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História Lua Azul - Taekook ABO - Presente dos Deuses


Escrita por: specialVante

Notas do Autor


Oi gente linda, cheguei com o primeiro capítulo de Lua Azul, quentinho e grandinho pra vocês! Acredito que ele tenha ficado grande dessa forma pela quantidade de explicações sobre cada detalhe afinal não quero deixar vocês confusos (ou talvez sim rs), então qualquer coisa, pf me perguntem nos comentários e se for possível, eu tiro a dúvida de vocês.

Bom, sobre algo na história, preciso destacar que fiquei realmente curiosa sobre a Lua Azul e preciso dizer que realmente há uma história por trás da mesma, a única coisa que dei uma apimentada foi na cor dela, pois na vida real ela não é realmente azul, pesquisem se quiserem, viu? É bem interessante. E sobre a oração da Lua Azul, tirei de um site, ou seja, realmente existe. Não sei sobre a religião de vocês, entretanto destaco aqui que a intenção da fic não é ofender nem ridicularizar religião ou crença alguma, pelo contrário, quero instigá-los a procurarem saber um pouco mais sobre, pois eu gostei muito!

Enfim, sem muita enrolação, as informações que eu precisar dar, vou falando depois...leiam com atenção, espero que gostem, nos vemos lá embaixo! Beijos.

Capítulo 2 - Presente dos Deuses


Nesta Noite o amor chegou
Chegou pra ficar
     E tudo está em harmonia e paz
      Romance está no ar

—————————————————————

| 7 dias antes da Lua Azul |

x TAEHYUNG x

Podia sentir uma gota de suor escorrendo em minha têmpora quando afastei os cabelos de minha testa mais uma vez antes de girar a lança em apenas uma mão, enquanto encarava a enorme parede amadeirada à minha frente. Os círculos médios, desenhados por mim mesmo com giz branco pareciam me desafiar, entretanto não me causavam descontentamento; eu sempre acerto. E então, após mais alguns giros e um aperto exagerado de minhas mãos grandes sobre a madeira polida, peguei uma boa distância, me atentando a separar meus pés descalços e ter um bom impulso antes de finalmente jogá-la com a força de apenas um de meus braços. O barulho da lâmina bruta perfurando a grossa madeira era um pouco abafado e, antes que eu me dirigisse para pegar a lança novamente, escutei o arranhar de garganta que eu conhecia muito bem, desde mais novo.

 

— Está aí há muito tempo? – Pergunto, me virando para o lado que antes dava as costas. Jangmi me observava com os olhos calmos de sempre, as sobrancelhas finas completamente retas. Era algo que eu herdara com maestria, a capacidade de permanecer sem expressão facilmente. — Me desculpe, não notei.

 

— Está aqui desde cedo...não se cansa? – Perguntou então, dando alguns passos à frente e juntando as duas mãos pequenas na frente do corpo magro. Minha mãe é uma mulher naturalmente elegante, se assim posso descrevê-la. Sempre caminha a passos curtos, como se pisasse em grama com pés descalços. Os olhos sempre focados apenas em seu objetivo – que agora era eu –, a boca sempre pintada de um rosado pêssego fosco e a voz angelical, que me acalmava em minhas noites de pesadelo, quando pequeno.

 

Apenas sorri de canto por sua preocupação e neguei com a cabeça, sentindo minha franja úmida de suor, dançar por minha testa. Caminhei rapidamente até a parede de madeira e retirei a lança com pouca dificuldade.

 

— Não devia estar no gabinete com seu pai? – Perguntou, me encarando de cima a baixo, e comprimiu os lábios ao notar meu visual nada pomposo – como normalmente deveria estar, graças à minha ocupação na sociedade.

 

— Sim, mas...precisava esfriar a cabeça um pouco. Todas essas informações estão me sobrecarregando.

A mulher à minha frente sorriu e se aproximou de mim, pousando uma das mãos pequenas em meu maxilar. Graças ao tempo, nossos tamanhos já não eram assim mais tão correspondentes e eu sabia que era nisso que ela pensava enquanto me encarava nos olhos, com uma expressão pensativa.

 

— Me recuso a acreditar que o tempo tenha passado tão rápido. – Começou. Nunca sabia muito bem como reagir quando omma bancava a nostálgica. Mas sabia que era importante para si relembrar os tempos passados. Eu e meu irmão Yoongi tivemos que receber certas responsabilidades cedo demais e acho que isso balançou um pouco o coração de Jangmi. — Você já está tão crescido meu filho. Olhe só, um homem.

 

— Também queria que as coisas tivessem sido mais lentas. – Falo baixinho, com um sorriso de canto não muito sincero, mas era o que precisava fazer para deixá-la mais tranquila. — Não acho que estive pronto para crescer e ter a responsabilidade que tenho em mãos agora.

 

Jangmi balançou a cabeça negativamente enquanto continuava a afagar minha bochecha direita.

 

— Você é capaz de tudo o que quiser, sabe disso. Não duvide da fé que seu pai e eu depositamos em você. Seu povo precisará disso no futuro também, entende? – Perguntou, porém não obteve a resposta que desejava. Ao invés disso, apenas abaixei minha cabeça, encarando meus pés descalços e a calça dobrada, me deixando mais confortável nos momentos de treino. — Kim Taehyung, está prestes a ser coroado. Seu aniversário chegará e tudo se harmonizará da maneira que deve ser.

 

— Tem razão. – Suspiro cansado. — Prometo que vou me esforçar para ser mais confiante. Obrigado mãe.

 

Jangmi assentiu e então deu um passo para trás, capturando minha atenção por completo. Percebi que tinha algo para me dizer e não eram apenas as palavras acalentadoras. Sinto meus lábios secos e então passo a língua por eles ao mesmo que jogou minha franja incomodadora para trás.

 

— O que realmente veio conversar? – Pergunto, sem rodeios, enquanto caminho até o local em que guardo as lanças, junto de alguns arcos e flechas. A sala secreta – que já não era mais tão secreta assim – fora uma invenção de um Taehyung e Yoongi de doze e quatorze anos. Costumávamos ser um pouco obcecados pelo treinamento – resultado de uma criação completamente especial – e, por mais que levássemos na brincadeira na época, era algo que sempre orgulhava nosso pai.

 

Eu e meu irmão fomos criados desde pequenos para sermos os príncipes perfeitos que a província esperava que fôssemos. Aulas de tudo o que se puder imaginar, novas línguas, etiqueta, lutas...faziam parte de nós. Queríamos um lugar só nosso, em que pudéssemos ser os heróis que ouvíamos de histórias de guerras – que o papai sempre contava – e que pudéssemos ser as crianças que de fato éramos. Papai mandou a sala ser construída no lugar do antigo porão fora de uso e desde então, era aqui o nosso refúgio. Bom...agora, apenas meu.

 

— Tem razão. Precisava conversar com você, antes do seu pai. – Ela começou, cuidadosa, e então me senti apreensivo sobre o que poderia estar por vir. — Nós dois sabemos o quão grande é a falta de tato dele no quesito comunicação ou...cuidado.

 

Ri nasalado. Realmente, papai não era muito de escolher as palavras, mas era algo que eu havia me acostumado.

 

— O que é? – Perguntei ansioso.

 

— Bom, Taehyung...não é surpresa para ninguém sobre a sua coroação. Seu pai quer descansar, sabe que se pudéssemos adiaríamos isso o máximo possível, por você.

 

— Não tem problema, omma. Não me importo, é meu dever e irei cumpri-lo. – Falo e recebo um sorriso orgulhoso como resposta, entretanto, seu olhar preocupado é o que me deixa inquieto.

 

— Bom...pela lei, você já deveria estar prometido a alguém. – Jangmi despeja tão rapidamente aquela informação – que já era de meu conhecimento – que mal percebo minha lentidão em assimilá-la. Era a conversa que eu adiava desde meus dezoito anos, quando os preparativos e a decisão de minha coroação fora tomada. Não que fosse uma situação de caso perdido ou algo impossível de se resolver. Modéstia à parte, os príncipes Kim faziam sucesso no quesito pretendentes, entretanto, ninguém até então havia me chamado atenção suficiente. Não era como se escolher com quem eu dividiria minha vida fosse a coisa mais fácil do mundo.

 

Acontece que diferente de outros alfas da província, eu e meu irmão não tivemos um crescimento muito normal. Nossos círculos sociais se limitavam a filhas e filhos de reis de outras províncias, pessoas de alta patente na sociedade e, consequentemente, irritantes. Definitivamente nunca estive em uma procura de ômegas muito perspicaz, simplesmente deixei que o assunto se estendesse, rezando para, quem sabe, esquecessem e resolvessem me deixar governando sozinho.

 

— Sei que não é uma coisa fácil para você...e que é desconfortável que todos estejam tão bem antenados sobre sua vida amorosa desta forma. – Omma disse algo verdadeiro. Era extremamente desconfortável e de longe uma das coisas que o fazia querer ser algum cidadão normal, às vezes. Conhecer pessoas novas, beijar quem quer que tivesse vontade, sair por aí sem estar rodeado de pessoas interesseiras...parecia interessante o suficiente em sua mente. — Mas infelizmente, é a lei. Filho, pelo que sei...sempre passou seus cios sozinho.

 

Taehyung se remexeu desconfortável. Aquele assunto definitivamente não era seu favorito de se tratar com sua mãe. Quem sabe se tivesse um amigo, ou alguém que pudesse contar. Automaticamente seus pensamentos foram em direção ao irmão e sentiu-se triste por um momento.

 

— Isso vai ter que mudar em breve e, queria pedir que tivesse paciência e pensasse com responsabilidade sobre o que seu pai irá conversar com você, tudo bem?

 

— O que? Ele tem uma “proposta?” – Sorri irônico, fazendo-a revirar os olhos divertida.

 

— Bem...sim, algo que será útil, mas talvez não muito agradável para você. – A mulher fez uma careta desgostosa. — É uma pena que os ômegas conhecidos não lhe chamem atenção.

 

A ômega tentou deixar a situação mais leve e conseguiu por um momento me arrancar uma risada curta. Aquela fala, deixava entendido nas entrelinhas fatos passados que se tornaram histórias engraçadas para se contar entre família, que por sinal, me deixava sob saia justa.

 

— Não me lembre de Soo Yoojin. – Pedi enquanto coço a nuca acanhado. Logo pude ouvir a risada bonita de minha genitora.

 

— Foi você quem disse… – Falou antes de ajeitar a barra do vestido floral que modelava o corpo bonito. — Bom...vou pedir para que preparem o jantar e mais tarde teremos essa conversa um pouco mais extensa.

 

Jangmi se aproximou novamente e beijou meu rosto suado, com tamanha delicadeza que me fizera sentir vontade apenas de fechar os olhos e desfrutar de seus carinhos. Os toques de omma sempre me lembravam a infância e me acalmavam mesmo que um pouco em meio ao turbilhão de pensamentos que me rodeavam.

 

Quando a percebi de costas, deixando a sala com os cabelos balançando no meio das costas montando sua postura perfeita, apenas soltei o ar que nem percebia segurar. Talvez eu precisasse de um longo banho, um tempo descansando a cabeça e um pouquinho de paciência e coragem para a tal conversa que aconteceria mais tarde. Me ponho para fora da Sala Secreta e caminho lentamente pelos inúmeros corredores do castelo, procurando pelas escadas principais que me levariam para meus aposentos.

 

Estava um pouco irritado, como se sentisse as sensações da puberdade novamente. Mesmo tendo noção de que já não sou mais um adolescente de ideias impensadas e questionamentos sem mínimo sentido, é assim que me sinto. Os vários “porquês” em minha mente me certificam disso. Por que ser logo o escolhido para a coroação? Por que ainda tão novo? Porque não pude nascer como uma pessoa normal cujas preocupações seriam acordar às oito da manhã, me preparar para ir ao trabalho e mais tarde me arrumar para encontrar alguns amigos no bar? Por que lobos? Por que diabos a sociedade em que me inseri é um sistema de castas lupinas? Ok, talvez algumas respostas eu já tivesse, mas ainda assim, me sentia injustiçado.

 

A Coréia era dividida em províncias, cada uma com seu respectivo reinado – tal reinado que se estendia por gerações e gerações. Então talvez eu devesse culpar meus antepassados por terem sido tão qualificados a ponto de serem aceitos pelo povo para governá-los. Ainda tinha essa estúpida ideia de que naturalmente necessitamos um do outro. Talvez os sortudos nessa história fossem os betas, que podiam viver sem estarem amarrados a alguém, pelo menos não de maneira essencial. O ponto é que como alfa eu NECESSITO de um ômega, e este ômega NECESSITA de um alfa. Nunca entendi muito bem o porquê de seguirmos à risca essa ordem natural. Nunca me fez diferença alguma, viver sozinho...não é como se alguma parte de meu corpo estivesse faltando, não é como se eu fosse morrer, então por que não? Porque não aceitarmos apenas vivermos por nós e apenas nos bastarmos. Se fosse assim, eu não teria que agora estar pensando que serei obrigado a me casar com alguém que mal conheço e pior, ter filhos com essa pessoa...estender minha linhagem. Estender a geração Kim.

 

Nesses momentos de inquietação e perguntas sem respostas óbvias, é que sinto um pouco de raiva por naturalmente não ter controle sobre minha própria vida e escolhas. Não apenas no sentido social, como a responsabilidade de um dia ser rei ter sido empurrada a mim quando na verdade essa não era MINHA obrigação. Mas também no sentido emocional, como me afirmarem que minha vida não terá sentido no futuro se eu não tiver um ômega ao meu lado e como se não bastasse isso, tenho a noção de que reclamo de barriga cheia, pois nem de longe eu poderia ter tanta dificuldade por meu ser lupino do que um ômega.

 

Sim, talvez eu esteja mesmo reclamando de barriga cheia, quem sabe. Sim quando ômegas – homens e mulheres – são os únicos capazes de gerar a vida – além das mulheres alfas e betas – ou seja, estão fadados desde o nascimento a servirem como padrão. Talvez os estereótipos sejam seus maiores inimigos. Crescemos com o pensamento de que ômegas devem casar-se, terem filhos, servirem de sanadores de desejos de alfas como eu, limitados em certos campos de suas vidas. Talvez eu esteja mesmo reclamando de barriga cheia.

 

Antes que eu chegue nas escadas para o segundo andar, percebo a porta da sala do trono aberta. Normalmente ficava trancada quando o papai estava em reunião no gabinete. Entretanto, ali estava ela, aberta sem estar em uso. Me aproximo calmamente e me ajeito na fresta que me dá a visão de dentro do cômodo. Era uma parte bonita da casa, que deveria ser especialmente luxuosa já que era o salão do rei. Havia o enorme trono aveludado, na cor vermelha viva e ao lado uma cópia dele, mas um pouco menor. Era ali que meu pai e minha mãe recebiam os visitantes, viajantes, pedintes...era o mundinho particular de Kim Yeonjun e Kim Jangmi. Haviam variadas pilastras brancas com ornamentos dourados, o piso lustroso, tão branco que refletia a luz do lustre grande de cristais bem no centro.

