Desde que se conhece por gente, yandere-chan sempre observou muito a todos em sua volta. Quando menos nós falamos, mais tempo temos para observarmos certos detalhes. Detalhes estes que acabaram sendo muito importantes, não só para desenvolver sua opinião sobre as coisas, mas também para saber como agir em determinadas situações.
Quando pessoas começam a namorar, passam a ficar grudadas umas nas outras como se tivessem esquecido como ter equilíbrio próprio. Falam entre si de maneira estranha e começam a demonstrar emoções de maneira desequilibrada. Ou seja, aparentemente o namoro faz as pessoas ficarem retardadas. Às vezes ela se perguntava se acabaria ficando assim quando conseguisse conquistar o seu senpai.
Não, seu relacionamento com Taro seria algo muito mais do que um namoro. Taro era como um deus, um ser divino que encarnou como humano para tirá-la daquela maldição que foi jogada em sua família. E como todo humano, teria seus erros e não perceberia a sua verdadeira função neste mundo. Por isso, ela deveria mostrar tal caminho a ele. Educá-lo, mostrar que ele só nasceu em função dela. Nem que para isso ele precise sentir dor ou desespero, ela precisaria provar que Taro era somente dela.
Quando ela se aproximou mais de Budo e os outros, passou a perceber outros detalhes um tanto... Interessantes. As pessoas parecem ser movidas a um método como ação e reação: faça o que eu quero, e eu estarei ao seu lado. Me dê o que eu quero, e eu te darei o que precisar. Caso contrário, fique sozinho. Quem não seguir essa regra se torna inútil, totalmente descartável. Pessoas precisam de outras pessoas para usar, para amaciar o próprio ego frágil.
No caso de Kokona Haruka, suas amigas precisavam das ajudas e dos conselhos dela, de sua luz, de sua amizade. Precisavam do brilho e carisma de Kokona para se sentirem bem, e sua presença trazia certa alegria, e por isso todos gostavam de ficar perto dela. Quando ela perdeu toda sua luz e alegria de viver, após semanas sendo torturada, todas as outras se afastaram. Ela não tinha mais nada a oferecer, havia virado apenas uma casca vazia. Então todas a descartaram e não retribuíram nada mais além de seus olhares de pena.
Com isso, Ayano sabia exatamente como agir. Sabia a hora certa de sorrir, a hora certa de oferecer algum favor. Todos clamariam por ela, querendo retribuir todo o bem que ela faz e oferece aos outros. Chegava a ser entediante (isso para não dizer “ridículo”) como era fácil conseguir o que queria. Manipular pessoas era tão fácil que chegava a rir da cara de quem não sabia sequer mentir.
No caso em que estamos agora com Mina Rai, por mais forte que sua personalidade pareça ser, no fundo ela era apenas um gatinho carente de atenção. Dê atenção a ela, e ela será sua melhor amiga. Se ocupe e tire essa atenção dela, e ela irá embora.
ꟷ - Como assim... Quer mesmo sair do clube? - ꟷBudo perguntou com os olhos vazios e voz trêmula, observando a expressão séria e determinada da ex melhor amiga. Ela assentiu com a cabeça, lhe entregando o antigo uniforme.
- Acho que já sou boa o bastante e não preciso mais disso, não é como se você precisasse de mim também. ꟷ- Sua voz era fria como uma nevasca, cortante como uma lâmina. - Tchau, Budo.
A garota saiu da sala do clube, deixando Budo sozinho em seu próprio desespero. Ayano ouviu tudo do lado de fora, escondida. E esperou que a outra saísse para poder entrar. Os outros integrantes do clube não estavam lá, por algum motivo ou coincidência. Quando adentrou ao local, Budo tentou esconder as lágrimas em seus olhos.
- “Ria, e o mundo rirá com você. - Ela adentrava aos passos lentos, até parar a poucos centímetros em frente a ele. - ... Chore, e irá chorar sozinho.”
Aquelas palavras acertaram Budo como nunca. Depois de perder a primeira e melhor amiga, somente Ayano estava lá.
- Não era pra você me ver assim, é-é que...- Ele tentava esconder o rosto, ao mesmo tempo em que enxugava as lágrimas com a manga do uniforme. Ayano passou as mãos frias e delicadas em seu rosto, fazendo com que ele olhasse para ela. Ela secou o resto das lágrimas do garoto.
- Vai ficar tudo bem, não se preocupe.
Ela o abraçou, afagando os cabelos dele para tentar acalmá-lo. Assim como ele fez com ela, quando houve o incidente com Kokona.
Os papéis se inverteram.
-x-
O dia permaneceu o mesmo na escola Akademi, ou quase isso. No horário de almoço, ninguém marcou de almoçar junto como o usual. Dessa vez, somente Budo e Ayano foram comer juntos no terraço da escola. Ficaram conversando sobre qualquer coisa, como o quão engraçada ficava a Musume Ronshaku com aqueles seios claramente falsos. Ou da matéria chata de física. Permaneceram assim, até que a yandere sente o seu celular vibrar.
