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História Madness. - 16


Escrita por: heymegumi

Notas do Autor


É muita cara de pau pedir desculpa pela demora?

Capítulo 16 - 16


 

 

Se fizesse as contas deveria existir, supondo um resultado meramente aproximado, mais ou menos um milhão de coisas que eu não sabia sobre Lee Donghae. E se você me perguntar como eu poderia ou sequer conseguia gostar de uma pessoa cujo passado é só um borrão incompreensível e o presente um borrão mal explicado e cheio de lacunas, bem, a resposta é: Não faço a mínima ideia. Definitivamente não é como se as coisas precisassem de uma razão para acontecer comigo, e eu acho que as pessoas passam tempo demais procurando respostas para perguntas que, simplesmente, não têm respostas. É enlouquecedor, é ridículo, é frustrante, mas também é verdade.

Depois da nossa primeira vez, Donghae dormiu por alguns minutos com meu braço amortecido debaixo de seu pescoço e as pernas entrelaçadas nas minhas daquele jeito quase possessivo dele de grudar em mim. Nós estávamos de frente um para o outro, e a respiração quente dele escapava com um chiado pelos lábios finos entreabertos e morria próxima às minhas clavículas, um tipo de ronco elegante. Eu não estava usando nenhum suéter no qual Donghae pudesse se agarrar ao tecido, então ele encaixou nossos dedos e manteve nossas mãos unidas e apertadas durante o sono.

Foi basicamente meia hora que eu desejava usar para dormir e me recompor, porque ainda havia o caminho de volta. Seria tão fácil se eu pudesse simplesmente pegar Donghae pela mão, deixar meu cartão de crédito com Sunny e sair dali rumo a lugar algum. Ainda vestidos nos nossos trajes noturnos e usando as máscaras tão simbólicas, eu queria que pudéssemos pegar o próximo ônibus para o destino mais longe onde não existiria Gyeongbok. No entanto, o mundo não está no papo e eu nem mesmo consegui manter os olhos fechados, porque Donghae estava ali completamente nu e tão absurdamente lindo com os cabelos bagunçados enquanto dormia profundamente que imaginei ser um verdadeiro desperdício não observá-lo.

Lembro-me bem de quando me inclinei um pouco para beijá-lo nos lábios a fim de fazê-lo acordar, e lembro-me bem de quando o arrastei até o banheiro e o fiz tomar um banho rápido junto comigo, mesmo com os protestos dele. Donghae, aparentemente, havia voltado a ser um garoto tímido, e seu rosto vermelho de vergonha por estarmos nus debaixo de uma luz suficientemente justa para que eu pudesse vê-lo perfeitamente é uma lembrança que me faz rir até hoje. Também me lembro de quando joguei uma toalha sobre seu corpo e o puxei até a frente do espelho, meu queixo apoiado em um de seus ombros depois do beijo que deixei em sua nuca. Nosso reflexo formava-se fosco por causa do vapor, e quando passei minha mão pela superfície gelada do espelho e permiti que nos víssemos com nitidez, Donghae abaixou o rosto e começou a chorar.

Mas não é disso que eu quero me lembrar. Nem dos milhões de beijos que deixei por seus ombros a fim de acabar com seu choro, nem dos minutos que o ouvi soluçando de uma maneira que eu nunca esperei presenciar. Fazia muito tempo que eu não chorava e a sensação me era tão distante e desconhecida que fiquei parado segurando os braços trêmulos de Donghae sem nem saber o que fazer. Perguntei só uma vez qual era o motivo, mas a resposta nunca veio em palavras, ao invés disso pingou morna em minha pele quando ele se virou para me abraçar.