 

Na parede direita, de frente para a porta em que eu me encontrava espionando, havia as enormes caixas de vidro que guardavam os tesouros mais importantes para a família real desde as gerações passadas. Havia algumas pinturas, coroas e tiaras de meus ancestrais e espadas de guerreiros que um dia também orgulharam meu povo. Porém, no meio de todas estava um espaço vazio. A espada principal, espada do rei. Não estava ali. Bastou-se alguns segundos para que meus olhos rodeassem o salão quase vazio e notasse o motivo pelo qual a espada não se encontrava onde deveria. De frente para os espelhos refletidos na diagonal da sala, de frente para o trono, estava meu irmão.

 

Yoongi é meu irmão mais velho, ele tem vinte e quatro anos e uma personalidade um pouco difícil. Entretanto, não foi sempre assim. Quando pequenos costumávamos ser os dois contra o mundo, irmãos inseparáveis e parceiros de confusão ilimitada. Yoongi sempre fora o irmão que eu admirei: forte, destemido, leal. Meu irmão mais velho sempre levara toda essa coisa de reinado muito mais a sério do que eu, provavelmente pela diferença de idade. Ele se preparava com tanto afinco, era o melhor em lutas, perfeitamente estratégico em qualquer coisa, corajoso e de uma mente invejável. De longe, Yoongi sempre fora o meu orgulho, mas isso durou apenas os seus vinte anos. Mesmo que sua personalidade fosse conhecida por todos e estivéssemos sempre acostumados com sua língua afiada, determinação e traquinagens por todo o castelo, papai sabia que um dia isso lhe traria problemas.

 

Ele não estava errado. Yoongi se tornou um adulto destemido demais, sem escrúpulos demais e... sacrífico demais. Isso assustou um pouco o papai e resultou numa briga de anos, em que então foi decidido que a coroa não seria do meu hyung e sim minha. Segundo nosso pai, Yoongi tinha tudo o que era preciso para ser um rei e um guerreiro temido, mas ao mesmo tempo não sabia o que era preciso para ser um rei respeitado. Acho que meu hyung nunca entendeu muito bem o que aquilo queria dizer e desde então sempre tentava provar o contrário das sábias palavras do papai. Um erro atrás do outro, que deixava nossa família cada vez mais chateada, porém eu sempre torcia para que ele conseguisse recuperar a confiança de nosso pai novamente, sempre em vão. Então, nossa relação também foi abalada. Acho que o hyung me culpa, de alguma forma vê que eu retirei seu direito de governar – mesmo que eu nunca nem tenha desejado isso, acho que entendo sua chateação –. Nos afastamos tanto em tão pouco tempo e eu já não reconhecia mais meu irmão mais velho. Já não brincávamos mais, não saíamos para caçar, não apostávamos corridas, não lutávamos mais. Bom, na verdade...desde então tudo o que ele faz em relação a mim inclui deboches, comentários irônicos e às vezes maldosos e olhares...chateados.

 

Naquele momento Yoongi domava a espada reluzente com maestria. Ele sempre foi muito bom com espadas, era sua especialidade em meio tantos talentos. Ele parecia acompanhá-la numa dança bonita e ameaçadora. Seu olhar ficava diferente, sua postura era a de um verdadeiro guerreiro e algumas vezes eu podia jurar ver seus olhos brilhando no vermelho escarlate que eram a marca de seu lobo. A cicatriz que vinha do fim da testa, cortava um pouco a sobrancelha e então pulava o olho e terminava na bochecha, o deixava ainda mais teatral. Os cabelos pretos e bagunçados de meu hyung se remexiam e então ele se observava no espelho, se movimentando graciosamente, vez ou outra passando os dedos pálidos na parte de cima da espada que parecia cortar apenas de olhá-la de longe. Que bom que eu não era um inimigo de Yoongi naquele momento. Entretanto, meu sorriso escondido no canto da boca por ver meu hyung tão realizado morreu rapidamente ao perceber o quão encrencado ele estaria dali a alguns segundos, quando meu pai passou por mim, esbarrando em meu ombro e adentrando a sala do trono num barulho estrondoso de portas se abrindo.

 

— Pai… – O chamei tentando encostar em seu ombro, porém não houve sucesso quanto a isso, ele parecia furioso demais para escutar qualquer um. Resolvi ficar ali, se algo saísse dos trilhos – como costumava acontecer quando mamãe não estava por perto, eu me intrometeria –, observando a situação de longe.

 

Yoongi teve seu momento interrompido pelo olhar raivoso de nosso pai e então girou a espada no punho, encarando o mais velho com o olhar irônico de sempre.

 

— O que significa isso, Yoongi? – A voz de meu abeoji era alta e grossa. Olhei para os lados, torcendo para que omma aparecesse nem se fosse num passe de mágicas.

 

— Estou apenas brincando um pouco. – Respondeu afiado meu irmão.

 

— Não se faça de tolo! – Meu pai gritou se aproximando de meu irmão e tomando a espada de sua mão com grosseria. — Você tem total noção de que é estritamente proibido que outra pessoa a não ser o rei manuseie a espada real. Não aja como se não soubesse!

 

Bom...ele sabia. Na verdade, todos sabem disso naquele castelo, não tinha muito como Yoongi se defender daquela acusação.

 

— Que diferença faz? Nosso futuro rei não saberia a manusear de qualquer maneira. – Disse calmo e acusador. No mesmo momento engoli em seco e arregalei os olhos. Por que ele estava me metendo naquela confusão? Não é como se eu tivesse pegado a espada e colocado em sua mão. Era verdade que Yoongi era muito melhor com espadas do que eu, mas eu sabia sim manusear uma...só não era minha especialidade. Eu preferia lanças e arco e flechas.

 

— Não venha de novo com essa história! Seu irmão irá ser o rei, supere isso! Pare de agir como um garoto mimado e inconsequente! – meu pai gritou ainda mais diante da desculpa dada pelo meu hyung. — Tem vinte e quatro anos e ainda sim age como se ainda tivesse dezesseis. Não entendo onde errei com você!

 

— Não entende? – perguntou retórico. — Bom, quem sabe, quando me tirou o que era meu por direito? Eu pensei que fosse uma ideia sem senso algum e que duraria pouco tempo, mas está mesmo decidido a passar a coroa para o bundão do Taehyung!

 

Taehyung então fechou o punho e franziu a testa. Ora, mas ele nem havia feito nada. Por que estava recebendo aquelas palavras de graça assim? Não havia provocado o irmão nem uma vez naquele dia. Estava prestes a entrar no salão e tirar aquela história a limpo cara a cara com o irmão, quando sentiu o ombro ser tocado.

 

— Não se meta nisso. Sabe que ele diz da boca para fora. – Era Jangmi, calma como sempre, mas parecendo decidida a acabar com aquela confusão. Continuamos encarando papai e Yoongi na sala quando o mais velho deles se virou após guardar a espada de volta onde ela pertencia.

 

— Eu fiz e farei o que é o certo! Você não tem o que é preciso para ser um rei, Yoongi! – Disse firme. — Meu erro foi deixar que você desenvolvesse essa sombra que te persegue por tanto tempo. Ela está engolindo você! Se tornou outra pessoa e sua própria família não lhe reconhece mais!

 

Percebemos Yoongi engolir em seco e olhar para os pés calçados com as botas de militar pesadas que ele sempre costumava usar.

 

— Tenho assuntos mais importantes para resolver do que as artes de um homem que age como criança! Pelo amor dos deuses, me dê um descanso. – Meu pai parecia mesmo exausto. Alguns fios brancos tomavam seus antigos cabelos negros como ébano e algumas rugas da idade tomavam seus traços. Ele passou a mão pelas mechas que lhe caíam partidas ao meio na testa e as puxou para trás, suspirando fundo.

 

— VOCÊ SEMPRE TEM ASSUNTOS MAIS IMPORTANTES PARA RESOLVER QUE NÃO SEJA SEU FILHO INCONSEQUENTE! – Yoongi aumentou o tom de voz, nos permitindo ver o vermelho escarlate tomar suas írises. Eu sabia que papai não deixaria aquilo passar despercebido. Por pior que fosse, meu irmão devia o respeito tanto como filho como quanto súdito.

 

— Já chega. – Minha mãe disse de repente, capturando a atenção para nós dois, postos diante da enorme porta aberta. Só então o olhar do meu hyung pousou sobre mim, parecia bravo e irritado por eu estar ali, como sempre. Eu não estava muito diferente, principalmente depois do que ouvi, mas apenas continuei sustentando seu contato visual com certa brutalidade. Jangmi adentrou o salão com as mãos juntas na frente do corpo, não perdendo a postura de sempre. Mas suas feições pareciam duras, ela estava brava e, quando a mamãe estava brava...a coisa ficava feia.

 

— Mãe… – Yoongi começou tentando se explicar e deixando que a cor forte deixasse seus olhos. Jangmi apenas fez um sinal com a mão, fazendo-o se calar.

 

— Nós temos um jantar importante em família hoje. Eu planejei o prato, é a comida favorita de vocês, seus ogros! – Mamãe disse irritada, fazendo tanto o papai quanto Yoongi abaixarem a cabeça e mesmo que eu não tivesse nada a ver com o que se desenrolava, tive a sensação de querer abaixar também. — Temos coisas importantes para conversar com o seu irmão e espero que você tenha maturidade suficiente para entender, Yoongi.

 

Meu irmão nada disse, apenas confirmou com a cabeça, contrariado. Mas eu sabia que ele estava me xingando internamente até minhas gerações futuras.

 

— E você. – Apontou para o marido. — Seu filho merece sua compaixão. OS DOIS merecem. Então por favor, aprenda a oferecê-la. Agora subam para se lavar e se aprontar para o jantar.

 

O silêncio que tomara o salão era desconfortável e eu podia ver nos olhos de cada um e nas batidas de seus corações, que estavam mexidos pelas palavras da rainha. Yoongi foi o primeiro a dar as costas para os pais e andar rapidamente em minha direção, me fazendo esquivar segundos antes de quase arrancar meu ombro por tamanha rapidez que começara a seguir para as escadas. Mamãe e papai também vinham, andando lado a lado e calados e só então percebi que mamãe também estava com sua coloração amarelada nos olhos brilhantes, provavelmente para causar mais impacto em sua bronca. Ela me encarou e elevou uma das sobrancelhas, como se me interrogasse o porquê de ainda estar ali.

 

— Você também, Taehyung. – Falou somente. Eu apenas assenti e me preparei para sair.

 

A decisão de dispensar minhas criadas quanto à arrumação de meu quarto, escolha de minhas roupas e meus...banhos, foi imprescindível para o meu crescimento. Em um momento ou outro chega a hora em que tirar a roupa na frente das pessoas tão naturalmente passa a se tornar meio estranho. Não que eu fosse uma pessoa envergonhada por nudez, entretanto eu realmente queria me sentir um pouco mais responsável pela minha própria vida. Foi um passo considerável, a meu ver, inclusive. Mas não havia realmente ninguém que arrumasse meu cabelo tão bem quanto Yongsun.

 

— Vai precisar aprender a arrumar o próprio cabelo se quiser ser um rei independente, peludo. – A mulher dizia enquanto dividia minha cabeleira preta em duas franjas altas na frente. Sorri para o espelho enquanto ajeitava minhas argolas na orelha.

 

— Não vou precisar se você sempre vai estar aqui. – Falei de volta sentindo o peito ser aquecido com a imagem de ainda ter todas aquelas pessoas comigo no castelo.

 

Uma das imagens mais apavorantes para mim é minha vida mudar por completo quando eu virar rei. Talvez fosse a insegurança de se sentir completamente sozinho e incapaz de realizar sequer um penteado nos meus cabelos, ou talvez ser uma péssima pessoa para assinar propostas, criar leis, administrar o tanto de funcionários que trabalhavam naquele castelo.

 

— Tudo bem, garoto. Você não será um filhote para sempre, está na hora de liderar sua própria alcateia, não acha? – A forma como Yongsun conseguia colocar todas as suas palavras dentro de nosso lado lupino era incrível. Me fazia pensar o quão parecidos afinal somos com nossos animais, mesmo quando em forma humana. — Você está pronto.

 

Me levantei da poltrona e a puxei para um abraço apertado, que era sempre devolvido com murmúrios abafados e reclamações por eu ser alto e corpudo demais em relação à minha pequena Yongsun. No fim ela sempre sorria ao receber meus beijos na bochecha e me ver correndo para onde quer que fosse meu próximo compromisso.

 

— Até mais, noona. Tenho um noivado para decidir. – Comentei brincalhão – mesmo que sentisse algo dentro de mim chorar – e saí de meus aposentos rapidamente soltando dois botões da minha camisa de mangas branca, que insistiam em abotoar até o pescoço. Segundo a mamãe, eu era irresistível demais para as novas criadas do castelo. Era divertido; em partes. Por exemplo no presente momento, enquanto eu caminhava pelo corredor iluminado apenas por alguns lustres abarrotados de velas amareladas, algumas criadas limpavam os enormes quadros postos nos corredores e ao me notarem rapidamente se curvavam e sorriam de canto, enrubescendo tão facilmente.

 

— Boa noite, senhoritas. – Digo sorrindo sem mostrar os dentes e as olhando nos olhos. Bom, eu não fazia de propósito na maioria das vezes. A verdade era que eu detestava agir como se fosse alguém inalcançável; não era verdade, na realidade, apenas na cabeça de algumas pessoas que insistiam em me tratar feito um deus intocável. Eu gostava de olhar nos olhos das pessoas, principalmente das que trabalhavam para meu pai no castelo, afinal, eu estava usufruindo de regalias graças a elas, tipo ter meu cabelo socorrido.

 

— Boa noite, vossa alteza. – Uma delas respondeu tímida. — Tenha um bom jantar.

 

Oh, essa é diferente. Não havia a visto antes, provavelmente era nova contratada. Falou comigo normalmente, não se deixou acanhar. Bom, meu lobo gostara disso e, eu também. Elevei minhas sobrancelhas e sorri ainda mais antes de comprimir os lábios.

 

— Obrigado, para vocês também.

 

E então saí, continuando meu trajeto e escutando risadinhas atrás de mim, algumas nervosas e outras surpresas. Ao chegar na sala de jantar pude já observar meu pai, minha mãe e meu hyung já sentados, apenas me aguardando.

 

— A primeira coisa que eu farei quando for coroado, é ordenar que tirem esses quadros velhos dos corredores. – Falei tentando dispersar o clima esquisito da briga de mais cedo. Percebi omma sorrindo leve e Yoongi revirar os olhos. Meu pai apenas me encarou erguendo as sobrancelhas. — É sério, as coitadas têm que ficar limpando aquelas coisas o dia todo.

 

— É o trabalho delas. – Meu pai respondeu apenas e deu de ombros. Jangmi fez sinal com a cabeça para que outras criadas começassem a servir o jantar e logo eu já podia sentir o maravilhoso cheiro de uma refeição que me lembrava muito a infância e eu soube que Yoongi sentiu o mesmo, pois arregalou os olhos e me olhou de canto, como se quisesse sorrir, mas ao mesmo tempo não queria dar o braço a torcer pelo seu orgulho descomunal.

 

— Deung Galbi!? – Perguntei animado e sorrindo largo quando percebi o queijo se esticar da panela até meu prato. As criadas serviam tudo com um sorriso, como se soubessem que nossas reações seriam aquelas. Era coisa de omma, com certeza. Estava preparando o terreno para a tal conversa séria que teríamos dali para frente.

