Lucille
Seu corpo move-se contra o meu lenta e demoradamente. É tão doce e bom como sempre foi, essa com certeza, é a melhor parte dos meus dias. Quando estamos juntos assim eu me permito amar e ser amada, já se passou um ano e eu continuo amando-o. Sinto sua respiração ofegante em meu pescoço enquanto solta um gemido chegando ao ápice do prazer e me levando junto.
Espero nossas respirações se normalizarem, enquanto sinto seu coração bater descompensado, junto ao meu. Daryl se afasta apenas para deitar-se ao meu lado e me puxar para seu peito, meu lugar favorito no mundo. Onde nada e nem ninguém poderia me alcançar, nada de preocupações ou fantasmas do passado, apenas eu e ele.
-Eu te amo. –o ouço sussurrar.
Sorrio, pois sei que Daryl não é desses que fica se declarando a toa ou sem motivo, quando ele o faz, é sincero e puro.
-Eu também te amo. –sussurro de olhos fechados me deixando levar pelo cansaço depois.
O dia mal amanhece e eu já sinto os lençóis frios na cama, sinal claro de que Daryl já havia saído na busca de suprimentos, isso também queria dizer que estava na hora de começar minha rotina.
No começo foi difícil pra mim, me adaptar a essa rotina calma e simples, mais agora me sinto feliz com meu papel de mãe e esposa. Daryl não me deixa sair mais, acho que ele tem medo do meu lado assassino voltar, por isso tudo o que me lembra dessa parte de mim está guardado em uma caixa no porão, agora é ele quem sai, ele quem nos mantem seguras e eu não me arrependo disso, apesar de sentir vontade de sair às vezes.
Depois de fazer o café da manhã, subo para acordar Luna. Essa é uma das razões por eu ter escolhido ter uma vida mais calma, Luna merecia ter uma vida o mais normal possível mesmo em um apocalipse. Eu não tive uma família, mas quero que ela tenha uma. Daryl não poderia ser um pai melhor pra ela, Luna o ama e eles se dão muito bem. Luna está encantada com a ideia de ter dois pais, ela se divide entre os dois quando tem que passar uns dias com o pai biológico, isso acontecia a cada duas semanas. Eu evito estar em casa quando ele vem deixa-la, nunca mais o vi para ser sincera.
Dou um banho em Luna, minha princesa está cada dia maior. Depois do café a levo até a escola improvisada que montamos para as crianças, Shasha é quem é a responsável por ensinar. Assim que chegamos Luna corre até Josh, eles estão cada dia mais grudados.
-Bom dia mãe do ano! –diz Shasha ao se aproximar.
-Eu? Mãe do ano? É você quem está grávida de novo minha amiga, não eu.
-É, tem razão. –diz sorrindo. Shasha estava no seu quinto mês de gestação, eu não conseguia acreditar como alguém poderia ficar grávida de novo no meio do apocalipse. –Quem sabe você não é a próxima? Pelo que eu sei, você e o seu caipira andam praticando bastante.
-Deus me livre! Já tenho a Luna, não preciso de outra gravidez. Não quero sentir aquela dor de novo, ficar gorda e inchada, comer como uma louca e me abrir toda pra colocar o bebê pra fora pelo mesmo buraquinho que ele foi concebido. Não obrigado. –digo fazendo uma careta.
-Então o Daryl não tocou mais nesse assunto?
-Não, e eu espero que ele tenha esquecido essa ideia louca de ter um filho.
-Amiga você não gosta de ser mãe?
-Não é isso Shasha, eu amo ser mãe da Luna, amo de verdade, mas eu não me vejo sendo mãe de novo. Estamos no apocalipse, eu mal durmo a noite pensando se Luna vai estar segura, se ela vai conseguir sobreviver sozinha quando eu partir um dia imagine deixar outra criança no mundo? Eu não suportaria a ideia de deixar uma criança indefesa no mundo cheio de mortos.
-Isso não tem nada haver por ser com o Daryl não é?
-Claro que não! Luna nunca foi planejada, maternidade não era algo que eu e o pai dela queríamos naquele momento. Mesmo que eu estivesse com ele agora, mesmo se eu tivesse escolhido aquela vida, eu não iria ter outro filho. Nem com o Daryl, nem com o pai da Luna.
-Tá bom. –ela diz mais continua me olhando de forma estranha. –Você está feliz Lucille?
-Sim. –respondo sem hesitar. –Agora vamos esquecer essa história de maternidade, isso é assunto seu e do Abe. Falando nele, onde ele se meteu dessa vez?
