidar com você hoje. – se virou para Isaiah, alisando a gravata dele e sorrindo sem humor, depois entrou.

Michael conseguia sentir o olhar reprovador do amigo, mas permaneceu encarando a estrada.

-Você não precisava.

-Não começa, cara. – ele cruzou os braços.

 

A cerimônia foi muito bonita, mas a festa estava bem melhor. Maria Clara se reuniu com Ada e Polly, enquanto Grace recebia os cumprimentos dos outros convidados. Havia alguma coisa acontecendo entre os Blinders, porque a maioria se retirava discretamente, e, quando Tommy também se afastou, Marie soube que era algo sério.

Ela tentou não se preocupar. Os meninos, apesar de impulsivos, eram espertos e saberiam manter a situação controlada... Ao menos até a recepção acabar.

Charlotte estava em um canto com algumas amigas, todas dando risadinhas. O que será que Michael gosta nela?, Marie se perguntou. Seu pescoço era um pouco longo demais, os olhos não passavam segurança, o modo como ela sustentava a postura indicava alguém desleixado, e seu cabelo parecia não ser levado havia alguns dias.

-Você já conversou com ela? – a voz de Polly a assustou. Marie encarou a mulher, depois seguiu para onde ela olhava. Charlotte.

-Poucas vezes. – pigarreou. – geralmente aparece na empresa e pergunta se Michael está desocupado... E, às vezes, liga para deixar recado.

-Você não é a secretária dele! – Ada arregalou os olhos, indignada.

-Bem, acho que ela ainda não percebeu isso.

-Michael deveria tomar conta dos próprios problemas, Marie. – Ada insistiu.

-Sim, mas eu... – Marie parou. “Eu não me importo”. Que grande mentira! – eu uso isso a meu favor. Sempre sei quando ele está ocupado com ela, e posso chantageá-lo. Já perdi as contas de quantas vezes ameacei contar para Tommy sobre as aventuras durante o horário de trabalho.

-Quando for assim, me conte. – Polly segurou sua mão, decidida. – Michael não recebe um ótimo salário para ficar vadiando dentro do escritório!

-E-eu pensei em pedir transferência para Londres, mas Esme e John disseram que eu preciso ficar aqui. Lizzie também... Nós trabalhamos bem juntas. – forçou um sorriso.

-Ah, Marie. – Polly suspirou. – eu sei que Michael não é a melhor pessoa para se ter perto, só que devo concordar com Esme e Lizzie. Você tem que ficar em Birmingham! Em Londres estaria muito mais exposta ao perigo, e também não teria tanta liberdade, afinal, seu nome a levaria para a Ton. – ela encolheu os ombros. – e você me disse que não quer ficar presa a eles.

Maria Clara assentiu, um pouco chateada. Sempre que pensava no assunto, ficava mais confusa do que antes. Não era justo deixar que Michael atrapalhasse seu crescimento, porém não aguentava a dor no coração de vê-lo com alguma garota. Em Londres, ao menos não teria isso todo santo dia... Só que precisaria circular na alta sociedade, e aquilo também era deprimente. Os Pearson pediriam para que ela ficasse com eles, e então, tentariam reviver todo o noivado.

-Eu gosto muito daqui. – sorriu. – e gosto muito de vocês.

-Nós também gostamos muito de você! – Ada comemorou. – mas daqui? Não tenho certeza...

-Maninha, – Pedro se aproximou, oferecendo a mão. – quer dançar?

-Não muito, mas como vejo mamãe se levantando, vou aceitar.

Os quatro riram, e Marie fingiu não ver Michael voltando para o salão e chamando Charlotte. Ela iria aproveitar aquela noite com sua família e com a “outra” família que a acolheu.

 

“Sem cocaína”, era o que Tommy havia dito. Mas, Charlotte trouxera dinheiro e estava implorando por algumas gramas. Então, Michael estava contando as cédulas enquanto a menina cheirava uma carreira. Guardando o dinheiro, pegou um cigarro e o acendeu. Era razoavelmente satisfatório que Charlotte não pedisse para ele apagá-lo, mas Michael havia se acostumado com a implicância de Maria Clara. Podia escutá-la resmungando.

-Lizzie? – bem, a verdade é que a estava escutando mesmo. – Lizzie? – a porta da sala foi aberta e Marie colocou o rosto para dentro. – ah. Desculpe, não sabia que estava ocupada.