 

— Também tem kimchi para acompanhar junto com sulleongtang. – Omma falou orgulhosa de sua escolha. Toda a mesa estava lotada com panelas grandes, saindo fumaça que fazia meu estômago roncar. Começamos a comer rapidamente, e eu poderia até mesmo gemer de tão bom que era, se não fosse estranho tal ato, é claro.

 

O jantar se seguiu calmamente e de certa forma, um pouco silencioso após os murmúrios de aproveitamento da refeição. Eu estava no fundo, me sentindo um pouco nervoso, pois a proposta de meu pai era inesperada e eu não havia a mínima ideia do que poderia se tratar – fora ser sobre um noivado que eu queria adiar até talvez, meus quarenta anos. Graças a isso, era impossível não ficar apreensivo com a maneira calma com a qual omma e appa estavam lidando, como se fosse um simples negócio.

 

— Bom...a mamãe me disse que precisa conversar comigo sobre algumas coisas. – Comecei a falar, chamando a atenção de todos da mesa, até mesmo Yoongi, que parecia nada interessado na tal conversa. Porém eu desconfiava que estava sendo obrigado a ficar ali. — E eu também ouvi hoje, na hora da…

 

Omma me encarou, pedindo silenciosamente com os olhos que não tocasse no assunto da briga de mais cedo, então apenas parei minha frase antes de terminá-la. Meu abeoji apenas assentiu, limpou a boca com o lenço posto ao lado dos talheres e me encarou pela primeira vez na vida de forma compreensiva. Então eu sabia que vinha coisa pesada pela frente.

 

— Filho...desde antes de termos a conversa de sua coroação, eu tinha decisões difíceis demais a serem tomadas. – Ele começou e eu percebi meu irmão mais velho se remexer na cadeira ao meu lado. — Bom, eu realmente me sinto cansado pois com a morte de seu avô, comecei a governar até mesmo mais cedo que você e, para minha sorte, consegui me apaixonar pela minha prometida. Essa é uma parte importante.

 

A história dos meus pais era de longe a mais contada entre nós. Até mesmo Yoongi se sentia completamente obrigado a respeitar a linda história de amor dos dois. Mamãe era filha de um carpinteiro conhecido em Gwanju. Não era nobre como as outras ômegas apresentadas ao meu pai, quando mais novo. Entretanto o meu avô por parte de pai tinha muita amizade com meu avô por parte de mãe, pelo incrível trabalho do mesmo. Bom, mamãe sempre fora uma ômega muito cortejada pela sua beleza e postura. Papai sempre diz que ela parecia uma rainha antes mesmo de ser. Por isso, mesmo com as diferenças de classes sociais, não foi muito difícil que meu avô aceitasse a união das famílias. Na verdade, viam em minha omma uma luz especial dada pelos deuses. Ela tinha o propósito de guiar o papai em seu reinado. Ela sempre fora a mediadora de tudo, apaziguadora, responsável, carismática...uma rainha de forma natural. Papai sempre diz, que fora seu maior presente e que bom...ela o tem na mão. Eu não duvidava disso e a prova fora o episódio de hoje mais cedo. Tinha orgulho de minha eomoni, era uma ômega e mulher forte e mesmo com todos os julgamentos nunca saíra do lado de meu pai.

 

— Mas vejo, que minha jornada como rei está se finalizando, Taehyung. Quero viver daqui para frente, descansado. – Disse e eu assenti compreensível, podendo notar Yoongi mexendo os hashis em seu prato vazio. Eu sabia que ele queria se levantar dali e sair correndo como sempre fazia quando tinha de suportar conversarmos sobre meu reinado em sua frente. Parecia ser uma coisa que o machucava. Mas também sabia que ele se importava com o reino e queria ver de perto como as coisas se sairiam, gostando ou não. — Bom, nossa província vem tendo um problema com soldados. Graças à mudança nas leis, feita por mim...que retira a obrigação dos homens a servir ao exército e ter treinamento militar, não são muitos que se oferecem de bom grado visto nossa relação nada harmônica com o Norte.

 

— Fez a escolha certa, pai. Serviço obrigatório era injusto. – Falei o consolando, pois sabia que no fundo em alguns momentos ele poderia se arrepender de suas escolhas. Poderíamos estar ameaçados a qualquer momento.

 

— Sim...já aceitei esse detalhe. – Ele sorriu fraco. — Depois de muito tempo pensando, acabei chegando à conclusão de que a sua falta de opções para noivado não fosse assim tão ruim.

 

Franzi o cenho e percebi Yoongi fazer o mesmo ao meu lado. Não estava entendendo até onde aquela conversa daria, porém estava curioso, afinal, parecia ser uma ideia que deixava meu pai mais tranquilo. Eu faria o que fosse preciso para no fim dar certo, era meu dever afinal.

 

— O que seu pai quer dizer, Taehyung… – Foi a vez de eomoni falar, deixando o clima harmonioso como sempre. — É que talvez essa chance una o útil ao agradável. A oportunidade de unir reinos e recebermos alianças militares, entende?

 

— Bom, eu tenho contato com o general de Busan. – Appa esclareceu, fazendo minha mente clarear um pouco mais. Eu já havia entendido, apenas estava aguardando as palavras de sua boca saírem com facilidade, como se realmente confiasse em mim para aquilo. Me senti determinado. — Ele possui três filhas ômegas, que ainda não foram desposadas. Ele e a esposa estão desesperados…

 

— Desesperados por quê? – Perguntei já imaginando que alguma tragédia estava em jogo, mas então me lembrei da nossa sociedade e revirei os olhos percebendo o que realmente era.

 

— A mais nova acaba de completar dezoito anos… – Omma respondeu por fim e eu assenti, entendendo a tal “preocupação”.

 

Bom...em nossa atual sociedade, o ômega que completasse dezoito anos e ainda não fosse prometido era considerado um “mau” ômega. Lembrei-me de meus pensamentos de mais cedo sobre problemas que nossas classificações nos causavam e bem...eu realmente reclamo de barriga cheia, às vezes.

 

— E então, vocês imaginam que eu me case com uma das filhas do general e dessa forma criaremos alianças e ainda os ajudaremos. – Completei a frase com o raciocínio feito e logo ouvi uma risada curta e baixinha de Yoongi ao meu lado. O encarei diretamente pela primeira vez na noite, mas apenas por alguns segundos e, depois apenas desviei os olhos quando me encarou de volta, parecendo me desafiar a dizer algo. Era o que ele queria afinal, que eu perdesse o controle e então acontecesse o mesmo que com ele, o papai perdesse a confiança em mim. Mas isso não iria acontecer, não era o momento de briguinhas fúteis, appa precisava de ajuda.

 

— E também seria uma ajuda para a sua situação...já que você precisará se casar para governar, filho. – Omma explicou e eu assenti. A sala de jantar permaneceu em silêncio e pelo contrário do que minha família provavelmente achava, eu não tinha muito o que pensar. Não era como se eu tivesse outro plano, era isso e pronto. Entretanto, é claro que meu irmão mais velho não perderia a oportunidade de deixar um comentário desgostoso diante da conversa séria.

 

— É a primeira vez desde meus vinte anos que agradeço pela coroa ter sido tirada de mim. – Ele disse simplista e então todos o encararam. Eu principalmente estava um pouco confuso já que ele sempre soube sobre a lei. Não era uma surpresa a coisa do casamento, mas talvez ele não estivesse falando do matrimônio em si. — Não me entendam mal...eu me casaria numa boa.

 

— Então qual o problema? – Pela primeira vez dirigi a palavra a ele, naquele dia.

 

— Já ouviu falar na família Jeon? – Perguntou retoricamente, por mais que eu quisesse responder algo produtivo, na verdade eu só sabia que também eram uma família poderosa em Busan, de muitos contatos e com um dos maiores e melhores exércitos da Coréia. — Principalmente nas filhas deles…sinceramente? Que bom que não sou você.

 

Decidi apenas ignorar aquilo, mesmo que por dentro eu tenha sentido um pouco de insegurança. O que garotas provavelmente comuns poderiam causar, que fosse tão ruim para Yoongi querer tirar uma com a minha cara? Meu irmão devia estar apenas exagerando e eu tinha que tirar aquilo do meu foco, afinal tinha algo mais importante para resolver.

 

— Enfim. – Falei após respirar fundo e ignorar a fala do outro. Encarei meus pais com o melhor sorriso falso que eu pude dar e assenti lentamente, como início do que achava ser a maior doideira de minha vida. — Bom, não vejo por que não, isso terá que acontecer mais cedo ou mais tarde, então que seja por um bem maior.

 

O rei Yeonjun, meu pai que parecia tão cansado, respirou fundo como se tirasse um peso das costas, mas eu sentia que aquele peso havia pulado para as minhas. Entretanto eu nunca falaria aquilo em voz alta, não queria preocupar ninguém. Apenas faria o que fosse preciso mesmo, tinha certeza de que ficaria tudo bem.

 

— Bom...a ideia é que você pelo menos conheça bem as garotas. – Recomeçou meu pai e eu senti um alívio. Pelo menos isso. — O general o convidou para passar o tempo que for preciso em Busan com os Jeon. Isso será bom para os acordos entre nossos reinos, inclusive. Você pode ir e ficar tranquilo, eu seguro as pontas por aqui. Leve seu tempo e quando voltar, noivará e se casará o mais rápido possível.

 

As coisas estavam de repente, rápidas demais...ainda mais do que antes. Apenas assentia e encarava seu prato vazio, como um robô que apenas aceita o que lhe é dito. Eu sabia que mamãe havia notado minha postura insegura diante da situação. Eu iria sozinho, por conta própria sem ainda estar governando e ficaria responsável pelas boas relações entre as duas províncias, além de ter que arranjar tempo para continuar seus treinamentos e conhecer sua nova pretendente. Era assustador, para falar a verdade. Mas Jangmi não disse nada sobre isso, talvez mentindo para si mesma e tentando se deixar tranquila sobre o filho que se esforçaria para deixar as coisas tranquilas no reino. Minha mãe tinha fé em mim.

 

— Vou providenciar o envio da carta confirmando sua ida para a casa dos Jeon...você parte em uma semana, filho. – Ele disse rapidamente, já se preparando para deixar a mesa. E antes mesmo que se levantasse, de repente a voz de Yoongi, que passara tanto tempo falando o mínimo, se fez presente nos surpreendendo.

 

— Eu vou junto.

 

Aquela de longe era uma surpresa e tanta vindo de quem vinha. Se fosse há um tempo eu estaria me sentindo completamente aliviado por seu interesse repentino em me acompanhar nessa comédia desastrosa da minha vida amorosa. Entretanto, visto nossa relação atual, não havia outro sentimento senão a desconfiança por minha parte.

 

— O quê? Por quê? – perguntei rápido, com os olhos arregalados de surpresa e evidenciando isso em minha voz exaltada. Yoongi apenas deu de ombros e bebericou um pouco do vinho, posto em sua taça há não muito tempo atrás. Mamãe e papai também pareciam interessados até demais no motivo repentino de seu desejo.

 

— Yoongi, agora não é hora de brincadeiras…é um assunto sério. – Jangmi chamou a atenção de seu filho mais velho, que lhe encarou com um olhar cansado.

 

— Não que eu concorde com a seriedade da vida sexual do Taehyung. – Ele disse sem papas na língua, me fazendo rosnar baixinho pela provocação. — Mas é que não quero perder a oportunidade de ver isso de perto.

 

— Você quer é acabar com a minha vida.

 

— Isso também, como adivinhou? – Perguntou debochado e com um sorrisinho de canto. Yoongi era definitivamente a pessoa mais capacitada do universo para me tirar do sério e abalar minhas estruturas, se é que elas estavam organizadas. — Mas é sério, não tenho nenhum interesse no que você faz ou deixa de fazer, só quero aproveitar ares novos, esfriar a cabeça. Vão me crucificar por isso também?

 

Obviamente aquela história não estava me descendo. Porém eu tinha de admitir para mim mesmo, que ter alguém conhecido indo comigo para a casa dos Jeon, seria de grande alívio. Não que Yoongi fosse ajudar caso eu precisasse, mas já seria um passo a mais na minha confiança. Apesar de mamãe parecer contrariada, fora papai quem nos surpreendeu com sua resposta.

 

— Ah, tudo bem. Talvez seja bom mesmo você sair um pouco dos arredores. – Deu de ombros enquanto assentia. Yoongi revirou os olhos ao meu lado e tentei imaginar o porquê, afinal, ele estava tendo o que queria. Por que não aproveitar apenas?

 

— Ótimo. Vou fazer as malas. – Meu irmão disse simplista e se levantou abrupto da cadeira, deixando a sala um silêncio enrudecedor e olhares desconfiados. Meu hyung parecia apressado, desesperado demais. Isso não era nem um pouco comum quando se tratava de passar um tempo extra comigo.

 

Eu queria confrontá-lo. Perguntar o porquê de estar fazendo aquilo comigo, afinal somos irmãos, não era justo essa marcação por algo que não escolhi. Por isso, decidi de uma vez por todas finalizar aquela dúvida terrível que me incomodava o sono. Tomei um gole de meu próprio vinho e me levantei rapidamente, para poder alcançá-lo.

 

— Bom...faça o que deve ser feito, por favor pai. – Disse enquanto beijava a testa de minha mãe e dei batidinhas no ombro de meu abeoji. — Vou me deitar, estou exausto. Boa noite.

 

— Boa noite, meu filho… – Foi a última coisa que escutei, da voz feminina, antes de me direcionar às escadas para o segundo andar novamente.

 

Me apressei em uma corrida curta virando pelos corredores com rapidez e logo notando os aposentos, o de Yoongi bem na frente do meu e a porta estava aberta, já que meu irmão se postava apoiado no batente, de braços cruzados e o olhar diretamente ligados ao meu.

 

— Eu sabia que ia vir correndo. – Comentou sarcástico como sempre. — O que foi? Além de estar desconfiado de minhas intenções, é claro.

 

Me coloquei em sua frente, respirando fundo para não me descontrolar. Yoongi já vinha me irritando há muito tempo, entretanto não acho que a melhor opção seja corresponder às suas provocações, no fim era o que ele queria e não era do meu feitio ficar arranjando brigas que estressassem meus pais. Mas eu não podia fingir que nada estava acontecendo. Não queria que ele me prejudicasse mesmo quando eu não estava fazendo parte daquele joguinho ridículo que ele mesmo inventara.

 

— Eu simplesmente não entendo… – Comecei sincero. — Não acha que já está na hora de parar com essas provocações ridículas? Yoongi, pelos deuses...nós somos irmãos e eu não tô a fim de ficar nesse pé de guerra pra sempre.

 

— Que ego é esse Taehyung? Por que você pensa que é o centro de tudo? Eu não estou fazendo nada. Não menti sobre querer ir atrás de sossego. Tem noção de como é viver aqui à sua sombra há vinte e dois anos?