-Abe foi resolver algo com o homem que não pode ter seu nome pronunciado por você ou perto de você.
-Quem?
-Negan. –responde e eu movo-me inquieta. –Abe está trabalhando em algo para ele, não sei bem o que é, mais parece ser algo grande.
-Bom, isso não é mais assunto meu. –dou de ombros.
-Onde está Daryl?
-Saiu de novo, Rick tem mandado ele lá fora mais vezes do que eu gostaria. Por que mesmo eu deixei o Rick voltar a ser o líder desse grupo?
-Porque agora você é mãe, tem uma família, é uma mulher casada e o seu marido teria um ataque cardíaco se te visse com aquela sua marreta de novo.
-Você me conhece mesmo.
-Somos uma família Lucille, aceite isso que vai doer menos. –sorrimos uma para a outra.
Despeço-me de Shasha e volto para casa pensando em como nós duas mudamos desde que eu pisei em Alexandria muitos anos atrás. Durante o caminho as pessoas me cumprimentam, param para conversar e as mulheres trocam receitas comigo. Mantenho um sorriso educado para tudo aquilo, até chegar a casa onde solto um suspiro de alivio por ter me livrado daquele bando de gente chata.
Perco a noção do tempo enquanto trabalho em casa, limpando, lavando e guardando tudo. Assim se passa toda a manhã, até Luna chegar a casa para almoçar.
-Sua tia te deu algo com muito açúcar? Você tá mais elétrica que o normal agora. –tento manter ela sentada na cadeira enquanto penteio seus cabelos e ela come seu almoço.
-Não mamãe é que eu estou muito ansiosa para ir brincar depois do almoço! O Carl me prometeu que iria me ensinar a lutar! Não é incrível? Vou ser tão boa quanto você era.
-Acho que vou ter uma conversa com o Rick sobre isso do filhinho dele querer ensinar minha bebê a lutar.
-Ah mãe, deixa vai? Não quero ficar brincando com o Josh ou em casa esperando o papai Daryl chegar em casa, eu já sou grande e quero ser como você, papai Negan disse que você era uma força da natureza lutando.
-Foi o seu pai quem mandou você aprender a lutar? –pergunto já sentindo a raiva me dominar.
-Não, papai não quer que eu me machuque, mas ele disse que ia me dar o taco dele quando eu crescesse.
-Okay querida, não vamos pensar nisso agora. Tente não se machucar nessa aula e volte cedo pra casa, sabe como o seu pai chega cansado e ele sempre quer te ver antes de dormir.
-Okay mamãe. –concorda alegre e me dá um beijo.
Espero Luna sair de casa para então ir até o banheiro com o maldito teste de gravidez na mão para tirar uma duvida que me corroía à semanas. Faço o teste e espero os malditos minutos que demoram uma eternidade para passar, respiro aliviada ao ver que deu negativo.
-Eu sabia! –grito feliz. Saio correndo pela casa, pulando até que esbarro em Daryl.
-O que houve? Porque está tão feliz assim? –pergunta confuso, seu olhar cai para o teste em minhas mãos e um sorriso largo aparece em seu rosto. –Eu sabia! –grita e me pega nos braços me girando. –Nós vamos ser pais! Nem acredito que deu certo!
-Daryl espera! –peço mais ele me beija impedindo que eu falasse algo.
-Nós vamos ser pais! Eu vou ter um filho com você! Nem estou me sentindo tão culpado por ter esquecido a camisinha de proposito naquele dia.
-Você fez o quê? –grito furiosa.
-Calma amor, você não pode se estressar por causa do bebê.
-Não tem bebê nenhum. –digo o encarando, cruzo os braços e me afasto dele.
-Como? –ele paralisa.
-Não estou grávida. Acabei de fazer o teste, deu negativo. –jogo a droga do teste em seu peito e ele o pega, Daryl parece decepcionado e triste, mas não me importo. –Agora me explica que história é essa de esquecer o maldito preservativo de proposito?
-Você não queria engravidar, eu achei que você precisava de um empurrão pra que isso acontecesse. –ele parecia em choque, olhando para o teste como se não acreditasse no que via.
-Então você achou que a melhor solução para isso era me enganar, me engravidar sem que eu soubesse ou quisesse? Você mentiu pra mim! Me usou!
-Lucille se acalme, eu não fiz nada disso! –ele diz tentando se aproximar.
-Não me toque! –grito fugindo de suas mãos. –Porque essa ideia fixa de ser pai? Porque mentiu pra mim?