-Não tem problema. – Charlotte sorriu. – aceita? – indicou a mesa com a droga.

-Obrigada, não cheiro. – o rosto da brasileira estava sério. – vocês viram ou ouviram Lizzie?

-Não. – Michael respondeu. – por quê?

-Preciso dar um recado de Tommy. – Marie estava puxando a porta quando Michael a chamou. Ela enfiou o rosto para dentro novamente. – o que foi?

-O que você tem que dizer para ela? Se for relacionado aos negócios, eu...

-Não é da sua incumbência, Mr. Gray. – a porta quase bateu.

Michael nem pediu licença para Charlotte, ele se levantou com rapidez e saiu do cômodo, pronto para discutir com Maria Clara pela falta de educação.

-Eu disse que se fosse sobre a empresa eu deveria... – ele a segurou pelo braço.

-Não é. – Marie o cortou. – é um assunto pessoal.

-O que foi?

-Já disse que não é do seu interesse! Me solta, Michael. – se mexeu, irritada. – preciso encontrar Lizzie antes que Tommy sofra uma síncope!

-Que assunto pessoal é tão sério para Tommy ficar assim?

-É sobre o namorado dela; pelo amor de Deus, Michael! – Marie rosnou. – por que você não me deixa em paz e vai cuidar da sua namorada?

-Ela não é minha namorada! – retrucou sem hesitar.

-Isso não é problema meu, porra!

Ele arregalou os olhos, soltando-a no mesmo segundo. Podia contar nos dedos quantas vezes ouvira Maria Clara xingar, em todas ela estava em uma situação extrema. Mas, o que havia de extremo ali? O que tinha o namorado de Lizzie? Será que ela havia descoberto do restaurante?

-Se você me disser o que aconteceu, nós podemos nos dividir para procurá-la e quem a encontrar primeiro dá o recado. Bem mais efetivo, não? – Michael sugeriu, afável.

-Tommy não o quer aqui, mas acha que ele aparecerá de qualquer maneira. Lizzie precisa desmarcar, porque Mr. Changretta não conseguirá nem passar do portão de entrada.

-Entendo. – sua expressão ficou séria. – é melhor eu encontrá-la; e você pode voltar para a festa. Lizzie não deve gostar do que provavelmente já descobriu.

-Por quê? – Marie franziu o cenho. – o que... O que vocês fizeram, Michael?

-Não é da sua incumbência, milady.

-Michael! – ela insistiu. – o que fizeram?

-Changretta não é o homem ideal para Lizzie, nós só ajudamos o recado a chegar mais rápido. Pare de fazer escândalo ou alguém vai escutar!

-Vocês não tinham o direito de se intrometer na vida amorosa dela! Meu Deus, não é possível que se achem tão donos da verdade assim?!

-Se ela é uma Blinder, então nós temos sim. – por um momento, Marie achou que estava falando com Tommy. Michael ficava idêntico ao primo, às vezes!

-Isso não é justo! Nós nunca podemos falar das mulheres que vocês escolhem! – ela tinha certeza que estava vermelha de raiva, mas os Shelbys passaram do limite.

O canalha abriu um sorriso debochado.

-Ah, é? – cruzando os braços, ele a olhou como Tommy olhava Charles fazendo birra.

-Ora, seu... – respirou fundo, ponderando o que dizer. – mequetrefe! Paspalho! – soltou em português, dando-lhe as costas e pisando forte.

 

Para seu completo alívio, Maria Clara encontrou Lizzie perto dos telefones, mas o estrago fora feito. A mulher estava irritada e chateada com o real motivo da ausência de Angel Changretta, e Marie sentiu imensa compaixão. Por que deveria ver Tommy com a esposa enquanto ficava desamparada? A raiva pelo que Michael havia dito e pela injustiça aumentou.

-Eu preciso de uma bebida. – Lizzie anunciou enquanto rumavam o salão.

-Se quiser, podemos nos ausentar na biblioteca até que estejamos ébrias. – Marie sugeriu.

-Ah, Marie, seria um sonho. Você acha que sentirão nossa falta?

-Possivelmente não.

-Então, por favor, guie o caminho, milady. – Lizzie fez um floreio.