Info-chan escreveu:
“Minha nossa, acho que você é a pior stalker que eu já vi na vida.”
A garota arqueou uma das sobrancelhas, confusa.
Ayano Aishi escreveu:
“O que foi?”
Info-chan escreveu:
“Que tipo de stalker não percebe que está sendo stalkeado? Pqp”
Foi então que Ayano parou para olhar ao redor, percebendo a figura pequena de Oka Ruto observando os dois de longe, e se escondendo após realizar que havia sido notada. A yandere bufou. Como se já não bastasse ter que tomar conta de Budo e de Taro, agora tinha que lidar com uma admiradora secreta. Ou seja lá o que aquela esquisitona queria. Ser conhecida tinha suas desvantagens, até mesmo para Budo era difícil ficar sozinho com um bando de garotas que só queriam ver o que ele escondia por baixo do uniforme. Era melhor ter continuado como uma novata estranha e reclusa mesmo.
Certo, o que ela iria fazer agora? Iria confrontá-la? Agir normalmente até que ela desista? Não, não daria certo. Teria que conseguir informações sobre ela de alguma forma sem ser pela Info-chan. Tem sido difícil de tirar fotos esses tempos, as pessoas andam atentas demais, sempre vigiando ao redor, com medo de tudo.
Oka não poderia aparecer morta, não agora.
Ela ia perguntar a Budo sobre, aproveitando para puxar mais assunto. Budo gostava de falar bastante, então ficariam horas ali. Mas foi interrompida assim que ouviu um grito de surpresa, vindo do próprio rapaz. Quando ela se virou para onde estava a tal surpresa, seus olhos se arregalaram como nunca.
Taro estava caído no chão, inconsciente.
-x-
Aos poucos a visão do adolescente foi ficando incomodada com a luz branca da lâmpada da enfermaria, ele tentava usar sua mão para bloquear a visão. Taro havia acabado de acordar, sua cabeça latejava e sua boca estava seca. Ainda não sabia direito o que estava acontecendo, só conseguia ouvir algumas vozes conversando. A primeira a reconhecer foi a da enfermeira, a outra foi a de Budo. Tinha uma terceira voz feminina ali, que já tinha ouvido em algum lugar, mas não conseguia se lembrar de quem era.
- Ah, ele acordou! - A tal voz afirmou. Aos poucos ele abria os olhos, se dando conta da onde estava, e de quem era a dona da voz. Ayano Aishi.
Não é por nada não, mas acordar de um desmaio com uma garota desconhecida te olhando como se fosse te devorar era no mínimo... Inconveniente.
- Taro! Você tem demência ou o que? - Logo a voz naturalmente alta e grave de Budo preenche o local, conforme ele se aproximava da cama onde o amigo estava deitado. - É óbvio que você acabaria desmaiando se fosse deixar de comer com todo esse nervosismo!
Só então ele percebeu que havia desmaiado.
- Eu sei, eu sei. Desculpe... - Ele respondia, tentando se sentar na cama. Sentia-se fraco e indisposto, além de que estava com frio mesmo em pleno verão. Provavelmente estava vermelho em febre também.
- Sei que pode parecer chato ouvir bronca numa hora dessas... - Budo suspirou, cruzando os braços. - Mas onde você está com a cabeça? Você tem se esquecido até de comer? Eu não posso ficar colado contigo pra ficar te ajudando pra sempre.
Budo parecia realmente incomodado com a falta de responsabilidade dele, ralhando com o amigo daquela forma ao mesmo tempo em que demonstrava sua preocupação com ele. Parecia um tsundere, todo emburrado daquela forma. Parecia até mesmo a...
Não, não podia pensar naquela garota agora.
Apesar disso, era quase cômico o fato de que a situação de ambos era quase que parecida. Os dois perderam suas melhores amigas de infância, e mesmo ambos sendo orgulhosos demais para admitir, aquilo estava machucando. Novamente se encontrando na mesma situação, mesmo depois de anos.
Flashback – 8 anos antes
- Ei, vocês sabiam que o pai do Budo é chinês? - Um pirralho perguntou em voz alta para a sua rodinha de delinquentes, enquanto os outros riam com certo desprezo do garoto. Eram uns dois anos mais velhos que ele, somente. E isso lhes davam uma certa superioridade tanto física quanto moral.
- Ooh, isso explica a cara de mongol! - Uma garota ria num tom debochado para ele, apontando para os olhinhos da criança, que eram mais puxados que os de um japonês. - Não é atoa esse tom de pele, ao menos isso. Pensava que era porque ele não tomava banho!
O grupinho foi formando uma roda em torno do garoto indefeso, todos mais velhos, mais altos, mais fortes que o pobre Budo. Que não tinha mais nada além de suas perninhas frágeis e delicadas e rosto choroso, numa expressão de raiva.