 

 

No fim do inverno, perto das últimas semanas de janeiro, a neve resolveu dar uma trégua – e de bônus um lugar à chuva – e derreteu deixando a grama morta e muitos quilos de lama prontos para engolir nossos sapatos. Assim que acordei e saltei em meu coturno, enfiei as mãos nos bolsos da jaqueta impermeável que minha mãe insistiu para que eu trouxesse, e que eu insisti para não trazer, e desci até o caminho de pedrinhas embarradas que me levavam a margem enlameada do lago. Quando perto o suficiente para conseguir ver Donghae entre os troncos das árvores, dois pontinhos vermelhos chamaram minha atenção e não segurei uma risada alta. Ele olhou em minha direção com os olhos esbugalhados, franzindo o cenho como se perguntasse porque eu estava rindo numa manhã incrivelmente úmida e cinzenta de janeiro, e como se qualquer motivo não fosse adequado para uma manhã incrivelmente úmida e cinzenta de janeiro.

Todos os bancos de madeira estavam escurecidos pela chuva e a aparência de madeira podre não era nem um pouco convidativa, porque o negócio parecia prestes a se desintegrar no momento em que uma bunda encostasse na superfície. Mesmo assim, Donghae estava sentado em cima do que eu imaginava ser um saco de lixo, dobrado em forma de L para que ele pudesse se escorar no encosto sem molhar as costas. Diante dele havia um guarda chuva preto aberto, grande o suficiente para abrigar toda a população de Gyeongbok, e o vento carregado de garoa balançava o guarda chuva para lá e para cá, afundando as pontinhas de metal na terra molhada. Mas não era o saco de lixo, nem o guarda sol que se fingia de guarda chuva, eram os pés calçados com um par de galochas de borracha coloridas de um vermelho berrante.

– Uau. – exclamei.

– O que foi? – ele sussurrou, olhando em volta para confirmar de que ninguém estava nos espiando. Fazia pouco tempo que Donghae havia começado a falar comigo fora de seu quarto ou do consultório.

– Essas devem ser as galochas mais vermelhas de Damyang.

Depois de olhar para os próprios pés e puxá-los para baixo do banco na tentativa de esconder uma cor não escondível, Donghae olhou para mim e ergueu uma sobrancelha, sem achar graça nenhuma. Ele remexeu no bolso do moletom que um dia pertenceu a mim – só até Donghae decidir que aquela cor ficava muito melhor nele – e tirou dali um saco de lixo dobrado.

– Eu devia fazer você sentar no chão. – resmungou, abrindo o plástico barulhento e arrumando-o da mesma forma no lugar ao seu lado. Era quase patético como eu achava absurdamente lindo o jeito como Donghae resmungava feito um velho rabugento, com as sobrancelhas juntas e o beicinho nos lábios rachados pelo frio.

– Esse negócio no seu pé é uma ofensa grave as normas do vestuário, Donghae. 

– Falou o cara que usa o mesmo coturno podre todos os dias.

Dei risada e o empurrei para o lado com uma ombrada depois de me sentar, e pela minha visão periférica, pude ver um pequeno sorriso nascer e sumir com a mesma rapidez no rosto de Donghae. É verdade que aquelas galochas ridículas eram feias de doer, mas também é inegável o fato de que só alguém ridicularmente adorável como ele poderia usar aquilo sem parecer um idiota.

– Acredite, quando começa a chover em Damyang, não para nunca mais. – o ouvi sussurrando, tão baixinho que o zumbido do vento em meu ouvido quase se misturou a sua voz morna.

– Besteira. Já choveu toda a cota de água disponível por cidade nessa madru-

Talvez meu azar não estivesse assim tão longe de Gyeongbok como eu pensava estar, pois não foi nem necessário que eu terminasse de falar para que uma chuva torrencial começasse a despencar acima de nós. E por chuva torrencial eu quero dizer pingos gordos que machucam o couro cabeludo e caem de repente, como se alguém acabasse de jogar um balde de água sobre as nossas cabeças. Donghae apanhou o guarda chuva e posicionou acima de nós, e eu agradeci silenciosamente pelo tamanho daquela coisa. 

Ao contrário das galochas de borracha, meu coturno foi aos poucos se encharcando com os respingos de barro que saltavam toda vez que um pingo violento atingia o chão. Eu também puxei meus pés para baixo do banco, porque não queria que Donghae se orgulhasse da escolha dos próprios sapatos daquela manhã.