-Porque eu não acho justo! –grita irritado. –Não acho justo um amor como o nosso não gerar filhos! Não é justo minha mulher achar que ter filhos com um monstro como o Negan é o suficiente e não querer ter um filho comigo! Estamos juntos há um ano e você nunca quis ter algo que concretizasse nosso amor! Não me julgue, eu amo a Luna como se fosse minha filha, mas eu também amaria ter um filho nosso, dar um irmão para ela. Já imaginou como nossa filha iria ficar feliz ganhando um irmãozinho?
-E você ia perguntar pra ela se ela queria um irmão ou ia enganar ela até o bebê nascer e forçar ela a gostar dele?
-Claro que não! Quem você pensa que eu sou?
-Realmente, agora eu já não sei mais quem você é.
-Amor, o Abe e a Shasha vão ter um bebê de novo, não acha que conseguiríamos fazer isso também?
-Isso tudo é porque a Shasha está grávida? Eu não quero e nem vou ficar grávida por isso!
-Não é isso! Eu só acho que se eles podem, porque não podemos também?
-Porque eu não quero! –grito o encarando. –Eu te disse, quando conversamos sobre isso que eu não queria ser mãe de novo. Luna já nos é suficiente, não precisamos de mais um filho no apocalipse, mas você não me escutou! Você foi egoísta o suficiente para esquecer o preservativo de proposito, me enganar e achar que eu ficaria bem com isso! Ainda bem que eu não estou grávida porque se eu estivesse, eu faria de tudo para perdê-lo!
-Você não faria isso!
-Teste-me e você vai ver do que eu sou capaz!
-Vocês estão brigando? –ouço Luna perguntar baixinho.
Olho para a porta e a encontro com os olhinhos cheios de lágrimas, caminho até ela e a pego no colo.
-Não meu amor, seu pai mentiu para a mamãe e eu estava apenas ensinando a ele como é feio mentir! –olho para Daryl que estava olhando para o chão envergonhado. –E como castigo, ele vai dormir no sofá hoje, enquanto nós duas faremos uma festa do pijama no meu quarto.
-Lucille...
-Estamos conversados Daryl, não vou discutir na frente da minha filha porque sei que isso é horrível pra ela, então cale sua boca e aguente as consequências. –subo com Luna para o quarto.
Não durmo nada naquela noite, me sinto usada e traída. Eu confie em Daryl com a minha vida, eu o escolhi, pois pensava que ele não seria capaz de mentir para mim sobre algo tão importante. Pensei que com ele eu teria uma relação perfeita, sem mentiras, sem segredos, sem mortes, sem conturbações. Tudo parecia tão certo, tudo o que vivemos, mais me olhando agora no espelho, percebo que aquilo era perfeito demais para mim.
Aquela no espelho não era eu, pelo menos, não era eu completamente. Um ano atrás eu pensei que poderia ser as duas Lucille ao mesmo tempo, olhando para a Lucille do espelho percebo que no fim eu matei uma e fiquei com a outra. Guardei a Lucille louca, insana e assassina mais que sabia viver, sabia lutar pelo que queria, era intensa, apaixonante, para ser a Lucille boa, dona de casa, amorosa, perfeita. Eu não queria ser perfeita! Eu queria ser eu mesma, queria ser as duas Lucille! O que falta nessa nova Lucille é a paixão que eu via nos olhos da velha Lucille, o brilho já não existia mais. Onde foi que eu errei? Mais uma vez me deixei dominar por um amor, mais uma vez deixei ele me modificar para ser perfeita para ele, mas quando eu ia ser perfeita para mim?
No dia seguinte não encontro Daryl quando desço, vou deixar Luna na escolinha e lá Shasha logo percebe que tem algo errado, por isso trato de contar tudo o que aconteceu para ela.
-Pensei que você tivesse encontrado seu final feliz. –diz quando termino meu monologo sobre traição e sobre como eu estava me sentindo.
-E isso realmente existe? Eu não acredito em finais felizes! Se fosse pra ter um final feliz eu diria que foi o meu casamento com ele, poderia ter terminado ali. Então porque essa porra toda tá acontecendo agora?
-Não sei Lucille, só sei que vocês vão ter que dar um jeito nisso. São perfeitos juntos!
-Esse é o problema. –resmungo.
-O que disse?
-Não! –ouço um grito.
-É o Carl! –digo e já saio correndo até a casa dele.
Ao chegar lá o encontro chorando no chão em pânico, entro em seu quarto e vejo sua namorada transformada em boneca.
-Não é possível! –digo horrorizada.
-Como ele conseguiu entrar aqui Lucille? Como? Agora ela está morta! –grita chorando, posso sentir a dor em cada uma das suas palavras.