 

— Mas eu-

 

Já não sabia o que dizer, pois não tinha o que dizer. Não podia tirar o seu direito de se sentir cansado de sua rotina naquela família, naquela casa...talvez Yoongi tivesse seus próprios monstros para enfrentar, assim como eu tinha os meus. Entretanto, eu queria mesmo ter o meu irmão de volta, queria poder ajudar no que ele precisasse. Mas ele parecia tão inalcançável agora e, para completar, meu culpa de tudo que possa dar errado em sua vida.

 

— Eu nunca desejei isso, Yoongi...nunca te coloquei à minha sombra.

 

— Como não? Você sabe o quanto me preparei, sabe que passei minha vida toda pensando em como seria quando eu finalmente governasse. – Ele tomou uma postura ereta, chegando mais perto de mim como se quisesse que aquelas palavras tivessem um efeito doloroso em mim. Estava dando certo.

 

— Sempre isso. Sempre essa maldita coroa! – Aumentei um pouco o tom de voz. — O que queria que eu fizesse? Não podia deixar o papai na mão! Eu não tenho culpa se você não soube lidar com o peso de ser você.

 

Me arrependi amargamente no mesmo segundo. O olhar do meu hyung pareceu se perder por um instante e eu soube que havia tocado em um ponto delicado para meu irmão. Me senti envergonhado de estar fazendo algo que ele costumava fazer para me atingir. Eu sabia que era ruim e mesmo assim o fiz, de propósito para magoá-lo, pois eu estava com raiva e, cansado de ter que esconder que estava com raiva.

 

— Você poderia ter recusado…

 

— E então acha que ele te escolheria? Está se escutando? – Perguntei retoricamente, pois sabia que ele tinha noção de que as coisas não funcionariam assim. — Conhece nosso pai, Yoongi. Ele seguraria as rédeas, insistiria em mim ou talvez em qualquer outra pessoa da família, mesmo que distante..., mas não o deixaria governar de um modo que ele soubesse que não funcionaria. Você não estava e não está pronto. E a culpa não é minha!

 

— Não Taehyung…esse não é o motivo. Não é possível que seja tão ingênuo, não cansa de ser o filhinho do papai o tempo todo? – Ele abaixou o tom de voz, como se quisesse que apenas eu o ouvisse e guardasse aquilo comigo. — Você sempre foi o triunfo deles...desde pequeno. Pode não estar claro para você porque obviamente não é prejudicado com isso. Eu tentei provar e tenho que provar tudo para todo mundo durante toda a minha vida, mas então você chega, sorri e fala umas palavras educadas e de repente é o rei que todo mundo precisa.

 

— Sabe que não é verdade. – Falei e então comprimi os lábios, não querendo acreditar no que ele estava dizendo. No fundo eu sabia que era porque eu não queria ser o motivo da mágoa do meu irmão, de seu sofrimento. Doía em mim também. — Você sabe o que realmente foi a gota d’água...nós quase perdemos você, naquela noite.

 

Yoongi começou a mostrar seu sorriso gengival, sarcástico, como se não ligasse para as minhas palavras. Como se duvidasse realmente de nossas preocupações na noite que definiu seu destino e meu destino como rei.

 

— Isso aqui? – Ele apontou para a cicatriz, marca e lembrança de algo que nunca poderíamos esquecer. — Acredite, não foi a minha maior dor. Foi pior para mim ter que escutar nosso pai mais preocupado em me dar uma bronca por ter sido corajoso o suficiente, do que realmente preocupado com o meu rosto praticamente desfigurado. — Só então eu entendi, que para o meu irmão, aquela cicatriz era mais um presente, do que um castigo. Para nós era uma lembrança ruim, mas para ele...era o símbolo de sua coragem, mesmo que quase tenha custado sua vida.

 

— Ele estava desesperado, irmão. – Minha voz saiu falha, me lembrando daquela noite.

 

—————————

 

— Mamãe? O hyung vai ficar bem? Ele estava sangrando tanto. – Eu perguntava enquanto observava Jangmi sentada, tomando um chá com as mãos trêmulas, encarando a chuva forte que caía do lado de fora, no nosso grande jardim. Eu sabia que ela tentava parecer forte, mas não era difícil ouvir seu coração, sua respiração...me concentrar em meus sentidos e perceber que minha mãe estava completamente sem chão.

 

Yoongi hyung fora encontrado há algumas horas, por soldados do papai. Ele havia sumido por todo o dia e não havíamos nos importado muito, ele sempre fazia isso mesmo. Havia sido após mais uma discussão com o papai, mas dessa vez havia sido feia. Papai apontou o dedo na cara do meu hyung e lhe disse que ele era incapaz de se sacrificar pelo seu povo se fosse preciso. Por coincidência, ou um castigo terrível dos deuses e de nossos ancestrais, sofremos um ataque surpresa do norte, naquela mesma manhã.

 

— Ele vai ficar bem, Taehyung. – Ela tentou me confortar, mas sua voz não parecia estar tão confiante do que dizia. — Vá para o seu quarto, sim? Durma um pouco.

 

O lobo de Yoongi hyung era forte. Um grande lobo negro de olhos vermelhos escarlate. Ele é um alfa como eu, então também é muito grande e forte, suas habilidades são mais avançadas que as dos outros lobos e pelo nosso treinamento, somos uma arma secreta de nosso pai. Ninguém imaginaria que conseguiríamos nos defender, por exemplo. Talvez fosse esse o pensamento do meu hyung, quando resolveu se transformar e tentar um ataque surpresa pela floresta. Não correu nada bem, ele ainda tem dezoito anos afinal.

 

— Inconsequente! É o que você é! – Papai gritava muito, e era possível ouvir até mesmo do lado de fora da enfermaria. Eu tinha apenas dezesseis anos, não sabia muito bem de todos os assuntos sobre a realeza, pela qual Yoongi estava se preparando por tanto tempo..., mas as coisas não pareciam estarem boas. — Como eu imaginava! Yoongi, você não tem o que é necessário para ser um rei. É um imprestável, eu poderia lhe…. argh!

 

O hyung apenas tinha a cabeça abaixada, mordendo os lábios com raiva. Seu rosto estava coberto de curativos e eu sabia que mamãe estava preocupada com sua visão. Por sorte, o lobo de Yoongi hyung era tão poderoso que acelerou sua cura e conseguiu poupar sua visão. Porém a marca enquanto humano e a marca enquanto lobo, nunca mudaria. Foi o que os médicos falaram. Ele não parecia estar muito afetado pela cicatriz ou pela marca de sua parte lupina. Mas papai estava muito furioso.

 

— É bom que não tenha posto tudo a perder, Kim Yoongi. Você pode dar adeus à coroa, agora mesmo!

 

—————————

 

— Eu vi o desespero dele, Taehyung. – Ele debochou mais uma vez. — Eu consegui diminuir nossos inimigos em grande parte, entretanto nosso pai nem mesmo lembrou-se desse detalhe. O ataque dos lobos do norte não chegou até o vilarejo por minha causa.

 

— Eu… – remoí meus pensamentos, tentando me esquecer da péssima sensação daquela noite, há seis anos. Queria me esquecer da imagem dos soldados carregando o corpo nu de meu irmão, completamente ensanguentado. Ele havia ficado na floresta por muito tempo, desacordado. Seu lobo ficou tão fraco, que sua forma humana voltou rapidamente. Foi traumatizante. — Eu sinto muito, hyung.

 

— Isso não muda nada, Taehyung. – Disse sério. — Eu sempre vou estar à sua sombra e você sempre vai bancar o bom tentando me mostrar que essa não é a realidade, quando você sabe que é. Porque você é um hipócrita. É o que você é.

 

A porta foi batida em minha cara e eu permaneci ali por algum tempo. Tempo demais até, mas em dado momento entendi que a luta já era perdida. Meu irmão não estava mais ali, o antigo Yoongi não existia mais e eu precisava aceitar aquilo.

 

Me dirigi ao meu quarto, que ficava bem na frente do seu e fechei a porta. Mal me percebi retirar minha calça, blusa e me jogar na cama grande, apenas de cueca. O sono me pegou rapidamente, mas não antes de me afundar em lembranças que nunca mais voltariam.

 

—————————

 

— Taehyung! – Yoongi chamou minha atenção e eu me explodi em gargalhadas ao perceber seus olhinhos pequenos me fitarem em surpresa. — Isso não vale! Você roubou!

 

— Eu não roubei, hyung! – Exclamei, exibindo meu sorriso com os dois dentes da frente em falta. Eu e meu hyung estávamos lutando na Sala Secreta e ele me ensinava alguns golpes novos. Yoongi estava me explicando que fazer cócegas em seu inimigo na hora da luta não era muito bem uma maneira justa de vencer. Mas eu não concordava muito. — O importante é vencer, não importa a maneira que seja.

 

— Isso não é verdade, Taetae… – Ele começou se sentando no chão amadeirado e eu o segui. Estávamos suados, completamente bagunçados e meu hyung estava vermelho por tanto esforço. Ele tinha a pele muito branca, como a da mamãe, por isso mudava de cor tão fácil. Já eu, puxei a pele do papai, assim como as proporções corporais e boca. — Vencer é importante, mas você deve ter orgulho de sua luta. Deve ser uma luta justa e, principalmente, você deve ter certeza de que não passou por cima de seus valores. Se não, de nada vale.

 

— Meus valores são as cócegas.

 

— Ah claro...quando lobos enormes voarem em cima de você, faça cócegas neles.

 

— Não preciso me preocupar… sabe por quê? – Perguntei e então meu hyung estreitou as sobrancelhas, me incentivando a continuar minha explicação. — Porque sei que você chegará em algum momento, abocanhando todos eles…

 

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| 6 dias antes da Lua Azul |

x JUNGKOOK x

Acordar cedo nunca fora uma coisa difícil para mim. Sempre fui uma pessoa muito ativa e por isso, desde pequeno, me esgueirava pela borda da cama e corria rapidamente para fora – nos fundos dos campos, que é onde nossa casa se localiza no vilarejo de Busan – sentindo a grama molhada pela garoa da noite anterior, nos pés descalços. Jimin sempre estava me aguardando, com as bochechas grandes e vermelhas pelo frio, bem debaixo de Aurora, para brincarmos até o café ficar pronto.

 

Entretanto, hoje não foi bem assim que aconteceu. Normalmente eu sentiria os raios solares se esquivando pelas minhas cortinas e acertando meu rosto com força. Eu me espreguiçaria, esticaria meus músculos e desceria de pijama e cabelos bagunçados mesmo, provavelmente arrancando olhares não muito agradáveis de Taehee, minha madrasta. Hoje, eu acordei com gritos. Gritos irritantes e estridentes, desses agudos e propositalmente exagerados.

 

— Ah...fala sério. – Digo cansado, com a voz rouca de sono e abro apenas um dos olhos, tentando me acostumar com a luz que inundava o quarto, mas em vão. Cocei o olho com as costas da mão e bocejei pela segunda vez, jogando minhas pernas pesadas para fora do colchão duro que minha madrasta havia me “presenteado” com tanta força de vontade.

 

Por que aquela gritaria toda? Era alguma data especial? Eu estava deixando algo passar? Me esquecendo de alguma coisa? Bom, fosse o que fosse...com aquela pressão aguda dos gritos de minha irmã, com certeza o motivo tinha força para mudar o mundo, quem sabe. Não é possível que minhas irmãs tenham gargantas tão potentes. Obriguei minhas pernas a caminharem e então abri a porta do quarto e fui em direção ao primeiro andar.

 

Os Jeon tinham uma boa vida...ótima vida, aliás. Insung, meu pai, é uma pessoa importante para a província, talvez a mais importante depois da realeza. Ele é o general, comanda todas as forças militares de Busan e até mesmo de algumas outras províncias que criam alianças. É um homem influente e, por isso...nossa família desfruta de muitas regalias, mesmo sendo alvo de escândalos alarmantes vez ou outra. Bom, eu apenas ignoro esses escândalos, afinal não consigo entender quem poderia querer mais do que uma casa enorme, comida a todo momento, cavalos à sua disposição, e terrenos tão grandes para caçar e correr. Aliás, sendo completamente invisível para minha própria família, possuo uma liberdade que minhas irmãs não podem se gabar de ter e, isso é meio que bom, na maioria das vezes.

 

A principal coisa pela qual poderia me queixar era sobre a sociedade. Poderia dizer que não queria ser um ômega, que não queria ter nascido ali..., mas não achava que fosse esse o problema. Me amo do jeitinho que nasci, me considero muito sortudo, mais que muitas pessoas e reconheço meus privilégios e conforto, por isso tento não reclamar muito. Mas a situação virava outra quando os estereótipos e a sociedade preconceituosa em que vivemos atrapalham minha vida e de outros ômegas, de maneira variada. Várias partes dela. Eu já tenha dezenove anos, então aos olhos de todos já deveria estar desposado, era “obrigado” a estar a procura de um alfa que tomasse conta de mim, ter uma casa que eu teria que manter, ter uma família, cozinhar para a minha família, limpar para a minha família e, apenas isso. Esses eram os objetivos de ômegas na sociedade e quem desviasse do padrão...bom, era uma província grande, mas o vilarejo em que a família Jeon se localizava, era pequeno e as conversas rodavam com uma velocidade inacreditável.

 

Bom, eu definitivamente nunca liguei muito para isso. Por mais que me irritasse em alguns momentos, não era como se pudessem me obrigar a algo ou como se eu tivesse alguma imagem a zelar. Estava pouco se importando com o que achavam de mim. Entretanto, precisava manter a imagem da família, a imagem de meu pai – que um dia já não fora das melhores – e principalmente, tinha que agradar a madrasta, afinal sou o filho bastardo do general Insung.

 

Já não era bem visto pelas pessoas somente pelo fato de ser fruto de uma traição, que eu nem mesmo tive culpa. Não tinham esperança alguma em mim, pelo contrário, acabavam sempre apostando internamente que eu não teria um futuro digno, que nenhum alfa iria me querer de forma compromissada, que eu nunca teria uma vida que prestasse visto que ela já se iniciara de um erro. Como eu poderia ligar para o que as pessoas pensavam, se não era de todo mentira?

 

— O que tá acontecendo? – Pergunto ao chegar na sala de estar. Taehee – mãe das outras três meninas – tinha uma carta na mão e um sorriso largo no rosto. Já Yeji, Jisu e Hanseul pulavam e batiam palminhas enquanto continuavam sua gritaria estridente a cada palavra que a mãe lia.

 

Como sempre, eu fui completamente ignorado e claramente nem haviam me visto ali. Então cheguei mais perto e me sentei ao lado de Taehee, tentando espiar a carta de folha bonita. Assim que a observei melhor, cheguei à conclusão de que a letra também era muito elegante e, no alto, antes das inúmeras frases que cobriram quase todo o papel, havia o brasão conhecido por todos ali, e muito bem conhecido. Era uma carta dos Kim.

 

— Porque a família real de Daegu nos enviou uma carta? – Perguntei em alto e bom som e só então, consegui que prestassem atenção em mim.

 

— A família real de Daegu enviou uma carta para ELAS. – Taehee me corrigiu com o mesmo tom esnobe de sempre.