Havia muito teto seco atrás de nós; calefação e café quente. Mas por algum motivo, nós ficamos sentados sobre os sacos de lixo observando e escutando a chuva atingir as folhas das árvores, pingando de maneira disforme ao nosso redor, e atentos ao som da lona do guarda-chuva salpicada pela água. Segurei a haste de metal para que Donghae pudesse enfiar as mãos vermelhas de frio nos bolsos, e ele deitou a cabeça no meu ombro depois de deixar ali um beijo por cima do casaco. Junto com a neve que derreteu e se infiltrou por baixo da terra, o lago começou a descongelar. A superfície fina de gelo começou a rachar e se desprender, sumindo aos poucos, ou boiando para longe como pequenas ilhas transparentes.

Eventualmente, a chuva se reduziu a uma garoa.

– De novo...

– O que? – virei o rosto, pensando que havia perdido alguma parte da frase, mas Donghae estava olhando para o lago.

– Eu me pergunto quantas vezes mais vou ver esse lago congelar e descongelar. De novo. Não sei se isso é bom ou ruim.

– É a última vez. Portanto, grave bem na sua cabeça. Nós dois, sentados debaixo de um dilúvio, meus pés ensopados, mas salvos dessa sua galocha feia. E o lago que você nunca mais vai ver congelar ou descongelar. É a última vez.

Pensei que estivesse esperando que Donghae me olhasse, mas quando olhou, seus olhos puseram sobre mim um peso que eu não sabia nomear, mas não era bom. Era como se ele soubesse coisas de mais, e eu de menos. Sempre foi assim.

– Espero que no próximo inverno ainda estejamos aqui para você fazer piada da minha galocha vermelha. Foi isso que eu quis dizer.

Fiz cara de interrogação, minhas sobrancelhas se uniram até que Donghae cutucasse minha testa com o indicador e se inclinasse até mim para encostar de leve seus lábios nos meus. A boca dele era sempre tão quente.

– Eu pretendo estar bem longe daqui no próximo inverno, Donghae. E na primeira oportunidade que tiver vou jogar essa coisa vermelha horrível fora.

Ele sorriu, mas não havia nenhum traço de empolgação ou esperança em seu rosto. E eu me senti uma criança falando sobre ideias malucas impossíveis, recebendo aquele falso sorriso de incentivo do tipo: Aham, é claro, que minha mãe me dava sempre que eu corria pela casa segurando uma caixa de papelão e gritando que eu seria um astronauta.

– Eu sou egoísta, Hyuk. É por isso que quero que você esteja aqui comigo.

– Por que você sempre faz isso?

– Isso o que? – ele inclinou a cabeça, piscando rápido duas vezes.

– Me deixa de fora das coisas. Quer que eu diga como é estar com uma pessoa que não compartilha nada com você? É uma droga. É uma porcaria de um monólogo.

– Acontece que não é tão simples quanto você imagina. – era muito fácil saber quando Donghae estava irritado ou aborrecido com alguma coisa. Ele começava a esfregar o polegar pelos outros dedos e olhava sempre para baixo.

– É o que você sempre diz, mas se esquece de que nada foi simples até aqui. Eu estou acostumado as coisas nunca serem simples. Sabe de uma coisa? Conseguir ouvir a sua voz não foi simples. Poder ver você não foi simples. Poder te tocar, te abraçar e te beijar definitivamente não foi simples. E mesmo depois de tudo ter sido não simples, você ainda age como se eu fosse ter medo. – levei meus dedos até seu queixo, levantando-o até que seu rosto estivesse na altura do meu. – Olha pra mim.

Seus olhos pareciam pesados; demoraram uma eternidade até que estivessem fixos nos meus.

– Isso... – ele indicou Gyeongbok atrás de nós com a cabeça. – Infelizmente, é tudo o que eu tenho a te oferecer.

– Acho que estamos em pontos totalmente diferentes nessa conversa. – aproveitei que Donghae descansou novamente a cabeça em mim e passei meu braço por cima de seus ombros, quicando sobre o banco até que ele estivesse quase no meu colo. – Eu disse que pretendo estar bem longe daqui com você, não que eu vou te largar aqui com essas pessoas doidas.