- Oi, pirralho. - Um delinquente, ainda em seus 12 anos, pegou Budo pela gola da camisa. O pendurando no ar. - Sabia que meu avô acabou com o seu? Tu não tinha nem que estar vivo, o governo da China já devolveu o que sobrou dele?
Com suas mãozinhas minúsculas e delicadas de criança, Budo tampou os ouvidos e fechou os olhos. Não querendo ouvir mais nenhuma besteira que eles tinham a falar. Ele agitava o seu corpo magro, numa tentativa falha de se soltar das garras daquele garoto. O grupo continuou com algumas risadas e cutucadas, apontando cada “falha” da genética “ruim” da criança. Isso até os delinquentes levarem algumas pedradas na cabeça, lançadas por um estilingue.
- Parem com isso, seus bobocas! - A voz aguda do pequeno Taro ecoou pelo jardim da escola, chamando a atenção do grupo de valentões. Seus olhos redondos e expressivos demonstravam raiva, assim como todo o seu rosto. Para alguém de uma família um tanto rigorosa, “boboca” era a coisa mais ofensiva que a criança conseguiu dizer em todos os seus 10 anos de idade.
O tempo em que os delinquentes ficaram distraídos foram o suficiente para que Budo conseguisse se soltar. Budo ainda tinha um irmão mais velho, de forma que sua mira para cuspe era perfeita. Foi um tiro certeiro no olho do que o segurava, logo ele já se encontrava no chão e ele correu direto para atrás de Taro.
Taro sabia muito bem o que era ser atordoado por um bando de moleques, já teve experiências e livros rasgados o suficiente para saber que não conseguiria ver uma cena daquelas sem fazer nada.
O senso de justiça os uniu.
- Você tomou uma bela de uma porrada depois, se lembra? - Budo perguntava, sentado na cama da enfermaria enquanto ria junto ao amigo, se lembrando da infância. Seus olhos brilhavam a cada memória que voltava em sua mente. Foi justamente depois desse acontecimento que ele começou a praticar artes marciais, à conselho de seu irmão. Budo nunca mais deixou nenhuma criança sofrer na mão de algum covarde.
- Quem se importa? Eu tinha o meu próprio Bruce Lee particular para me defender!
ꟷ- Ei, está dizendo que você deixava eles te zoarem de propósito só para eu te defender?- Budo questionou, erguendo as sobrancelhas. Ele riu depois, dando um empurrão de leve no amigo. - Minha nossa, como você é podre! Você não presta!
Os dois garotos continuaram rindo juntos, como se voltassem a serem duas crianças inocentes. Por segundos até se esqueceram dos problemas. Ayano e a enfermeira apenas observavam de longe até que veio o silencio repentino, ambos ficaram sérios. Um olhava para o chão e o outro para o teto.
- Eu... Me desculpe, Budo. - Taro falou, quase que num sussurro. Ele ainda estava deitado na cama, estando com uma bandeja com lanche em seu colo. - Sei que foi culpa minha a gente ter se afastado tanto.
Ah, é verdade. Por mais que eles contem todas essas histórias, hoje em dia mal se falam na escola. No máximo se cumprimentam. Suas conversas mais longas costumam ser por mensagens, na escola estavam ocupados demais com seus novos amigos.
Pensar nisso também machuca um pouco.
- Não se culpe tanto assim, eu também me afastei. - Budo continuava fitando o chão, não queria olhar para Taro agora. - Isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, certo? É o que acontece quando as pessoas crescem... Elas vão embora.
Ayano observava os dois encostada na parede, enquanto a enfermeira continuava sendo tão inteligente como uma porta no cenário ao fundo. Derrubando coisas, queimando coisas, se machucando. Nada além do normal ali. A yandere ficou um tanto surpresa com o quão próximos os dois eram, se Budo já não tivesse lhe dado mais de mil provas de como ele era hétero, acabaria ficando com ciúmes. Por sorte, Budo não é um rival.
Na verdade, seria até interessante imaginar como os dois ficarão quando Ayano finalmente conseguir conquistar o seu senpai. Ela poderia prender Taro em sua cama, amarrando sua perna em alguma corrente, andando com ele por uma coleira. Budo poderia fazer companhia para ele, pra que o rapaz não ficasse tão sozinho. Claro, a yandere já o teria na palma da mão. Poderia muito bem deixar Budo circular pela casa dos dois e saberia muito bem que ele não contaria nada a ninguém. Apesar de que a ideia de ter Budo amarrado em sua casa não seria uma ideia ruim também, seria como dois coelhos numa cajada só. Com Taro, obvio, sendo o preferido.
Sem perceber, a yandere já possuía um sorriso maligno em seus lábios. Como um lobo faminto observando os dois cordeiros.
Detalhe que não passou despercebido por Oka Ruto, que observava tudo pela janela.
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