 

Eu definitivamente não tinha uma boa relação com minha madrasta. Bom, na verdade, ela não tinha uma boa relação comigo e eu até compreendia isso, já que eu lembrava muito minha mãe em muitos aspectos. Taehee e as filhas – minhas irmãs, para todos os efeitos – viviam me dizendo que eu deveria me sentir agradecido por poder ficar com elas na casa, sentar-me à mesa e ter estudado junto com as meninas. Elas diziam que eu deveria me sentir grato por elas serem tão generosas. Bom, por muito tempo eu realmente me sentia assim, ainda hoje algumas vezes, ainda me sinto como se fosse um hóspede ou algo do tipo. Sou fruto de uma traição. Mas não deixo que pensem que me sinto mal por isso, pois não sinto. Sei que meu pai amou minha mãe arduamente e por isso eu fui gerado...um amor proibido que não resultou em comentários bondosos.

 

Todo o vilarejo soube quando Jeon Jungkook nasceu. Filho de uma das criadas com o general Insung. Um bastardo. Lim Nayeon era uma das cozinheiras da família, moça jovem e bonita, precisava de um emprego depois de fugir das terras de Seul. O general Insung a acolheu, lhe deu moradia – como todos os seus criados tinham ali por perto – e um bom salário. Entretanto, não foi a única coisa cultivada entre patrão e criada, meus pais. A família Jeon fora alvo de fofoca por muito tempo e Taehee, nunca se sentira tão humilhada, principalmente pelo fato de a amante do marido ter conseguido dar o filho homem que Insung tanto queria, e ela não. Nayeon morrera no meu parto complicado e o meu pai, bom...evitava falar muito sobre o passado. É claro que de nada adiantava, afinal a mãe de Jimin, Park Jihyo, era melhor amiga de Nayeon, já que trabalhavam juntas. Graças a isso, a outra contava para mim e Jimin sobre o passado das duas e como ficava feliz em ver nós dois sendo melhores amigos, como elas eram.

 

— O que diz aí? – Pergunto curioso, afinal, não faz mal perguntar. Continuava esticando o pescoço, os lábios entreabertos e vermelhinhos, num biquinho manhoso. Eu fazia sem pensar, era automaticamente adorável para muitas pessoas – era o que me diziam – e mesmo que na maior parte das vezes essa minha imagem viesse à tona, também me diziam que minha dualidade era perigosa para os corações das pessoas. Minha curiosidade não estava sendo sanada naquele momento e, por isso, eu estava um pouco irritado. Não entendia o porquê de tanto mistério. Se fosse algo importante – ainda mais se tratando de uma das famílias mais importantes do país – em algum momento todos ficariam sabendo mesmo.

 

— Ora, largue de ser sem educação garoto! – Taehee resmungou irritada, mas Jungkook não pode deixar de soltar um sorriso fraco. Era engraçado quando a mulher se irritava com ele. — Não vê que não é de sua conta?

 

— Fale para ele mamãe… – Hanseul disse de nariz em pé, se aproximando de mim e de Taehee, me encarando de cima como se eu fosse alguém não merecedor de sua total atenção. Como se nós não pudéssemos conversar de igual para igual. — Mostre para ele o quão importante somos...e que o príncipe está vindo para cá, escolher uma de nós para se casar.

 

Hanseul parecia extremamente orgulhosa do que acabara de falar, os cachos que caíam nos dois lados de seu rosto bonito a faziam parecer alguém completamente angelical e inofensiva, mas eu bem sabia que minha irmã mais velha de todas, era junto da mãe, a pior das piores pessoas que já conhecera.

 

— Para cá? – Pergunto surpreso. — Está falando sério? Não acredito. O que o príncipe Kim viria fazer aqui, com tantas pretendentes em Daegu?

 

Eu sabia que havia irritado minha madrasta e minha irmã, porém não podia deixar de admitir que era verdade. Não conseguia entender por que diabos alguém sairia de sua província – sendo tão importante e requisitado – para tentar desposar alguma de minhas irmãs, das quais todos os alfas corriam. Era fácil imaginar o porquê de tal ato, elas eram realmente irritantes.

 

— Mas é claro que falo sério. Não é porque nenhum alfa lhe quer, que conosco acontece o mesmo, Jungkook. – Hanseul respondeu afinca. — Somos lindas, nossos cheiros são maravilhosos e qualquer alfa poderia cair aos nossos pés, até mesmo o príncipe Kim.

 

— Isso não é verdade. – A rebati, me levantando e cruzando os braços na frente do corpo. Me referia ao seu comentário sobre mim, comentários que eu já deveria ter me acostumado a escutar, sem rebater, mas era um pouco impossível. — Muitos alfas me querem. Eu é que não os quero.

 

Em alguns instantes, as irmãs e Taehee caíram em gargalhadas irritantes, me fazendo revirar os olhos e me perguntar o que eu havia feito aos deuses para viver naquele ninho de cobras.

 

— V-você? – Jisu perguntou tentando recuperar o fôlego depois de risadas exageradas. Jisu é minha irmã do meio, tem vinte anos. Um ano mais velha que eu, apenas, fazendo com que Yeji fosse a caçula de toda a família. — Mentir é feio Jungkook. Mas não se preocupe, tenho certeza de que o papai vai arranjar um alfa necessitado para você, isso se algum ainda lhe quiser mesmo depois de você já passar seu cio com alguém.

 

Senti meu rosto queimar, mas não de vergonha e sim de raiva. É, realmente passava alguns de meus cios com pessoas que conhecia, mas porque gostava e me interessava por elas. Não havia uma marca ainda, não me importava em encontrar minha alma gêmea ou algo assim... gostava de me sentir dono de mim mesmo e não era Jisu que me faria sentir como se fizesse algo de errado. Eu tinha vontades e queria cessá-las, não há nenhum crime nisso, há?

 

— O que isso tem a ver? Pelo menos eu não sou tão frustrado sexualmente que tenho de ficar tentando desmerecer a vida dos outros, Jisu. Que eu me lembre, você também já passou dos dezoito e não foi desposada. – A resposta veio como um jato. Mal percebi quando já estava terminando minha fala e então arregalei os olhos ao finalizar. Todas na sala me encararam com os olhos arregalados também, como se não pudessem acreditar na ousadia de minhas palavras.

 

— Como se atreve a dizer uma coisa dessas? Como é vulgar, garoto! – Taehee perguntou se levantando furiosa. Os olhos faltavam pouco sair do rosto, esbugalhados. — Não pode apenas parabenizar suas irmãs pelo que acontecerá no futuro? Vamos receber o príncipe aqui, não seja tão invejoso.

 

— E-eu não…

 

— Vamos, peça desculpas já. – Ordenou e então me senti encabulado. Era sempre assim, eu explodia, dizia coisas não muito legais – mas que eu realmente desejava dizer – e me arrependia quando todos resolviam jogar as verdades na minha cara. Encarei minhas irmãs, que me encaravam de volta, como se eu não tivesse importância alguma ali, mas ainda sim lhe devesse o respeito. Pelo que? Eu não sabia muito bem. — Aliás, não deveria se orgulhar de ser um ômega tão...sem escrúpulos.

 

— Tudo bem… – Resmunguei baixo, ainda envergonhado por suas palavras e encarei os meus pés descalços, postos no carpete cor creme que dava um ar de clareza na sala. De repente qualquer detalhe, que não os olhares que me humilhavam naquele momento, parecia mais interessante. — Me desculpa, Jisu. Estou feliz por vocês, não me entendam mal.

 

Minha vontade era sair correndo dali e nunca mais voltar, entretanto ainda tinha o café da manhã e meu pai chegaria a qualquer momento. Ele prezava pela pequena reunião de família todas as manhãs.

 

— Bom...agora vocês...vão logo para a mesa. – Ordenou a mais velha e então todos foram em direção à enorme mesa posta, lotada de comidas de todos os tipos. Pude sentir meu estômago roncar só de visualizar os bolos, pãezinhos e biscoitos recém-assados por Jihyo. Ela tinha mãos de fada, cozinhava como ninguém. — Meninas, não comam tanto. Precisam estar perfeitas para quando o príncipe chegar, sem rostos ou barrigas inchadas, entenderam?

 

— Claro, mamãe. – Responderam num uníssono e então eu afastei a franja lisa dos olhos para mordiscar um pedaço de bolo, olhando de canto para as irmãs e sentindo-me mal por elas. Nunca em minha vida deixaria de comer tanto para que não inchasse, era a melhor coisa para mim: comer. Porém eu tinha noção que dificilmente engordaria com a quantidade de exercícios que eu sempre fazia. Tinha músculos fortes e torneados, apesar de não serem músculos grandes. Podia orgulhar-me da cintura fina, pelo menos eram muito elogiadas. Mas não me importaria se eu ganhasse alguns pneuzinhos aqui e ali.

 

— Ham...mamãe, não se esqueça dos nossos vestidos. Precisamos que cheguem antes do príncipe, afinal precisamos estar apresentáveis. – Jisu comentou entre uma bebericada de chá e um sorriso malicioso que me fez revirar os olhos. Meu leite banana estava tão bom, que mal percebi quando Taehee me encarou com expectativa. Já sabia o que estava por vir.

 

— Claro. – Afirmou. — Jungkook, preciso que vá amanhã na vila, buscar os vestidos de suas irmãs com a costureira. Não pode ser tarde, precisamos fazer a prova.

 

— Por que vocês não vão e provam lá? Pouparia trabalho, não? – Perguntei talvez um pouco ingênuo, já que no fundo sabia bem a resposta e, então recebi um olhar fuzilante a confirmando.

 

— Porque quero que você vá buscar, qual parte não entendeu?

 

Ah claro, como não desconfiara disso. A ideia era exatamente ele ter mais trabalho.

 

— Tudo bem Taehee, irei amanhã cedo. – Disse desistindo. Não queria briga nenhuma e nem mais uma enxurrada de ofensas em minha direção. Logo que voltei a atenção para o delicioso leite de banana, que deixava um bigodinho branco acima de meus lábios, pude observar a visão de meu abeoji passando pelo enorme arco que separava a sala de jantar e a sala de estar. Engoli rapidamente o leite, me apressando em cumprimentá-lo. — Oh! Bom dia, pai!

 

Meus olhos deviam estar arregalados e meus dentes da frente um pouco aparentes, pois era sempre assim que eu me portava quando ficava contente em ver meu abeoji. A única pessoa que realmente se importava comigo, pelo menos um pouco, naquela casa, depois de Jihyo noona. O fôlego me faltou pela rapidez com que engoli o líquido cremoso, porém havia valido a pena quando o sorriso de meu appa se dirigiu a mim e então ele bagunçou meus cabelos.

 

— Bom dia, Jungkook. – Sentou-se então na ponta da mesa, onde era seu lugar. — Vocês receberam a carta de Yeonjun?

 

Ah, então o meu pai sabia da novidade. Provavelmente há muito tempo estava conversando com o rei Yeonjun sobre a apresentação das filhas. Me sentia incomodado com isso, não aprovava tudo o que o appa fazia, por mais que o amasse, apesar de tudo. Soube no mesmo momento que, por trás daquele plano, havia interesses militares por parte do rei de Daegu, assim como o general Jeon queria melhorar o status das filhas socialmente. Entretanto, eu não apoiava que as oferecesse como uma mercadoria. Por isso, quando percebi o fundamento de toda aquela comoção, fechei a cara e foquei em meus pãezinhos de aipim, que pareciam muito mais interessantes.

 

— Sim, as meninas adoraram a notícia. Vamos nos preparar para a chegada do príncipe. Amanhã mesmo Jungkook irá buscar os últimos vestidos que mandamos prepararem. Por sorte fizemos a encomenda antes, como poderíamos adivinhar sobre essa surpresa maravilhosa!? – Taehee informou como se o fato de eu ficar de lá para cá fazendo seus caprichos fosse a coisa mais incrível do mundo. Em alguns momentos – e quase todos eles – eu ficava furioso por papai não fazer nada a respeito. Ele apenas me encarava com um olhar triste, como se estivesse com pena, mas entendendo que não podia exigir muito já que fora responsável pela traição anos atrás. Como se eu tivesse alguma culpa sobre seus erros. — Não é, Jungkook?

 

— Uhum. – Resmunguei baixo, enchendo a boca de pão para não ter que conversar nem nada parecido. Após terminar de me empanturrar do que fosse necessário, apenas me levantei, chamando a atenção de todos, que antes conversavam animados sobre os preparativos para a chegada do tal príncipe.

 

— Aonde vai, filho? – Esse fora appa, que perguntara.

 

— Ham...até a clareira. – Falei dando uma pausa, percebendo os olhares transbordando descontentamento pela minha amizade com o loiro com quem já sabiam que eu me encontraria e que se eu conhecia bem o bastante, já estava na cozinha esperando por minha chegada. — Com o Jimin.

 

Meu abeoji apenas assentiu e então me retirei, indo em direção ao segundo andar. Eu não possuía roupas finas como minhas irmãs, nem fardas de grife como o papai. Não me importava com esse tipo de coisa, afinal passava a maior parte de meu tempo andando a cavalo, correndo por aí ou rasgando minhas roupas por causa das transformações quando eu e Jimin resolvíamos subir as montanhas, como no dia de hoje.

 

Por isso, ao chegar em meus aposentos, coloquei apenas uma calça de linho. Não usaria blusa, não queria rasgar mais uma à toa, já que em pouco tempo eu estaria aquecido por conta dos pelos. Amarrei uma blusa e uma bermuda de tecidos leves no pulso e parei em frente ao espelho grande, que ficava ao lado de minha cômoda. Arrumei meus cabelos, que por sinal se encontravam divididos e cresciam rapidamente, a franja lisa tocando meus cílios por pouco, então joguei-a para o lado. Eu gostava dele assim e Jimin dizia que eu ficava sexy. Acreditava nele.

 

Desci as escadas correndo, sentindo o vento gelado de agosto bater contra minha pele. Precisava ser rápido ou então morreria congelado. Na cozinha, meu amigo se encontrava da mesma forma: sem camisa e apenas uma bermuda, as roupas amarradas no pulso, os cabelos loiros bagunçados e, pelo jeito, recém cortados – pois estavam raspados por baixo – eu amava aquele tipo de corte em Jimin, o deixava parecido com um príncipe. Jihyo noona lhe dava tapas pelo meu melhor amigo estar roubando alguns biscoitos e ele ria da irritação da mãe.

 

— Vamos logo Jimin, estou morrendo de frio. – Disse batendo o queixo. Olhei pela porta aberta e pude perceber uma fina camada de gelo cobrindo a grama e as árvores enormes da floresta fechada que ficava depois dos campos de meu pai. As montanhas ficavam mais para trás, contornando o vilarejo e servindo de divisão da província de Busan para a de Seul, e estas montanhas com certeza estavam ainda mais congelantes.

 

— Finalmente, Kookie! Estou aqui há mais de meia hora, está tão frio. – O loiro resmungou esfregando os braços na tentativa falha de aquecê-los.

 

— Vão logo, antes que peguem um resfriado. – Jihyo noona disse empurrando a mim e Jimin para fora da cozinha, em direção à porta dos fundos. — Tomem cuidado e não destruam o gramado desta vez, deixem para se transformar na beira da-

 

Antes mesmo que minha noona terminasse de falar, fomos vencidos pelo frio amortecedor e nos transformamos ali mesmo, assim que passamos pelas portas. Ah...era tão melhor ser aquecido pela minha pelagem. Pude observar o lobo de Jimin correr rapidamente à minha frente, já que eu me distraíra com os trapos de minha calça e sua bermuda caindo para trás, era menos uma muda de roupa, ótimo. O barulho alto de nossas patas em contato com o chão era uma bagunça só e, com toda certeza levaríamos uma bronca pela grama que arrancávamos com a força de nossas pisadas.