– Você está se esquecendo de um pequeno detalhe: Eu sou uma dessas pessoas doidas.

Acabei ficando em silêncio e girei meu corpo no banco, trazendo minha perna dobrada para cima conforme me colocava de frente para Donghae. Senti uma vontade desesperada de beijá-lo, porque deveria fazer, sei lá, umas vinte e tantas horas que isso não acontecia, e sabendo que Donghae jamais me deixaria chegar tão perto onde qualquer um poderia nos ver, deitei o guarda chuva para o lado criando uma espécie fajuta e improvisada de cobertura. O mesmo sorriso que vi na noite de natal estava ali, radiante em pleno dia nublado; verdadeiro, mesmo que as gotas da chuva molhassem lentamente seu rosto e deslizassem geladas pela sua pele quente. E eu amava aquele sorriso que engolia seus olhos quando crescia pelas bochechas coradas.

Percebendo minha intenção, Donghae também se virou no banco, acomodando uma de suas pernas em cima da minha. As mãos frias envolveram meu pescoço, nossos olhares tão fixos um no outro que vi meu reflexo crescendo nas íris escuras. Inclinei-me quando senti seu corpo vindo em minha direção, me puxando devagar, e eu juro, jamais me acostumaria com a sensação de estar prestes a beijar Donghae, porque a boca úmida tanto pela água da chuva que escorria preguiçosa quanto pela saliva que ele deixou ao passar a língua pelos lábios era algo que fazia, vergonhosamente, meu coração saltar em um ritmo alucinado. Todas as malditas vezes.

Aquele sorriso perfeito só se apagou quando nossos lábios se roçaram, minha mão livre procurando o calor confortável quando a deslizei até segurá-lo pela nuca. Acabei deixando que o guarda chuva caísse para trás do banco num baque abafado pelo som da chuva e fiz uso da situação para puxar Donghae para cima do meu colo, ajeitando-o de frente para mim no espaço miserável daquele pedaço de madeira persistente. As duas mãos do meu pescoço escorregaram até o colarinho repartido da minha jaqueta, me puxando para frente enquanto eu me apressava em segurá-lo firme pela cintura. Sua boca permaneceu imóvel sobre a minha, e só senti a ponta de nossas línguas se encostarem delicadamente quando o apertei na altura dos quadris e o fiz suspirar e ceder. O gosto doce que eu nunca saberia explicar, e que pertencia demais a mim para que eu quisesse sequer tentar.

Nós nos beijamos na chuva pela primeira e última vez.

E não é que eu tinha razão? Aquela foi, também, a última vez que Donghae viu o lago descongelar.

 

 

 – E foi isso. – Jongwoon disse, finalizando a história. – Hyoyeon apareceu de noite no meu quarto dizendo que precisava do meu crachá de identificação e de uma roupa social com urgência e, você sabe, não tem como dizer não para aquela mulher. – ele riu e tive que acompanhá-lo, porque realmente era humanamente impossível negar algo a Hyoyeon. – Ela disse que Lee Donghae tinha um encontro no baile e precisava se passar por mim.

A sensação que eu tive foi como a de ser estrangulado. Meu sangue subiu tão rápido até o meu rosto que fiquei meio zonzo, e o calor nas bochechas e nas orelhas me fez começar a suar um pouco. Um encontro, é isso que Hyoyeon disse, é claro. Porque ela não conseguiria ser nem um pouco discreta, e eu podia imaginar o sorrisinho que deu a Jongwoon quando disse isso. Não me surpreende que Hyoyeon tenha sido a primeira a descobrir que Donghae e eu estávamos em um tipo qualquer de relação, a capacidade de percepção e dedução daquela mulher era assustadora. Hyoyeon é exatamente o tipo de pessoa para quem você não consegue mentir, e na verdade, nem sente vontade de mentir.

Por sorte Jongwoon era um exemplo de discrição, e tão logo terminou de falar, seus olhos voltaram para seu prato de comida e ele continuou agindo como se não achasse estranho ou pavoroso ou incrivelmente anormal. Ou talvez ele só não tenha entendido que quando Hyoyeon disse encontro, ela quis dizer que o encontro era comigo.