Maria Clara riu, balançando a cabeça. As duas entraram em um corredor paralelo, e logo na terceira porta à direita estava a biblioteca. Como havia visitado aquele lugar quase milhões de vezes, ela sabia onde estavam guardadas todas as bebidas – boas e ruins. Ah, hoje se divertiria com a cachaça que seu pai dera à Tommy.

-O que vai querer? – Marie indicou todas as garrafas.

-O que você vai tomar?

-Algumas doses de cachaça e depois conhaque.

-Cachaça?

-É... Seria o nosso rum. – piscou, sorrindo sapeca. – é uma delícia!

A primeira dose fez Lizzie apertar os olhos. Ela comentou que tinha uma ardência diferente de outros destilados, e Marie concluiu que havia acabado de viciá-la em pinga. Bem, mais uma para o clube. Enchendo outra dose, ergueu o copo para propor um brinde.

-Por todos os homens idiotas no mundo que não merecem o coração de uma mulher!

-Por todos os homens idiotas que nos fazem sentir especial e depois mudam completamente!

-Por todos os amores unilaterais que temos que aturar!

As duas brindaram e viraram as doses.

-Ei, Marie. – Lizzie a encarou enquanto se servia de conhaque. – é Michael, não é? – a brasileira arregalou os olhos por um segundo, depois recuperou a expressão despreocupada. – o homem idiota e o amor unilateral... É ele, não é?

-Gostaria que fosse qualquer outro. – Maria Clara suspirou, concordando.

-Sempre foi um palpite, mas quando disse pensar na transferência para Londres e ele começou a levar Charlotte para a empresa, tive certeza.

-É patético, eu sei. – ela virou outra dose de cachaça, fazendo uma careta depois. – desde que o vi pela primeira vez... Foi o fato dele se distinguir dos Blinders... Ou foram os olhos. – Marie encarou a janela, que dava para o campo verde vibrante. – achei que iria passar, mas só ficou mais forte.

-Não acho patético. É uma pena, só isso. – Lizzie deu de ombros. – se importa se eu fumar?

-Não, não. Você merece. – Marie indicou os cigarros. – talvez eu também fume.

-Meu Deus, Marie. – Lizzie riu. – não posso deixar isso acontecer! Ao menos uma de nós...

-Acho que Linda não fuma.

-Linda não é uma de nós.

-Isso é inegável. – ela sorriu com picardia. – nem minha mãe é tão... Devota.

As duas explodiram em gargalhadas. Não era justo falar assim de Linda, visto que mal se conheciam, mas de acordo com as experiências de todos os outros – e o pouco que Marie passou com a mulher –, não era uma completa mentira.

-Lizzie... – a chamou. – será que Michael se casaria com Charlotte?

-Não tenho ideia. Ele está cada dia mais parecido com Tommy, exceto que é razoavelmente mais refinado e discreto. – soltando a fumaça, Lizzie relaxou na cadeira. – você acha?

-Também não sei. – confessou. – se isso acontecer, promete que me ajudará com a transferência para Londres? Farei de tudo para levá-la comigo!

-Será que o onisciente, onipresente e onipotente Mr. Shelby me deixará partir? – o tom de voz da inglesa era jocoso. Marie riu alto pela comparação com Deus.

-Lamento pelo que tem que aguentar, Lizzie. – o sorriso dela morreu. – não sei como segura as pontas, mas isso me mostra o quão forte é.

-Preciso do dinheiro, Marie. Não posso me dar ao luxo de um coração partido ditar meu emprego... E não quero voltar para o antigo. – os olhos dela desfocaram-se em lembranças. Maria Clara havia escutado de John a história sobre Lizzie, e nunca soube explicar o que sentia especificamente, mas, era uma mistura de compaixão, orgulho e esperança. – ele disse que eu nunca mais precisaria fazer aquilo, e acreditei.

-Se depender de nós, Lizzie, você jamais voltará. – Marie afirmou, convicta.

 

Depois de quase tomarem a garrafa inteira de conhaque, elas estavam emocionalmente preparadas para lidar com a festa. Andando de braços dados e apoiadas uma no corpo da outra para manterem o equilíbrio, caminharam com (pouca) elegância até o salão.

Pedro foi quem notou a ebriedade da irmã primeiro. João percebeu logo em seguida e saiu ao seu resgate. Por sorte, os pais estavam muito ocupados com alguns familiares da noiva para observarem o estado caótico da própria filha.