 

Sou um ômega cinzento, minha pelagem é de um cinza escuro que acaba clareando chegando em meu rosto e então fica branca. Meus olhos são amarelados e, infelizmente não sou tão grande quanto um alfa, mas meu lobo é considerado um dos mais bonitos do vilarejo, assim como o meu cheiro é um dos melhores. Jimin também não fica muito atrás no quesito beleza, eu particularmente acho seu lobo o mais bonito de todos. A pelagem é branca feito a neve, tão branca que se neste momento ele se esconder em meio a neve caída ao chão e fechar os olhos, posso perdê-lo de vista. Digo fechar os olhos pois os orbes azuis brilhantes de Jimin poderiam ser enxergados há quilômetros de distância. Tão bonito. Jimin também é um ômega e os alfas gostam de seu cheiro, entretanto, como também sou um ômega não me sinto atraído pelo seu, mesmo que consiga senti-lo e apreciá-lo. O feromônio de meu melhor amigo é doce como de todos os ômegas, um toque mais morno – não muito forte e amadeirado como os dos alfas ou simples como os dos betas – e fresco, muito bom. Jimin cheira a baunilha, leite condensado e um toque de framboesa, da forma mais leve e gostosa...como uma sobremesa antes do jantar. Jihyo noona diz que o alfa de Jimin terá sorte de dormir ao seu lado, pois dá vontade de abraçar o loiro e afundar o nariz em seu pescoço durante todo o tempo. Ela faz muito isso, mesmo Jimin já tendo vinte anos, ele ainda parece um bebê para a mãe e não a julgo, meu hyung é fofo.

 

Ao adentrarmos a floresta, rapidamente a luz solar fora bloqueada pelas copas das enormes árvores e então só o verde escuro passou a ser visto. A neve fofa abafando o som de nossas patas na corrida intensa. Jimin rosnava alto, me provocando por estar para trás, porém em pouco tempo pude alcançá-lo e acabar com a zoação de seu lobo bonito e ousado, empurrando-o com o corpo e o fazendo bater em uma árvore de tronco grosso e escuro. Rosnou novamente e eu olhei para trás, a língua entre os dentes como se tentasse sorrir. Jimin saberia que eu estava gargalhando por dentro. A árvore havia sido marcada pela força bruta do corpo grande do lobo, mas ele não pareceu se abalar nem um pouco, não havia feito nem cócegas. Pelo tamanho, velocidade e habilidades, nossas formas lupinas podiam se deslocar facilmente para onde quisessem, devida circunstâncias, é claro. Por isso, não demorou muito para que avistássemos a clareira não muito longe. Sem a cobertura das árvores, o sol batia com certa beleza especial no grande círculo que a delimitava, iluminando o vasto lago e a grama seca que era mais clara do que as do campo. Eu gostava de estar ali, me trazia paz, porém na primavera era quando as flores cresciam e tudo ficava ainda mais lindo.

 

Jimin me encara quando finalmente me alcança e então me dá as costas, rosnando um pouco antes de começar a se transformar novamente. Logo já não está mais em quatro patas e sim com a enorme bunda branca virada para mim. Afasto um pouco a cabeça e bufo de brincadeira, fazendo com que um pouco de baba respingue em meu amigo, que me xinga sem parar.

 

— Ande logo, Kookie. – Chamou ele terminando de vestir a blusa de mangas longas e então sua calça. Jimin se põe a andar na direção do lago congelado e se senta na beira, notando o vapor saindo de sua boca ao respirar. Os olhinhos se comprimiram num sorriso bonito. Jimin gostava de coisas simples e da beleza delas, então sorria sempre, o tempo todo encontrando algo para admirar. Meu amigo tinha uma visão especial sobre tudo e todos – menos sobre minhas irmãs e madrasta, elas ele odiava mesmo.

 

Me viro de costas na intenção de fazer o mesmo, retornar à minha forma humana. Resmungando de desconforto quando sinto meus ossos se contorcerem, voltando à minha forma humana em pouco tempo, os músculos queimando um pouco, num incômodo acostumado. No início, nas primeiras transformações, era quase insuportável o ardor de todos os meus músculos e depois a completa fadiga. Mas com o tempo, nos acostumamos e então a ligação do lobo com a parte humana estava feita por completo e nos tornamos um só. Minha primeira transformação fora com quinze anos, já Jimin fora um pouco mais cedo, o que me causou ciúmes por um bom tempo. Eu ficava dia e noite ansioso, por saber o que eu seria, qual seria meu cheiro, qual seria a minha cor.

 

Minha mãe era uma ômega e meu pai um alfa, eu sabia que tinha a chance de ser um dos dois, mas no fundo eu achava que qualquer pessoa torcia para ser um alfa. Não que a decepção tivesse me feito odiar meu lobo ou algo assim, com certeza não. Foi apenas questão de tempo até que eu realmente o aceitasse e então, o amasse. Era parte de mim, afinal. Às vezes eu até achava gostar mais dele do que da minha parte humana e confesso um dia ter pensado em fugir e viver apenas como um animal, até que somente ele existisse. Jimin me fez desistir dessa ideia com o tempo, mas ainda me pegava imaginando como seria viver apenas como um lobo. Ter que caçar para me alimentar, viver sozinho, cada tempo em um lugar e nunca me prender. Talvez assim as pessoas não teriam tempo de me conhecer por completo e então me julgarem com seus comentários e olhares ameaçadores.

 

— Você é um trapaceiro. Sabia que ia perder. – Jimin me acusou, inflando as bochechas coradas pelo frio. Deixei que meus dentes protuberantes pegassem seu espaço e então meus olhos se apertaram num sorriso aberto. Era tão divertido passar o tempo com Jimin hyung. Era definitivamente uma de minhas partes favoritas do dia.

 

— Eu não ia perder, apenas me distraí com alguns pensamentos. – Me justifiquei. — Sabe que sou o mais veloz de nós dois.

 

— Ah claro, vou fingir aceitação.

 

Eu e Jimin-ssi costumamos vir à clareira apenas para passar o tempo, às vezes para brincar um pouco ou apenas conversar. Jimin tem me ensinado um pouco de artes marciais e já melhorei muito nesse quesito. Ele e Jihyo noona acharam que seria melhor eu aprender a me defender visto minha posição social como ômega. Infelizmente é uma realidade triste e nojenta, mas temos que aprender a nos defender de alfas e betas que não conseguem controlar os paus ridículos e egos maiores que si mesmos.

 

Desta vez viemos apenas para conversar e observar o lago de inverno. Congelado.

 

— Tenho novidades. – Comento ao me sentar ao seu lado e aproveitar o ar puro que a floresta nos trazia, respirando fundo e dando conforto às minhas narinas.

 

Graças ao espírito do lobo em nós, raramente ficamos doentes..., mas não é impossível. Apenas menos grave e de curta duração. Entretanto, podemos ter doenças crônicas, por exemplo. Eu no caso, nasci com rinite aguda e... é um dos motivos pelos quais criei um laço incomparável com a natureza aqui fora. É melhor para minha respiração e para o meu coração. Me sinto extremamente livre e bem cuidado, como se pudesse sentir minha mãe cuidando de mim, me acalentando. É uma coisa minha, que não compartilho com ninguém.

 

— Pois diga! – Jimin exclamou curioso ao me perceber silencioso encarando o horizonte branco à nossa frente. O lago de água azul tão escura, congelado e silencioso. — Ande logo, sabe como sou curioso.

 

— Fui acordado aos gritos hoje, sabia? – Perguntei de forma retórica e com um sorriso apenas para iniciar a conversa e acalmar a expressão preocupada de Jimin. — Recebemos...as meninas receberam uma carta da família real de Daegu.

 

Em questão de segundos pude mentalizar a boca entreaberta de Jimin e os olhos arregalados em surpresa, antes mesmo de encará-lo.

 

— Sério? Uau, seu pai é tão importante. – Ele disse sonhador enquanto desfazia um pouquinho de neve grudada na grama, entre os dedos.

 

— Pelo que entendi, não é só isso. O príncipe precisa encontrar um ômega antes de ser coroado. Se lembra da lei?

 

Jimin assimilou a ideia antes de se pôr a concordar com a cabeça, silenciosamente.

 

— Aish...é claro. Todo alfa precisa ter um ômega ao lado, afinal. – Jimin disse conformado. — Para um rei, essa lei deve ser ainda mais absoluta, não é? Ele precisa estender sua geração. Não é difícil imaginar o porquê de ele procurar um ômega. Mas, onde sua família entra nisso?

 

Jimin fora esperto como sempre, me poupando explicações extensas como eu sempre dava. Gostava de dar um pouco de drama às minhas histórias, mas tudo bem. Não estava muito a fim de falar sobre a realeza mesmo. Me parecia meio chato.

 

— Bom, o rei Yeonjun quer que o filho escolha uma das minhas irmãs para desposar. Ele virá passar um tempo aqui conosco, para conhecê-las melhor. – Falei desgostoso e revirei os olhos sem encarar Jimin, que parecia confuso com o meio da testa enrugado. — Sei o que está se perguntando. Porque alguém como ele viria até aqui para isso.

 

— Que bom que sabe. Porque não consigo entender. Quem iria querer casar com suas irmãs, para começo de conversa? – Sua fala me fez rir e lhe dei uma ombrada de brincadeira.

 

— Elas acham que nenhum alfa poderia recusá-las...cuidado com o que fala, Jimin. – Brinquei e ele fechou os olhos em uma dramatização.

 

— Fala sério...elas precisam cair na real. – Falou por fim. — Mas então, pelo jeito a situação é mais profunda do que parece. Uma aliança dos reinos, seu pai é importante afinal.

 

Dou de ombros, porque ele é mesmo. Entretanto, algo como uma pulguinha enjoada me incomoda e me faz pensar mais adentro.

 

— Sim, mas se fosse apenas isso...o príncipe iria diretamente à família real de Busan. Os Lee têm quatro filhos. – Esclareço, pois faz sentido. — Talvez estejam com problemas diretamente militares, não econômicos. Já ouviu falar sobre as leis do rei Yeonjun?

 

— Sim...mamãe disse que ele é um bom rei e desfez a lei que obrigava a todos os alfas e betas a servirem. – Jimin comprimiu os lábios. — Isso faz sentido. Aqui ainda é obrigatório para os que nasceram em Busan. Temos mais homens servindo, talvez seja isso o que eles precisam.

 

Era isso. Jimin havia tido o mesmo raciocínio que eu mesmo. Eu não estava louco por fim. Papai estava mesmo oferecendo as filhas como forma de tratado para negócios e minhas irmãs estavam mesmo achando que o príncipe havia se interessado imensamente por elas. Era uma pena, mas pelo menos uma delas teria sua ilusão transformada em realidade, ou meia realidade.

 

— Nós somos gênios. – Concluí. Porém percebi Jimin um pouco abatido. — O que foi, Chim?

 

— Bom, é irritante ver o quanto nosso país precisa de guerreiros e nós somos impedidos de servir por sermos ômegas. – Jimin explicou, formando um bico nos lábios cheinhos. — Sabe o que eu sempre quis.

 

— Sei. – Mordisquei meu lábio inferior me sentindo mal pelo meu amigo. Nós dois tínhamos sonhos que eram desencorajados por sermos quem somos. — Mas você ainda vai conseguir. Nós vamos, capitão Jimin.

 

Graças à minha nomeação, Jimin sorriu largo, sentindo as bochechas corarem. Conversamos por muito tempo sobre como nos víamos no futuro – que infelizmente ficava apenas em nossa mente fértil – e passando um tempo agradável, vendo o sol se movimentar lentamente.

 

Desde pequenos, eu e Jimin víamos papai administrar seus homens com uma postura incrível. Jimin sempre admirava aquilo e dizia sem parar que um dia queria fazer parte daqueles soldados e defenderia sua província e país. Entretanto quando sua transformação veio, nós soubemos que seria difícil alcançar seus sonhos desta forma. Tive que observar meu hyung desapegar pouco a pouco de seu sonho, vendo-o treinar escondido de todos atrás do pasto. Quando Jimin atingiu certa idade, papai concordou em dar-lhe um cargo em nossa casa também, nos campos, já que ele e a mãe moravam bem ao lado. Meu hyung ficara encarregado de cuidar dos cavalos, algo que ele também é apaixonado e faz com muito orgulho e dedicação. Meu pai ama os serviços de Jimin, mas ainda tem de escutar de Taehee que ele não é uma boa influência para mim.

 

Entretanto, todos sabemos que sua implicância é a minha proximidade com a vida passada de minha mãe e consequentemente de meu pai. Isso, meu abeoji não pôde me negar, então acaba não rejeitando minha amizade com o loirinho. Já eu, bom...desde que acompanhava papai ao seu trabalho, observava os alfas e betas em treinamento, e por mais que achasse o máximo, não me enchia os olhos no sentido de se tornar um objetivo de vida, como Jimin. Eu ficava muito mais interessado em ajudar as pessoas, então sempre acaba fugindo para as tendas de enfermarias e observando os médicos e enfermeiros cuidando dos ferimentos e saúde dos soldados. Meus olhos pareciam se iluminar com estrelas em meio ao céu escuro, era tão incrível observar aquilo. Eu também queria ser assim e, desde então, acompanho meu abeoji. Eu bem sei que as pessoas dizem que está sendo apenas uma forma de diversão para mim, que seria impossível um ômega sem escrúpulos como eu, ser um enfermeiro ou curandeiro um dia.

 

— Não podemos perder as esperanças, não é? – Ele perguntou, recebendo minha cabeça balançar em afirmativa. — Mas e você, doutor Jungkook? Vai acompanhar seu pai ao quartel hoje?

 

No mesmo momento arregalei os olhos. Havia me esquecido completamente e papai não havia me lembrado. Aquele era um dia em que eu poderia acompanhá-lo e ajudar no quartel. Eu e Jimin-ssi nos perdemos no tempo conversando e aproveitando o ambiente, que me esqueci.

 

— Ah, pelos deuses! – Exclamei me levantando e apalpando os bolsos de minha calça. — Que horas são? Não trouxe meu relógio.

 

— Bom, eu não sei..., mas já deve ser quase a hora do almoço. Devíamos voltar. – Jimin se levantou. — Devíamos rasgar mais essas roupas?

 

Meu amigo se fitou de cima a baixo e depois me encarou. Um olhar sugestivo e um sorriso malicioso tomava o canto de seus lábios vermelhinhos e eu logo captei sua ideia.

 

— Nem pensar. – Neguei e logo me virei de costas, retirando a blusa de mangas.

 

— Uau, Jungkook-ah! Está com músculos fortes! – Jimin elogiou observando os movimentos de minhas costas enquanto eu retirava minha roupa e eu soltei uma risada alta.