– Até agora não acredito que deu certo. Quer dizer, vocês dois são bem diferentes...

– Ele estava de máscara. Foi o que Hyoyeon disse.

– Mesmo assim. Vocês têm tonalidades distintas, sabe.

Tonalidades distintas? – Jongwoon ergueu os olhos, meio incrédulo. – Hyukjae, esse não é um jeito gentil de dizer que eu sou mais escuro que Lee Donghae.

– Acho legal essa sua cor, tipo, parece que você é bronzeado cem por cento do ano.

Ele deu risada, o que era um bom sinal. Quando baixou os talheres para me responder, um estrondo na mesa nos fez dar um pulo na cadeira. Não existia, aparentemente, um motivo para que Hyoyeon sempre chegasse anunciando sua entrada das formas mais escandalosas, mas ela gostava que fosse assim. Depois de todos no refeitório terem olhado por alguns segundos, ela jogou os cachos loiros para trás e se sentou ao meu lado com um sorriso de orelha à orelha.

– A mamãe aqui conseguiu o que você queria. – disse, largando uma pasta fina sobre a mesa.

– O que exatamente eu queria? – perguntei, arqueando uma sobrancelha.

Hyoyeon rolou os olhos, pegando meu guardanapo para limpar algo no canto da minha boca que provavelmente escorreu com o susto. Ela apontou para a pasta, voltando a sorrir orgulhosa.

– Não acredito... – sussurrei, meus olhos se arregalando involuntariamente. Eu poderia me levantar daquela mesa, pegar Hyoyeon nos braços e girá-la pelo refeitório inteiro. – C-como?

– Hyukjae, o que você não me pede sorrindo que eu não faça chorando? – ela apoiou o rosto no punho fechado, os olhos redondos brilhando. Hyoyeon gostava de ajudar as pessoas, estava escrito em seu rosto. – Namorar o enfermeiro-da-bunda-boa tem suas vantagens, meu querido.

– Quer dizer que vocês estão namorando? – Jongwoon perguntou com um sorrisinho.

– Acho que quase isso. Quando você transa por tanto tempo com a mesma pessoa vai chamar de que se não de namoro? – ela riu. – Fica tranquilo, se não der certo com o enfermeiro talvez você tenha uma chance. – Hyoyeon se levantou um pouco da cadeira ao meu lado para apertar a bochecha de Jongwoon.

– Eles não vão sentir falta disso? – perguntei, apanhando a pasta de cima da mesa. Como eu estava no meio do almoço, a única maneira de escondê-la era sentando em cima.

– Ouvi dizer que Siwon vive grudado nessa pasta. Você tem que ser rápido, Hyuk.

Tínhamos o prazo de uma tarde antes que alguém notasse o sumiço da pasta. Não sei muito bem a razão, mas eu queria que Hyoyeon e Jongwoon estivessem comigo, então combinamos um horário no meio da tarde – o horário em que eu estaria em consulta com minha paciente que tem alucinações com a irmã, e sim, eu sei, não foi muito ético da minha parte – e precisamente às 16:20 os dois estavam se esgueirando para dentro do meu consultório. Entreguei à minha paciente um exercício de reconhecimento pessoal – inventado na hora – onde ela se ocuparia escrevendo em uma folha e me sentei no chão com Hyoyeon e Jongwoon. Na pasta havia uma folha de apresentação e várias outras cheias de anotações feitas à mão.

 

FICHA DE INTERNAMENTO

Paciente: Lee Donghae

Nascimento: 15 de outubro

Idade: 23

Peso: 60 kg

Altura: 1,74 cm

Tipo sanguíneo: A

 

Convênio: xxx

Documento: xxx

Endereço: xxx

 

Nome da mãe: xxx

Nome do pai: xxx

 

Diagnóstico: xxx

Medicação: xxx

 

Tempo estimado de internação: Indefinido

Médico responsável: Psiquiatra Dr. Jeon Seung

 

ANOTAÇÕES

 

INTERNAÇÃO VOLUNTÁRIA

 

02/01/2011 - Paciente 1510 dá entrada na Instituição de Tratamento de Transtornos e Doenças Mentais de Gyeongbok.