-Ei, Marie. – João a puxou para perto. – você enlouqueceu?

-Não, Jota. – Maria Clara soltou uma risada baixa.

-Se mamãe te ver assim, ela te mata! Sorte que não estamos no Brasil, ou senão...

-Seria vulgar e escandaloso. – ela completou, afinando a voz como se imitasse a mãe.

-Ai, ai. – ele balançou a cabeça, tão igual ao pai fazia que deixou Marie momentaneamente emotiva. Tê-los perto naquela ocasião a lembrava de que, apesar de esconder bem, morria de saudade dos irmãos e do pai. – vem, você precisa comer algo doce e beber água.

-Não quero comer nada!

-Tem bomba de chocolate. – João ergueu as sobrancelhas, sugestivo.

-Ora, – ela bateu com o pé no chão em birra. – talvez eu coma alguma coisa.

-Uma bomba e um copo d’água. – ele fez figa. – e prometo que não vou pedir mais nada.

Marie assentiu, deixando-o guiá-la pelo salão. Os dois sentaram em um canto, enquanto João Antônio fazia o possível para que a irmã não sujasse o vestido com o doce, e ela contava sobre o momento agradável que passou com Lizzie na biblioteca se embebedando.

-Mas veja, – continuou em português. – não teríamos feito isso se fosse o casamento de Arthur, por exemplo. Acontece que, bem, é segredo, Jota. – ela piscou. – porém vou te contar, pois é meu irmão e sei que não fará fofoca... É indelicado fazer fofoca, tanto no Brasil quanto aqui.

-Entendi. – ele assentiu, limpando a boca dela com um guardanapo.

-Lizzie é apaixonada por Tommy. – confessou. – e não deve ser nada bacana estar no casamento do homem que se gosta. Não acha? – apesar de bêbada, Marie exalava empatia.

-Com certeza. – esticou o copo de água, vendo-a dar um gole generoso. – e então você sugeriu que bebessem para amenizar a tristeza da situação?

-A dela e a minha. – Marie concordou. – dois coelhos com uma cajadada só. – franziu o cenho. – não é um péssimo ditado? Pobres coelhos, que morte mais cruel!

-Por que não diz “unir o útil ao agradável”? Então não maltrataremos nenhum animal.

-Sabe que Pedro é meu irmão favorito, não sabe? Porque você é mais velho e não tivemos tanto contato durante sua adolescência. – ela o encarou, sincera. – mas, você sempre foi o que me entendia melhor, Jota. Sinto falta de seus conselhos e da sua cara séria quando Pedro e eu levávamos bronca por alguma traquinagem...

-Que bela imagem tem de mim, Marie. – João riu, ajudando-a com o último pedaço da bomba. Havia muito recheio, não sendo possível evitar que escorresse no queixo dela. – e que golpe no meu ego, também. Pensava que Pedro tivesse caído no seu conceito após queimar seu vestido de debute! Nunca me esquecerei do seu olhar assassino. – riu, limpando-a.

-O vestido! – Marie soltou um resmungo. – meu Deus, eu seria capaz de chorar agora.

-Pelo vestido ou pela sua situação e de Lizzie?

-Que situação? – dissimulou. – nós estamos felizes agora, não?

-Eu não sei, maninha. Você quem tem que me dizer.

Maria Clara varreu o salão com os olhos, vendo Michael e Charlotte em uma rodinha com Isiah, Finn e outras meninas. Ele estava fumando, inalando a fumaça no que Marie conhecia por “tragada francesa” no Brasil – ali, ela já escutara “Irish Waterfall” (Cascata Irlandesa).

-Estou furiosa! – balançou a cabeça. – mas não tenho direito de me sentir assim. Então, podemos dizer que estou feliz. – ela bebeu o resto da água.

-Por que não?

-Ah Jota, vocês homens são muito densos. – Marie cruzou os braços, desanimada.

-Ou vocês mulheres que são muito complicadas. – seu irmão encolheu os ombros.

-Pode pegar outra bomba para mim?

-Claro, Vossa Majestade. – João fez um floreio, se levantando.


Notas Finais


link da música do capítulo (para quem quiser ouvir): https://www.youtube.com/watch?v=EUoe7cf0HYw
Beijocas!


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