 

— Você não pode falar muito sobre isso, hyung! Pensa que não reparei em seus braços e costas? É pequenininho, mas tem um corpo legal. – Em alguns segundos eu já estava amarrando minhas roupas no pulso novamente e o vento frio batendo contra meu corpo nu me fazia bater o queixo.

 

— Pequenininho é o seu-

 

Antes que ele terminasse a frase, me virei de frente, fazendo-o arregalar os olhos e se virar de costas, provavelmente corando como sempre fazia.

 

— Meu Deus, Jungkook! Eu não estava preparado para essa visão.

 

Senti meus lábios se esticarem e os cantos de meus olhos se enrugarem num sorriso que me fazia parecer um coelho. Era o que Jihyo noona sempre dizia, também herdei isso de minha mãe.

 

— Pare de bobeira, hyung. Já me viu pelado tantas vezes. – Resmunguei ainda rindo e o vendo virar de volta enquanto arrancava as calças e se colocava a amarrar as peças no pulso. — Ande logo ou ficará para trás de novo.

 

Meus dois pés corriam depressa no gramado enquanto eu sentia meus músculos se retesarem, meus olhos focados na floresta e então de repente minha visão se tornou ainda melhor e as quatro patas se fizeram presentes. Jimin vinha logo atrás, já transformado e me ultrapassando. Aquele nanico.

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Como imaginava, meu pai, minhas irmãs e Taehee já haviam almoçado, porém Jihyo noona havia deixado meu prato e de Jimin prontos, na enorme bancada de madeira da cozinha. Eu precisava me apressar se quisesse alcançar meu pai até o quartel, por isso fui repreendido por minha noona muitas vezes, graças à rapidez com que engolia minha comida. Mas não podia me abalar, precisava ser rápido mesmo.

 

Antes de subir correndo, pedi Jimin que preparasse Serena para mim. Serena era a égua de minha mãe e agora eu ficava com ela. Serena era muito novinha, minha mãe não a montava, porém testemunhou seu nascimento e desde então cuidava dela. Apenas por esse detalhe já era muito importante para mim e enquanto eu crescia a notava ficando cada vez mais forte e passei a montá-la. Papai deixou que eu ficasse com ela sob minha responsabilidade, era apenas minha afinal. Pedi ao meu abeoji que também deixasse Jimin ter um cavalo e depois de muita relutância, ele deixou, mas por baixo dos panos e longe dos olhos de Taehee.

 

Tomei um banho muito rapidamente e separei uma roupa de montaria adequada. Calças de tecido grosso, botas específicas – que por sinal já estavam ficando desgastadas, de tanto que eu cavalgava com Serena pelos campos – e uma blusa de mangas e botões preta, mesma cor da calça e botas. Baguncei meus fios úmidos na frente do espelho, pois não tinha muita paciência para penteá-los sempre, apenas antes de dormir e já achava de bom tamanho.

 

Escovei meus dentes tão rápido quanto desci as escadas no minuto seguinte, pulando alguns degraus e fazendo um barulho estrondoso que eu sabia que levaria uma bronca, mas saí correndo para a frente da casa antes mesmo que Taehee me localizasse para brigar comigo por correr dentro de casa. Serena é grande e sua pelagem é tão preta e bem cuidada que possui um brilho bonito. Jimin cuida tão bem dos cavalos que mantém meu coração quente quando me aproximo e afago sua crina macia.

 

— Oh...Jimin te escovou, princesa… – Murmurava com uma voz melosa, como se estivesse falando com um bebê enquanto a acariciava. Serena também já estava celada, então eu apenas a posicionei quando percebi papai saindo pela porta da frente, ajeitando os botões da manga de sua blusa branca. A boina azul escuro escondia um pouco de seus cabelos ondulados e ele tinha uma farda grossa por cima da blusa, onde estavam pendurados alguns broches. — Vamos lá garota.

 

Coloquei um dos pés como apoio e então me impulsionei para cima, montando Serena de maneira calma. Acabei me lembrando das primeiras tentativas de domá-la, não foram muito fáceis, ela é um pouco temperamental, mas Jimin me ajudou com isso e depois ocorreu tudo bem.

 

— Ah, você já está aí. – Papai disse sorrindo pela minha pontualidade – lê-se pressa –.

 

— Claro.

 

— Bom, vamos então. – Papai também montou seu cavalo, que por sinal era marrom com algumas manchas brancas. Era um cavalo bonito, mas não mais do que minha Serena.

 

O caminho até o quartel fora silencioso e apressado, visto que eu e meu abeoji sempre corríamos juntos quando estávamos sozinhos. Ele sempre me elogiava no fim, dizendo o quanto eu melhorava cada vez mais e eu dava todo o crédito para os conselhos e treinos com Jimin, afinal, com anos correndo para lá e para cá apenas por diversão, era impossível não acumular alguma experiência.

 

O quartel não ficava muito longe dos campos de meu pai. Após nossas terras era preciso atravessar uma ponte de pedras antigas que dava para o vilarejo, entretanto antes de chegar à cidade, havia o caminho de terra mais adentro da pequena floresta. Era como mais uma clareira, porém, com uma base militar de dar inveja a outras províncias. Era rodeada por um muro alto e mais a cerca de arame farpado por cima. Havia uma fortaleza de cada lado dos grandes portões de madeira bruta, onde alguns soldados ficavam de tocaia. Bandeiras azuis com o brasão da realeza de Busan enfeitavam junto de tochas nos muros, que eram acesas durante a noite.

 

Quando chegamos, pude sentir os olhares dos alfas e betas, soldados de meu abeoji, focando em mim rapidamente e o sorriso malicioso de cada um deles tentando ser escondido, mas falhando por completo. Papai podia até perceber, mas se sim, não dizia nada. Às vezes eu imaginava se ele concordava com o que as pessoas diziam a meu respeito. Os portões foram abertos e os soldados fizeram uma reverência respeitosa ao meu pai, e apenas a ele, é claro.

 

— Jungkook, preciso resolver algumas coisas sobre a chegada dos príncipes de Daegu. – Meu pai disse ao descer de seu cavalo e prendê-lo a uma árvore grande e de boa sombra, dando-o uma fruta que eu não soube reconhecer muito bem – de dentro do balde cheio delas ao lado da mesma árvore e do local de água para os cavalos. Fiz o mesmo com Serena e assim que a deixei, reparei em sua sede depois da corrida cansativa. Fiz um carinho em sua crina e sorri para minha égua.

 

— Tudo bem pai, estarei nas cabanas. – O respondi com a informação da qual ele já estava acostumado em receber. Ele apenas assentiu e me lançou um olhar repreensivo após notar os olhares de alguns alfas fardados que passavam por nós naquele momento, que eu sem querer correspondi. Entretanto, não da forma que ele imaginou. Eu apenas olhei.

 

— Comporte-se, por favor.

 

E então, meu abeoji saiu, me deixando ali furioso com o que insinuara. Eu realmente apenas olhei em volta. Por que qualquer ação minha era vista como algo tão grande? Não é como se eu flertasse com eles...não me interessavam, nem um pouco. Então interrompendo meu pensamento, pude perceber alguém se aproximar.

 

Bom...quase todos”

 

— Jungkook! Como vai? – Era Jaehyun. Um alfa que eu conhecera no mês passado quando ele sem querer se transformara bem em cima de armadilhas colocadas em volta da floresta que rodeava o quartel. Eu podia sentir sua dor vendo os fincos de ferro prendendo sua pata, mas consegui resolver rapidamente, recebendo sua gratidão e alguns sorrisos galanteadores.

 

Bom, Jaehyun era um alfa bonito, inteligente e gentil. Saímos algumas vezes e por curiosidade pedi para que ele passasse um cio comigo. Porém ele fora o único até então, mas pelo jeito, para algumas pessoas, ser o primeiro era motivo de orgulho e... sentimentalismo, não sei.

 

— Ah, olá Jaehyun! – O cumprimentei com um toque de ombros enquanto nossas mãos se fechavam uma no outra. — Eu vou bem, e você?

 

Seus olhos sorridentes me fitavam com atenção, como se antecipassem cada passo meu e isso me causou um pouco de desconforto, mas nada muito ruim. Acho que Jaehyun espera bem mais de mim do que uma simples amizade e ele seria uma boa escolha de alfa, se eu quisesse calar a boca das pessoas que me enxergavam de forma ruim. Entretanto, ele era apenas mais uma alfa que também não me via como alguém merecedor de muitas coisas e eu não acho que conseguiria passar minha vida com alguém que pensa como todos os outros. Já era ruim de mais viver tendo a sensação de que sou deslocado, não pertencente ao lugar o qual permaneço...não ia querer viver o resto da vida com alguém que também me fazia sentir assim. Sempre me limitando, querendo me controlar e me dizendo o que fazer.

 

— Treinamento puxado..., mas eu aguento. – Quis se gabar e eu quase revirei meus olhos, entretanto não o fiz. Ele era uma pessoa de bom coração, apenas com a mente um pouco fechada como 90% da sociedade. Ainda assim eu quis brincar um pouco.

 

— Pisando em muitas armadilhas? – Perguntei sorridente quando nos colocamos a caminhar em meio a base que continha pessoas andando para lá e para cá o tempo inteiro. O barulho de conversas, risadas e coisas pesadas sendo levantadas, arremessadas e batidas uma contra as outras, era essa a rotina de meu pai...a rotina a qual Jimin queria ter um dia.

 

Jaehyung ficou sem graça com o meu comentário e desviou os olhos para o chão, as botas pesadas pisando contra o chão arenoso, as mãos atrás do corpo numa postura de soldado que nunca lhe largava. Era uma pena, Jaehyun era bom em outras coisas mais. Jungkook riu com aquele pensamento e desviou o olhar para frente também.

 

— Não me lembre daquele dia, que humilhação.

 

— Ah, que nada. Acontece sempre. – Quis acalentá-lo e então me vi diante da área de cabanas com cruzes vermelhas em cima, sinalizando. — Cheguei ao meu destino. Por favor, não se machuque.

 

— Está preocupado comigo?

 

“Não, só fico desconfortável de tê-lo sempre tão próximo jogando esses olhares e sorrisos insinuantes.” pensei.

 

— Ham...claro, eu sou um futuro enfermeiro. Preciso que todos vocês permaneçam são e salvos. – Sorri forçado e ele pareceu ficar decepcionado por minha resposta. Infelizmente para ele, era a resposta que eu queria mesmo dar. Jaehyun depois de um tempo deu um sorriso desanimado e me olhou tão profundamente que por um momento eu achei que ele desataria a falar algo que eu realmente não queria ter que lidar no momento. Porém, graças aos deuses, pareceu ter desistido quando notou meus olhos desesperados.

 

— Bom, vou indo Jungkook. Até mais. – Disse se despedindo e então me deu as costas. Soltei o ar que prendia e fechei os olhos irritado comigo mesmo.

 

— Argh, Jungkook! Não devia ter dormido com ele, o que você tinha na cabeça? – Falei comigo mesmo enquanto adentrava ainda mais a cabana, procurando por Dahyun e Haechan, dois enfermeiros que consegui fazer amizade e únicas pessoas que não me olhavam estranho no quartel.

 

Esperava que o dia fosse longo e pudesse encher a cabeça com alguma coisa.

 

—————————————————————

| Dia da Lua Azul |

 

Em uma semana não houveram muitos episódios de soldados machucados no quartel, entretanto, eu ficara encarregado de conferir suas alturas e seus pesos – o que de longe fora a pior coisa da semana –, sendo obrigado a aturar risadinhas e piadinhas de mau gosto que eu não pude retrucar pois estava tentando ser profissional, era essa a palavra. Na sexta-feira, chegando no fim da tarde e início do anoitecer, desci de Serena completamente cansado e fui recebido por um Jimin barulhento e animado correndo em minha direção enquanto eu levava Serena aos estábulos.

 

— Jungkook! Jungkook! – Meu hyung estava suado, cheio de fenos espalhados por sua blusa de mangas dobradas até o cotovelo e com uma escovinha em mãos. Provavelmente estava trabalhando até aquele horário e não parecia tão exausto quanto eu. Às vezes era irritante Jimin ser tão de bem com tudo ao seu redor, mas isso me acalmava e me deixava um pouco melhor. Sua energia era contagiante.

 

— O que foi, hyung? – Perguntei curioso observando sua animação e adentrando o local em que deixaria Serena descansar, não antes de dá-la uma maçã fresca como recompensa por me aturar reclamando sobre os alfas durante todo o caminho de volta. Meu abeoji não havia voltado comigo, ficou para avisar aos soldados sobre a chegada do príncipe nesta noite. Prevenindo sua escolta com perfeição.

 

— Suba, tome banho e se apronte rápido para comermos. – Apressou o loiro. — Hoje acontecerá uma coisa incrível! Pelos deuses, deve ser tão bonito.

 

Do que Jimin estava falando? Não era difícil vê-lo empolgado por qualquer coisa, mas seu olhar era tão distante e sonhador que me deixava ainda mais curioso. Afastei minha franja da testa suada e a joguei para trás, juntando minhas sobrancelhas em confusão total.

 

— Do que está falando? É aniversário de alguém e eu me esqueci? Estou cansado, hyung. Quero dormir.

 

— Você vai ter o fim de semana inteiro para dormir, Jungkook-ah. – falou enquanto me empurrava em direção ao casarão – Mais precisamente em direção à porta dos fundos, que dava para a cozinha.

 

— Ah, claro. – Resmunguei deixando que ele carregasse o peso de meu corpo, era aliviante de alguma forma, eu não estava me aguentando. Jimin percebeu meu aproveitamento e então me largou, fazendo com que eu quase fosse de bunda ao chão e o encarasse irritado.

 

— Hoje vai acontecer a Lua Azul, seu bobo! É importante que estejamos preparados para vê-la, entende? Vai ser legal, mamãe diz que é lindo e... ela e Nayeon noona costumavam fazer isso sempre. – Aquela informação me deixara de coração balançado. Eu não sabia disso, como poderia não saber? Por que não haviam me contado antes?

 

Rapidamente retomei minha postura e comecei a assentir rapidamente, vendo Jimin abrir um sorriso e assentir junto. Queria viver tudo o que a mamãe vivera, experimentar suas atividades e com Jimin por perto, como era com Jihyo noona, talvez assim a sentisse mais de perto.

 

— Me encontre lá em casa. – Jimin disse rapidamente recebendo uma afirmação de minha parte e deu as costas para o amigo, correndo para a estradinha que ligava o campo de sua casa com a área pequena das casas de funcionários de Insung.

 

Eu também adentrei minha casa, correndo escadas acima e entre os corredores, alcançando meu quarto e retirando as roupas com rapidez, nem ligando para os tropeços graças ao tapete grosso que enfeitava o chão de madeira escura. Tranquei a porta e fui em direção ao meu banheiro, que não era tão bonito e grande como os das minhas irmãs, mas dava para o gasto, afinal, era apenas meu e tinha uma banheira com água quente.

 

Tomei um banho relaxante, para deixar os músculos mais leves após a intensa cavalgada. Molhei os cabelos e os lavei com sabonete de ervas que uma das criadas do papai fazia com ingredientes naturais muito bons. Esfreguei o couro cabeludo com calma e leveza, fazendo um biquinho insistente e impaciente. Queria me aprontar logo para ouvir sobre a história da Lua Azul, com certeza Jihyo noona estava aguardando para contar a mim e ao Jimin.