03/01/2011 - Paciente 1510 apresenta sinais de violência verbal e física. Início de calmantes via tratamento intravenoso.

15/01/2011 - Paciente 1510 apresenta transtornos do sono. Início de soníferos e intensificação de calmantes.

22/01/2011 - Paciente 1510 apresenta transtornos alimentares. Redução de peso em 5 kg.

18/03/2011 - Paciente 1510 apresenta sinais de forte depressão.

19/03/2011 - Paciente 1510 dá início a antidepressivos.

20/03/2011 - Atualização de medicação: Calmantes, soníferos, antidepressivos e vitaminas concentradas. Médico responsável: Psiquiatra Dr. Choi Siwon.

12/08/2011 - Paciente 1510 apresenta sinais de instabilidade emocional, observa-se início de comportamento antissocial.

25/12/2011 - Observa-se sinais de aviso de suicídio. 

26/12/2011 - Paciente 1510 dá início a Terapia Eletroconvulsiva (ECT). Médico responsável: Psiquiatra Dr. Choi Siwon.

05/01/2012 - Paciente 1510 responde à Terapia Eletroconvulsiva (ECT).

"Acho... Acho que foi aí que ele parou de falar, Hyuk."

23/02/2012 - Paciente 1510 apresenta comportamento estável.

23/02/2012 - Possibilidade de alta. Médico responsável: Bae Heeyun.

24/02/2012 - Paciente 1510 apresenta severa depressão, comportamento antissocial e sinais de esquizofrenia. Alta negada. Reavaliação de diagnóstico por Dr. Choi Siwon.

 

(...)

 

Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510, Paciente 1510.

 

Foi um pouco de covardia da minha parte, mas eu não quis continuar lendo. Acabei fechando a pasta tão de repente e com tanta força que Hyoyeon se sobressaltou em um pequeno susto, engolindo um pouco de ar quando olhou para mim.

– Meu deus... – Jongwoon murmurou.

– Eu não tinha ideia... Hyuk, eu não tinha ideia...

Senti a mão de Hyoyeon em meu ombro, e mesmo que meus olhos estivessem presos a etiqueta com o nome de Donghae colado na pasta, eu sabia que tanto ela quanto Jongwoon estavam fazendo aquela expressão que eu odiava. Eu os ouvia conversando, sentia a mão firme em meu ombro, apertando meus músculos em intervalos curtos como se para evitar que eu caísse no sono. Acho que eu estava no que, na psicologia, nós chamamos de estresse mental momentâneo. Mesmo com os olhos abertos, e mesmo entendendo tudo o que Hyoyeon e Jongwoon diziam, minha mente esvaziou por alguns minutos e a voz suave feminina me consolando sem parar deixou de fazer sentido.

Meus olhos secos começaram a arder depois de tanto tempo abertos, e ao piscar, foi como se um turbilhão de vozes entrasse de uma vez só pelos meus ouvidos. Olhei para Hyoyeon bem a tempo de ouvi-la dizer com uma voz estranhamente séria e grave:

"Se tem uma coisa da qual tenho certeza, Hyuk, é que de voluntária a internação de Lee Donghae não teve nada."

Apesar de não lembrar muito bem de como me senti enquanto descobria tudo o que haviam feito com Donghae naqueles três anos até ali, lembro-me bem de como me senti depois. É o tipo de coisa que não se esquece. Primeiramente foi pânico, porque não consegui mais imaginar seu rosto; foi como se eu estivesse pensando em duas pessoas completamente diferentes. Eu não consegui associar Donghae, meu Donghae, àquele Donghae descrito em números. Paciente 1510. Depois senti vontade de vê-lo, mais ou menos como se minha vida dependesse daquilo, como se ele estivesse prestes a desaparecer, ou como se nunca tivesse existido. Tive um medo engraçado e desconhecido: Medo de perder algo que é muito, muito importante.