-Isso já passou dos limites! –digo furiosa, sinto o gelo da morte pelo quarto, a linda menina pálida e morta me encarado em seu vestido branco rendado e seu olhar paralisado. Vejo Daryl entrar no quarto e parar na porta tão surpreso quanto eu. –Isso aconteceu na nossa casa! Não podemos deixar isso assim!
-Lucille, o que vai fazer? –pergunta Daryl enquanto Michonne abraça Carl, olho para Carl que me encara, seu olhar brilhando de ódio e sedento por vingança.
-Carl, eu vou pegar esse desgraçado! Eu mesma vou mata-lo, eu prometo.
-Lucille! –ouço Shasha gritar, saio correndo da casa e encontro minha amiga pálida e tremendo.
-O que houve? Onde está Luna? –pergunto nervosa.
-Ele a levou Lucille. Levaram a Luna! –diz desesperada.
-Não! Minha Luna não! –grito e saio correndo pelas ruas do Santuário procurando por ela, mas não a encontro.
O portão foi arrombado, agora os mortos entravam para o Santuário, mas isso não me importava. Tinham levado o meu bebê! Minha pequena Luna agora estava nas mãos de um maluco que transforma pessoas em bonecas bizarras e eu não podia fazer nada. Caio de joelhos no meio da rua, sinto alguém me abraçar, é Daryl.
-Levaram nossa menina Daryl! Levaram ela! Eu quero minha filha de volta!
-Nós vamos trazer ela de volta Lucille, eu prometo. Só precisamos manter a calma e...
-Calma? Tudo o que eu menos preciso agora é de calma! Eu tenho que fazer alguma coisa!
-Lucille não podemos ir assim! Temos que procurar por pistas, como ele entrou e... – Daryl continua falando, mas não o escuto. Só ouço meu coração batendo em meu peito e o ar sumindo de meus pulmões.
Eu precisava ser rápida e implacável se eu quisesse minha filha de volta, e eu conhecia a pessoa certa pra me ajudar nisso. Por sorte minha filha é filha do próprio demônio.
-Negan. –digo seu nome, sentindo toda a força que ele me provocava. Saio dos braços de Daryl, limpo minhas lágrimas e fico em pé. –Eu preciso do Negan.
-Estou aqui baby. –diz, viro-me o encontro de braços abertos, o taco na mão e seus homens mantendo os mortos fora do Santuário.
Não penso duas vezes antes de correr para seus braços, Negan me aperta em seus braços e eu respiro sentindo seu cheiro e relaxando um pouco com isso, ele me segura com força, respirando em meus cabelos, meu corpo reconhecendo seu toque.
-Você está tão diferente baby! Cortou os cabelos e tudo. –percebi e sei que está sorrindo em minha pele. –Fiquei com tanto medo de ter chegado tarde demais! Fiquei com medo de ter perdido você pra aquele filho da puta! Juro que se ele tivesse tocado num fio de cabelo seu Lucille, eu o mataria com minhas próprias mãos!
-Negan. –chamo chorando, me afastando apenas para olhá-lo nos olhos.
-O que foi baby? Esta machucada? –pergunta preocupado. –Onde está Luna?
-Levaram nossa filha! Você tem que encontrar ela, por favor! –imploro chorando. Negan leva um tempo para processar o que eu disse, lentamente vejo seu olhar mudar, o brilho assassino brilhando em seus olhos negros me fez arfar em seus braços. Eu já tinha visto Negan com raiva, ódio, puto da vida, mas nada era comparado ao que eu via agora.
-Nós vamos encontra-la baby. –diz sério, sinto a promessa selada em cada uma de suas palavras. –Esse idiota não sabe com quem está se metendo.
-Você sabe quem é? –pergunto confusa.
-Sei e sei onde o canalha se esconde, foi isso o que eu vim fazer aqui. Eu vim buscar você e a Luna, mantê-las seguras, mas cheguei tarde demais.
-Você está aqui agora, é isso o que importa. –digo chorando, sinto seus dedos em meu rosto limpando as lágrimas.
-Levante essa cabeça, pegue suas coisas e seja a mulher forte por quem eu me apaixonei. Lute por nossa filha, lute por você! Eu estou aqui e prometo que vou trazer nossa filha de volta. Pode lidar com isso? –pergunta e me entrega uma arma.
Sinto o frio do metal em minhas mãos sendo aquecidos por meu calor, respiro fundo e o encaro com um sorriso frio.
-Vamos trazer nossa filha de volta. –digo e ele sorri.
Agora é tudo ou nada.
Agora é guerra.
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