 

Vesti uma calça de meu conjunto de hanbok azul escura, uma blusa grande cinza e por cima, um casaco também de meu hanbok azul. A roupa era pesada, mas quente e confortável. Os cabelos molhados, penteei rapidamente e depois os baguncei para não ficar parecendo um cachorro molhado, como Jimin dizia. Os vários brincos em minha orelha balançavam de lá para cá, e então calcei meus chinelos.

 

O caminho para a casa de Jimin não era nada longo, ficava logo após o pomar que meu pai pedira a Jihyo que tomasse conta, pois era de minha mãe no passado. Era dali que saíam as mais deliciosas frutas que faziam parte dos bolos que minha noona preparava para o café da manhã. Meu pai gostava mais do que o necessário, inclusive. Eu percebia. A pequena casa de madeira e tijolos vermelhos tinham as janelas acesas e de dentro vinha um cheiro gostoso de tteokbokki. Não foi preciso mais de duas batidas na porta antes que Jimin me atendesse com os cabelos molhados e uma toalha enrolada no pescoço. Ele também vestia um hanbok confortável e me deu espaço para entrar rapidamente, como se não pudesse mais esperar para ouvir as histórias da mãe, que colocava três pratos na mesa, calmamente.

 

— Jungkook, entre logo...fiz o jantar antes de ir para a sua casa. – Ah claro, o príncipe Kim chegaria no meio da noite e minha noona precisaria trabalhar até um pouco mais tarde. Porém eu ficava feliz que ainda sim ela tivesse uma vida confortável dentro do possível. O pai de Jimin foi morto na guerra entre o sul e o norte há muitos anos atrás, ele era um soldado muito bom, segundo meu pai. Jihyo noona teve que criar Jimin sozinho, mas recebeu suporte necessário de minha mãe e mais tarde de meu pai. Acabou que tudo ficou bem no fim, mas eu sentia o quanto doía para minha noona ter perdido o amor de sua vida.

 

Eu não entendia muito bem o sentimento, não por parte do amor romântico. Nunca me apaixonei, não tinha a mordida ainda...não havia encontrado minha alma gêmea e achava que seria impossível acontecer, em todo caso isso não era lá algo que me incomodava tanto. Porém era curioso a forma como os lobos das pessoas que conheciam a sensação se viam tão presos à sua metade.

 

Nos sentamos todos à mesa e nos colocamos a comer. Jihyo noona parecia encontrar uma forma de começar a nos contar a história e eu podia ouvir o barulho dos pés de Jimin batendo ligeiros no chão gelado. Ele estava tão ansioso.

 

— Bom...meninos. Vou explicar a vocês sobre a história da Lua Azul. – Ela começou. — Acredito que muita gente saiba sobre ela, é um marco importante, mas por não ser diário, acaba sendo esquecido com um tempo. Mas é uma história muito boa, era a preferida de minha unnie, sabiam?

 

Meu peito se aqueceu e meu coração se encontrou acelerado. Esse detalhe foi ouvido e percebido por Jihyo noona, que sorriu para mim de forma bonita.

 

— Nayeon era uma mulher de muitos sonhos, vivia no mundo da lua e sonhava em um dia presenciar algo grande. Nós conseguimos uma vez.

 

“Vocês sabem que a nossa relação com a lua e nossa parte lupina é extremamente forte. Nossa força, a magia de nosso sangue, vem diretamente dela. Os deuses nos presenteiam com magia em tudo o que conhecemos. As árvores, as flores, nossos cheiros e nossa ligação com a natureza em geral, é tudo enviado por eles e confiado a nós para mantermos a harmonia. Graças a essa confiança e aos nossos lanços com ancestrais que também nos ajudam a manter a magia acesa, os deuses nos mostram sua presença e permitem que também sintamos a presença de nossos ancestrais, que olham e oram por nós, de onde quer que estejam.

 

A lua azul acontece ao menos duas vezes a cada dois anos...ou mais raramente. Ela acontece para nos permitir um momento de reflexão, espiritualidade e maior ligação de nós com os deuses, nesses momentos podemos sentir a maior presença de nossos ancestrais...eles ficam felizes quando permitimos sentir. A Lua Azul é importante, ela influencia a colheita, nossas emoções e sentimentos...e bom, nossos desejos mais internos. A lenda diz que a vinda da Lua Azul pode nos trazer grandes feitos, um milagre, um desejo...qualquer coisa que chegue ou se inicie durante a Lua Azul, tem grandes chances de se concretizar, baseado em seus relacionamentos com os deuses e espiritualidade, ao seu aceitamento para com seu lobo.”

 

— Mãe...isso não é apenas uma lenda boba? Tipo a da estrela cadente. – Jimin perguntou sorrindo encantado com a história, mas ainda sim desconfiado. Afinal, nós não costumamos ser muito ligados com os deuses, apesar de acreditarmos. É mais como, eles fazem os serviços deles de lá e nós daqui.

 

— Bom, você pode escolher acreditar ou não. – A mulher disse com um sorriso de canto. — O importante é que sinta o poder em si, porque ele existe e seu lobo é a prova disso.

 

— Como ela é? – Perguntei curioso.

 

— É linda. Grande, completa...emana uma luz ao seu redor e o azul enfeita o céu completamente vazio de estrelas. Como uma névoa. – Explicou. — Dizem que a luz que a rodeia são nossos ancestrais, correspondendo às nossas ofertas de coração. Quando a verem hoje, façam a oração...e então, façam seus pedidos. Sei que Jimin tem os dele, aposto que também tem os seus Jungkook.

 

É, eu realmente tinha. Entretanto, no momento não conseguia me decidir qual realmente era um pedido do coração e quais eram apenas desejos bobos, tipo poder receber a fé do meu pai e de todo mundo sobre meus sonhos. Parecia longe demais para ser alcançado. As coisas eram como eram, afinal.

 

— Qual é a oração? – Jimin perguntou algo que eu não havia me tocado ter passado despercebido.

 

Jihyo noona fechou os olhos, como se quisesse se lembrar. E então, começou a recitar algo gravado bem no fundo de sua mente.

 

LUA AZUL, TU QUE ÉS A MÃE

DE TODAS AS TRANSFORMAÇÕES,

GUARDIÃ DE CICLOS QUE ENVOLVEM O UNIVERSO,

PERMITE ÀS CRIATURAS TERRENAS

TEREM A CLARA VISÃO DA REALIDADE,

SEM SE DEIXAREM OFUSCAR POR FALSAS E VÃS ILUSÕES.TU QUE BRILHAS SOBERANA NO CÉU DE AGOSTO,

E QUE PROVOCAS UM MÁGICO ENCANTAMENTO,

MEXENDO COM AS EMOÇÕES MAIS PROFUNDAS,

TRAZEI A PAZ AOS CORAÇÕES HUMANOS

E ÀS ALMAS EM EVOLUÇÃO, UM GRANDE CONTENTAMENTO.

ASSIM ES LUA E ASSIM SERAS ATRAVÉS DA SUA ENERGIA.”

 

Jimin e eu a encarávamos com um olhar meio engraçado, mas não queríamos duvidar de nada, afinal...vivíamos em um mundo onde podíamos virar lobos enormes. Não tinha muito o que duvidar.

 

— Bom, acho que já vamos. – Jimin comentou enquanto limpava a boca com as costas da mão e bebia um pouco de suco de morango, feito pela mãe. — E você mamãe? Não presencia mais a lua?

 

Jihyo pareceu sorrir, mas seu olhar transmitia dor. Queria poder acalentá-la sobre aquilo.

 

— Já tenho tudo o que preciso, meu filho. – Ela o olhou como se ele fosse a resposta. Senti inveja de Jimin por alguns segundos. Queria sentir o amor de minha mãe assim tão de perto, saber como era tê-la comigo, os cuidados e o afeto materno, me faziam muita falta. — E o que um dia eu sempre desejei, já não está mais aqui..., mas tenho certeza de que eles estarão olhando por vocês esta noite.

 

Era a mamãe sobre quem ela falava...e também era sobre sua alma gêmea que também já não estava mais aqui. Jimin não era de sentir falta, por mais que ficasse triste por não ter conhecido o pai. Acontece que ele não tinha muito um exemplo do que era ter um pai, então era como se não conseguisse sentir falta de algo que nunca teve. Já eu, tinha um exemplo mais do que concreto à minha frente todos os dias com Jihyo, então era inevitável não me perguntar como seria ter minha omma aqui.

 

— Vamos, Jimin...já são quase 20:00… – O chamei me lembrando que o ponto alto da lua era às 20:00.

 

—————————————————————

 

Aurora era a maior árvore localizada nos campos dos Jeon. E para minha sorte, ela ficava localizada bem na entrada de casa, um pouquinho antes a ponte que dava para a vila. Eu e Jimin demos esse nome aleatoriamente, mas queríamos criar laços com ela já que estava ali há tanto tempo e brincávamos desde pequenos ali. Escalávamos os galhos firmes e grossos e nos sentávamos apontando para o vilarejo movimentado em dias de festa, as várias luzes que vinha da cidade e as estrelas brilhantes que deixavam o céu tão bonito.

 

Agora, um pouco maiores e mais fortes, estamos escalando-a novamente. Em questão de minutos encontramos um bom galho para sentarmos e ainda apoiarmos os braços em um de cima, afastando as folhas de nossos rostos, tendo total visão do céu escuro e da lua quase completa em seu pico. Ainda não tinha uma cor específica, era apenas muito branca, muito mesmo. Não haviam estrelas no céu naquela noite, como Jihyo noona havia salientado, a luz que emanava da enorme lua parecia mesmo névoa. Não éramos os únicos a observando, de longe podíamos notar algumas pessoas paradas nas ruas, encarando o céu, as janelas de algumas casas da vila abertas e garotas e garotos encarando o satélite cheio.

 

— Se essa lua não ficar azul, vai ser uma gafe. – Jimin comentou de repente encarando-a com intensidade. Sorri diante de sua decepção e me coloquei a encará-la com mais atenção.

 

Bom, desse jeito funcionava um pouco. Senti a ponta dos dedos de meus pés e mãos formigarem e um calafrio subia em minha espinha, como se alguém estivesse passeando com uma pena delicada em minha derme, por dentro do hanbok. Fechei os olhos, pois a sensação era gostosa e intensa. Foi inevitável abrir um sorriso nada sutil ao sentir meu coração bater forte dentro do peito, parecia estar bem ao lado de meus ouvidos, de tão potente. Me perguntava se Jimin-ssi também sentia o mesmo que eu, então abri os olhos e olhei para o lado.

 

Meu amigo tinha a boca entreaberta, os pés balançando pela altura e os olhos brilhando em direção à lua que já estava completa e agora mudava lentamente de um branco forte e brilhoso para um azul quase claro. A aura ao seu redor ficava mais forte, me trazendo sensações boas e esquisitas ao mesmo tempo. Pude observar uma lágrima teimosa descer pela bochecha de Jimin e eu tinha a impressão de que nem ele mesmo entendia porque está chorando. Mas então, eu senti.

 

O vento gélido passando por nós, fazendo o chacoalhar das folhas de Aurora dar uma sensação confortável. O intenso brilho da lua se expandindo pelo céu vazio. Meu corpo começou a se aquecer e tive que fechar meus olhos novamente. Era ela, eu sabia que sim. Ela estava ali comigo, talvez me abraçando, talvez me olhando de longe e sorrindo para mim...a sensação de choro preso na garganta me pegou em cheio. Minhas mãos se tornaram trêmulas e então eu as apertei em volta de um galho aleatório. Eu poderia simplesmente cair naquele momento e não sentiria nada.

 

— Jungkook...faça a oração. – Jimin pediu baixinho e eu soube que era o momento, de dizer que a amo, que sinto sua falta mesmo não tendo ficado por tanto tempo com ela, não mais que nove meses. Era o momento de dizer que estava tudo bem e que eu tinha orgulho dela. Sabia que ela também tinha orgulho de mim. Pedi baixinho que ela me trouxesse coisas boas, não importava quais. Pedi aos deuses que me mostrassem o que eu realmente precisava e não o que somente queria.

 

Recitamos toda a oração que Jihyo noona nos ensinou, finalizando baixinho e nos encarando. Jimin sorria com os olhos brilhantes e parecia tão feliz, que poderia explodir a qualquer momento. Meu hyung pegou minha mão e a apertou junto de seu rosto. Naquele momento senti uma vontade arrebatadora de abraçá-lo, abraçar todas as pessoas importantes para mim. Entretanto, fomos interrompidos com o barulho de trotadas no chão de pedras da ponte. Jimin e eu nos separamos rapidamente e estreitamos os olhos para conseguir enxergar o que se aproximava.

 

— O que está havendo? – Meu hyung perguntou esticando o pescoço com cuidado para que não se desequilibrasse. No momento em que bati meus olhos nos cavalos que traziam a carruagem vermelha com o brasão dos Kim ao lado, soube do que se tratava. É claro, eram quase nove da noite.

 

— Ham...acredito que seja o príncipe chegando. – Sussurrei para meu hyung e então continuamos a encarar embaixo de nossos pés, a carruagem sendo arrastada pelos cavalos. Ninguém nos notava ali, nem mesmo meu pai, minhas irmãs e Taehee, que agora se colocavam receptivos na entrada da casa, descendo as escadas calmamente em perfeita harmonia e numa formação digna de um pelotão de meu abeoji.

 

— Não vai recebê-lo? Se apresse. – Jimin resmungou me dando empurrõezinhos como se quisesse que eu pulasse diretamente dali. Porém o impedi, fortalecendo meus músculos a permanecerem no lugar.

 

— Não, Jimin hyung. – Falei baixinho observando a carruagem ser aberta lentamente. — Taehee não me permitiu recebê-lo, ela disse para eu ficar de fora se não atrapalharia tudo. Segundo ela, eu não tenho classe para me dirigir a um príncipe.

 

Jimin parecia extremamente raivoso com minha revelação, entretanto isso não me afetou tanto. Eu não estava mesmo com intenção alguma de participar daquele circo de cortejos e interesses de negócios. Eu não tinha a intenção de me colocar aos pés do príncipe Kim, como minhas irmãs.

 

— Quem aquela megera pensa que é? Você não pode aceitar isso, Jungkook. Essa é sua casa também e ela te trata como...um bicho. – Jimin não estava errado. Eu tinha noção de tudo aquilo, entretanto, eu não poderia ignorá-la menos…

 

— Deixa pra lá, Jimin. Eu não faço questão mesmo… – meus pés balançavam e eu encarava o chão coberto de grama verde escura abaixo de nossos pés.

 

Olhei uma última vez para a lua, rezando internamente para que aquela história fosse mesmo verdadeira. Foi legal passar um tempo com minha omma.

 


Notas Finais


E aí? Decepcionei vocês? Se sim, me desculpeeeem, prometo tentar melhorar e por isso, peço que deixem seus comentários aí embaixo e se gostaram, favoritem a fic, isso vai me motivar bastante! O link dela para o wattpad está disponibilizado nas notas finais do prólogo, corram lá, se preferirem ler naquela plataforma. Bem, até a próxima, beijos!!!


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