Quando Hyoyeon e Jongwoon me deixaram sozinho, depois de perguntarem algumas centenas de vezes se eu ficaria bem, fiquei sentado diante da minha paciente observando-a rabiscar o papel inteiro ao invés de escrever o que eu havia pedido. Ela não deve ter imaginado o quanto eu estava agradecido por seu silêncio e por sua fascinação pelo grafite e por seus desenhos tortos. A única vez em que ouvi sua voz no meio de nossa consulta foi quando me pediu um apontador de lápis, me assustando com sua voz trêmula repentina.

Fiquei tonto de tanto encarar o relógio digital preso à parede. Minhas falanges ficaram brancas e doloridas até eu me dar conta de que estava pressionando os dedos com muita força nos joelhos, esfregando a textura do jeans até senti-lo quente. Não consegui esperar o relógio virar 17:00 horas, e às 16:58 me levantei de supetão e dispensei minha paciente justificando que era o suficiente e dizendo que seus desenhos eram muito impressionantes.

Como de costume, Minji torceu o nariz ao me entregar a chave do quarto de Donghae, mas eu não tive disposição ou ânimo para irritá-la dessa vez. Peguei a chave em minha mão suada e imediatamente me virei em direção ao final do corredor. Eu queria desesperadamente sair correndo, mas me mantive em passos largos até alcançar a fechadura. E então me surpreendi comigo mesmo, porque eu costumava ser uma pessoa calma, só que de alguma maneira minha ansiedade não me deixava acertar a chave naquele espaço miserável. Minha mão abaixava a maçaneta compulsivamente mesmo antes de destrancá-la e eu quis, pelo amor de deus, que aquela porta sumisse.

Achei que conhecesse o que alívio queria dizer, mas meu alívio estava ali. Meu alívio estava escorado na cabeceira de metal com um livro nas mãos, baixo em seu colo quando o barulho da porta o fez desviar a atenção de sua leitura para mim. E continuava do mesmo jeito como eu me lembrava. Perguntei-me no mesmo instante como eu poderia ter me esquecido de seu rosto, de seus cabelos bagunçados por um segundo sequer.

Ouvi o barulho abafado do livro caindo no chão e o metal da cama rangendo quando me deitei ao seu lado, trazendo-o impossivelmente para perto de mim. Deixei que meus olhos vasculhassem seu rosto confuso por tempo suficiente para me convencer de que ele realmente estava ali. Donghae não disse nenhuma palavra enquanto minhas mãos moldavam suas bochechas e meus dedos deslizavam por seus lábios, depois seus olhos, para que então se embrenhassem em seu cabelo. E ele continuou em silêncio quando escondi meu rosto em seu pescoço, aspirando o cheiro de sua pele morna ao mesmo tempo em que minha boca trêmula deixava um beijo perto de sua clavícula.

Ele sabia do que eu precisava, ainda que eu só precisasse que ficasse perto de mim. Donghae me abraçou pela cintura e enroscou as pernas nas minhas, beijando minha têmpora e o meu cabelo como se soubesse que algo estava errado. Fechei os olhos e me concentrei em ouvi-lo respirar, e só os abri novamente quando senti um gosto salgado alcançar minha boca. Acho que foi a primeira vez que Donghae precisou ser forte por mim, e não o contrário.

É claro que havia milhões de perguntas a se fazer, mas seus dedos acariciando os fios do meu cabelo e seus lábios constantemente pressionados contra a minha pele; meu rosto inteiro, desde meu queixo até meus olhos úmidos, não me deixaram pensar em nada mais que eu quisesse saber naquele momento.

É incrível como um paradoxo funciona. Conhecer Donghae foi, misteriosamente, a melhor e a pior coisa que aconteceu na minha vida.


Notas Finais


Eu realmente, REALMENTE, não vi o tempo passar, nem sei como começar a me desculpar.
Pra ser sincera eu tinha largado mão de Madness, mas esses dias vim ler os comentários e percebi que não posso simplesmente abandonar uma coisa pela metade, e alguns de vocês me deixaram até com vergonha de ter ficado tanto tempo sem atualizar.
Vocês ainda estão por aí?

Até logo!


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